ANTES
DO CAFÉ
(UM EXERCÍCIO DE RESISTÊNCIA
E DE ACEITAÇÃO
ou
UMA AULA PRÁTICA DE TEATRO.)
Interpretar um monólogo é
sempre um desafio para qualquer ator, por mais experiente que seja, e poucos
conseguem êxito nessa missão. Felizmente, para cada um que não me agrada, por
motivos vários, sempre há outros, como é o caso de “ANTES DO CAFÉ”, bons, muito bons ou ótimos, que me fazem esquecer
as más experiências. O espetáculo está em cartaz no Teatro Nathália Thimberg, que funciona dentro da Escola de Teatro Wolf Maya, na Barra da
Tijuca, Rio de Janeiro.
A
soma de nomes e talentos resulta num ótimo espetáculo, que merece ser visto e
aplaudido. O texto é uma adaptação, feita por JORGE FARJALLA, que também dirige a encenação, do original do
grande dramaturgo norte-americano EUGENE
O’NEILL. A responsabilidade de interpretar a personagem MRS. ROWLAND é de NÁDIA BAMBIRRA. Só esses três nomes já formariam um resistente tripé
para a sustentação da peça, mas há outros profissionais, envolvidos no projeto,
aos quais farei alusão adiante.
SINOPSE:
O texto de O'NEILL discute como as relações
humanas podem degringolar, esvair-se pelo ralo, a partir da história de um
casal, cujo relacionamento já está desgastado pela rotina.
A peça fala sobre o amor,
o fracasso, a solidão e a morte.
A esposa, MRS. ROWLAND (NÁDIA BAMBIRRA), não faz
outra coisa a não ser reclamar do marido, que não demonstra interesse em conseguir
um emprego - sabe-se lá por quê -, enquanto ela “se mata”, para evitar que
morram à míngua.
Em “ANTES DO CAFÉ”, o
fio narrativo mostra uma mulher, à espera do marido, que ainda está deitado,
para o café.
Eles estão em plena crise,
transparecendo frustração com o casamento e a vida miserável que levam, sem
dinheiro para comprar o pó de café.
Fala sobre a difícil tarefa do
relacionamento entre duas pessoas e o caminho árduo a ser percorrido na vida a
dois.
MRS.
ROWLAND vive num processo de deterioração humana e de sua forma de amar,
tanto ao marido como a si mesma. O “fazer
café” é, somente, um argumento para o arsenal de ofensas e maldizeres a ALFREDO (o marido) e a suas vidas.
O relógio da casa foi
penhorado por ele e isso gera, na esposa, o estopim para a sua tarefa do dia: humilhar MR. ROWLAND.
Não há limites sobre o
descontentamento como mulher e possível mãe que essa personagem enfrenta.
O fracasso no amor, na
obra de O´NEILL, conduz toda a
trama; a falta dele ou o seu exacerbo levam as personagens a seus extremos.
O desenrolar dos fatos
conduz a um final bastante surpreendente.
É
preciso ir, à Sala Nathalinha, “preparado”, para assistir a este espetáculo.
Em que sentido?
Preparado,
psicologicamente, para entrar em contato com um certo “desconforto” proposital,
que o texto provoca.
Preparado, para
questionar por que aquela mulher, apesar de tantos reclamos, da demonstração de
que chegou ao limite de uma relação, quiçá, feliz e saudável, um dia, não
abandona aquele homem. Talvez, porque ela precise de um bode expiatório, de um
instrumento para descarregar suas próprias insatisfações pessoais e frustrações,
para aliviar uma culpa.
Preparado,
também, para “coabitar” um ambiente inóspito, criado pelo cenário da peça, que é um elemento à parte, um dos trabalhos mais
fantásticos que vi, este ano e nos últimos tempos, nessa área, concebido por FARJALLA, que também é responsável pela direção de arte, e executado por CAMILA RODRIGUES, a qual também atuou na produção de arte, ao lado de LUA HADDAD. Sobre o cenário,
falarei, com mais detalhes adiante.
O texto de O’NEILL é de um realismo incomensurável, que nada perdeu, na concepção
do adaptador FARJALLA. Foram mantidos os tons de anarquismo e socialismo, ainda
que nas entrelinhas, marcas registradas de suas peças. No texto de “ANTES DO CAFÉ”,
podem ser identificadas influências do TEATRO
de Chékhov, Ibsen e Strindberg. Sua dramaturgia envolve personagens
marginalizados, com um comportamento desregrado, incompatível com o que se
espera de um normal ser humano, representados, aqui, pelo
casal ROWLAND, que desenvolve um
grau de tragédia pessoal e pessimismo.
Transcrevo um
trecho do “release”, que me chegou às
mãos por intermédio de MARY DEBS, assessora de imprensa do espetáculo: “‘Viver
com você é morrer a fogo lento’, frase da personagem para o marido, que é
guiado no universo do desconforto pela mulher, na forma de cobrança, da postura
perante a vida, no trabalho e na traição cometida por ele. Aí está o grito da
vontade de ser desejada, de ser vista como mulher – a traição não é somente por
ter outra; é por não acreditar nesta mulher, que faz tudo pelo marido e se
frustra, por não ter troca com ele. Ele, um poeta alcoólatra; ela, uma
costureira; ele, filho de milionário; ela, de um verdureiro. Ambos unidos pelo
amor e a vontade de serem felizes, mas as personagens de O´NEILL jamais alcançarão
seus objetivos. Elas vivem na ilusão. A redenção e a perdição são condições
para viver”.
JORGE FARJALLA demonstra,
neste trabalho de direção, uma
grande intimidade com o universo de O’NEILL
e consegue, por conta disso, extrair, do texto
e do trabalho de sua atriz, o máximo
de realismo que a encenação desta obra requer. Sua intenção de provocar o
espectador, de criar, para o público, uma zona de desconforto é totalmente atingida
e satisfatória, principalmente quando põe a personagem, durante os doze minutos
iniciais do monólogo (eu cronometrei),
em total silêncio, desafiador, circulando pelo espaço cênico, apenas fazendo
pequenas ações e parando, vez por outra, para encarar, de forma enigmática,
alguns espectadores, que são acomodados no palco, ou seja, “dentro da casa da
personagem”. Segundo o próprio FARJALLA,
“as
ações da personagem são frases dentro desse silêncio”.
A propósito,
podemos dizer que há dois espetáculos a serem vistos simultaneamente,
dependendo da localização do espectador. Os que ficam na plateia são tocados de
uma forma completamente diferente dos selecionados para ocupar as cadeiras no
palco. Não sei que critério é utilizado nessa divisão dos espectadores (eu fui convidado), mas, se
lhes for facultado o direito de escolher o lugar, ao comprar seu ingresso,
sugiro que escolham o palco, de onde eu assisti à peça, sentindo-me totalmente
participante e cúmplice daquela história. Creio que valeria a pena ver o monólogo duas
vezes, em espaços diferentes.
NÁDIA BAMBIRRA, que, além de atriz, é
diretora e professora, na própria Escola
de Teatro Wolf Maya, faz um trabalho magnífico. Não representa; é. Não finge; é. Um trabalho convincente, que mexe
com o espectador, levando-o, até, a tomar um partido naquela contenda. Confesso
que, sem conhecer o personagem ALFREDO,
sem saber se ele é tudo aquilo que ela diz e considera, acabei por dedicar-lhe
um pouco de minha solidariedade, muito por conta do comportamento de sua
esposa. Nota-se, no trabalho da atriz, uma entrega total à personagem, uma
expressividade plena, nas falas e nos gestos. Um trabalho comovente e digno de
premiação.
Quanto ao cenário e à direção de arte, já citados, “em passant”, estes são dois elementos
que se completam, fundamentais nesta montagem. São incríveis os detalhes da direção de arte, os elementos escolhidos, para
criar um ambiente de deterioração, de estagnação, de podridão, tudo,
externamente, representando o interior dos personagens. É difícil descrever
todos os detalhes, principalmente para quem foi colocado diretamente em contato
com eles: a sujeira no chão; as migalhas de pão, espalhadas sobre uma mesa
carcomida, semidestruída, pelo tempo; os móveis quebrados; os utensílios de
cozinha, velhos e encardidos; enfim, tudo o que existe, em cena, provoca até
asco e cria, no espectador, um desejo de se ver livre daquele “lixão”. Mas não
quero dizer, com isso, que esse fator seja reprovável; muito ao contrário, é para
ser exaltado, pelo brilhante trabalho de pesquisa e garimpagem dos responsáveis pela direção e produção de arte.
É muito boa a concepção de luz, de JORGE FARJALLA, que utiliza,
basicamente, uma iluminação “de salão”, de ambiente, não teatral, com pouca
luminosidade, o que contribui, bastante, para compor o ambiente de decadência e
degradação daquela casa; em consequência, daquele lar.
A composição
estética da personagem ganha destaque com o ótimo figurino, também concebido por FARJALLA, contando com a supervisão de ALEX BROLLO.
FICHA TÉCNICA:
Direção e Encenação: Jorge Farjalla
Elenco: Nádia Bambirra
Figurino, Concepção de Cenografia, Direção de Arte e
Desenho de Luz: Jorge Farjalla
Cenografia: Camila Rodrigues
Produção de Arte: Camila Rodrigues e Lua Haddad
Supervisão de Figurino: Alex Brollo
Fotografia: Ricardo Fujii e Ricardo Müller
Assistente de Direção: Jaffar Bambirra e Vitor Losso
Cenotécnicos: Marcos Caveirinha e Márcio Bragança
Elétrica:
Wesly Franklin
Designer: Fábio Nóbrega
Produção Executiva: Denam Pettman e Lua Haddad
Realização: 5KFilms e Cia Guerreiro
SERVIÇO:
Temporada: De 21 de outubro a 27 de novembro
Local: Teatro Nathália Timberg - Sala
Nathalinha
Endereço: Avenida das Américas, 2000 - Freeway Center – Barra da Tijuca – Rio de Janeiro
Tels:
(21) 2442-5188 /
3388-5864
Categoria:
Drama
Dias
e Horários: 6ª feira e sábado, às 21h; domingo, às 19h
Valor
do Ingresso: R$40,00 (inteira) e R$20,00 (meia-entrada, para os casos previstos
em lei e jovens pertencentes a famílias de baixa renda, com idades de 15 a 29 anos, diretores,
coordenadores pedagógicos, supervisores e titulares de cargos do quadro de
apoio das escolas das redes estadual e municipais, professores da rede pública
estadual e das redes municipais de ensino.)
Horário de Funcionamento da Bilheteria: De 3ª feira a domingo, das 13h às 19h
ou www.ingressorapido.com.br
Duração: 45 min
Classificação Etária: 16 anos
Capacidade: 70 lugares
Recomendo
o espetáculo, não com algo glamouroso, mas como um belo exemplo de TEATRO realista, feito com muito amor, garra e
profissionalismo.
(FOTOS: RICARDO FUJI
e RICARDO MÜLLER.)
e RICARDO MÜLLER.)
(Arquivo pessoal: Jorge Farjalla, Nádia Bambirra e eu.)
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