ATÉ
O FINAL DA NOITE
(SE UMA “DR” INCOMODA MUITA
GENTE, DUAS “DRS” ICOMODAM MUITO MAIS...
ou
“OS CACTOS SÓ PRECISAM SER MOLHADOS UMA VEZ
POR SEMANA, E, MESMO ASSIM, COM UM CONTA-GOTAS.
NÃO É GENIAL?")
Antes
que, pelo primeiro subtítulo, possam os meus leitores achar que eu não gostei
do espetáculo, esclareço que se trata apenas de uma alusão àquela “brincadeirinha dos elefantes” (Momento infância. Tenho direito?).
Na verdade,
gostei da peça – já assisti a ela duas vezes, em menos de duas semanas- e a
recomendo, porque é um texto escrito
por JÚLIA SPADACCINI, o que, por si
só, já é garantia de sucesso e jamais é para ser visto apenas uma vez, ainda
que este, embora muito bem escrito e engraçado, não seja tão bom quanto outros
da premiada dramaturga e roteirista. Não chega a ser um cisne
branco, mas está muito longe de um Patinho Feio. Digamos que seja um pato
daqueles bem coloridos, multicor, os quais eu considero animais muito lindos (Será que vou agradar com as metáforas?).
Mas
acho, ou melhor, tenho a certeza de que JÚLIA
atingiu seu objetivo, o de, com uma história muito simples, de tema comum a
todos os mortais, divertir mais do que fazer refletir.
A comédia, de uma forma geral, tem essa
dupla função, além de ser um prato cheio para críticas, ostensivas ou nas entrelinhas, e é muito bom quando o dramaturgo consegue as duas coisas,
como já tivemos a oportunidade de ver em outras obras de JÚLIA.
Não que, ao
final da peça, o público saia apenas relaxado, das tensões do dia a dia, e vá esfriar
mais a cabeça com um chopinho no bar da esquina. Se quiser, pode pensar,
também, acerca dos “embates”, não tão ferrenhos, mas carregados de ironias e
alfinetadas, entre dois casais, de gerações diferentes, que resolvem discutir
as relações, durante um jantar, na casa do mais velho. Mas, no meu modesto
entender, isso fica mais para o segundo plano e as pessoas encaram a peça como
uma comédia não muito pretensiosa, para divertir, apenas. Nenhum demérito nessa
decodificação; nem para o texto, nem
para as pessoas.
Nada disso, porém, tira o valor do
espetáculo, que, além do bom texto,
com algumas excelentes e inteligentes piadas, e dos ganchos, que a autora cria,
para desenvolver o tema, em 70 minutos,
conta com uma direção correta, de ALEXANDRE MELLO e o ponto alto da
montagem, que é a excelente
interpretação do quarteto de atores: (por
ordem alfabética) ÂNGELA VIEIRA (ANA
LÚCIA), ÍSIO GHELMAN (OLAVO) – o
casal mais velho -, LETÍCIA
CANNAVALE (BRANCA) e ROGÉRIO GARCIA
(EDU) – o casal mais novo.
SINOPSE:
Um casal de meia idade,
com quase três décadas de casamento, ANA
LÚCIA (ÂNGELA VIEIRA) e OLAVO (ÍSIO
GHELMAN), recebe, para um jantar, inventado por ela, BRANCA (LETÍCIA CANAVALLE) e EDU
(ROGÉRIO GARCIA), um casal “descolado”, com pouco tempo de experiência
conjugal, novos “amigos”, que conheceram nas últimas férias, na praia.
O “anfitrião” sente-se
desconfortável, com a esperada visita, por não sentir nenhuma vontade de receber
os convidados, enquanto ANA LÚCIA
está eufórica, tratando o encontro como uma grande efeméride e como se os
quatro fossem “amigos de infância”. Comprou até dois vestidos novos para aquela
noite.
Pela diferença de idade,
de experiências e considerando o enorme abismo de “cabeças”, entre os quatro, a
anfitriã demonstra muita insegurança para receber o casal jovem. O que fazer
para agradar os/aos dois, sem parecer “caretas”?
ANA LÚCIA, a todo o momento, reclama, demonstrando sua
tristeza, sua enorme dor – mais que isso: seu quase trauma (Eu disse “quase”?) –, por uma grande “perda”: o filho único, quase
trintão, JÚNIOR, que ela ainda trata
como se fosse um bebê, tomou a (acertada) resolução de ir trabalhar na Lituânia,
bem distantes daquela mãe “extremamente zelosa” (Foi golpe? Não! Acho que foi FUGA mesmo.).
Com a partida do seu “petiz”, ANA,
segundo a “amiga/guru” ELISÂNGELA,
personagem que, como o filho JÚNIOR,
não aparece em cena, passou a sofrer da “síndrome
do ninho vazio” que, em
psicologia, nada mais é do que “uma
condição caracterizada pelo surgimento de um quadro depressivo, por parte dos
pais, afetando, geralmente, a mãe, após a saída dos filhos de casa, a partir do
momento em que eles se tornam independentes, partindo para outra moradia”. (Obrigado,
Tio Google!)
É a partir daí, quando perde a sua “razão de viver”, o motivo das suas
preocupações, quando não tem mais condições de existir em função daquele filho,
que ANA perde o seu referencial, o
seu equilíbrio, e passa a ter dificuldades de se integrar ao mundo real, não
consegue achar o seu lugar naquilo que lhe sobrou de mundo.
Contrastando, completamente com ANA,
“recatada e do lar”, BRANCA tem uma
agitada e bem-sucedida vida de executiva de uma grande empresa, o que a faz afastar,
da vida do casal, a menor possibilidade de ter um filho, para a infelicidade do
marido, que tanto anseia pela
experiência da paternidade e a consolidação de uma “família”.
Entre os homens, também existe uma grande diferença de personalidades. OLAVO,
de um sarcasmo de fazer inveja a muitos políticos brasileiros, é de um
pragmatismo incalculável. É o homem “dos números” e da praticidade; contador e
empresário. EDU, por sua vez, é
extremamente calmo, delicado, o protótipo do intelectual, envolvido numa tese,
sobre o amor, com a qual tenta persuadir OLAVO
da validade de tal sentimento, enquanto este se apresenta, descaradamente, incrédulo,
apesar de tanto tempo casado.
Toda a ação dura pouco tempo, o da preparação do jantar e seu consumo,
o suficiente, porém, para que os diálogos provoquem gargalhadas na plateia,
enquanto situações embaraçosas e, digamos, não muito próprias para vir à tona
na presença de estranhos, de ambos os lados, desfilem naquele apartamento.
Muitas revelações
acontecem, naquela noite.
Com
relação à última frase da sinopse,
não serei eu o responsável por um “spoiler”
muito importante, ao final da peça. Surpresa é surpresa. Assistam à comédia!
O texto é inédito, mas, embora tenha sido
escrito há dez anos, ainda é atual, e o será para sempre, não trazendo tanta
novidade, porque nada mais faz do que mostrar os problemas do cotidiano de
todos os casais, que não sejam os dos contos de fadas (Pelo menos, os autores nunca os revelaram.). Com um humor bem fino
e inteligente, uma de suas marcas, JÚLIA
SPADACCINI, por meio das “drs”,
aborda os naturais contrastes de valores, de interesses e costumes entre duas
gerações diferentes. Lavagem de roupa suja é o que não falta. O querer estar no
lugar do outro, ser o outro, e vice-versa, criticar o outro fazem parte da
história.
Gostei
muito do criativo, ainda que não original (para quem conhece o filme “Dogville”, de Lars Von Trier) cenário,
de BELI ARAÚJO, que mostra um
apartamento de classe média, dividido, sem divisórias, em dois espaços, uma
sala de estar e uma cozinha, com uma planta baixa do resto do imóvel ao fundo,
contendo inscrições com as indicações de cada um dos outros cômodos, aos quais
são afixados móveis e outros elementos pertencentes a cada um deles, tudo
confeccionado em papelão, o que dá uma leveza à cenografia. Impressiona, logo de saída. Belo trabalho!
Também ajustados aos personagens são
os figurinos, de TICIANA PASSOS, que teve a preocupação
de estabelecer as diferenças de trajes para os dois casais, respeitando-lhes as
idades e as características da personalidade de cada um.
Nada
de especial a acrescentar à iluminação,
ou “desenho de luz”, como passou a
ser chamada nos últimos anos, de RENATO
MACHADO, a não ser que é correta, como na quase totalidade de seus
trabalhos. RENATO, quando erra, o
que é raríssimo, praticamente, não se percebe. Aqui, acertou em cheio.
A
direção, de Alexandre Mello, também agrada, ele que demonstra uma grande
sintonia com os textos de JÚLIA SPADACCINI, com quem está
trabalhando, com esta peça, pela quarta vez. Das anteriores, a minha preferida
é “Quebra Ossos”, à qual assisti
umas três ou quatro vezes. ALEXANDRE
sabe como valorizar cada cena/situação e extrair o máximo de seus atores. Em trabalho
conjunto com MÁRCIA RUBIN,
responsável pela direção de movimento,
criou uma ótima resolução para a cena do jantar, que é rápida, quando poderia
ser chata e demorada. Ao contrário, a ideia de fazê-la sob a forma de uma coreografia é muito boa e marcante
nesta montagem.
Quanto
ao elenco, todos executam, com
maestria, seu trabalho. As duas atrizes, além de talentosas, são belíssimas e
vestiram as personagens de uma forma muito natural.
ÂNGELA VIEIRA, sem querer, é o elemento
cômico da peça, a personagem que, quando vai dizer alguma coisa, já provoca, no
público, uma expectativa de riso. Ela faz, do tédio do casamento, motivo de
humor, isto é, ri da própria desgraça. Seus cuidados exagerados com o JÚNIOR, a preocupação com o que os
outros vão pensar, a fidelidade aos conceitos e conselhos duvidosos da amiga ELISÂNGELA a tornam engraçada, sem que,
intencionalmente, o fazer rir pareça ter sido intenção da dramaturga, menos ainda da atriz. Mas são falas tão patéticas e tão
próximas a nós, que não conseguimos segurar o riso.
ÍSIO GHELMAN - não escondo - é um dos meus atores prediletos, em qualquer mídia,
principalmente no TEATRO, por sua
bagagem de trabalho, por um currículo invejável, mais marcado pelos dramas,
sabendo, entretanto, como ninguém, fazer humor, para o que tem uma veia
especial. Seu personagem não é caricatural; seu humor flui, naturalmente, fruto
de seu indisfarçável sarcasmo, principalmente quando se mostra um desiludido
com o matrimônio. Seu excesso de sinceridade, quanto a um casamento longevo,
mais de aparências e por acomodação, provoca, na plateia, aquele risinho
nervoso, de quem está se identificando com o personagem. Aliás, isso acontece
com os demais também, principalmente com a ANA
LÙCIA, de ÂNGELA VIEIRA. É quase
tão responsável quanto esta pela concentração do humor na peça.
LETÍCIA CANNAVALE e ROGÉRIO GARCIA também não podem ficar
de fora, no tocante aos elogios. Ela, muito bem, na pele da mulher “moderna”,
ambiciosa profissionalmente, preocupada, no fundo, com a sua independência e
realização profissional; ele, como um sonhador, que vive uma realidade que
criou e que o impede de enxergar a verdadeira. Ambos, com muita competência, são
ótimos suportes ao casal protagonista.
“ATÉ O FINAL DA NOITE” é um espetáculo
leve e delicioso, que deve SER visto por quem admira uma boa comédia de
costumes e sabe apreciar o valor de uma boa produção teatral.
FICHA TÉCNICA:
Autora: Júlia Spadaccini
Direção: Alexandre Mello
Elenco: Ângela Vieira (Ana Lúcia), Ísio Ghelman (Olavo), Letícia Cannavale
(Branca) e Rogério Garcia (Edu)
Cenografia: Beli Araújo
Iluminação: Renato Machado
Figurinos: Ticiana Passos
Direção de Movimento: Márcia Rubin
Produção: Paula Loffler
Assistente de Produção: Felipe Porto
Assessoria de Imprensa: Daniella Cavalcanti
Direção de Produção: Rogério Garcia
SERVIÇO:
Temporada: de 08 de
outubro a 14 de novembro de 2016
Local: Teatro Ipanema
Endereço: Rua Prudente de Morais, 824 – Ipanema – Rio de Janeiro
Informações: (21) 2267-3750
Dias e Horários: sábados, às 21h; domingos e 2ªs feiras, às 20h
Valor do Ingresso: R$40,00 (inteira)
Classificação Etária: Livre (indicado para maiores de 12 anos)
Duração: 70 minutos
Gênero: Comédia
Horário de Funcionamento da Bilheteria: De 4ª feira a 2ª feira, das 14h
às 20h
(FOTOS: PATRÍCIA STAGIL)
GALERIA PARTICULAR
(FOTOS: MARISA SÁ.)
Aplausos!
Com Júlia Spadaccini.
Com Alexandre Mello.
Com Ângela Vieira.
Com Ísio Ghelman.
Com Letícia Canavalle.
Com Rogério Garcia.
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