“MOSTRA A
TUA CARA”
ou
(INFELIZMENTE,
É A QUE
TEMOS.
ou
(UM TRISTE
RETRATO
“COLLORIDO”
DO BRASIL.)
Um
bom texto, uma boa direção, um bom elenco, um bom conjunto de artistas criativos,
e está montado um ótimo espetáculo, que precisa ser visto pelos mais velhos, para
o exercício da memória débil do brasileiro; pelo mais jovens, para que conheçam
a triste realidade da verdadeira história recente do Brasil. Por
todos, enfim, para que possamos compreender onde e quando tudo começou,
o início do caos, a partir de quando passamos a ser uma triste nação, uma nau
sem rumo, lançada a um mar tortuoso. É para isso que existe “MOSTRA A TUA CARA”, espetáculo que está
em cartaz, às 2ªs e 3ªs feiras, no Teatro Firjan Sesi Centro, Rio
de janeiro, até o dia 10 de dezembro de 2024.
Na verdade, apesar de a peça
sugerir que estamos “atolados neste pântano malcheiroso” desde 1996, ou, mais
propriamente, 15 de março de 1990, quando tomou posse, como presidente do
país, um “nefasto engomadinho”, sabemos, hoje, com total clareza e conhecimento
de causa, que nosso estado “quase letal” começou mesmo em 22 de
abril de 1500 e só foi se agravando, a partir de várias datas, a mais
significativa de todas, com certeza, 31 de março (para "eles") / 1º de abril de 1964
(para nós), com pinceladas de piora a partir de 1º de janeiro de 2018.
Quando
assisto a um ótimo espetáculo como este, sinto, muitas vezes, dificuldade para
escrever sobre ele, porque ou bastaria dizer que é uma peça imperdível,
economizando tempo, ou levaria horas, teclando, para explorar cada cantinho de
tudo de bom que o espetáculo contém. Como, no momento, o meu tempo está valendo
“uma
mega da virada”, por conta de tantas críticas a serem escritas, vou
optar pela concisão sincera, um meio-termo entre as duas possibilidades.
SINOPSE:
“MOSTRA A TUA CARA” fala sobre o
passado recente do Brasil.
A história se passa no Rio de Janeiro, no dia 23 de
junho de 1996, o dia do assassinato de Paulo César Farias, ou,
simplesmente, o PC Farias.
Em quatro bares diferentes da capital carioca, quatro personagens – um michê
de sauna (THADEU MATOS), uma
dona de casa classe média (ÂNGELA
REBELLO), um empresário (ALEXANDRE GALINDO)
e uma cantora de axé (LETÍCIA
ISNARD) – revivem, por meio de diálogos fragmentados, os anos
Collor e como estes mudaram suas vidas.
A peça retrata o fim do regime militar no país, imposto, em 1964,
por um golpe militar, e o começo tumultuado da chamada Nova República.
É preciso dizer, de saída,
quem foi Paulo César Farias, o PC Farias, como era conhecido e
tratado por todos. Ele foi um empresário brasileiro, que ganhou
notoriedade por atuar como chefe da campanha de eleição de Fernando Collor de Mello,
seu tesoureiro de campanha e homem de total confiança, e por seu envolvimento no
escândalo de corrupção que levou ao “impeachement” do presidente eleito (“Impeachement”
que não chegou a existir, na verdade, pois o canalha renunciou à presidência do
país, horas antes da votação, que já era bem clara e esperada.), por
sua fuga do país e pelas circunstâncias controversas em que foi assassinado. PC
foi
encontrado morto, junto ao corpo de sua namorada, Suzana Marcolino, em sua
casa de praia, em Alagoas. Investigações de um legista deram como resultado que Suzana
Marcolino matara PC Farias e se suicidara em seguida. O
caso é considerado, oficialmente, um “crime passional”, mas, para outros
notórios médicos legistas e um conhecido perito criminal, o casal teria sido
assassinado. Por quem? Por quê? A mando de quem?
O formato da peça me
lembrou duas outras a que assisti, faz muito tempo: uma americana, aqui
encenada, “Os Filhos de Kennedy” (1976), a qual, por sua vez, gerou
uma nacional, “Os Órfãos de Jânio”, escrita por Millôr Fernandes, ambas
dirigidas por Sérgio Britto, dois grandes sucessos de bilheteria e crítica,
no Brasil.
ROGÉRIO CORRÊA, um dramaturgo premiado, pautou-se, muito bem, nesses
dois espetáculos, principalmente no primeiro, e nos brinda com um texto extremamente
bem escrito, apoiado em muitas pesquisas, trazendo à tona um fato histórico, a
partir do qual vai tentando explicar os resultados de um grande erro cometido pelos
eleitores brasileiros, que acreditaram em mais um farsante, que se apresentou
como um “messias” (De vez em quando surge um e a coisa “fede”
mais.).
Para refrescar a
lembrança, e como novidade para muitos: Tão logo tomou posse, como presidente, o novo eleito, Fernando Collor de Mello, numa tentativa
de “conter
uma hiperinflação”, lançou o chamado “Plano Collor”,
confiscando as cadernetas de poupança dos brasileiros, por 18 meses. Os valores em
cruzados novos bloqueados ficariam recolhidos ao Banco Central do Brasil,
por 18
meses, recebendo juros de 6% ao ano, mais correção monetária,
creditados diariamente, e seriam liberados em 12 parcelas mensais a partir do
19º mês. Na hora do confisco, cada pessoa só teve direito a resgatar Cr$ 50.000,
o que equivaleria a cerca de R$ 60 hoje, salvo engano (Matemática
jamais foi meu forte.). O que se poderia dizer, em relação a isso, em termos
não censuráveis? ABSURDO! IMORALIDADE! CRIME! Por conta
disso, muita gente adoeceu e morreu, fora a quantidade estúpida de pessoas as
quais se suicidaram.
O espetáculo começou a ser elaborado durante
a pandemia, e uma pequena versão provisória, à qual, infelizmente não assisti,
foi exibida “on-line” na época, e revisita o período da “Nova República” no Brasil,
que, de “NOVA”, só tinha o adjetivo. O gênero atribuído à peça é “tragicomédia”;
e não há nenhum erro nisso. A plateia dá boas gargalhadas, por conta da excelência
do texto e da magnífica interpretação dos atores, sem falar nas coisas
totalmente “non sense” que saem da boca do quarteto. Por outro lado, terminada
a sessão, é inevitável uma reflexão: “A peça é ótima, superdivertida, ri à
farta... Mas de quê? Por quê?” No fundo, talvez seja um riso de nervoso.
Ou de ódio, por tanta maldade e sofrimento que a eleição daquele infeliz nos
causou.
ROGÉRIO
CORRÊA é meio “bissexto” por aqui, pois reside e trabalha em Londres
e tem uma longa história nas ARTES DRAMÁTICAS, como ator,
produtor
e escritor.
Extremamente aplicado, conhece os meandros do TEATRO como ninguém, por
conta de ter estudado dramaturgia, no Brasil e no Reino Unido, e ter
concluído um mestrado em Roteiro, na Universidade Goldsmiths,
em Londres.
Extraído do “release” da peça: “ROGÉRIO foi assistente de coordenação no
Curso de Roteiro e Dramaturgia da CAL, entre 2009 e 2012.Teve peças encenadas
em Londres, “Mona & Eu”, em 2018, e “Sexo Entre Homens”, em 2020. Foi
finalista, duas vezes, no concurso de dramaturgia mais prestigiado do Brasil
(Seleção Brasil em Cena), e ganhou o Prêmio “Player Playwrights”, em Londres,
em 2018, na categoria de Melhor Peça, com ‘A Casa Que Gira’”.
Concordando com o diretor da peça, ISAAC BERNAT, é oportuníssima a
montagem deste texto, uma vez que ele representa “uma oportunidade de repensar o
Brasil e, talvez, perceber, que, por mais duro que um tempo seja, ele também
vai passar e, quem sabe, servir de alerta para que a história não se repita,
nem mesmo como farsa”. Nesse sentido, o espetáculo pode, e deve, ser
visto como uma grande denúncia e que sirva de escudo, para que evitemos novas investidas
de uma direita extremista e ignóbil, NOJENTA, que emergiu dos esgotos,
há 7
anos, para ameaçar a democracia e o estado democrático de direito, no
Brasil.
Por outras partes do mundo também.
O espetáculo é bem
simples, estruturalmente falando, o que não lhe rouba, absolutamente, o valor,
em todos os sentidos. Traz um texto bem enxuto e agradável se ser ouvido, como
se cada personagem estivesse “pensando alto”, em reflexões que
extrapolam os limites interiores de cada um. Mas também dá para perceber a
intenção, em vários momentos, de uma quebra da quarta parede. Alguns poderão
achar que se trata de um espetáculo “datado”, mas não é assim que penso.
E as piadas e citações sobre coisas da época são ótimas e servem para levar os
mais jovens a pesquisar e abandonar, um pouco, as futilidades que vivem
procurando na internet.
ISAAC BERNAT, consciente da qualidade do material humano a seu dispor, como diretor, passa a impressão de ter dado, a cada um de seus dirigidos, um roteiro direcional, deixando que cada um encontrasse a melhor forma de representar sua “persona”. Foi preciso nas marcações e na condução de um elemento importantíssimo neste tipo de peça: o tempo. O espetáculo não apresenta as detestáveis “barrigas hiáticas” (Acabei de criar um neologismo: um adjetivo para o substantivo “hiato”.) e mantém o mesmo ritmo e tom de uma proposta cômica e dramática simultaneamente, sem permitir obviedades.
São muito descomplicados,
entendíveis e transparentes os elementos de criação da peça. Tudo bastante “franciscano”, por conta, imagino eu, de uma “discreta”
verba, para a produção, entretanto tudo está ajustado à proposta que se vê, e
não havia necessidade de mais nada no palco. Sem desfazer de nada ou de
ninguém, o peso maior desta montagem está no texto e nas interpretações.
Os artistas
de criação parecem ter topado entrar num projeto pobre, de recursos materiais,
mas riquíssimo, em outros sentidos, o qual permitia a cada um deles criar,
o que é muito saudável, em qualquer tipo de ARTE.
DÓRIS ROLLEMBERG, por exemplo reuniu os quatro espaços “num
só” e dispôs quatro mesas de bar, com suas cadeiras, uma ao lado da outra.
E, por trás desse conjunto, um bar, do tipo caseiro, onde os quatro personagens
se servem de bebidas diversas.
MARGO
MARGOT, nos figurinos, manteve-se bem fiel aos trajes que seriam usados, no
dia a dia, naquela época, por cada um dos personagens, se reais fossem. Foi um
ótimo exemplo de “menos é mais”.
E o mestre AURÉLIO DE SIMONI foi outro que apelou para a economia de luz, que
o espetáculo pedia. Teria capacidade para inventar o que quisesse, com sua
paleta de cores e instrumentos que permitem efeitos especiais, contudo optou
para algo mais especial que tudo: a naturalidade na iluminação.
Com relação ao elenco,
numa premiação de TEATRO em que existisse prêmio para o conjunto de atores, o
desta peça teria que ser, no mínimo, indicado, uma vez que, para um elenco ser
considerado bom, é preciso que haja muito equilíbrio e sintonia entre todos,
além dos talentos individuais, o que não falta aqui. Os personagens, apesar de
terem algo muito importante em comum, as queixas do estado em que ficaram, por
conta de Collor e sua corja, são, individualmente, completamente
diferentes e se apresentam com muita verdade, em suas composições. ALEXANDRE GALINDO, ÂNGELA REBELLO, LETÍCIA ISNARD
e THADEU MATOS, cada um deles sabe aproveitar,
ao máximo, os seus momentos de expressão individual, mas não deixam de
interagir, sem palavras durante todo o espetáculo.
O executivo Henrique, de GALINDO, convence, principalmente na
desconstrução, gradativa, de sua empáfia, de seu poder de rico, atingido pelas
atitudes do maléfico Collor. ÂNGELA representa, com total fidelidade, a dona de casa, que perdeu
o domínio das coisas, em função de uma galopante “usurpação”, para evitar
um termo mais forte, porém que melhor definiria a questão. Sua Yolanda
vai sentindo o seu poder aquisitivo escorrendo pelos dedos e sendo empurrada a
viver numa situação bastante precária. Apesar disso, com suas idiossincrasias e
“cafonices”,
a personagem nos faz rir bastante, atuando como uma válvula de escape para o
nosso “ódio empático” pelo maldito Collor. LETÍCIA é outra que, apesar de também
sofrer o prejuízo causado pelo satânico Collor, também pode ser considerada
outra válvula de escape das nossas tensões, por ser uma completa “sem-noção”,
que sonha com o ápice da carreira de cantora de axé, Rejane, e parece não perceber,
ou finge isso, para sofrer menos, o golpe aplicado pelo maldito Collor.
De todos, o personagem que, aparentemente, é menos atingido pelo desvario do
desclassificado Collor é Fernando, representado por THADEU MATOS, talvez pelo fato de ter
certeza de que por mais “planos econômicos” e afins que
pudessem vir por aí, seu ramo de “negócios”, a prostituição
masculina, pouco, ou em nada, seria atingido. Afinal, sexo é uma necessidade e
sempre haverá quem economize, para pagar a um bom michê. De qualquer forma,
também se sente prejudicado e protesta, como os demais personagens.
O autor decidiu batizar seus quarteto de
personagens, mas bem poderia fazê-los anônimos e chamá-los por letras do
alfabeto, por exemplo, ou por números, já que cada um deles representa um
batalhão de outros semelhantes.
FICHA TÉCNICA:
Texto:
Rogério Corrêa
Direção:
Isaac Bernat
Elenco:
Alexandre Galindo, Ângela Rebello, Letícia Isnard e Thadeu Matos
Cenário:
Dóris Rollemberg
Figurino:
Margo Margot
Iluminação:
Aurélio de Simoni
Direção
Musical: Charles Kahn
Assistente
de Direção: Paula Furtado
Direção
de Movimento: Adriana Bonfati
Contrarregra:
Jota Santos
Coordenação
de Produção: Malu Costa e Rogério Corrêa
Operador
de Luz: Bernardo Bastos
Operador
de Som: Thiago Miyamoto
Assessoria
de imprensa: Círculo Comunicações / Cristiana Lobo
Design
Gráfico e Mídias Sociais: Gustavo Ferrari (adaptado da arte de Dante)
Fotos:
Rômulo Corrêa
Produção:
Pinheiro Reis Produções Artísticas
SERVIÇO:
Temporada:
De 04 de novembro a 10 de dezembro de 2024.
Local:
Teatro Firjan SESI Centro.
Endereço:
Avenida Graça Aranha, nº 1, Centro – Rio de Janeiro.
Dias
e Horários: 2ªs e 3ªs feiras, às 19h.
Valor
dos Ingressos: R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia-entrada).
Indicação
Etária: 16 anos.
Duração:
80 minutos.
Gênero:
Tragicomédia.
Se compararmos os absurdos ocorridos na esfera política e criminal
daquele período com o que vemos acontecer hoje, no Brasil, e sem punições, notamos muitas semelhanças de processos
recentes, cada vez piores e mais assustadores, como todos os absurdos ocorridos
no quatriênio 2019/2022. “É assustador como a história se repete,
como os mecanismos se aprimoraram, tecnologicamente, se sofisticaram, mas a
violência, a exclusão social, a corrupção, a apropriação dos bens públicos, as
mentiras permanecem e sempre com o mesmo objetivo: o continuísmo e a manutenção
do poder e da riqueza nas mãos das mesmas famílias”, principalmente as dos
políticos. Isso, infelizmente, faz com que este espetáculo seja considerado atualíssimo. RECOMENDO-O COM O
MAIOR EMPENHO!
FOTOS: RÔMULO CORRÊA
GALERIA PARTICULAR
(Fotos: João Pedro Bartholo.)
VAMOS AO TEATRO!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE
ESPETÁCULO DO BRASIL!
A ARTE EDUCA E CONSTRÓI, SEMPRE; E
SALVA!
RESISTAMOS SEMPRE MAIS!
COMPARTILHEM ESTA CRÍTICA, PARA
QUE, JUNTOS, POSSAMOS DIVULGAR O QUE HÁ DE MELHOR NO TEATRO BRASILEIRO!
Muito obrigado, querido,
ResponderExcluirpor uma analise tao abrangente e elogiosa. 🙏🏼