LIMITES GEOGRÁFICOS
E ÉTICOS NO TEATRO
ou
CADA MACACO NO
SEU GALHO
Ninguém mais do
que eu tem paciência de suportar, até o final, um espetáculo de teatro, por
pior eu ele seja, quer em qualidade, quer por outro motivo. Vontade de fazê-lo não me faltou muitas vezes,
mas resisto bravamente, até o acender das luzes da plateia, na esperança de que
“vai melhorar”. Para quem tem 64 anos de
idade e, há muitos anos, muitos mesmo, frequenta as salas de espetáculo quase
que diariamente, considero isso um grande feito e uma incomensurável prova de
tolerância e resistência emocional.
No
correr de décadas como espectador, só me lembro de, por três vezes, ter abandonado
uma “peça” antes do fechar das cortinas, sendo que as duas mais recentes
ocorreram num curtíssimo espaço de duas semanas, e isso está me assustando.
A última
ocorreu ontem. As duas, entretanto, por
motivos diferentes.
A primeira, no
dia 29 de setembro, porque, para ser péssima, precisaria melhorar muito –
texto, atuação do elenco, direção, cenários, figurinos... Tudo parecia teatrinho (nada mais pejorativo
do que o diminutivo de TEATRO) de paróquia
de subúrbio de Tribobó da Borborema (o nome é fictício e, se existe alguma localidade
com essa denominação e/ou se este texto chegar a algum munícipe de lá, ou que lá
tenha nascido, já me penitencio, antecipadamente, na iminência de um processo).
A de ontem,
além de não ser nenhuma “brastemp”, tem uma (até onde suportei; não sei se
houve outras) cena de plateia, totalmente
desnecessária e de mau gosto, da pior qualidade, que, por si, já era suficiente
para que os espectadores passassem ao largo do teatro, caso soubessem,
previamente, de sua existência.
Sou
radicalmente contrário – NÃO ADMITO MESMO
– a cenas desse tipo, porque entendo que ninguém sai de sua casa, enfrenta uma
série de dificuldades para ir a um teatro, paga caro por um ingresso (hoje, por
compromisso profissional, não é o meu caso), para ser tomado como otário por
um, quase sempre, arremedo de ator/atriz, o(a) qual, por falta de talento próprio
e/ou por orientação de um diretor menor, para provocar o humor, apoiado num bom
texto, tem de descer à plateia, com a finalidade de fazer perguntas a espectadores,
muitas vezes, como a de ontem, constrangedoras e ofensivas.
Quem não se
importar com isso, ótimo! Continue a
trabalhar de graça e a ser humilhado, para que o “artista” receba o seu salário
à custa da sua humilhação e do seu constrangimento.
Sou ator,
embora há muitos anos fora dos palcos, mas jamais aceitaria fazer esse papel
ridículo.
Não que eu não
ache que possa haver alguma interação
entre o ator, no palco, e a o público, na plateia. Mas não diretamente, ofensivamente, e sem
propósito algum relacionado ao texto.
Já vi inúmeros
espetáculos em que essa atitude, a de interagir com a plateia, só faz aproximar
mais ainda artista e público e, ao contrário do que ocorreu ontem, e despertar
maior interesse e simpatia deste por aquele(a).
Posso citar um dos mais recentes: CALANGO
DEU – OS CAUSOS DE DONA ZANINHA, texto da melhor qualidade, dirigido por um
diretor de verdade e interpretado por uma diva dos palcos, infelizmente ainda não
conhecida do grande público, por não estar nas novelas da TV GLOBO. Trata-se de SUZANA NASCIMENTO, que interpreta a Dona Zaninha (texto dela, autobiográfico), oriunda do interior de
Minas e que, “abre sua cozinha para o público e oferece um delicioso cafezinho,
feito por ela mesma, à vista de todos, logo no início do espetáculo. E conversa com a plateia durante quase toda a
peça. Não há como não se apaixonar pelo
conjunto da obra. Já assisti a este
grande espetáculo, que recomendo (Teatro
Poeirinha, às 3ªs e 4ªs, às 21h) três vezes e ainda vou tomar mais
cafezinho com aquela ARTISTA, com
todas as maiúsculas.
Suzana Nascimento - CALANGO DEU - OS CAUSOS DE DONA ZANINHA
Meu amigo GABRIEL LOUCHARD, está, há mais de dois
anos, em cartaz, com um espetáculo que reúne “stand-up” e mágicas, durante o
qual ele convida pessoas da plateia a “ajudar nas mágicas”. Tudo sem a menor intenção de ofender ninguém
e, durante todo esse tempo de total sucesso de público e de crítica, ninguém se
arrependeu de ter subido ao palco. Gabriel, como grande ator e dono de uma
sensibilidade e de uma inteligência invejáveis, consegue perceber quando há
resistência por parte do convidado e não insiste no convite, partindo,
imediatamente, para outra pessoa. O respeito
ao público é total, no espetáculo COMO É
QUE PODE?, que também recomendo, às
6ªs e sábados, às 23h, no Teatro das Artes.
O que está em
jogo aqui são dois limites: o geográfico,
do espaço destinado à encenação, e o ético,
cuja carência, infortunadamente, atinge um certo número de atores/atrizes.
Geograficamente
falando, dois são os espaços definidos numa sala de espetáculo: palco e auditório (plateia). O primeiro é destinado à encenação, à ação dos atores; o segundo é o que deve
ser ocupado pelo público, pelas pessoas, para
que assistam à encenação dos actantes, e não para fazer parte dela.
Gabriel Louchard e uma convidada (ajudante de mágico) em COMO É QUE PODE?
Quando uma
pessoa da plateia é convidada a “entrar em cena”, é convidada mesmo; ninguém
deve obrigá-la a participar da cena, como ocorre, por exemplo, nos espetáculos
de ZÉ CELSO MARTINEZ CORRÊA, ou do AMIR HADDAD, ou de tantos outros
encenadores. A pessoa vira actante
porque assim o deseja. Eu mesmo, aliás,
quase sempre que isso ocorreu, “entrei na dança” e me diverti muito. Adoro esse tipo de espetáculo! Isso, no meu DICIONÁRIO, se chama “interação”
e não há outra intenção a não ser esta.
Ninguém constrange ninguém com perguntas sobre sua intimidade, para
provocar risos de outras pessoas, as quais, se colocadas no lugar da vítima, não
achariam a menor graça.
Zé Celso Martinez Corrêa e um dos seus espetáculos (participação espontânea da plateia)
Amir Haddad e o grupo TÁ NA RUA (participação popular, por vontade própria)
Também o ator
que acha certo descer à plateia para humilhar e constranger outrem deveria ter
o mínimo de “simancol”, além de
sensibilidade, respeito ao próximo, amor à profissão e dignidade profissional,
para perceber se o(a) escolhido(a) está gostando ou não de ser alvo daquela
palhaçada e, imediatamente, improvisar uma saída honrosa, para não ficar com
cara de “vem-cá-meu-bem”. Mas, para isso, é necessário que seja um ATOR, e não um “ator de um personagem só”, como é o caso do de ontem, que até tem
um grande público seguidor (o teatro estava esgotado), o que não chega a ser
nenhuma novidade, pois um dos piores programas de “humor” da TV brasileira,a
meu juízo, está no ar há trocentos anos, para orgulho do seu diretor e alegria
dos donos da emissora (fatura muito), porém, em termos de qualidade, só perde
para si mesmo.
O texto da
peça é interessante, o que corrobora a minha opinião de que não seria necessário
apelar para cenas de plateia, e os outros atores têm um rendimento razoável,
aceitável. Gosto do texto e da versão
para o cinema.
E o pior é
que, depois da tal cena, o nome da vítima, volta e meia, é citado, em cenas subsequentes,
em outras piadinhas de péssimo gosto, o que, novamente, provoca gargalhadas homéricas
dos outros da plateia e olhares convergentes para o indivíduo, o cidadão, o ser
humano, exposto ao ridículo, até que a paciência da pessoa chega ao seu limite
e, ou ela se levanta e diz uma meia dúzia de palavrões ao agressor, indo embora
em seguida, arrependida de não lhe ter dado um soco na cara (felizmente, isso não
é do meu feitio; mas torço para que alguém o faça um dia) ou sai de campo, que
foi a minha opção, aproveitando-me de um ligeiro “black-out”, com menos de
trinta minutos de um “espetáculo” com duração prevista para oitenta.
Quanto aos limites éticos, parece-me que, para
algumas pessoas, isso seja de muito mais difícil percepção, porque não conhecem
a palavra “ÉTICA” ou, por alto, já
ouviram falar dela. Faltam-lhes, também,
no seu “DICIONÁRIO”, talvez por ser “PEQUENO” e só voltado ao campo “AMOROSO”, os verbetes “RESPEITO”, “SOLIDARIEDADE”, “TALENTO”,
“PERSPICÁCIA”... (este, então, deve
soar como um palavrão, para esse tipo de pessoa), se bem que, em matéria de
amor, todos devem ser conhecidos e praticados.
Se você não
está disposto a passar o que passei ontem, pergunte, antes de entrar no tetro,
ou melhor, antes de comprar o seu ingresso, se a peça contém esse tipo de
baixaria. Se for dos meus, procure o
teatro ao lado. Sempre há um; às vezes,
ao lado mesmo. Quem sabe, até mais de
um. E com espetáculos dignos de serem
vistos e prestigiados, porque não contêm apelação e respeitam o público.
A propósito,
deveria estar afixada, na bilheteria, para esse tipo de “espetáculo”, de forma
bem legível, uma placa com os dizeres: ESTA
PEÇA CONTÉM CENAS DE PLATEIA, DE PÉSSIMO GOSTO E QUE SERVEM PARA DIVERTIR
ALGUNS, À CUSTA DO CONSTRANGIMENTO E DA HUMILHAÇÃO DE OUTROS.
Deveria ser uma
obrigação, como há aquelas que indicam a proibição de consumir alimentos na plateia,
ou de não fotografar e filmar o espetáculo, ou de desligar aparelhos
sonoros... Garanto que a ocupação das
poltronas não seria como a de ontem.
É certo que o
ator não tem a obrigação de saber se aquela é a pessoa indicada para servir às
suas “brincadeirinhas sem graça”, porque ninguém traz uma placa, com tal
indicação, pendurada no pescoço, como também é verdade que ninguém é obrigado a
adivinhar que passará vexames, quando apenas desejava assistir a um bom espetáculo.
DEVE SER PELA FALTA DA SEGUNDA QUE DEVERIA EXISTIR
A PRIMEIRA, uma vez que não é em qualquer teatro que se encontra uma Suzana Nascimento, um Gabriel Louchard e outros ARTISTAS, na mais ampla acepção da
palavra.
Para representar a TRAGÉDIA, bastaria a máscara da direita, em posição inferior, sem a lágrima. Mas esta é a imagem mais próxima de quem saiu, ontem, daquilo que se propunha a ser uma comédia.
Que pena!
Que lamentável! Posso imaginar, conhecendo sua paixão pelo TEATRO, o que esse fato deve ter causado em você. Infelizmente a "orda dos sem noção" só está crescendo.
ResponderExcluirMas nada melhor que TEATRO ( em maiúsculo mesmo) para apagar as lembranças tristes da mediocridade!
VIVA O TEATRO!