domingo, 17 de novembro de 2024

 

“MOSTRA A

TUA CARA”

ou

(INFELIZMENTE,

É A QUE TEMOS.

ou

(UM TRISTE

RETRATO

“COLLORIDO”

DO BRASIL.)




         Um bom texto, uma boa direção, um bom elenco, um bom conjunto de artistas criativos, e está montado um ótimo espetáculo, que precisa ser visto pelos mais velhos, para o exercício da memória débil do brasileiro; pelo mais jovens, para que conheçam a triste realidade da verdadeira história recente do Brasil. Por todos, enfim, para que possamos compreender onde e quando tudo começou, o início do caos, a partir de quando passamos a ser uma triste nação, uma nau sem rumo, lançada a um mar tortuoso. É para isso que existe “MOSTRA A TUA CARA”, espetáculo que está em cartaz, às 2ªs e 3ªs feiras, no Teatro Firjan Sesi Centro, Rio de janeiro, até o dia 10 de dezembro de 2024.



 

Na verdade, apesar de a peça sugerir que estamos “atolados neste pântano malcheiroso” desde 1996, ou, mais propriamente, 15 de março de 1990, quando tomou posse, como presidente do país, um “nefasto engomadinho”, sabemos, hoje, com total clareza e conhecimento de causa, que nosso estado “quase letal” começou mesmo em 22 de abril de 1500 e só foi se agravando, a partir de várias datas, a mais significativa de todas, com certeza, 31 de março (para "eles") / 1º de abril de 1964 (para nós), com pinceladas de piora a partir de 1º de janeiro de 2018.



 

       Quando assisto a um ótimo espetáculo como este, sinto, muitas vezes, dificuldade para escrever sobre ele, porque ou bastaria dizer que é uma peça imperdível, economizando tempo, ou levaria horas, teclando, para explorar cada cantinho de tudo de bom que o espetáculo contém. Como, no momento, o meu tempo está valendo “uma mega da virada”, por conta de tantas críticas a serem escritas, vou optar pela concisão sincera, um meio-termo entre as duas possibilidades.



 

 

SINOPSE:

         MOSTRA A TUA CARA” fala sobre o passado recente do Brasil.

A história se passa no Rio de Janeiro, no dia 23 de junho de 1996, o dia do assassinato de Paulo César Farias, ou, simplesmente, o PC Farias.

Em quatro bares diferentes da capital carioca, quatro personagens – um michê de sauna (THADEU MATOS), uma dona de casa classe média (ÂNGELA REBELLO), um empresário (ALEXANDRE GALINDO) e uma cantora de axé (LETÍCIA ISNARD) – revivem, por meio de diálogos fragmentados, os anos Collor e como estes mudaram suas vidas.

A peça retrata o fim do regime militar no país, imposto, em 1964, por um golpe militar, e o começo tumultuado da chamada Nova República.


        


 



         É preciso dizer, de saída, quem foi Paulo César Farias, o PC Farias, como era conhecido e tratado por todos. Ele foi um empresário brasileiro, que ganhou notoriedade por atuar como chefe da campanha de eleição de Fernando Collor de Mello, seu tesoureiro de campanha e homem de total confiança, e por seu envolvimento no escândalo de corrupção que levou ao “impeachement” do presidente eleito (“Impeachement” que não chegou a existir, na verdade, pois o canalha renunciou à presidência do país, horas antes da votação, que já era bem clara e esperada.), por sua fuga do país e pelas circunstâncias controversas em que foi assassinado. PC foi encontrado morto, junto ao corpo de sua namorada, Suzana Marcolino, em sua casa de praia, em Alagoas. Investigações de um legista deram como resultado que Suzana Marcolino matara PC Farias e se suicidara em seguida. O caso é considerado, oficialmente, um “crime passional”, mas, para outros notórios médicos legistas e um conhecido perito criminal, o casal teria sido assassinado. Por quem? Por quê? A mando de quem?



 

         O formato da peça me lembrou duas outras a que assisti, faz muito tempo: uma americana, aqui encenada, “Os Filhos de Kennedy” (1976), a qual, por sua vez, gerou uma nacional, “Os Órfãos de Jânio”, escrita por Millôr Fernandes, ambas dirigidas por Sérgio Britto, dois grandes sucessos de bilheteria e crítica, no Brasil.


 

       ROGÉRIO CORRÊA, um dramaturgo premiado, pautou-se, muito bem, nesses dois espetáculos, principalmente no primeiro, e nos brinda com um texto extremamente bem escrito, apoiado em muitas pesquisas, trazendo à tona um fato histórico, a partir do qual vai tentando explicar os resultados de um grande erro cometido pelos eleitores brasileiros, que acreditaram em mais um farsante, que se apresentou como um “messias” (De vez em quando surge um e a coisa “fede” mais.).


 

         Para refrescar a lembrança, e como novidade para muitos: Tão logo tomou posse, como presidente, o novo eleito, Fernando Collor de Mello, numa tentativa de “conter uma hiperinflação”, lançou o chamado “Plano Collor”, confiscando as cadernetas de poupança dos brasileiros, por 18 meses. Os valores em cruzados novos bloqueados ficariam recolhidos ao Banco Central do Brasil, por 18 meses, recebendo juros de 6% ao ano, mais correção monetária, creditados diariamente, e seriam liberados em 12 parcelas mensais a partir do 19º mês. Na hora do confisco, cada pessoa só teve direito a resgatar Cr$ 50.000, o que equivaleria a cerca de R$ 60 hoje, salvo engano (Matemática jamais foi meu forte.). O que se poderia dizer, em relação a isso, em termos não censuráveis? ABSURDO! IMORALIDADE! CRIME! Por conta disso, muita gente adoeceu e morreu, fora a quantidade estúpida de pessoas as quais se suicidaram.


  



  O espetáculo começou a ser elaborado durante a pandemia, e uma pequena versão provisória, à qual, infelizmente não assisti, foi exibida “on-line” na época, e revisita o período da “Nova República” no Brasil, que, de “NOVA”, só tinha o adjetivo. O gênero atribuído à peça é “tragicomédia”; e não há nenhum erro nisso. A plateia dá boas gargalhadas, por conta da excelência do texto e da magnífica interpretação dos atores, sem falar nas coisas totalmente “non sense” que saem da boca do quarteto. Por outro lado, terminada a sessão, é inevitável uma reflexão: “A peça é ótima, superdivertida, ri à farta... Mas de quê? Por quê?” No fundo, talvez seja um riso de nervoso. Ou de ódio, por tanta maldade e sofrimento que a eleição daquele infeliz nos causou.


 

  ROGÉRIO CORRÊA é meio “bissexto” por aqui, pois reside e trabalha em Londres e tem uma longa história nas ARTES DRAMÁTICAS, como ator, produtor e escritor. Extremamente aplicado, conhece os meandros do TEATRO como ninguém, por conta de ter estudado dramaturgia, no Brasil e no Reino Unido, e ter concluído um mestrado em Roteiro, na Universidade Goldsmiths, em Londres. Extraído do “release” da peça: “ROGÉRIO foi assistente de coordenação no Curso de Roteiro e Dramaturgia da CAL, entre 2009 e 2012.Teve peças encenadas em Londres, “Mona & Eu”, em 2018, e “Sexo Entre Homens”, em 2020. Foi finalista, duas vezes, no concurso de dramaturgia mais prestigiado do Brasil (Seleção Brasil em Cena), e ganhou o Prêmio “Player Playwrights”, em Londres, em 2018, na categoria de Melhor Peça, com ‘A Casa Que Gira’”.





 

  Concordando com o diretor da peça, ISAAC BERNAT, é oportuníssima a montagem deste texto, uma vez que ele representa “uma oportunidade de repensar o Brasil e, talvez, perceber, que, por mais duro que um tempo seja, ele também vai passar e, quem sabe, servir de alerta para que a história não se repita, nem mesmo como farsa”. Nesse sentido, o espetáculo pode, e deve, ser visto como uma grande denúncia e que sirva de escudo, para que evitemos novas investidas de uma direita extremista e ignóbil, NOJENTA, que emergiu dos esgotos, há 7 anos, para ameaçar a democracia e o estado democrático de direito, no Brasil. Por outras partes do mundo também.  



            O espetáculo é bem simples, estruturalmente falando, o que não lhe rouba, absolutamente, o valor, em todos os sentidos. Traz um texto bem enxuto e agradável se ser ouvido, como se cada personagem estivesse “pensando alto”, em reflexões que extrapolam os limites interiores de cada um. Mas também dá para perceber a intenção, em vários momentos, de uma quebra da quarta parede. Alguns poderão achar que se trata de um espetáculo “datado”, mas não é assim que penso. E as piadas e citações sobre coisas da época são ótimas e servem para levar os mais jovens a pesquisar e abandonar, um pouco, as futilidades que vivem procurando na internet.



          ISAAC BERNAT, consciente da qualidade do material humano a seu dispor, como diretor, passa a impressão de ter dado, a cada um de seus dirigidos, um roteiro direcional, deixando que cada um encontrasse a melhor forma de representar sua “persona”. Foi preciso nas marcações e na condução de um elemento importantíssimo neste tipo de peça: o tempo. O espetáculo não apresenta as detestáveis “barrigas hiáticas” (Acabei de criar um neologismo: um adjetivo para o substantivo “hiato”.) e mantém o mesmo ritmo e tom de uma proposta cômica e dramática simultaneamente, sem permitir obviedades.


 

         São muito descomplicados, entendíveis e transparentes os elementos de criação da peça. Tudo bastante “franciscano”, por conta, imagino eu, de uma “discreta” verba, para a produção, entretanto tudo está ajustado à proposta que se vê, e não havia necessidade de mais nada no palco. Sem desfazer de nada ou de ninguém, o peso maior desta montagem está no texto e nas interpretações. Os artistas de criação parecem ter topado entrar num projeto pobre, de recursos materiais, mas riquíssimo, em outros sentidos, o qual permitia a cada um deles criar, o que é muito saudável, em qualquer tipo de ARTE.


 

         DÓRIS ROLLEMBERG, por exemplo reuniu os quatro espaços “num só” e dispôs quatro mesas de bar, com suas cadeiras, uma ao lado da outra. E, por trás desse conjunto, um bar, do tipo caseiro, onde os quatro personagens se servem de bebidas diversas.

 

 

 MARGO MARGOT, nos figurinos, manteve-se bem fiel aos trajes que seriam usados, no dia a dia, naquela época, por cada um dos personagens, se reais fossem. Foi um ótimo exemplo de “menos é mais”.


 

   E o mestre AURÉLIO DE SIMONI foi outro que apelou para a economia de luz, que o espetáculo pedia. Teria capacidade para inventar o que quisesse, com sua paleta de cores e instrumentos que permitem efeitos especiais, contudo optou para algo mais especial que tudo: a naturalidade na iluminação.


 

         Com relação ao elenco, numa premiação de TEATRO em que existisse prêmio para o conjunto de atores, o desta peça teria que ser, no mínimo, indicado, uma vez que, para um elenco ser considerado bom, é preciso que haja muito equilíbrio e sintonia entre todos, além dos talentos individuais, o que não falta aqui. Os personagens, apesar de terem algo muito importante em comum, as queixas do estado em que ficaram, por conta de Collor e sua corja, são, individualmente, completamente diferentes e se apresentam com muita verdade, em suas composições. ALEXANDRE GALINDO, ÂNGELA REBELLO, LETÍCIA ISNARD e THADEU MATOS, cada um deles sabe aproveitar, ao máximo, os seus momentos de expressão individual, mas não deixam de interagir, sem palavras durante todo o espetáculo.


 

 O executivo Henrique, de GALINDO, convence, principalmente na desconstrução, gradativa, de sua empáfia, de seu poder de rico, atingido pelas atitudes do maléfico Collor. ÂNGELA representa, com total fidelidade, a dona de casa, que perdeu o domínio das coisas, em função de uma galopante “usurpação”, para evitar um termo mais forte, porém que melhor definiria a questão. Sua Yolanda vai sentindo o seu poder aquisitivo escorrendo pelos dedos e sendo empurrada a viver numa situação bastante precária. Apesar disso, com suas idiossincrasias e “cafonices”, a personagem nos faz rir bastante, atuando como uma válvula de escape para o nosso “ódio empático” pelo maldito Collor. LETÍCIA é outra que, apesar de também sofrer o prejuízo causado pelo satânico Collor, também pode ser considerada outra válvula de escape das nossas tensões, por ser uma completa “sem-noção”, que sonha com o ápice da carreira de cantora de axé, Rejane, e parece não perceber, ou finge isso, para sofrer menos, o golpe aplicado pelo maldito Collor. De todos, o personagem que, aparentemente, é menos atingido pelo desvario do desclassificado Collor é Fernando, representado por THADEU MATOS, talvez pelo fato de ter certeza de que por mais “planos econômicos” e afins que pudessem vir por aí, seu ramo de “negócios”, a prostituição masculina, pouco, ou em nada, seria atingido. Afinal, sexo é uma necessidade e sempre haverá quem economize, para pagar a um bom michê. De qualquer forma, também se sente prejudicado e protesta, como os demais personagens.






 

O autor decidiu batizar seus quarteto de personagens, mas bem poderia fazê-los anônimos e chamá-los por letras do alfabeto, por exemplo, ou por números, já que cada um deles representa um batalhão de outros semelhantes.



 

 

FICHA TÉCNICA:

Texto: Rogério Corrêa

Direção: Isaac Bernat

 

Elenco: Alexandre Galindo, Ângela Rebello, Letícia Isnard e Thadeu Matos

 

Cenário: Dóris Rollemberg

Figurino: Margo Margot

Iluminação: Aurélio de Simoni

Direção Musical: Charles Kahn

Assistente de Direção: Paula Furtado

Direção de Movimento: Adriana Bonfati

Contrarregra: Jota Santos

Coordenação de Produção: Malu Costa e Rogério Corrêa

Operador de Luz: Bernardo Bastos

Operador de Som: Thiago Miyamoto

Assessoria de imprensa: Círculo Comunicações / Cristiana Lobo

Design Gráfico e Mídias Sociais: Gustavo Ferrari (adaptado da arte de Dante)

Fotos: Rômulo Corrêa

Produção: Pinheiro Reis Produções Artísticas


 

  





 

 

SERVIÇO:

Temporada: De 04 de novembro a 10 de dezembro de 2024.

Local: Teatro Firjan SESI Centro.

Endereço: Avenida Graça Aranha, nº 1, Centro – Rio de Janeiro.

Dias e Horários: 2ªs e 3ªs feiras, às 19h.

Valor dos Ingressos: R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia-entrada).

Indicação Etária: 16 anos.

Duração: 80 minutos.

Gênero: Tragicomédia.


 


 


        

         Se compararmos os absurdos ocorridos na esfera política e criminal daquele período com o que vemos acontecer hoje, no Brasile sem punições, notamos muitas semelhanças de processos recentes, cada vez piores e mais assustadores, como todos os absurdos ocorridos no quatriênio 2019/2022. “É assustador como a história se repete, como os mecanismos se aprimoraram, tecnologicamente, se sofisticaram, mas a violência, a exclusão social, a corrupção, a apropriação dos bens públicos, as mentiras permanecem e sempre com o mesmo objetivo: o continuísmo e a manutenção do poder e da riqueza nas mãos das mesmas famílias”, principalmente as dos políticos. Isso, infelizmente, faz com que este espetáculo seja considerado atualíssimo. RECOMENDO-O COM O MAIOR EMPENHO!


 

 

 

 

FOTOS: RÔMULO CORRÊA

 

 

 

 

GALERIA PARTICULAR

(Fotos: João Pedro Bartholo.)

 

Com Alexandre Galindo.


Com Letícia Isnard.


Com Thadeu Matos.

Com Rogério Corrêa e Ângela Rebello.


Com Ângela Rebello.


Com Letícia Isnard e Isaac Bernart.


 



 

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