sexta-feira, 17 de outubro de 2014


CHUVA CONSTANTE – A FELICIDADE É FORA DA LEI

 

 


(“É ESTRANHO O QUE VOCÊ TEM QUE PERDER, PRA GANHAR TANTO.” - Joey)

 

 


 


            Acordou com vontade de ir ao teatro?  Que bom, se todo mundo acordasse, todos os dias, com essa vontade!  

 

Já escolheu a peça?  Quer apenas se divertir ou prefere um texto que leve a pensar, daqueles que fazem com que o sono demore a chegar? 

 

Se o objetivo é apenas atingir o lazer, não assista a CHUVA CONSTANTE – A FELICIDADE É FORA DA LEI.  Também se foi essa a peça escolhida para a noite de hoje, porque lá está um ator (grande ator) Global, também não aconselho uma ida ao Teatro do Leblon (Sala Marília Pêra), porque ele, MALVINO SALVADOR, não está lá na pele de um galãzinho de folhetim. 

 

Mas, se o que procura é um espetáculo de altíssimo nível, um texto que vai mexer com você, que o fará repensar seus conceitos sobre a amizade, a ética, a moral e outros valores fundamentais para a perpetuação da espécie humana, o endereço é Rua Conde Bernadotte, 26, e os horários variam (não sei em que dia da semana você acordou com vontade de ir ao teatro): de 5ª feira a sábado, às 21h, e aos domingos, às 20h.

 

 


Foto: Ainda vai chover hoje! #ChuvaConstante

 


 

            CHUVA CONSTANTE é a denominação mais simplificada para uma peça, cuja outra parte do título é a síntese maior daquilo de que ela trata.

           

Seu título original é “A Steady Rain” e foi escrita por KEITH HUFF, autor de séries, como “House of Cards”, já foi encenada na Broadway, onde, em 2009, bateu o recorde de bilheteria de espetáculo não musical, estrelada por dois astros de peso do cinema hollywoodiano: Daniel Craig e Hugh Jackman.  Foi considerado um dos três melhores espetáculos do ano, pela revista Time.  A montagem foi aclamada, pelo jornal Chicago Tribune, como “um cativante conto noir”, e “uma montanha-russa de emoções”, pelo jornal Chicago Sun.

 

Dirigida, brilhantemente, por PAULO DE MORAES, e com a interpretação, irrepreensível, de MALVINO SALVADOR e AUGUSTO ZACCHI, a peça veio para ocupar um lugar de destaque na programação teatral deste final de ano, com pinta de que terá sua temporada prorrogada, a julgar pelo sucesso que vem mantendo, de público e de crítica, desde sua recente estreia.

 

 

 

  

Augusto Zacchi e Malvino Salvador.

 

 

E trata de quê?  O foco está num sentimento e numa atitude: amizade e traição, ainda que muitos outros “ingredientes”, valores éticos, como honra e lealdade, por exemplo, entrem em discussão.



 

 
Havia uma traição no meio do caminho; no meio do caminho, havia uma traição.
 

 

 


 


 

 

 

 
SINOPSE:
Dois policiais americanos, DENNY (MALVINO SALVADOR) e JOEY (AUGUSTO ZACCHI), parceiros de longa data (desde a infância) e melhores amigos, se veem envolvidos em uma série de acontecimentos, os quais afetarão suas vidas para sempre e acabarão por provocar uma trágica ruptura naquela aliança. 
Apesar dos laços que os unem, os dois se opõem em alguns aspectos.  DENNY tem uma bela família constituída, casado e com filhos, é exageradamente passional, enquanto JOEY é sozinho e solitário, extremamente tímido, seguidor, aparentemente, das regras e do que, hoje, se convencionou chamar “politicamente correto”. 
DENNY tem uma espécie de ideia fixa por arranjar uma companheira para o amigo, de tanto que o amava fraternalmente e desejava a sua felicidade, o que, segundo DENNY, só poderia ser encontrada dentro de uma família tradicional.  Para isso, leva-o, diariamente, para jantar em sua casa, como se da sua própria família fosse, convidando, vez por outra, uma “amiga”, para apresentar ao solteirão.  Outro também era o motivo que fazia com que DENNY se dedicasse tanto a JOEY.  É que este era entregue às bebidas, e aquele tentava afastá-lo do álcool.
Um dia, um fato incomum, insólito mesmo, serve de ponto de partida para uma série de aventuras e desventuras na vida dos dois: durante o jantar, um tiro, vindo da rua, entra pela janela da casa de DENNY, quebrando o vidro, fazendo com que os cacos que se desprenderam da janela provocassem um seriíssimo ferimento na cabeça de um dos seus filhos, bem pequeno.
A partir daí, o pai do menino investe numa perseguição implacável a quem ele atribuía, supostamente, aquele atentado: LOURENZO, um cafetão, que ele odiava e com quem já tivera vários entreveros, o qual explorava, dentre outras, uma prostituta com quem DENNY mantinha um estreito caso.
Durante um plantão da dupla, recebem uma chamada para resolver um problema doméstico e, no meio da pendenga, os dois entregam um menino vietnamita, pateticamente acuado de medo, a um homem, que se dizia tio da criança, o que gera problemas na vida profissional dos dois.
Mais do que isso, não devo adiantar, para não roubar ao público o suspense e as surpresas que virão.

 

            Ao final da peça, o espectador levará, para casa, para tirar-lhe o sono, como aconteceu comigo, muitas dúvidas, indagações, reflexões... 

E não deverá pensar em atribuir o rótulo de herói ou vilão, de bom ou mau, a este ou àquele, uma vez que, como qualquer ser humano, ambos apresentam desvios de caráter e problemas sérios de autoafirmação. 

Além de alcoólatra, JOEY desenvolve um amor, primeiramente, secreto e, depois, explícito, declarado, por CONNIE, a esposa do amigo que o amparava, o que foi acontecendo em função da pouca atenção que o policial passou a dar à família, por causa de sua extrema preocupação com a saúde do menino e em encontrar o verdadeiro causador da violência que punha a vida de seu filhinho em risco.

 

             
                                                                                Zacchi.

 

DENNY, por sua vez, além de manter um romance, fora do casamento, com uma prostituta, dava cobertura a ela e às amigas, em troca de agrados pecuniários, e também contrariava os interesses do cafetão LOURENZO, de quem se tornara, como já disse, inimigo ferrenho.  Também externava um racismno com relação à esposa, por sua origem. 

 

     
                                                                          Malvino.





 

E é assim que os destinos dos dois amigos vão se invertendo, contrapondo-se um ao outro, e a amizade vai cedendo a outros sentimentos menores.

O texto é interessantíssimo, pela história, em si, e pela técnica inteligente empregada pelo dramaturgo, que, por ser roteirista de cinema e séries para a TV, quase que inaugura um jeito novo de contar uma trama no palco.  MALVINO SALVADOR utiliza o termo “duólogo”, para caraterizar a maneira empregada no contar a história.  KEITH HUFF transplanta, para o palco, um pouco da linguagem cinematográfica, construindo “takes” num só bloco, gerando um texto em que predominam monólogos distintos de cada um dos personagens, direcionados à plateia, da qual, pode-se dizer, o outro também faz parte, o que se configura nas imagens dos atores projetadas, alternadamente, num telão, ao fundo do cenário, captadas por um operador de câmera, numa das coxias, enquanto o outro personagem fala.  Em alguns raros momentos, os dois dialogam de verdade e, em outros, a fala de um parece ser um comentário do que disse ou fez o outro.

 



 

 

O texto flui, como se fossem dois depoimentos, em tom confessional, como se estivessem se dirigingo a um juiz, com a intenção de expurgar uma culpa, livrar-se das falhas, dos erros, corrigir ou corrigir-se.

Paulatinamente, de forma bem natural, os acontecimentos e as falas dos dois protagonistas vão fazendo desaparecer o que há de nebuloso neles e tornando claro quem cada um, realmente, é, quais são, na verdade, seus sonhos, ideais, assim como vão sendo iluminados seus valores éticos e morais, sobretudo com relação ao que venha a ser uma verdadeira família.

Não precisarei de muitas palavras para enaltecer o irrepreensível trabalho dos dois atores.  Não há como destacar o de um, em detrimento do outro.  MALVINO SALVADOR, afastado do palco desde 2009 (seu último trabalho em TEATRO foi a peça “Mente Mentira”) e AUGUSTO ZACCHI, ator consagrado do Grupo Tapa, dão uma verdadeira aula de interpretação.  Os dois já trabalharam juntos e, talvez, este detalhe possa explicar, além do talento individual de cada um, a química perfeita que se observa nas duas atuações.  São muito expressivos, no aspecto físico e nos timbres de voz, e duas figuras que sabem como dominar o espaço cênico, ocupando-o plenamente, atentando para detalhes mínimos das duas personalidades, para o que, certamente, contaram com a orientação de um mestre na direção, PAULO DE MORAES, cujo trabalho, neste espetáculo o destaca dentre os seus últimos, sem desmerecer qualquer um deles.  Mais do que isso é ser repetitivo.  Brilhante direção!

 

 

 

 

 

 

Merce uma citação de destaque a tradução do texto – ótima – feita por DANIELE ÁVILA SMALL.

 

Outro ponto marcante desta montagem, e elemento fundamental na concepção do espetáculo, é a linda e riquíssima iluminação de MANECO QUINDERÉ, que, praticamente, não utiliza luz direcionada de cima e de baixo, valendo-se, na maior parte do tempo, da iluminação proveniente de doze grandes refletores, fixados em torres, nas duas laterais do palco, seis de cada lado, direcionados a diferentes áreas do tablado, e que, acionados, total ou parcialmente, criam luzes e sombras totalmente incorporadas à atmosfera de suspense, mistério e violência das cenas.

 

Não se pode deixar de parabenizar o premiado músico RICCO VIANA, pela magnífica direção musical. 

 

O cenário, de PAULO DE MORAES, é bem simples – apenas duas poltronas em cena – e mais do que suficiente para que a história seja contada.

 

 

 

  

Paulo de Moraes.

 

 

Adequados ao espetáculo são os figurinos, de MALU KELVINGROVE.

 

Gosto muito da incorporação de um elemento que, a cada dia, vem sendo mais utilizado nas montagens teatrais e que, na grande maioria das vezes, as enriquece, que é o chamado videografismo, as projeções, quase que monopolizado pelos magníficos irmãos RICO e RENATO VILAROUCA, responsáveis por essa arte em CHUVA CONSTANTE.

 

 

Na FICHA TÉCNICA, acrescentem-se os seguintes nomes:

 

Videomaker: JOÃO GABRIEL MONTEIRO

 

Preparação Corporal: PATRÍCIA SELONG

 

Voz de Lourenzo: OTTO JR.

 

Produção Executiva: CINTHYA GRABER e MARCEL BARBOZA

 

Projeto Gráfico: Radiográfico

 

Fotos de Divulgação: MARCELO FAUSTINI

 

Fotos de Making Of: EVANDRO HALABEY

 

Assistentes de Produção: LÚCIA FERREIRA e PAMELLA QUEVEDO

 

Operador de Câmera: JOSÉ LUIZ JR.

 

Administração do Espetáculo: MARCEL BARBOZA

 

Assessoria de imprensa: LIÈGE MONTEIRO e LUIZ FERNANDO COUTINHO

 

Uma produção: CINTHYA GRABER, LUÍS ERLANGER e MALVINO SALVADOR

 

 


 


 

 
SERVIÇO:
Local: TEATRO DO LEBLON - Sala Marília Pêra
Endereço: Rua Conde Bernadotte, nº 26, Leblon, Rio de Janeiro
Dias e horários: De quinta-feira a sábado, às 21h; domingo, às 20h
Classificação etária: 12 anos
Duração: 90 min
Temporada: Até 21 de dezembro
 

 

Foto: O tempo fechou de vez. #ChuvaConstante,, HOJE, no Teatro do Leblon. Venha assistir esse dilúvio! De quinta a sábado, às 21h e domingo, às 20h.

 

            CHUVA CONSTANTE – A FELICIDADE É FORA DA LEI é um espetáculo arrebatador, que leva o espectador, às vezes, quase ao sufoco, a engolir em seco.  Hipnotiza o espectador.  Recomendo este espetáculo como um dos melhores da atual temporada; ou melhor, da temporada de 2014.

 


 

Malvino Salvador, Augusto Zacchi, Luis Erlanger

 


 

 

E tudo acontece em dias de muita chuva...

 

 

(FOTOS: MARCELO FAUSTINI e EVANDRO HALABEY.)

 

 

 

 

    

 

 

 

 

 

 

 

Um comentário:

  1. Ontem quando assisti a entrevista do Mavino, fiquei super interessada, agora após ler sua resenha, fiquei ansiosa!

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