“AS PESSOAS”
ou
(QUEM SÃO ELAS?
SOMOS NÓS.)
ou
QUEM PRECISA
OUVIR? NÓS.)
Muitas vezes, tive vontade de dizer que um espetáculo de TEATRO
é “necessário”, entretanto consigo reprimir esse desejo, já que o
adjetivo é amplamente utilizado por um amigo, Francis Fachetti, em
suas críticas teatrais, para não parecer que estou copiando o colega, contudo,
depois de ter assistido, na última sexta-feira (13 de março/2023), ao
espetáculo “AS PESSOAS”, em cartaz no Teatro da Casa de Cultura
Laura Alvim (VER SERVIÇO.), não tenho como ceder à tentação,
para o que conto com a compreensão do Francis. “AS PESSOAS” é um
espetáculo “necessário”. Na verdade, mais do que.
SINOPSE:
MÁRCIA SANTOS, pela boca da personagem Zelma,
aborda, de maneira crítica e bem-humorada, comportamentos contemporâneos que,
em geral, são percebidos por nós na ação alheia.
É um padrão coletivo analisar hábitos e condutas sociais a partir da observação
do outro, não raro, julgando-o ou responsabilizando-o.
E, embora essas pessoas sejam os outros, elas também somos nós.
Zelma traz à tona o modo como naturalizamos certos comportamentos, como
reproduzimos padrões sociais de controle do outro e sobre a nossa imensa responsabilidade
social na dinâmica de uma sociedade global.
“AS
PESSOAS” trata das pequenas ferocidades presentes em atos
triviais do dia a dia.
E, ainda que não seja possível controlar, completamente, a percepção e a
reação do público, o que o texto propõe é o incômodo.
Confronta o público com questões pontuais, que permeiam nosso cotidiano
e que denunciam diversos hábitos e condutas que passaram a ser naturalizados e
que, muitas vezes, são responsáveis por inúmeros desgastes e esgarçamentos nas
relações sociais.
“AS PESSOAS” é o desabafo de uma mulher instruída e cansada, que se sente inadequada, descrente e sozinha, em sua forma de perceber o mundo, a qual, ao movimentar caixas e livros, talvez na tentativa de construir uma muralha simbólica, tenta se separar e se proteger do mundo lá fora, já que o que ela deseja, é se esconder.
Vivo me perguntando, e não encotro uma resposta "publicável", por que certos(as) dramaturgos(as), ou
pessoas que se julgam escritores de textos teatrais, insistem em complicar as
coisas, escrevendo “só para si”, utilizando uma linguagem
extremamente hermética e, falsamente, “culta”, abusando de “simbolismos”,
esquecendo-se de que o público gosta do que é simples, porém bem escrito, e o
toca sem a necessidade de grandes elucubrações. Quero distância desse tipo de
texto, que contraria todos os princípios básicos da comunicação humana. Minha “santa”,
e “sábia”, avó materna costumava dizer, com relação a pessoas que ela
queria ver bem longe de onde estivesse, por motivos vários: “Esse não vai
na (sic) minha missa.”. Não é difícil decodificar o sentido da frase.
Eu também não terei, decerto, esse tipo de gente na minha. Graças a Deus!
MÁRCIA SANTOS, por outro lado, com total certeza, seria bem aceita no
ato litúrgico que marcaria o sétimo dia após meu falecimento. MÁRCIA
escreve bem, sem ser rebuscada, dizendo, em palavras do dia a dia, em “linguagem
de gente”, como dizia Guimarães Rosa, tudo o que deve ser dito, para
atingir seu objetivo, como dramaturga. Isso está sendo mostrado no palco de um
Teatro, no monólogo “AS PESSOAS”, e, ao final da sessão, percebe-se a
alegria da artista, também intérprete de seu próprio texto, pela certeza de ter
atingido, clara e diretamente, o público, pessoas que saem de suas casas,
enfrentando uma série de dificuldades e perigos, para entender o que lhes é
dito, não importando se concordam ou não com o que ouvem.
MÁRCIA sabe como tocar e pressionar feridas existentes
e entorpecidas, à espera de alguém, com a coragem da dramaturga, para comprimi-las
e gerar dor, única maneira, talvez, de despertar o ser humano do mundo de
torpor, do universo “pollyannesco” em que vive, preocupado em acusar o
próximo, esquecendo-se daquela máxima de que, ao apontar um indicador para
alguém, três de seus próprios dedos estão voltados para si. É muito fácil e
comum terceirizar a culpa das coisas. E
até onde vai a participação de cada ser humano nos erros contidos nessas
coisas?
Quando
se deseja apontar os erros responsáveis por um certo indesejado “estado de
coisas”, dizemos, por exemplo, que “as pessoas não sabem voltar”,
“as pessoas são egoístas”, “as pessoas são mal-educadas”
e “as pessoas não colaboram”. Mas quem são “essas pessoas”?
São os outros, e nós também. É muito difícil admitir o próprio erro,
porém, só dessa forma, poderemos atingir um estágio civilizatório desejado.
Nesse sentido, o solo de MÁRCIA SANTOS tem o propósito maior de tirar o
público da zona de conforto, sacudi-lo e chamá-lo à realidade e à
responsabilidade. “Acorda, ‘humano’! É com você que eu estou falando!”.
A dramaturga explora, à exaustão, o estado de indignação da personagem Zelma, seu “alter ego”, para criticar as mazelas do mundo moderno, fazendo isso com muito humor e ironia, certamente cônscia de que, como dizia o poeta Billy Blanco, “o que dá pra rir dá pra chorar”. O texto segue nessa linha, até o seu epílogo, quando a plateia silencia as gargalhadas e parece ter mergulhado no seu interior, fruto de uma reflexão: “Esse cara sou eu!”.
Pela metade da encenação, num átimo, lembrei-me de uma das
minhas crônicas favoritas, “Eu sei, mas não devia.”, escrita por Marina
Colasanti ("Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia."), cuja leitura é obrigatória, para quem sente a necessidade de
tomar um novo rumo na vida, preocupando-se em ser um cidadão de verdade.
Basta de criticar e demonizar comportamentos inaceitáveis contemporâneos, percebidos por nós, apenas, na ação alheia, quando fazemos o mesmo! É hora de expandir a consciência e a humildade, ligar o botão "mea culpa", para se reconhecer no outro e pensar em agir, concretamente, a fim de mudar e tornar o mundo melhor. Pode ser isso um pensamento utópico, mas não custa nada tentar. Sempre tentar.
Talvez
o ápice da ironia que jorra da boca da personagem Zelma esteja
concentrado na frase: “Eu penso
em nós, humanos, e me compadeço do diabo.". Essa avaliação, por mais cruel e, até certo
ponto, devastadora, é real, se considerada a elasticidade do lado negativo do ser humano, para
atingir seus desejos, no mundo de hoje.
“AS PESSOAS” não foi escrita para divertir, ainda que isso
aconteça, porém sua intenção maior está numa declaração da autora/intérprete do
texto, retirada do “release” que me chegou às mãos, via
assessoria de imprensa da peça (ALESSANDRA COSTA – Assessoria de Imprensa
e Comunicação.): “Propomos um TEATRO que, além de entretenimento,
seja um provocador e inquietante estímulo à reflexão.”. Para isso, MÁRCIA
SANTOS, buscou inspiração na sua própria vida, nas relações pessoais do seu
cotidiano, as quais, “muitas vezes, se vêm reproduzidas em mídias e
jornais diários, chamando a atenção para como a sociedade, em seu radicalismo
de pequenas guerras diárias, também pode levar à destruição”. (Extraído
do já referido “release”.)
Para levantar o espetáculo, MÁRCIA,
sua idealizadora, se armou de uma excelente FICHA TÉCNICA, sem a qual o ótimo
texto não conseguiria atingir seu objetivo. Isso está na dependência de uma
ótima direção, de ROGÉRIO FANJU, o qual, ao que tudo indica, teve o bom
senso de dar liberdade de criação a uma atriz que diz o que escreveu, de forma
que tudo o que é ouvido ganha uma maior potência. É ótima, também, a proposta
da direção de a personagem não se dirigir, diretamente, à plateia, mas falar
com seres “invisíveis”, ao seu redor. De certa forma, os objetos que a
cercam - dezenas de caixas – são seus “ouvintes”, “humanizadas”.
Também merece um crédito favorável a cenografia, criada por DANIEL LEÃO, que coloca a personagem “soterrada” por caixas, as quais sugerem uma atitude de mudança, ao mesmo tempo que insinuam, como consta na SINOPSE, que Zelma, enquanto fala, se ocupa da construção de uma “muralha simbólica”, na tentativa de se separar e se proteger do mundo lá fora.
Rogério Fanju
(Foto: autoria desconhecida.)
Todos os pilares de sustentação
de um espetáculo teatral suportam o peso da peça, como o enigmático, para mim,
e ótimo figurino, uma criação de WANDERLEIY GOMES. É um traje que foge aos
padrões “convencionais” de um guarda-roupa feminino, com detalhes que devem
ser bastante simbólicos, porém não consegui alcançar tais significados. Não importa. Uma interessante
criação do premiado figurinista.
PAULO CESAR MEDEIROS assina mais uma de suas corretas iluminações, assim como MARCELO ALONSO NEVES está à frente da composição de uma trilha sonora original e da direção musical.
Para quem se propõe a interpretar um solo, há uma grande exigência no tocante aos elementos voz e corpo, sendo necessária a orientação de profissionais competentes, em cada segmento. A preparação vocal ficou sob a responsabilidade de JORGE MAIA, e a corporal coube a ÉDIO NUNES, ambos corretos trabalhos.
Márcia Santos
(Foto: autoria desconhecida.)
Julgo desnecessário falar muito
sobre a atuação de MÁRCIA SANTOS - o melhor é ver "in loco" -, uma atriz de grandes possibilidades,
com vasta experiência sobre um palco e que transmite muita credibilidade em cada
verdade que traz à tona. Por dizer o que ela própria escreveu, o público aceita,
com facilidade, tudo o que é dito em cena.
FICHA TÉCNICA:
Idealização: Márcia Santos
Texto: Márcia Santos
Direção: Rogério Fanju
Assistência de Direção: Leandro Mello
Atuação: Márcia Santos
Cenografia: Daniel Leão
Figurino: Wanderley Gomes
Iluminação: Paulo Cesar Medeiros
Trilha Original e Direção Musical: Marcelo Alonso Neves
Preparação Vocal: Jorge Maia
Preparação Corporal: Édio Nunes
“Design” Gráfico e Arte da Janela Cenográfica: Rômulo Medeiros
Fotos: Cláudia Ribeiro
Operação de Luz: Rafael Tutti
Operação de Som: Felipe Coquito
Produção:
Márcia Santos
Produção Executiva: Leandro Mello
SERVIÇO:
Temporada:
De 24 de fevereiro a 19 de março de 2023.
Local:
Teatro Laura Alvim (Casa de Cultura Laura Alvim).
Endereço:
Avenida Vieira Souto, nº 176 – Ipanema – Rio de Janeiro.
Dias
e Horários: Sexta-feira e sábado, às 20h; domingo, às 19h.
Valor
dos Ingressos: R$40,00 (inteira); R$20,00 (meia entrada); R$15,00 (lista amiga).
Classificação
Etária: 14 anos.
Duração:
65 minutos.
Capacidade:
190 lugares.
Gênero: Monólogo Cômico-Dramático.
“AS PESSOAS” é a garantia de um
espetáculo didático, sem ser enfadonho, e alegre, sem fugir ao real, que nem
sempre é para se rir dele. Talvez seu mérito maior esteja na facilidade como o
texto chega ao público, estabelecendo-se a comunicação, via ARTE.
Recomendo, com bastante empenho, este
espetáculo.
FOTOS:
CLÁUDIA RIBEIRO
VAMOS AO TEATRO,
COM TODOS OS CUIDADOS!!!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO
DO BRASIL,
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A ARTE EDUCA E CONSTRÓI, SEMPRE!!!
RESISTAMOS, SEMPRE MAIS!!!
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