CHUVA
CONSTANTE – A FELICIDADE É FORA DA LEI
(“É
ESTRANHO O QUE VOCÊ TEM QUE PERDER, PRA GANHAR TANTO.” - Joey)
Acordou com vontade de ir ao
teatro? Que bom, se todo mundo
acordasse, todos os dias, com essa vontade!
Já escolheu a
peça? Quer apenas se divertir ou prefere
um texto que leve a pensar, daqueles que fazem com que o sono demore a
chegar?
Se o objetivo
é apenas atingir o lazer, não assista
a CHUVA CONSTANTE – A FELICIDADE É FORA
DA LEI. Também se foi essa a peça
escolhida para a noite de hoje, porque lá está um ator (grande ator) Global,
também não aconselho uma ida ao Teatro
do Leblon (Sala Marília Pêra), porque ele, MALVINO SALVADOR, não está lá na pele de um galãzinho de
folhetim.
Mas, se o que
procura é um espetáculo de altíssimo nível, um texto que vai mexer com você,
que o fará repensar seus conceitos sobre a amizade, a ética, a moral e outros
valores fundamentais para a perpetuação da espécie humana, o endereço é Rua Conde Bernadotte, 26, e os horários
variam (não sei em que dia da semana você acordou com vontade de ir ao teatro):
de 5ª feira a sábado, às 21h, e aos
domingos, às 20h.
CHUVA CONSTANTE é a denominação mais
simplificada para uma peça, cuja outra parte do título é a síntese maior
daquilo de que ela trata.
Seu título
original é “A Steady Rain” e foi
escrita por KEITH HUFF, autor de
séries, como “House of Cards”, já
foi encenada na Broadway, onde, em 2009, bateu o recorde de bilheteria de
espetáculo não musical, estrelada por dois astros de peso do cinema
hollywoodiano: Daniel Craig e Hugh Jackman. Foi considerado um dos três melhores
espetáculos do ano, pela revista Time.
A montagem foi aclamada, pelo jornal Chicago Tribune, como “um cativante
conto noir”, e “uma montanha-russa de emoções”, pelo jornal Chicago Sun.
Dirigida,
brilhantemente, por PAULO DE MORAES,
e com a interpretação, irrepreensível, de MALVINO
SALVADOR e AUGUSTO ZACCHI, a
peça veio para ocupar um lugar de destaque na programação teatral deste final
de ano, com pinta de que terá sua temporada prorrogada, a julgar pelo sucesso
que vem mantendo, de público e de crítica, desde sua recente estreia.
Augusto Zacchi e Malvino Salvador.
E trata de
quê? O foco está num sentimento e numa
atitude: amizade e traição, ainda
que muitos outros “ingredientes”, valores éticos, como honra e lealdade, por
exemplo, entrem em discussão.
Havia uma
traição no meio do caminho; no meio do caminho, havia uma traição.
SINOPSE:
Dois policiais americanos, DENNY
(MALVINO SALVADOR) e JOEY (AUGUSTO
ZACCHI), parceiros de longa data (desde a infância) e melhores amigos, se
veem envolvidos em uma série de acontecimentos, os quais afetarão suas vidas
para sempre e acabarão por provocar uma trágica ruptura naquela aliança.
Apesar dos laços que os unem, os dois se opõem em alguns aspectos. DENNY
tem uma bela família constituída, casado e com filhos, é exageradamente
passional, enquanto JOEY é sozinho e
solitário, extremamente tímido, seguidor, aparentemente, das regras e do que,
hoje, se convencionou chamar “politicamente correto”.
DENNY tem uma espécie de ideia fixa por arranjar
uma companheira para o amigo, de tanto que o amava fraternalmente e desejava a
sua felicidade, o que, segundo DENNY,
só poderia ser encontrada dentro de uma família tradicional. Para isso, leva-o, diariamente, para jantar
em sua casa, como se da sua própria família fosse, convidando, vez por outra,
uma “amiga”, para apresentar ao solteirão.
Outro também era o motivo que fazia com que DENNY se dedicasse tanto a JOEY. É que este era entregue às bebidas, e aquele
tentava afastá-lo do álcool.
Um
dia, um fato incomum, insólito mesmo, serve de ponto de partida para uma série
de aventuras e desventuras na vida dos dois: durante o jantar, um tiro, vindo
da rua, entra pela janela da casa de DENNY,
quebrando o vidro, fazendo com que os cacos que se desprenderam da janela
provocassem um seriíssimo ferimento na cabeça de um dos seus filhos, bem
pequeno.
A
partir daí, o pai do menino investe numa perseguição implacável a quem ele
atribuía, supostamente, aquele atentado: LOURENZO,
um cafetão, que ele odiava e com quem já tivera vários entreveros, o qual
explorava, dentre outras, uma prostituta com quem DENNY mantinha um estreito caso.
Durante um plantão
da dupla, recebem uma chamada para resolver um problema doméstico e, no meio da
pendenga, os dois entregam um menino vietnamita, pateticamente acuado de medo,
a um homem, que se dizia tio da criança, o que gera problemas na vida profissional dos dois.
Mais do que isso, não devo
adiantar, para não roubar ao público o suspense e as surpresas que virão.
Ao
final da peça, o espectador levará, para casa, para tirar-lhe o sono, como
aconteceu comigo, muitas dúvidas, indagações, reflexões...
E não deverá pensar em
atribuir o rótulo de herói ou vilão, de bom ou mau, a este ou àquele, uma vez
que, como qualquer ser humano, ambos apresentam desvios de caráter e problemas
sérios de autoafirmação.
Além de alcoólatra,
JOEY desenvolve um
amor, primeiramente, secreto e, depois, explícito, declarado, por CONNIE, a esposa do amigo que o
amparava, o que foi acontecendo em função da pouca atenção que o policial
passou a dar à família, por causa de sua extrema preocupação com a saúde do
menino e em encontrar o verdadeiro causador da violência que punha a vida de
seu filhinho em risco.
DENNY, por sua vez, além de manter um romance, fora do
casamento, com uma prostituta, dava cobertura a ela e às amigas, em troca de
agrados pecuniários, e também contrariava os interesses do cafetão LOURENZO, de quem se tornara, como já disse, inimigo
ferrenho. Também externava um racismno
com relação à esposa, por sua origem.
E é assim que os destinos dos dois amigos
vão se invertendo, contrapondo-se um ao outro, e a amizade vai cedendo a outros
sentimentos menores.
O texto é interessantíssimo, pela
história, em si, e pela técnica inteligente empregada pelo dramaturgo, que, por
ser roteirista de cinema e séries para a TV, quase que inaugura um jeito novo
de contar uma trama no palco. MALVINO SALVADOR utiliza o termo “duólogo”, para caraterizar a maneira
empregada no contar a história. KEITH HUFF transplanta, para o palco,
um pouco da linguagem cinematográfica, construindo “takes” num só bloco,
gerando um texto em que predominam monólogos distintos de cada um dos
personagens, direcionados à plateia, da qual, pode-se dizer, o outro também faz
parte, o que se configura nas imagens dos atores projetadas, alternadamente, num
telão, ao fundo do cenário, captadas por um operador de câmera, numa das coxias,
enquanto o outro personagem fala. Em
alguns raros momentos, os dois dialogam de verdade e, em outros, a fala de um
parece ser um comentário do que disse ou fez o outro.
O texto flui, como
se fossem dois depoimentos, em tom
confessional, como
se estivessem se dirigingo a um juiz, com a intenção de expurgar uma culpa,
livrar-se das falhas, dos erros, corrigir ou corrigir-se.
Paulatinamente, de forma bem natural, os
acontecimentos e as falas dos dois protagonistas vão fazendo desaparecer o que
há de nebuloso neles e tornando claro quem cada um, realmente, é, quais são, na
verdade, seus sonhos, ideais, assim como vão sendo iluminados seus valores éticos
e morais, sobretudo com relação ao que venha a ser uma verdadeira família.
Não
precisarei de muitas palavras para enaltecer o irrepreensível trabalho dos dois
atores. Não há como destacar o de um, em detrimento do
outro. MALVINO SALVADOR, afastado do palco desde 2009 (seu último trabalho
em TEATRO foi a peça “Mente Mentira”) e AUGUSTO ZACCHI, ator consagrado do Grupo Tapa, dão uma verdadeira aula de interpretação. Os dois já trabalharam juntos e, talvez, este
detalhe possa explicar, além do talento individual de cada um, a química
perfeita que se observa nas duas atuações.
São muito expressivos, no aspecto físico e nos timbres de voz, e duas
figuras que sabem como dominar o espaço cênico, ocupando-o plenamente,
atentando para detalhes mínimos das duas personalidades, para o que,
certamente, contaram com a orientação de um mestre na direção, PAULO DE MORAES, cujo trabalho, neste
espetáculo o destaca dentre os seus últimos, sem desmerecer qualquer um deles. Mais do que isso é ser repetitivo. Brilhante direção!
Merce
uma citação de destaque a tradução do texto – ótima – feita por DANIELE ÁVILA SMALL.
Outro
ponto marcante desta montagem, e elemento fundamental na concepção do
espetáculo, é a linda e riquíssima iluminação
de MANECO QUINDERÉ, que,
praticamente, não utiliza luz direcionada de cima e de baixo, valendo-se, na
maior parte do tempo, da iluminação proveniente de doze grandes refletores,
fixados em torres, nas duas laterais do palco, seis de cada lado, direcionados
a diferentes áreas do tablado, e que, acionados, total ou parcialmente, criam
luzes e sombras totalmente incorporadas à atmosfera de suspense, mistério e
violência das cenas.
Não
se pode deixar de parabenizar o premiado músico RICCO VIANA, pela magnífica direção
musical.
O cenário, de PAULO DE MORAES, é bem simples – apenas duas poltronas em cena – e
mais do que suficiente para que a história seja contada.
Paulo de Moraes.
Adequados
ao espetáculo são os figurinos, de MALU KELVINGROVE.
Gosto
muito da incorporação de um elemento que, a cada dia, vem sendo mais utilizado
nas montagens teatrais e que, na grande maioria das vezes, as enriquece, que é o
chamado videografismo, as projeções,
quase que monopolizado pelos magníficos irmãos RICO e RENATO VILAROUCA,
responsáveis por essa arte em CHUVA
CONSTANTE.
Na FICHA TÉCNICA, acrescentem-se os
seguintes nomes:
Videomaker: JOÃO GABRIEL MONTEIRO
Preparação Corporal: PATRÍCIA SELONG
Voz de Lourenzo: OTTO JR.
Produção Executiva: CINTHYA
GRABER e MARCEL BARBOZA
Projeto Gráfico: Radiográfico
Fotos de Divulgação: MARCELO FAUSTINI
Fotos de Making Of: EVANDRO
HALABEY
Assistentes de Produção: LÚCIA
FERREIRA e PAMELLA QUEVEDO
Operador de Câmera: JOSÉ LUIZ JR.
Administração do Espetáculo: MARCEL
BARBOZA
Assessoria de imprensa: LIÈGE
MONTEIRO e LUIZ FERNANDO COUTINHO
Uma produção: CINTHYA GRABER, LUÍS ERLANGER e MALVINO SALVADOR
SERVIÇO:
Local: TEATRO DO LEBLON - Sala Marília Pêra
Endereço: Rua Conde Bernadotte, nº 26, Leblon, Rio de Janeiro
Dias e horários: De quinta-feira a sábado, às 21h; domingo, às 20h
Classificação etária: 12 anos
Duração: 90 min
Temporada: Até 21 de dezembro
CHUVA
CONSTANTE – A FELICIDADE É FORA DA LEI é um espetáculo arrebatador, que
leva o espectador, às vezes, quase ao sufoco, a engolir em seco. Hipnotiza o espectador. Recomendo
este espetáculo como um dos melhores da atual temporada; ou melhor, da
temporada de 2014.
E tudo acontece em dias de muita chuva...
(FOTOS: MARCELO FAUSTINI e EVANDRO HALABEY.)
Ontem quando assisti a entrevista do Mavino, fiquei super interessada, agora após ler sua resenha, fiquei ansiosa!
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