PARA
OS QUE ESTÃO EM CASA
(A PRESENTE AUSÊNCIA
ou
O QUE OS OLHOS NÃO VEEM O
CORAÇÃO SENTE.)
E
a temporada de boas estreias, nesta safra de 2015, continua...
Agora, foi a
vez de PARA OS QUE ESTÃO EM CASA, em
cartaz na Arena do Espaço SESC (Copacabana),
até o dia 8 de fevereiro.
Trata-se do
primeiro, e ótimo, texto do ator LEONARDO
NETTO, que, jogando em todas as posições, tem o seu nome em destaque, por várias
vezes, na ficha técnica do espetáculo. LEO está comemorando 25 anos de
atividades artísticas, basicamente como ator (dos bons), mas também já assinou
algumas direções, de menor porte, e faz o seu lançamento como dramaturgo,
entrando pela porta da frente, com direito a tapete vermelho e muita luz sobre
si.
O texto é
livremente inspirado no filme Denise
Está Chamando (Denise Calls Up), de
Hal Salwen.
O elenco.
Selfie.
SINOPSE:
A peça discute a mediação
tecnológica nas relações de amor e amizade na sociedade contemporânea.
Mostra um grupo de amigos,
os quais, sem perceber, não conseguem mais ter uma relação direta e real,
utilizando-se de toda a parafernália tecnológica disponível atualmente, para
construir uma nova forma de convivência, ilusoriamente mais “próxima”.
Telefones, smartphones, e-mails,
redes sociais, blogues, sites, aplicativos, imagens compartilhadas e toda a
vertiginosa velocidade do mundo atual são a matéria-prima para levantar algumas
questões pertinentes à sociedade do século XXI.
PARA OS QUE ESTÃO EM CASA propõe um olhar carinhoso e bem humorado
sobre a comunicação, a tecnologia e as relações de amor e amizade, e apresenta
uma forma moderna de solidão: você está cercado de amigos... que nunca viu na
vida.
O
parágrafo final da sinopse me lembra
uma charge que alguém postou, recentemente, numa rede social, que mostrava o
enterro de um sujeito. Enquanto o
coveiro preparava o local para o descanso eterno do falecido, a viúva dirige-se
a uma única pessoa presente à cerimônia fúnebre, um homem, além dela,
supostamente um amigo do morto, e lhe diz: “E
pensar que, no Facebook , ele tinha
cinco mil seguidores!”.
“Seria cômico,
se não fosse sério”! Não é cômico; é muito sério.
Esses
“seguidores”, os “facefriends”, são os amigos virtuais,
aqueles que nos solicitam que os adicionemos à nossa página, mas que, quando
nos encontram, na rua ou em algum evento sociocultural, nem nos dirigem a palavra. Tenho quase 1500, no Facebook ,
os quais, certamente, não lotarão o cemitério, quando eu partir desta para
melhor (Será que é melhor mesmo?)
Se
me fosse exigida uma única palavra que sublinhasse a peça, do início ao fim, eu
escolheria, sem titubear, um sentimento tão indesejável e, ao mesmo tempo,
procurado e cultivado por muita gente, até sem o saber: SOLIDÃO. É ela que está
presente nas “relações” humanas, no palco e na plateia e pode (Quem sabe?) até
justificar a inconveniente atitude daqueles que, num auditório, com um
excelente espetáculo se desenrolando, sacam (Sim, os celulares se transformam
em perigosas armas.) o seu aparelho celular de última geração, para passar
mensagens ou sei lá para quê. Ali,
rodeados por dezenas, ou centenas, de outros seres humanos, com um fantástico
espetáculo à sua frente, à sua disposição, para o lazer e/ou reflexões e
aprendizados, parecem seres solitários, à procura de “companhia”.
Em
cena, os sete personagens, seis mais presentes e uma sétima, que interage num
outro plano, compartilham um tipo de solidão que já estava presente, na década
de 90, quando o filme, no qual se baseia a peça, foi lançado, e que só fez
aumentar de proporções, de lá para cá, graças ao crescente e galopante avanço
tecnológico e aos apelos da mídia, para que mergulhemos, cada vez mais fundo,
nessa parafernália de luzes e sons, passaporte para a loucura.
Eu
me apaixonei pelo espetáculo logo nos primeiros vinte minutos de ação e a
alegria de estar assistindo a mais uma grande estreia deste ano teatral foi num
crescendo, que explodiu nos meus calorosos aplausos, ao final da peça.
Motivos
para tanta empolgação na me faltaram, a começar pelo texto, muito bem
construído, com diálogos vivos, numa linguagem de fácil assimilação, reproduzindo,
fielmente, os perfis dos personagens.
Para falar de relações humanas do século XXI, afetivas, de uma gente, no
fundo, no fundo, carente de afeto, de calor humano, LEONARDO criou falas que transitam entre o humor, a ironia e o
drama, tais como:
1) “Meus
vizinhos não servem pra nada. Só pra
usar a furadeira no sábado de manhã”.
(LÍDIA / ADASSA MARTINS)
2)
“Relaxa.
Ninguém sabe como ninguém é”.
(VERA / ANA ABOTT)
3)
“Sei de uma coisa que eu não deveria saber
sobre você”. (ALICE / BEATRIZ BERTU)
4)
“Pessoas que você conhece, que são,
aparentemente, normais, escrevendo barbaridades...”. (FRED
/ CIRILLO LUNA)
5)
“Eu disse pra uma pessoa que eu ia viajar e,
agora, tenho que me comportar como se não estivesse na cidade”. (GUIDA
/ ISABEL LOBO)
6)
“Às vezes, coisas que acontecem com
estranhos nos afetam, como se acontecessem com a gente”. (CLÁUDIO
/ JOÃO VELHO)
7)
“Não tenho tempo nem pro almoço. E ainda vou ter que namorar?” (JORGE
/ RENATO LIVERA)
Não estamos
diante de um texto panfletário ou didático, mas sentimos, nas entrelinhas, um
alerta para não nos deixarmos seguir pelos mesmos caminhos que conduziram cada um
dos personagens ao seu “exílio da
humanidade”. São diálogos que
retratam, da forma mais fiel possível,
os tempos hodiernos, de valorização do “invalorável”.
Na direção, LEONARDO NETTO faz um excelente trabalho. Embora não seja uma condição “sine qua non”, cada vez mais,
certifico-me de que diretores que também, ou antes, são atores têm uma
tendência a desempenhar melhor a função de maestros do espetáculo. Não é diferente com o LEO. Ainda por cima, levando
a vantagem de ser o autor do texto, busca, e consegue, extrair dos atores,
todas as cores de cada um dos personagens, na medida certa, sem qualquer
exagero, uns mais extrovertidos, outros mais voltados para o seu interior,
porém todos, sem exceção, vivendo a mesma problemática do “sozinho na
multidão”.
A cena inicial
do espetáculo já é uma prévia do que vai acontecer durante os 80 minutos de
ação, quando VERA (ANA ABOTT) liga
para LÍDIA (ADASSA MARTINS), para
saber como fora a festa de aniversário desta, na noite anterior, já que não
pudera comparecer. Fica, então, sabendo
que nenhum dos convidados, os outros amigos, fora. “Não
deu” para ninguém, como sempre acontece.
À medida que vai falando com VERA,
LÍDIA, que tem, nas mãos, alguns
balões de aniversário, os quais teriam servido à decoração da festa, que não
aconteceu, vai estourando-os, um a um, passando ao público não só o seu
desapontamento com os “amigos”, como também pode ser lido, naqueles gestos, o
descarte de cada um, de sua vida. Uma
grande decepção!
Onde estão os amigos?
Considero
fantástico o cenário de JOSÉ DIAS, de uma importância vital
para este espetáculo, uma vez que põe em destaque o total isolamento dos
personagens, embora ocupem espaços contíguos, demarcados por uma luz impecável, do mestre AURÉLIO DE SIMONI. Temo que, em outra configuração de teatro, o
espetáculo, venha a perder um pouco da sua peculiaridade. Parece que foi concebido para uma arena
mesmo. Oxalá ficasse em cartaz “ad aeternum”,
no Espaço SESC!
O cenário de cada espaço individual, ou
seja, cada casa, ou apartamento, se restringe a um cômodo, com detalhes de
pouco mobiliário e decoração bem ao feitio dos personagens: mesas, sofás,
poltronas, escrivaninhas, almofadas, alguns objetos de decoração, computadores,
telefones e smartphones e, até mesmo (Adorei!) um sofá-cama (Onde foram encontrar
aquela peça?!), que me lembrou um antigo, da marca Drago (Dragoflex), que
utilizei durante uma parte da minha infância/adolescência (Bateu saudade!).
Dando a ilusão
de que, pelo menos um espaço seria comum a todos, há, no centro da arena, uma
mesa de centro, ou um banco, comprida(o), onde, por vezes, dois dos sete
personagens se sentam, enquanto se falam, a distância. Vejo isso como uma excelente metáfora para o “longe/perto”;
ou melhor, o “perto/longe”. Para
completar a parte cenográfica, só falta fazer alusão a dois telões situados no
alto, um de frente para o outro, nos quais são feitas algumas oportunas e
interessantes projeções.
Sob os focos, quem está presente na ação.
Já mencionei a
bela iluminação de Aurélio de Simoni. É ela, e não nada físico, que vai delimitar o
espaço de atuação de cada personagem, o raio de ação de cada um deles. De vez em quando, ilumina toda a cena, mas
fica mais interessante quando se concentra sobre um ou dois, ou até mais
personagens, simultaneamente.
Detalhe da iluminação.
Mais detalhe da iluminação.
Ninguém se
arruma, ninguém se “produz” para ficar em casa, motivo pelo qual os excelentes
figurinos, de MARCELO OLINTO, são
simples, leves, aconchegantes, confortáveis, despojados, “roupas de ficar em
casa” ou “roupas de dormir”, como deveriam mesmo ser. Eles traduzem o “way of life” de cada um, não
demonstrando a menor preocupação com o estar, a aparência. Fiquei com inveja, com vontade de trocar de
roupa com algum dos atores.
No elenco, não
há como destacar ninguém, pois todos
estão muito bem em seus papéis, inclusive, BEATRIZ BERTU (ALICE), que não aparece tanto em cena quanto os
demais colegas, mas é tão importante quanto todos, na trama.
Não se pode,
aqui, falar em protagonistas, pois todos o são, a cada momento e dentro de
diferentes focos ou pontos de vista ou de interesse.
ANA ABOTT (VERA) arranca boas
gargalhadas, com sua ideia fixa de juntar, em namoro, a amiga GUIDA (ISABEL LOBO) com JORGE (RENATO LIVERA), amigo de seu
ex-namorado FRED (CIRILLO LUNA). São hilárias as situações de imbróglios que
vão sendo criados por ela e que os outros vão se ocupando em ampliar.
Ana Abott.
Isabel Lobo e Ana Abott.
Isabel Lobo e Renato Livera.
Cirillo Luna.
Renato Livera.
Adassa Martins.
João Velho.
CLÁUDIO, personagem de JOÃO VELHO, se envolve, afetivamente,
com ALICE (BEATRIZ BERTU), por conta
de uma atitude impensada. Tal
envolvimento chama, para si, o aspecto lírico da peça.
João Velho e Beatriz Bertu.
Numa época em
que todos se conhecem, mas ninguém conhece, de verdade, o próximo, sexo virtual
não chega a ser nenhuma coisa tão esdrúxula, e ele está presente, na peça, numa
cena muito bem construída e engraçada, graças à ótima interpretação de ISABEL LOBO e RENATO LIVERA.
Sexo virtual.
Enfim, o orgasmo!
Não poderia
faltar, também, um elemento mais sério, retratando o sentimento da dor de uma
perda, envolvendo, principalmente, o personagem de CIRILLO LUNA. É o momento
“vamos parar pra pensar”. Nas armadilhas
do destino. No sentido de estarmos
aqui. No que poderíamos ser e ter tido,
e deixamos escapar por entre os dedos...
A dor da perda.
Perder dói.
Adoro
surpresas, as agradáveis, evidentemente.
PARA OS QUE ESTÃO EM CASA foi
uma agradabilíssima surpresa. Não pelo
elenco; não pelo tema; mas por ter conhecido um LEONARDO NETTO autor e diretor de primeira linha.
É para ser revisto. E é o que farei.
FICHA TÉCNICA:
Texto: LEONARDO NETTO
Concepção e Direção: LEONARDO NETTO
Elenco: ADASSA MARTINS, ANA ABBOTT, BEATRIZ BERTU, CIRILLO LUNA, ISABEL
LOBO, JOÃO VELHO e RENATO LIVERA (RODRIGO TURAZZI = stand-in)
Participação em vídeo: ANDRÉA DANTAS e SANTIGO KARRO TRÉMOUROUX
Cenário: JOSÉ DIAS
Iluminação: AURÉLIO DE SIMONI
Figurinos: MARCELO OLINTO
Vídeos: LEONARDO NETTO e RENATO LIVERA
Trilha Sonora: LEONARDO NETTO
Design Gráfico: LÊ MASCARENHAS
Fotografia: VICENTE DE MELLO e JÚLIA RÓNAI
Assistência de Direção: JÚLIA RÓNAI
Direção de Produção: LUÍSA BARROS
Produção Executiva: CAROL KERN
Realização: FULMINANTE PROD. CULTURAIS e CAPITÃO COMUNICAÇÃO E CULTURA
Parceria: SESC
SERVIÇO:
Temporada: Até 08/02.
Bilheteria: De terça-feira a domingo, das 15h às 21h. Vendas antecipadas no local.
Local: Espaço Sesc (Copacabana) - Teatro de Arena
(Rua Domingos Ferreira, 160 – Copacabana)
Horários: De quinta-feira a sábado, às 20h30min. Aos domingos, às 19h
Ingressos: R$20 (inteira) e R$10 (estudantes e idosos); R$5,00
(associados do SESC)
Telefones: (21) 2548-1088 e (21) 2547-0156
Capacidade: 240 lugares
Gênero: comédia dramática
Classificação: 14 anos
Duração: 80 minutos
(FOTOS: VICENTE DE MELLO E
JÚLIA RÓNAI.)
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