A
PRODUTORA
E
A
GAIVOTA
(UMA DELÍCA DE COMÉDIA, VALORIZADA
POR UM
TALENTOSO ATOR.)
Já
vou logo perguntando e respondendo (direto, como a personagem): é uma boa
comédia o que você procura, reunindo bom
texto, boa direção e uma excelente interpretação? Uma comédia,
em forma de monólogo, completamente diferente do que você está acostumado a
ver?
Então,
cesse a procura e escolha um dos últimos seis dias da temporada, os dois próximos
sábados, domingos e 2ªas feiras (3, 4, 5, 10, 11 E 12 de junho), vá ao Espaço Cultural Municipal Sérgio Porto, no Humaitá,
e se prepare para rir muito, com JEFFERSON
SCHROEDER, na
pele de uma produtora de TEATRO, às
voltas com um grave problema, antes da apresentação da peça que ela “produz” (as aspas dizem tudo; os leitores vão entender), que seria um
clássico da dramaturgia universal, a famosa peça “A GAIVOTA”, do grande dramaturgo russo ANTON TCHEKHOV, a quem a tal “produtora”,
MEIRE SABATINE, insiste em chamar de
“Antônio”.
O texto é o primeiro trabalho dramatúrgico de JEFFERSON, que estreia, no ofício, com o pé direito, tendo,
inteligentemente, convidado JOÃO FONSECA,
para dirigi-lo.
Que JEFFERSON
é um ótimo ator, todos os que vão ao TEATRO
com frequência já o sabem, pelos tantos trabalhos excelentes que já realizou,
no palco, principalmente como membro da “Cia.
OmondÉ de TEATRO”, sob a batuta de Inez
Viana. A grande surpresa está no autor,
principalmente por ser seu texto de estreia, como dramaturgo.
O texto é de um humor leve e bastante cáustico, ao mesmo tempo, bem
temperado, com direito a críticas rasgadas ao próprio TEATRO. O autor mira sua metralhadora mordaz na direção de um
conhecido crítico teatral, do próprio diretor da peça, do elenco de atores
fracassados e de péssima qualidade, dos técnicos incompetentes... Tudo no
julgamento da “produtora”. Ninguém escapa
à língua ferina e à extrapolada “sinceridade” de MEIRE.
Praticamente, o espectador vai rir muito,
desde a primeira aparição da personagem até o “black-out” final, que, segundo MEIRE, é o melhor momento da peça, comparável ao intervalo, que é muito
providencial (e que não há nesta peça), para que o público que não esteja
gostando do espetáculo não assista a ele até o final e possa livrar-se de um
“suplício”.
Embora as matérias publicadas para a
divulgação da peça digam que o texto
é “baseado” em “A GAIOVOTA”, não é
bem assim. Na impossibilidade da apresentação da peça, para um público que lota
o teatro, por um problema que já ficará claro, adiante, quando eu falar na sinopse, MEIRE tem a (in)feliz ideia de “entreter o público”, contando, à
sua maneira, a história, enquanto o elenco não chega. E ela o faz de uma
maneira hilária, descontraída, com a pretensão de ser didática, intercalando a
narrativa com ligações telefônicas ao diretor da peça e para falar de seu
conturbado relacionamento com a filha, MICHELLE
(MICHA), que resolveu sair de casa, por total incompatibilidade de gênios com
a mãe, para assumir um relacionamento homoafetivo com a amiga LÚCIA. Esse fato, que poderia ser
encarado como algo, se não natural, pelo menos, comum, também se torna motivo para
o humor ferino da protagonista.
No original, “A GAIVOTA” foi concebida como “comédia”,
pelo próprio autor, ainda que, na
forma, se trate, na verdade, de um drama.
Foi escrita em quatro atos,
resumidos, por MEIRE, a uma
sequência única, de 70 minutos, sem
intervalos; os atos ela vai anunciando, à medida que se desenvolve o enredo.
SINOPSE:
Na peça, JEFFERSON SCHROEDER interpreta MEIRE SABATINE, uma produtora de teatro “picareta” e
divertidíssima, que conta, sozinha, a história de “A GAIVOTA”, de ANTON
TCHEKHOV, fazendo todos os personagens.
E por que isso acontece? É
que o elenco, acompanhado do diretor da peça, havia ido fazer uma apresentação
do espetáculo numa lona cultural, num subúrbio distante, tendo, na volta,
enfrentado um engarrafamento, na Avenida Brasil, do qual não conseguiam sair,
deixando o público à espera deles, para a sessão daquela noite, num teatro.
Durante a peça, o público
vai descobrindo que a “produtora” MEIRE, que não gosta de TEATRO, é “contaminada” e muda de opinião sobre a
arte, por conta do desenrolar da história de TCHEKHOV, conseguindo, com isso, resolver problemas pessoais com a
filha.
O objetivo do monólogo é passar, para o público, de
forma humorada e criativa, a essência da obra “A GAIVOTA”, destacando a importância da arte e da cultura para uma
sociedade que necessita de desenvolvimento.
Uma cadeira fica vazia, na plateia,
com a placa de “RESERVADO”, “ad aeternum”, aguardando um crítico
teatral (e MEIRE lhe dá nome), que
nunca vai, mas que também “não faz falta
nenhuma, porque ninguém consegue entender o que ele escreve”. Essa cadeira
vazia significa um prejuízo diário, segundo ela, já que o lugar deixa de ser
vendido. Só esse momento já rende boas gargalhadas, de tão bem explorado que é.
A produtora
não poupa críticas às lonas culturais,
que ela chama de “tendas de favelas”,
para um público “ignorante”, despreparado para assistir a TEATRO, o que a faz não se importar com o fato de o grupo se
apresentar lá apenas com os figurinos, sem o cenário, o qual, segundo ela, é
tão ruim, que também não faz falta alguma.
Critica o técnico
de som, que não sabe o “be-a-bá” da sonoplastia: “o ator parou de falar, aumenta o som; começou, diminui”. E tome de
bronca no profissional!
Pergunta, à plateia,
quem conhece a peça “A GAIVOTA”.
Sempre há alguém, uma pessoa, pelo menos, para responder afirmativamente. Essa
é a deixa para que MEIRE se
interesse pela opinião do espectador, se gosta da peça, aguardando-se que a
resposta seja positiva, é claro, já que se trata de um clássico do TEATRO universal.
Não para MEIRE, que desqualifica a peça, arrasa
com o texto, chamando-o de “chato” e “difícil”. “Eu acho essa peça chatíssima. Dificílima de
entender. Nós tivemos que fazer várias leituras, pra entender. Fizemos leituras
dramatizadas. Sabem o que é leitura dramatizada?
Propõe-se, então, a “explicar”
aos “leigos” da plateia o que seja uma “leitura
dramatizada”. Outro momento de extremo humor. “Ler, a peça. Mas essa peça,
realmente, precisa de um estudo, porque não é fácil de entender. São uns nomes
muito difíceis, que mudam do nada. Uns apelidos malucos, que não têm nada a ver
com os nomes dos personagens, você fica pensando – está falando de quem agora?”.
Em sua conversa com a plateia, MEIRE não deixa de abordar a
eterna crise do fazer teatral e, ao pedir que um espectador do sexo masculino a ajude a montar um quadro, que vai auxiliá-la a “contar a história”, por meio
de nomes e desenhos, pergunta à pessoa: “Você é ator? Porque, quando uma pessoa não
sabe fazer uma coisa simples, ela é boa pra ser ator”. “Essa
peça fala, basicamente, sobre TEATRO. Não é a toa que todos os personagens têm
depressão, vivem reclamando da vida”. Brinca com a própria profissão.
No
contar a trama, ela vai trocando os nomes dos personagens por outros que possam
parecer mais “fáceis de serem assimilados”. Uma das personagens femininas, NINA, por exemplo, é trocada pelo nome
de uma famosa atriz de TV. E assim por diante...
Sobre
uma das atrizes da companhia: “A SALETE, que faz a NINA, ela... Não é...
Atriz. Não nasceu pra coisa. Tem uma voz aguda. Ela é tão ruim que chega a ser
boa.”. Aliás, para simplificar, todos do elenco são criticados por ela.
E
quando ela resolve revelar ao público “segredinhos de produção”? É um dos
momentos mais engraçados da peça, quando ela dá nome a alguns famosos produtores
de TEATRO e narra o que acontece
durante as reuniões mensais do grupo, uma espécie de associação de produtores,
não nos poupando de explicar sua infalível Regra
do 1, enquanto uma colega, produtora, apresenta uma técnica, sua estratégia,
para fazer com que os atores atuem de graça. Ri "indecentemente".
Também
não economiza crítica aos governantes: “TEATRO, eles piram numas coisas. TEATRO é
uma coisa...chata. Não é a toa que TEATRO está sempre vazio. É uma coisa
inútil. Você não vive sem um hospital, uma escola, um restaurante. Mas sem o TEATRO
você vive. Eu sei disso há muito tempo. O governo é que agora que foi descobrir
isso. E eu sei do que eu estou falando. Que eu estou enfiada de TEATRO até a
cabeça”.
No
corpo do texto da peça, ao qual tive
acesso, JEFFERSON já começa brincando
também, ao descrever o cenário e o figurino, para uma possível montagem: “CENÁRIO:
Experimental e metafórico de “A GAIVOTA”, de ANTON TCHEKHOV. Aparentemente, um
pouco incompleto. FIGURINO: Casual chique. Uma roupa que sugere, por acaso, uma
relação com a época onde a peça “A GAIVOTA” acontece”.
Na
verdade, tanto o cenário, de DANIEL DE JESUS, quanto o figurino, de CAROL LOBATO, são muito interessantes. O cenário nada mais comporta, além de um piso, totalmente coberto por
sacolas plásticas, pretas, limitado por duas sequências de cortinas para box,
transparentes, incolores, uma pequena plataforma, como uma rampa, e uma cadeira
torta. O figurino, propositalmente, é meio
fora do contexto, para quem está a trabalho, não está nadando em dinheiro, mas procura manter uma aparência oposta. É formado por uma calça comprida, larga, uma blusa e um casaquinho, que devem ter saído do rico acervo da grande figurinista CAROL LOBATO, também mencionada no texto.
JEFFERSON SCHROEDER é um dos melhores atores
de sua geração, mestre em fazer vozes diferentes, e todo o seu talento e
versatilidade estão presentes neste espetáculo.
Nada
especial a dizer sobre o trabalho de direção,
de JOÃO FONSECA, além daquilo que já
virou clichê, que sempre observamos nele: competência e bom gosto.
Comportada,
discreta e precisa é a luz, de ANA LUZIA DE SIMONI (o DNA ajuda, se bem que a "gaivota" dela cresceu e já sabe voar sozinha) e JOÃO GIOIA.
FICHA TÉCNICA:
Texto: Jefferson
Schroeder
Elenco: Jefferson Schroeder
Direção: João Fonseca
Cenário: Daniel de Jesus
Figurino: Carol Lobato
Luz: Ana Luzia de Simoni e João Gioia
Programação Visual: Daniel de Jesus
Produção: Luís Antônio Fortes
Fotos: Thiago De Lucena
SERVIÇO:
Temporada: De 20 de
maio até 12 de junho.
Local: Espaço Cultural Municipal Sérgio Porto.
Endereço: Rua Humaitá, 163 – Humaitá – Rio de Janeiro (Entrada pela Rua
Visconde Silva).
Telefone: 2535-3846.
Duração: 70 minutos.
Dias e Horário: De sábado a 2ª feira, sempre às 19h.
Valor do Ingresso: R$30,00 (inteira) e R$15,00 (meia entrada).
Venda de Ingressos na Bilheteria
do Teatro: de 4ª feira a domingo, a partir das 17h.
Classificação Etária: 12 anos.
“Espero que as pessoas se divirtam, riam,
enquanto pensam, naturalmente, sobre a importância, aparentemente subjetiva, da
arte, do teatro. Que pensem nos sonhos seguidos e nos deixados para trás, no
poder evolutivo do amor infinito pelos filhos, pais, trabalho, e no quanto
somos felizes, quando podemos voar nossas gaivotas”, destaca o ator e autor JEFFERSON SCHROEDER.
Tenha a certeza, JEFFERSON,
de que a minha "gaivota" e a de todos os que estavam lá, comigo, naquela noite, voaram
muito alto, graças ao teu talento. Formamos um bando de "gaivotas", muito
felizes, voando, cada uma, de volta, para o seu ninho.
Jefferson Schroeder e João Fonseca.
(FOTOS:
THIAGO DE LUCENA.)
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