“3 MESES
E
3
DIAS”
ou
(DAQUELAS
SURPRESAS AGRADÁVEIS QUE NOS PEGAM QUANDO MENOS ESPERAMOS.)
Faz bastante tempo, passa de um mês e
meio (15/05/2024), assisti, no
penúltimo dia da temporada, a um espetáculo que me agradou sobremaneira e disse
a um dos atores, MARCÉU PIERROTTI, que não teria tempo hábil para
escrever sobre a peça, mas demonstrei-lhe esse desejo e prometi-lhe que, tão
logo terminasse de escrever várias críticas acumuladas, pelo volume de trabalho
e falta de tempo, eu procuraria registrar minha admiração pela peça, para que
isso, talvez importante para ele e seu companheiro de cena, RICARDO BURGOS,
servisse para alguma coisa; para um registro, pelo menos, de alguém que respira
TEATRO o tempo todo e sabe
reconhecer o valor de um bom espetáculo. É o que passo a fazer agora, com muito prazer.
SINOPSE:
“3 MESES EM 3 DIAS” retrata as jornadas de Caio (RICARDO
BURGOS), pai do garoto Abel, e Ivan (MARCÉU PIERROTI), neurocirurgião que operou o menino, após uma
tragédia que mudou suas vidas para sempre.
Abordando questões sobre
paternidade e a relação entre pai e filho, a peça provoca reflexões sobre a
fragilidade da vida e as complexidades das relações humanas.
Trata-se de uma produção bastante
franciscana, sem patrocínios,
porém feita com muita garra, amor, dedicação, competência e qualidade, o que, muitas vezes,
como aqui, supera algumas superproduções que envolvem verbas vultosas. Disse,
no primeiro parágrafo, que se tratava de “um
espetáculo que me agradou sobremaneira”, na mesma proporção que,
paradoxalmente, me deixou bastante “para
baixo”, porque mexeu muito com o meu emocional. Fez com que eu me reportasse
à minha vida particular também, ao meu passado, assim como deve ter atingido a
tantas outras pessoas. Dirigi, numa noite fria e chuvosa, o que ajuda a criar “um clima melancólico”, de volta do Teatro Solar de Botafogo, no bairro
do mesmo nome, até a minha casa, a cerca de 30km de lá, em total silêncio, pensando na peça, tentando não
chorar e me concentrar na direção do veículo. Todos aqueles que têm filhos já
passaram, passam ou passarão por momentos em que surge um questionamento acerca
da maneira como educa/educou suas crias e se lhes dá/deu a atenção que eles
merecem. E, quando se chega a uma conclusão de que poderia, ou teria que, ser
diferente, que estamos “em dívida”,
isso é muito doloroso. Eu me considero um “devedor”, mas não porque busquei isso; foi tudo obra da vida,
de muita lida, trabalhando em vários colégios, do “iniciozinho” da manhã até o “finalzão” da noite, além de carregar tarefas para serem feitas
em casa, nos finais de semana: provas, redações, trabalhos e relatórios para
serem corrigidos. O que se pode fazer, quando se é professor num país como o Brasil, onde tudo é mais importante
do que a educação. Mas acho que nem deveria enveredar por aí. A peça é que
merece os focos mais intensos.
SINOPSE:
O espetáculo é dividido
em dois monólogos independentes, mas que se intercalam.
PRIMEIRO MONÓLOGO: Ivan (MERCÉU PIERROTTI), um neurocirurgião
experiente, relembra o dia em que fez de tudo para salvar um garoto de dez anos
durante uma cirurgia de emergência.
Enquanto questiona suas habilidades como cirurgião, por conta de seu insucesso, e a competência para ter um filho, ele também enfrenta o medo de não ter conhecido, verdadeiramente, seu pai, morto prematuramente.
SEGUNDO MONÓLOGO: Caio (RICARDO BURGOS) conta a história de seu filho, Abel,
que faleceu, aos dez anos de idade, devido a um acidente doméstico.
Ele relembra anedotas divertidas
sobre o filho e expõe as dificuldades que precisou carregar, ao lidar com essa
perda, e as consequências que isso gerou em seu casamento com Danilo.
Também questiona a sua
capacidade como pai e o temor de se esquecer do seu filho falecido.
Serei breve, porém o mais contundente possível, nos meus comentários, a começar por enaltecer o texto da peça, que corresponde a uma dramaturgia assaz interessante, com uma arquitetura cênica de fazer inveja a qualquer bom dramaturgo, com bastante experiência no ramo, o que penso não ser o caso de RICARDO BURGOS, uma vez que, salvo engano, não conhecia, ainda, nenhum texto anterior seu. Com relação a “3 MESES EM 3 DIAS”, afirmo que o autor foi muito feliz na escrita da peça, para o que contou com uma “colaboração dramatúrgica” de MARCÉU PIERROTTI, como consta na FICHA TÉCNICA. MARCÉU diz que foi convidado por RICARDO para dirigi-lo em num monólogo “sobre um acidente traumático, ocorrido com ele, na infância, que o levou a ficar três meses internado”. RICARDO apresentou-lhe o texto e MARCÉU percebeu que havia uma conexão de temas entre o que o amigo lhe apresentou e sua relação com o pai e sua morte repentina. Propôs, então, criar um texto com dois monólogos “que se entrelaçam e se complementam”. Sugestão aceita, estava ali o pontapé inicial para o espetáculo. Antes que possam ensaiar um pensamento errado, o texto passa longe de ser piegas e apelativo.
A estrutura escolhida para alinhavar as ideias e dar forma final ao texto da peça recaiu na chamada autoficção, uma espécie de “gênero teatral”, que, a cada dia, vem ganhando mais adeptos no Brasil. Um texto de autoficção corresponde a uma escrita que “embaralha as categorias da autobiografia e ficção, de maneira paradoxal, ao juntar, num mesmo texto, duas formas de escrita que, em princípio, deveriam se excluir”. Realidade é uma coisa; ficção é outra, ao pé das letra. A autoficção pode ser compreendida, pois, como “uma nova forma de escrita autobiográfica, própria, talvez, da era pós-moderna, em que a narrativa dos fatos da vida do autor é feita através de uma linguagem própria do gênero romanesco, ou seja, de uma escrita que se pretende artística”. Confesso que esse tipo de TEATRO muito me agrada e que, há algum tempo, venho assistindo a ótimas montagens do “gênero”, como a que ora comento. Dessa forma, os autores se basearam em episódios reais, para criar este novo trabalho, que retrata a jornada pessoal de cada um, porém sob a ótica de dois personagens ficcionais. Os dois colegas de cena contam que “encontraram, na autoficção, uma forma de rever suas crenças sobre masculinidade e explorar suas relações com seus pais e mães, bem como com a paternidade.”.
Ambos os monólogos prendem muito a atenção dos
espectadores. Assim como eu, o público que quase lotava os 180 lugares da simpática
casa de espetáculos não conseguia piscar, de tão atento a cada frase dita pelos
dois atores. Cada nova revelação contada abre o caminho da curiosidade do
espectador, que fica à espera de algo mais surpreendente que virá, com certeza,
não fosse o enredo extremamente importante, pertinente e tratado de um modo tão
respeitoso, reverente, além de requerer muita coragem do dramaturgo para mexer
em feridas ainda não cicatrizadas de todo; foi a minha percepção. Tanto é
assim, que houve a necessidade de transformar em peças algumas recordações,
como se houvesse o desejo de exorcizá-las. A pertinência da peça está ligada à
necessidade de se colocar sob uma lente de aumento temas profundos e delicados,
questões importantes que também devem ser, cada vez mais, discutidas na
sociedade contemporânea: a fragilidade masculina e a paternidade. Isso concede
à peça um caráter universal e atemporal. Aliás, cada vez mais concernente aos
nossos dias.
É muito importante realçar que a fragilidade do ser humano, suas dores e culpas, que, normalmente, em outros textos, cai sobre a mulher, aqui, sem nenhum pudor, atinge “o mais forte da relação”; ou seja, há uma feliz e oportuna desconstrução do arquétipo do “machão”, que não chora, que não se arrepende, que não erra...
MARCÉU PIERROTTI faz um correto trabalho de direção e, além de ser um dos intérpretes do drama, também assina a uma cenografia simples, mas que atende às necessidades do texto. VITOR ROQUE é o responsável pelos figurinos adequados aos personagens, na linha “casual”. FERNANDA MANTOVANI responde pelo desenho de luz, que valoriza bastante cada cena.
Os dois atores se entregam,
magistralmente, aos seus personagens e transferem a eles a emoção e a marca de
suas reminiscências particulares, fazendo com que fiquemos diante de dois ótimos
trabalhos de atores, ambos em igual bom nível de excelência.
FICHA TÉCNICA:
Dramaturgia: Ricardo Burgos
Direção e Colaboração Dramatúrgica:
Marcéu Pierrotti
Atuação: Marcéu Pierrotti (Ivan) e
Ricardo Burgos (Caio)
Interlocução Artística: Camila
Moreira
Cenário: Marcéu Pierrotti
Figurino: Vitor Roque
Iluminação: Fernanda Mantovani
Direção de Movimento e Preparação de
Atores: Thiago Félix
Trilha Sonora: Seth Evans
Operação de Som: Anna Padilha
Fotos:
Coordenação de Produção: Joaquim
Vidal
Realização: Hit the Lens e Marcéu
Pierrotti Prod.
Já que, infelizmente, o
espetáculo já não se encontra mais à disposição de quem não assistiu a ele,
desnecessário se faz apresentar o SERVIÇO
da peça. Caso consiga uma nova pauta –
Torço por isso! -, não só republicarei esta crítica, como recomendarei
a montagem, com o SERVIÇO
completo. E viva o BOM TEATRO, mesmo quando
é feito sem ostentação!
FOTOS:
VAMOS AO TEATRO!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE
ESPETÁCULO DO BRASIL!
A ARTE EDUCA E CONSTRÓI, SEMPRE; E
SALVA!
RESISTAMOS SEMPRE MAIS!
COMPARTILHEM ESTA CRÍTICA, PARA
QUE, JUNTOS, POSSAMOS DIVULGAR O QUE HÁ DE MELHOR NO TEATRO BRASILEIRO!
Nenhum comentário:
Postar um comentário