HIPNOSE
– UMA TRÁGICA COMÉDIA CARIOCA
(PAI
NOSSO, QUE ESTÁS NO CÉU?!...
ou
A
VEZ DAS GRANDES MINORIAS.)
Recebe o nome de “OCUPAÇÃO GRANDES MINORIAS” um conjunto
de espetáculos programados para o Teatro
Glauce Rocha, cujas exibições se iniciaram no dia 30 de julho e vão até 27 de setembro.
O
espetáculo que deu início à ocupação (Adoro
esse termo!) e que, infelizmente, já encerrou sua temporada, no último
domingo, dia 16 de agosto, foi “HIPNOSE
– UMA TRAGICOMÉDIA CARIOCA”, com texto de MÁRCIA ZANELATTO, direção de RENATO
CARRERA e um elenco formado por sete ótimos atores: CARINE KLIMECK, CECÍLIA
HOELTZ, FELIPE KOURY, HUGO GERMANO, IVSON RAINERO, RODOLFO
MESQUITA e VANESSA GALVÃO.
Um
pouco sobre a ocupação, com texto extraído do “folder” distribuído aos espectadores:
“As
minorias somam a maior parte do nosso país.
Apesar de bombardeadas por preconceitos sociais de diversos tipos, são
elas que nos caracterizam brasileiros, nos dão nossos traços mais fortes.
A
“OCUPAÇÃO GRANDES MINORIAS”
apresenta um panorama de teatralidades que surgem a partir desse tema, buscando
mapear as questões sociopolíticas da contemporaneidade brasileira, através da
cena, revelando um novo TEATRO
engajado, emocionalmente engajado, que tenha potência poética e pensamento
capazes de confrontar a indiferença e a insensibilidade que congelam as
relações do indivíduo com o outro e com o seu tempo e podem mesmo levar uma
sociedade ao terror e à barbárie.
GRANDES MINORIAS é uma ocupação que
celebra a palavra viva e a vida em comunidade e incita essa mesma comunidade a
ser criadora da realidade que deseja.
E essa “comunidade” somos nós.
Mosaico de cenas.
SINOPSE:
A peça narra um hilário e
exasperante encontro entre representantes das classes média e baixa, tendo,
como pano de fundo, a realidade prisional do país.
O golpe de um falso sequestro
reúne, por doze horas, dois representantes de classes sociais distintas e
distantes: uma senhora, classe média, do Jardim Botânico, bairro da zona sul do
Rio de Janeiro, e um jovem do Encantado, subúrbio da zona norte, que, preso,
por engano, e sem conseguir provar sua inocência, precisa do dinheiro do golpe,
para poder subornar quem o possa tirar de lá.
Cena hilária: Ivson Rainero, Rodolfo
Mesquita e Felipe Koury.
Ao adentrar a
sala de exibição, o espectador já encontra os atores em cena, relacionando-se
entre si, descontraidamente, ainda fora de seus personagens, e, de forma
natural, vai-se formando uma espécie de cumplicidade entre elenco e plateia,
que vai acabar se transformando numa simbiose intensa entre ambos, mantida até
o final da peça.
Não há como
não se impressionar, e se encantar, com a imensa pintura, num telão, ao fundo
do palco, com uma imagem surreal de um Cristo
Redentor, um dos símbolos da ex-Cidade Maravilhosa, estilizado, no qual o
original é apenas a cabeça. O resto de
seu corpo é representado por duas armas de fogo, dispostas de forma
espetacular, gerando a imagem criativa de seu autor, o “designer” GUSTAVO BALDEZ. Gostaria de exibir aquela imagem, emoldurada,
num quadro, numa das paredes da minha sala de estar.
Não há grandes
complicações no cenário, criado por RENATO CARRERA. No espaço, não muito generoso, do Teatro Glauce Rocha, além do já citado
painel, apenas duas espécies de traves, como as utilizadas em jogos de futebol,
dispostas nas duas laterais, que servem para a sustentação de pontos de luz,
direcionados ao centro do palco; cadeiras e uma mesa, que é utilizada em
diversas posições, de acordo com as exigências das cenas. Tudo muito simples e prático, servindo às
intenções da direção, do próprio RENATO
CARREA, muito correta, diga-se de passagem.
Outra cena hilária: Rodolfo Mesquita,
Felipe Koury e Carine Klimeck.
O texto, muito bom, de MÁRCIA ZANELATTO, se divide em cenas
curtas e ágeis, muito bem decodificadas pelo diretor e pelo elenco. O mote do sequestro relâmpago, uma prática
que aterroriza a população e que não é combatida, por total descaso das ditas
“autoridades”, serve de base para que a dramaturga desfile uma série de
críticas a vários setores da sociedade, principalmente à comprovada falência da
segurança pública e à podre realidade carcerária do país, porém tudo feito com muito
bom humor e inteligência, a começar pela adaptação da oração Pai Nosso, ou Padre Nosso, como dizem alguns, recitada pelo ator HUGO GERMANO, no início e no final do
espetáculo, aqui transcrita:
PAI NOSSO
Pai nosso, que estás no céu,
Desce do céu e vem pra esquina!
Tira nossas crianças do poste!
Acaba com essa fúria assassina!
O mal nosso de cada dia nos dói hoje.
Livrai-nos dessa nossa polícia,
Dessa nossa política,
Que só nos tem ofendido!
Perdoai os pecados do morro!
Agora, que eu morro,
Canta, meu galo!
Acorda o sol dessa noite de escravidão!
Não nos deixeis cair no caveirão!
Livrai-nos da boca que cala!
Dai-nos voz!
Amém!
Márcia Zanelatto.
Aplicado por
dois detentos, GAGO (HUGO GERMANO) e
DEDINHO (IVSON RAINERO), contra LEILA (CARINE KLIMECK), utilizando,
como falso sequestrado, o filho desta, CHICO
(RODOLFO MESQUITA), o golpe parte de dentro do presídio Bangu 1, onde,
teoricamente, telefones celulares não deveriam fazer parte dos pertences dos
internos. Tudo é executado com a conivência
“deste”, que deve “àquele”, o qual, por sua vez, “tem o
rabo preso” com o “outro”, que deve
obediência a “um terceiro”... É uma cadeia - sem trocadilhos - de “politicamente
incorretos”, que vai determinar a circulação do dinheiro cobrado pelos
falsos sequestradores, passando de mão em mão, até “se perder no limbo”...
Hugo Germano e Ivson Rainero.
Utilizar o
riso para denunciar o torto não é nenhuma novidade em TEATRO. Torna-se, porém,
merecedor de um foco mais intenso, quando isso é feito com maestria, como é o
caso do texto de MÁRCIA ZANELATTO, escritora,
roteirista, poeta, discípula, fiel e aplicada, do mestre Domingos de Oliveira e dramaturga premiada. Além de tantos outros, em 2014, por exemplo,
ganhou o Prêmio de Melhor Texto, no 9º Prêmio APTR de TEATRO, por sua peça “Desalinho”, dividindo a premiação com Gustavo Gasparani, pelo seu “Samba Futebol Clube”.
Como
idealizadora do projeto “OCUPAÇÃO GRANDES
MINORIAS”, MÁRCIA pretende
resgatar um TEATRO que coloque o
Brasil no centro do palco e discuta questões da nossa sociedade. Defende a
retomada do papel que o TEATRO já
exerceu de discussão da sociedade brasileira, sem ser, tecnicamente, didático
nem panfletário. E consegue, com esta “HIPNOSE”. Esperamos o mesmo com os espetáculos que
ainda virão.
Rodolfo Mesquita e Carine Klimeck.
Uma análise minuciosa da peça nos leva a concluir
que se trata de um espetáculo que merece
ser recomendado e, mais ainda, não foi montado para ficar apenas por três
semanas em cartaz. Merece uma boa
temporada, em horário nobre, num teatro que ofereça melhores recursos, aos
atores, equipe técnica e ao público.
Essa recomendação se deve à excelência do texto, já referida, à ótima direção, de RENATO CARRERA, aos elementos técnicos, de muita qualidade, como o
já citado cenário, de RENATO CARRERA, assim como os figurinos, de MARIA DUARTE, a perfeita iluminação,
de RENATO MACHADO, à trilha sonora, de GUSTAVO BENJÃO, variando ritmos, que passeiam do samba ao “funk”,
utilizando, também, sons urbanos, limitando as cenas com rajadas de
metralhadoras e outras potentes armas, que são “brinquedos” nas mãos da
bandidagem; infelizmente, um dos sons mais temidos e familiares, para os
cariocas.
Iluminação: detalhe 1.
Iluminação: detalhe 2.
Iluminação: detalhe 3.
E, encerrando a relação dos motivos para se
assistir a “HIPNOSE”, falemos do
excelente elenco escalado para a
encenação. Não são atores que frequentam
os corredores do Projac nem se deslocam, de um estúdio ao outro, naqueles
carrinhos elétricos, “à la” Ana Maria Braga, mas que são grandes talentos da
arte de representar, desdobrando-se em quase duas dezenas de personagens.
Excelentes profissionais, todos dão conta do que
lhes é de responsabilidade, porém, não me furto a destacar CARINE KLIMECK, impagável, uma profunda conhecedora do “timing” da comédia, daquelas atrizes
que fazem rir, mesmo quando caladas, e que provoca aplausos em cena aberta.
Outro que merece grande destaque é HUGO GERMANO, cujo trabalho eu não
conhecia. O ator me foi apresentado,
antes do início do espetáculo, como “o
novo Grande Otelo”. Confesso que meu
ceticismo, na hora, gritou: “Presente!”. Restou-me, naquele momento, a oportunidade de
vê-lo atuando e ratificar ou retificar o epíteto a ele atribuído. Nem uma coisa nem outra. A verdade é esta: trata-se de um excelente
ator cômico (Gostaria de vê-lo, também, num papel dramático.), muito versátil,
um “azougue”, como dizia a minha avó, e que, em muitos momentos, lembra, sim, o
inesquecível Otelo. Que HUGO
seja a reencarnação dele é o meu desejo, da maneira como se portou em “HIPNOSE”, sem imitá-lo.
Hugo e Carine.
“Versatilidade” é o melhor termo aplicável ao elenco da peça.
Torço muito, para que o espetáculo reestreie, em
breve, e faça a longa e brilhante carreira que merece.
Hugo Germano.
FICHA TÉCNICA:
Texto: Márcia Zanelatto
Direção: Renato Carrera
Elenco: Carine Klimeck (Leila), Cecília Hoeltz (Graça, Velha, Edu e
Maria Alice Cavalcanti), Felipe Koury (Nando, Carcereiro, Piolha, Marco Beto e
Corretor 2), Hugo Germano (Gago), Ivson Rainero (Dedinho e Maurício), Rodolfo
Mesquita (Chico, Chefe, Dr. Antero, Corretor 1 e Delegado) e Vanessa Galvão
(Kátia e Repórter)
Cenário: Renato Carrera
Arte do Cristo Redentor: Gustavo Baldez
Figurino: Maria Duarte
Luz: Renato Machado
Trilha Sonora: Gustavo Benjão
Produção: Roberta Schneider
Realização: VIL CIA
Aplausos!!! BRAVO!!!
(FOTOS: PRODUÇÃO, DIVULGAÇÃO,
DIEGO BONEL e GUIDO
GUIMARÃES.)
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