OLHO
POR OLHO
(“A MALDADE COMO
CULTURA”.)
Mais uma crítica sobre um bom
espetáculo que já encerrou sua temporada, no Centro Cultural Justiça
Federal, e ao qual só consegui assistir – não por culpa minha – na
última semana. Serão breves comentários, para que eu possa escrever sobre
outros espetáculos também, nesta correria de final de ano, porém estes
escritos ficam como um registro da minha boa avaliação sobre a montagem
e, talvez, para que sirvam de motivação, a quem não assistiu a ele, na
eventualidade de uma nova temporada.
O espetáculo em questão é “OLHO POR OLHO”.
O subtítulo acima foi retirado do “release”, enviado por STELLA
STEPHANY (JSPONTES COMUNICAÇÂO), e tem uma estreitíssima relação com o texto
e a temática da peça, bem interessantes, por sinal. Vamos à sinopse:
SINOPSE:
O
espetáculo conta a história de uma tribo, que protege um
território, no qual há água e comida em abundância.
Antes,
esse território era compartilhado por diversas tribos, formando uma só.
Até
que a tribo Lerano começou a questionar a maneira como se vivia, tentando dominar as regiões mais prósperas, no intento de conquistar mais
poder.
Então,
a tribo Eruso se juntou à tribo Passarus e aos Lobos Selvagens,
para expulsar os Leranos, os quais, já expulsos, ficaram proibidos de
entrar naquelas terras.
Na
história, um guerreiro cria seu pequeno
filho, para ser o mais forte da aldeia, com a capacidade e a finalidade de proteger seus
líderes e defender os interesses do povo.
Num ataque inesperado, contudo, o pequeno, de cerca de dez anos de idade,
morre nos braços do pai, atingido por uma flecha no peito.
O
assassino foi capturado e, enquanto aguarda o julgamento da tribo, recebe a
visita do pai em luto, o qual fica estarrecido, ao ver quem foi o responsável
pela morte de seu filho.
Cria-se
um "diálogo", durante o qual a sede de justiça começa a dar lugar ao
reconhecimento de uma realidade cruel.
O espetáculo é apresentado na forma de um solo,
marca registrada de tantas produções teatrais, neste ano de 2019, no Rio
de Janeiro, por motivos vários, sendo o principal de todos a questão
financeira. A grande maioria desses monólogos foi, graças aos DEUSES
DO TEATRO, de muito boa qualidade, como este, aqui analisado. A peça
poderia contemplar o espectador com outros atores no palco, entretanto a
proposta do autor do texto, ROHAN BARUCK, que também é o
único ator em cena, é bem mais simples e acaba se tornando mais
complexa, o que só qualifica, positivamente, a peça.
Toda a história é narrada, em primeira e
terceira pessoas, com raros momentos de “diálogos”, algumas vezes, sem se ouvir
o interlocutor.
Creio que vale a pena transcrever uma outra justificativa,
para que o espetáculo seja um monólogo, apresentada pelo diretor
da peça, ROGÉRIO FANJU: “ Em vez de
ter outros atores, ‘peitar’ ser mais um monólogo, no meio de tantos em cartaz,
nesta temporada, não é só uma solução financeira, do ator e minha, como
diretor, pela crise que o TEATRO brasileiro vive. Mas, sim, um ato de poesia em
hipervalorizar uma capacidade psicológica que o mundo contemporâneo tanto precisa e que nos dá
esperança para comportamentos altruístas: a empatia.”. O
último vocábulo empregado por FANJU – “empatia” – é fundamental, nesta peça, e mexe com o espectador, provocando-lhe muitas reflexões.
Isso é ótimo, no TEATRO. Paralelamente à empatia, corre a noção de “justiça”,
que gera tantas polêmicas.
O
personagem, o grande protagonista, chamado, no texto, de Lobo Selvagem, é o responsável por treinar
os guerreiros de sua tribo e defender o seu território. Passa por uma terrível
experiência, inesperada, totalmente “fora do normal”, que contraria a ordem
natural das coisas, qual seja a de um pai perder e enterrar um filho. E, pior
ainda, nas condições em que se deu a desdita. Seria, obviamente, de se esperar que esse
homem se revoltasse contra tudo e contra todos e que só passasse a viver em
função de um único objetivo: vingança? Começa aí a provocação ao espectador.
Quem ficaria ao lado daquele pai e teria o mesmo sentimento, de que fosse
aplicada, naquela situação, a lei de talião, ou de retaliação,
conhecida como “Olho por olho, dente por dente!”, surgida na Mesopotâmia,
fazendo parte do Código de Hamurabi, por volta do ano 1770 a.C.,
que consiste em que “um agressor seja punido em igual medida do
sofrimento que ele causou”, ou seja, que ele “pague na mesma
moeda”? “As antigas leis que
exigiam penalidades similares ao crime cometido são frequentemente consideradas
como bárbaras e excessivamente punitivas. No entanto, muitas sociedades seguiam
esse caminho, pois elas foram estabelecidas a fim de conter, e não promover, a
vingança desproporcional.”. (Wikipédia.) Hoje,
essa lei, considerada, pela grande maioria da Humanidade, uma barbárie,
poderia ser traduzida, muito concisamente, em duas palavras: “Bateu, levou!”.
Assumo o “spoiler”, mas não consigo me conter e
escancaro que o assassino de menino, este chamado, o tempo todo, de Filhote de Lobo ou "O Meu Pequeno", era
um outro menino, mais ou menos da mesma idade da vítima (Para falar a verdade, ambos são vítimas.). A princípio, uma criança Lerana,
a qual, no decorrer do espetáculo, se descobre não pertencer à tribo de Lerano.
Na verdade, tivera sua antiga tribo atacada e fora treinada para se tornar um
guerreiro Lerano. Outro “spoiler”. Não é meu feitio
fazer isso, mas...
Segundo
o dramaturgo, “O espetáculo foi criado, a partir de conflitos civis,
que acontecem no Brasil e no mundo. De certa forma, é fácil, para o
espectador, perceber essa correlação. “Os textos do Eruso, por exemplo
- ainda que originais - são construídos a partir de falas de líderes
governamentais”, antigos e modernos, estrangeiros e brasileiros. Da mesma forma, “alguns
textos do Lobo Selvagem, após a morte do filho, são de declarações de pais que
perderam seus filhos”, nessa “guerra civil” para a qual o Rio de Janeiro,
principalmente, foi conduzido, pelos (des)governantes, pelas milícias, pelos traficantes,
pela Polícia...
Concordo com o diretor do espetáculo,
quando ele diz que “OLHO POR OLHO é um
épico, que muito me faz lembrar as clássicas tragédias gregas, contado por um
Guerreiro maduro, que, conforme narra, sofre metamorfoses, através da
provocação de outros personagens, que vivem no limite da selvageria. Esta é a
narrativa cênica elaborada: nas fronteiras entre a humanidade e a animalidade.”. Essa dicotomia ética, moral, condutora dos homens
é o fator que mais incomoda o espectador, no sentido de obrigá-lo a sair de uma
zona de conforto, à procura de uma posição pessoal.
É claro que a força da empatia
é outro elemento que alavanca o espetáculo; aliás, o principal de
todos. “O quão
alguém pode ser atingido, profundamente, na alma e no inconsciente, ao se
colocar no lugar do outro?”, pergunta o diretor. E a resposta está na peça e nos comove, extraordinariamente.
A
concepção do espetáculo, no que diz respeito à direção, é
muito interessante e obedece à estrutura do texto, dividido em cenas,
com títulos, à feição de um livro. O espectador, portanto, pode, ouvindo
os relatos e vendo as ações, se sentir com se estivesse praticando o ato da
leitura.
Agradou-me,
sobremaneira, a interpretação de ROHAN BARUCK, cujo trabalho eu
já conhecia, entretanto nunca, antes, o tinha visto numa entrega tão instigante
e visceral, num palco. ROHAN, até por ser o autor do texto,
ou, principalmente, por causa disso, dá, ao personagem, a força que há nele,
ao mesmo tempo que conduz, de forma excepcional, a sua metamorfose, no momento
em que prioriza a razão. Seu trabalho de corpo e de voz merece aplausos.
Dos
elementos técnicos, vários merecem destaque, como a linda iluminação, de LEYSA
VIDAL, caprichando nas cores fortes, o vermelho, principalmente, e nas sombras, além de fazer com que
focos partam, estrategicamente, de determinados pontos, para alcançar efeitos
práticos e plásticos marcantes. Também a ótima trilha sonora original,
composta por DANIEL CARNEIRO, pontuando as cenas, com o vigor que elas
merecem, principalmente as que envolvem mais os sentimentos de ódio, dor
e vingança. É muito interessante o figurino, de CÁTIA VIANNA, que lembra uma mistura de guerreiros romanos, gregos e de outras antigas etnias, e a cenografia, de CARLA COSTA. Não poderiam ficar sem um reconhecimento a direção de movimento (AGATHA DUARTE), a preparação corporal (FERNANDA DIAS), a preparação vocal (JANE CELESTE) a caracterização, de TAINÁ LASMAR, e a identidade visual (RHUAN SOUSA), esta uma bela composição.
FICHA TÉCNICA:
Texto: Rohan Baruck
Direção: Rogério Fanju
Atuação: Rohan Baruck
Cenografia: Carla Costa
Figurino: Cátia Vianna
Iluminação: Leysa Vidal
Trilha Sonora Original: Daniel Carneiro
Direção de Movimento: Agatha Duarte
Preparação Corporal: Fernanda Dias
Preparação Vocal: Jane Celeste
“Hair Design”: Alexx Hair
Caracterização: Tainá Lasmar
Identidade Visual: Rhuan Souza
Identidade Visual: Rhuan Souza
Orientação de Pesquisa: Maria Cristina Brito
Fotos: Rosual Bezerra (cena) e Tainá
lasmar (estúdio)
Mídias Sociais: Curtas Produções
Diretor de Produção: Rohan Baruck
Produção Executiva: Gérsica Telles
Assistente de Produção: Rafael Sousa
Assessoria de Imprensa: JS PONTES COMUNICAÇÃO
(João Pontes e Stella Stephany)
Torço,
sinceramente, para que a peça consiga, no próximo ano, uma nova temporada, para que muito mais pessoas
possam experimentar o prazer e a sensação de alegria que tive, ao me deparar
com uma produção simples e, ao mesmo tempo, rica, em vários aspectos.
(FOTOS: ROSUAL BEZERRA (cena)
e
TAINÁ LASMAR (estúdio.)
E VAMOS AO TEATRO!!!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!
A ARTE EDUCA E CONSTRÓI!!!
RESISTAMOS!!!
COMPARTILHEM ESTE TEXTO,
PARA QUE, JUNTOS, POSSAMOS DIVULGAR
O QUE HÁ DE MELHOR NO
TEATRO BRASILEIRO!!!
(GALERIA PARTICULAR.)
Com o querido Rohan Baruck.
Espetáculo excelente! Também pude assistir e me junto a sua torcida pelas próximas temporadas e por mais reconhecimento. :)
ResponderExcluir