ALICE MANDOU UM
BEIJO
(EU AGRADEÇO
E O RETRIBUO,
DO MEU JEITO.)
Inicio estes meus comentários sobre o
espetáculo “ALICE MANDOU UM BEIJO” de uma forma diferente, agradecendo,
de coração, ao(à) pauteiro(a) do Espaço SESC, quem quer que seja, responsável
pela vinda desse espetáculo ao Rio de Janeiro, dando, aos cariocas, a
oportunidade de assistir a uma excelente peça teatral, o verdadeiro TEATRO,
uma das melhores a que assisti, até o presente momento, neste ano de 2016.
A encenação dessa peça
serve para que todos se conscientizem, de uma vez por todas, de que não é só no
Rio e em São Paulo, ou, quando muito, nas grandes capitais, que
se faz TEATRO com todas as maiúsculas. Em Três Rios, cidade do
interior do Rio de Janeiro, há uma excelente companhia teatral, a CIA.
CORTEJO, que já nos brindou com outras grandes montagens, como “A
HISTÓRIA OFICIAL” e “ANTES DA CHUVA”, ambas indicadas a prêmios, e
que, agora ocupa o Mezanino do Espaço SESC (VER SERVIÇO.)
SINOPSE 1:
Após a morte da filha
caçula, ALICE, uma família
disfuncional, pode-se assim dizer, se vê diante de uma inesperada
instabilidade.
A ausência dela acaba por
disparar uma série de acontecimentos, que revelam a fragilidade das
relações que se estabeleceram durante toda uma vida, dentro daquela casa.
Quando a peça começa,
ALICE já está morta, mas, paradoxalmente,
ela está viva dentro da casa. Ela é onipresente.
Todos falam dela,
todo o tempo, vestem suas roupas, executam suas tarefas, tentam assumir o
seu lugar.
ALICE é quem dava sentido àquela convivência.
A protagonista era jovem e morava com o pai, o marido, duas irmãs e um
sobrinho autista. Após sua morte, o pai exige a saída de seu marido da casa,
entretanto é contrariado pelas outras duas filhas, as quais, apaixonadas pelo
cunhado, sem que uma soubesse dos sentimentos da outra, tentam demover o velho
de sua intenção.
Como consequência da morte
de ALICE, as relações familiares
se refazem, transformam-se em instáveis e, até mesmo, impossíveis.
SINOPSE 2:
Apesar de jovem, JANDIRA (BRUNA PORTELLA), a filha do
meio, é quem assume a responsabilidade de cuidar de toda a família.
Com a morte da irmã, ela se
esforça por conseguir manter tudo como antes, a estabilidade do lar, da qual o
público não toma conhecimento, na prática, uma vez que o espetáculo inicia já
com a protagonista morta e enterrada. Haveria mesmo, antes, tal estabilidade?
Com o passar do tempo,
porém, os relacionamentos interpessoais, naquele que deve ter sido, um dia, um
“lar”, começam a tomar rumos diferentes e perigosos, e JANDIRA perde completamente o controle da situação e não consegue
administrar os conflitos domésticos, até porque ela também está envolvida
neles.
ALICE, por indícios encontrados no texto e nas ações dos personagens, parece ter sido, durante anos, o
ponto de equilíbrio daquela família.
No passado, após a morte
da matriarca, o pai, ARAÚJO, (JOSÉ EDUARDO ARCURI), surdo e senil,
sobrevive da troca de mimos com ALICE,
sua filha predileta.
ROBÉRIO (LUAN VIEIRA), o filho, autista, de JANDIRA, tinha, na tia falecida, a única porta de comunicação com o
mundo real. Parece que era a única que o compreendia e sabia lidar com suas
limitações.
ONEIDA (VIVIAN SOBRINO), a irmã mais velha, que sempre alimentou um
ressentimento em relação à preferência do pai pela caçula, resolve investir em OSVALDO (TAIRONE VALE), o cunhado
viúvo. Seu desejo é vender a casa e ir embora com ele, para uma cidade maior,
sem se importar com o resto dos parentes.
Isso afeta, terrivelmente,
JANDIRA, que, além de ter mantido a
vida inteira um amor platônico por OSVALDO,
se vê, agora, diante da possibilidade de ficar sozinha, cuidando de seu pai e
de ROBÉRIO, a quem ela se dedica,
até com boas intenções, entretanto com muito pouca habilidade. Ela carregaria
dois pesados fardos.
A peça, cujo texto, de RODRIGO
PORTELLA, que também é o diretor do espetáculo, é ótimo, é
baseada nas memórias de infância do
autor.
RODRIGO, indicado ao Prêmio Shell/RJ 2013,
nas categorias de Melhor Diretor,
por “Uma História Oficial”, e Melhor Autor, por “Antes da Chuva”, dois
outros grandes trabalhos, em “ALICE
MANDOU UM BEIJO”, mergulha no universo das contradições familiares, criando
uma trama em que a reconstrução da memória é o eixo central. Mergulha fundo,
muito fundo mesmo!
Considero
interessante e oportuno este depoimento de PORTELLA,
que justifica, de certa forma, o que se vê no seu texto: “Quando eu era criança, minha mãe era só a minha mãe. Todos, daquela
família, encharcada de tios e primos, de variados graus, pareciam, aos meus
olhos, tipos bem definidos: o tio bonachão; o primo esperto; a avó, mais ou
menos, afetuosa; o pai, um pouco ausente, que me roubava a mãe, nas madrugadas;
o irmão meu avesso; o padrinho e seus extraordinários presentes de aniversário;
a prima gostosa, a quem todos os primos fingiam namorar… Tudo parecia estável,
eterno, definitivo. Só mais tarde, bem mais tarde mesmo, fui perceber que
aquelas pessoas eram muito mais complexas. Me dei conta de que o que eu
enxergava, antes, era só uma pontinha de um volumoso e assustador ‘iceberg’. ‘ALICE
MANDOU UM BEIJO’ é um resgate ficcional das minhas memórias de infância.
Acredito que, só agora, aos 38 anos, é que começo a entender que o sentido de
HUMANIDADE está, potencialmente, relacionado à palavra ‘CONTRADIÇÃO’”.
O resultado dessas reflexões gerou um texto digno de prêmios, no qual se percebem
boas pinceladas, aromas e sabores do universo rodriguiano, em cuja fonte PORTELLA parece ter buscado alívio para
sua sede, traços facilmente perceptíveis, em todo o texto, e, acrescento, até de
melhor qualidade que muita coisa que escreveu Nélson Rodrigues.
Pode-se dizer
que a semente deste texto surgiu
quando, aos onze anos de idade, o dramaturgo vivenciou duas grandes perdas,
seguidas: primeiro a de um tio e, depois, a da avó. Além da dor natural e do
sofrimento irreversível da morte de entes queridos, o menino presenciou uma
série de brigas acaloradas, que se seguiram, após os enterros, constantes
desavenças, entre os da “família”, por conta das heranças deixadas pelos
finados. Com tão pouca idade, o menino não conseguia entender e digerir aquilo
tudo, um tsunâmi de emoções e vibrações negativas, mas, certamente, aqueles
fatos marcaram, sobremaneira, uma fase de sua vida e precisaram vir à tona, na
idade adulta, na forma de uma peça de TEATRO,
talvez como uma catarse, para se livrar daqueles fantasmas da infância. Que bom
que tenha sido assim, pelo belo espetáculo que vi!
É oportuno
dizer que a peça não e autobiográfica, que os personagens, em cena, não são os
parentes do autor. É uma ficção, baseada numa realidade, aliás muito mais frequente,
nas famílias do mundo inteiro, do que se possa imaginar.
O espetáculo,
que está atraindo um grande público e despertando as melhores críticas, é uma
produção da CIA. CORTEJO, de Três Rios, fundada por RODRIGO PORTELLA e que reúne excelentes
talentos locais, como os atores que formam o elenco desta peça: BRUNA PORTELA, JOSÉ EDUARDO ARCURI, LUAN
VIEIRA, TAIRONE VALE e VIVIAN SOBRINO, cujas formações
profissionais não sei onde foram feitas, mas posso assegurar que todos foram alunos
muito aplicados.
São, todos, excelentes atores!
Gosto muito do que escreve RODRIGO
PORTELLA, que trilhou um caminho interessante em sua carreira, uma vez que,
nascido no interior do Rio de Janeiro
(Três Rios), veio, para a capital, a fim de estudar TEATRO (Direção Teatral, na
UNIRIO) e, ao contrário do que fazem 99,9% dos que procedem como ele, não
se fixou, e passou a trabalhar profissionalmente, aqui, decidindo retornar à
sua pequena cidade natal, com o objetivo de compartilhar seus
conhecimentos com seus conterrâneos e fomentar o TEATRO local, fundando a já citada, e premiada, CIA. CORTEJO.
Agradam-me os seus textos, e, em especial, este “ALICE...”, porque ele sabe economizar
palavras, não as desperdiça; sabe manter um equilíbrio constante, durante todo
o tempo de duração da peça, alternando suavidade e agressividade, pondo, na
boca de cada personagem, o indispensável e o necessário para que eles se
mostrem ao público, para que se desnudem, como verdadeiramente são. Quem quiser,
como eu, que faça suas elucubrações, mas o texto,
em si, é muito claro, ainda que ofereça motivos e “pistas” para as referidas
divagações. Embarca na viagem quem tiver a passagem na mão e o passaporte em
dia. Eu sempre os tenho, ou procuro tê-los.
Nesta
peça, o eixo dramático está nas delicadas decisões dos personagens, diante
da “ausência” de ALICE, uma espécie
de representação da coerência familiar. RODRIGO,
uma “aranha-dramaturga”, tece uma teia, entrelaça os fatos, os desejos
reprimidos e os explícitos, as frustrações, as intenções, de tal forma, que
prende a atenção do espectador, da primeira à última cena.
Os personagens,
obviamente, guardadas as devidas proporções, aqui, parecem brotar das páginas
das peças de Nélson Rodrigues, com
suas poucas qualidades, seus desvios de conduta, seus caracteres duvidosos, suas
verdades ocultas (ONEIDA, por
exemplo, é dançarina, numa boate, e faz programas com clientes), seus
interesses escusos, suas neuroses...
A personagem
central, que dá título à peça, não aparece em cena (Ou aparece o tempo todo?), uma vez que já está morta, quando se
inicia a ação, como já foi dito. O público não a conhece pelo que ela é, mas
pelo que falam dela. Paradoxalmente, ALICE
está viva, dentro daquela casa, e morta, sepultada num cemitério qualquer.
Embora não materializada, parece-nos ver o seu fantasma, passeando pela casa. É
difícil explicar, mas eu cheguei a conceber uma forma física para ALICE. Visualizei seu rosto, seu corpo;
quase ouvi sua voz. Apenas um detalhe: acho que não sou louco; é “excesso de
sensibilidade” (Momento descontração.)
Quanto
ao harmonioso elenco, encantaram-me todas as atuações. Cada
um dá o seu recado da forma mais correta possível, entretanto, seria uma
injustiça não destacar o trabalho do jovem e talentoso LUAN VIEIRA, que já havia mexido comigo, quando de sua atuação em “Antes da Chuva”. LUAN interpreta um jovem autista, com a mesma perfeição como se
comportou, brilhantemente, outro grande jovem destaque de ator, Rafael Canedo, em papel semelhante, na
peça “O Estranho Caso do Cachorro Morto”,
ou seja, com muita verdade, sem exageros e nada de estereótipos. Tudo com muita
naturalidade. Acrescente-se que, além da doença neurológica, o personagem ROBÉRIO ainda apresenta deformidades físicas,
que exigem um esforço intenso do ator, para se deslocar em cena, assim como
muita atenção e total entrega ao personagem. Senti-me bastante gratificado por
seu trabalho.
RENATO MACHADO faz um bom trabalho de iluminação, excelente, em vários
momentos, assim como são corretos os figurinos,
de DANIELE GEAMMAL, e a cenografia, de RAYMUNDO PESINE, o elemento que mais me chamou a atenção, na parte
estética do espetáculo, com muitos armários (alguns com portas espelhadas)
cristaleiras vazias, cadeiras e uma velha vitrola, que também ajuda a trazer ALICE para a cena, por meio das canções
de que ela gostava ou que marcaram algum importante momento na vida daquela família
(Ou seria, agora, apenas, um agrupamento
de pessoas?). Tudo, no cenário é
preto, a cor do luto, na nossa cultura.
Quanto
à direção do espetáculo, considero-a
excelente. Torna-se mais fácil dirigir uma peça, quando o diretor é, também, o autor do texto, creio eu. O diálogo consigo
mesmo faz com que ele atinja, com um grau maior de verdade e perfeição, o seu
objetivo. E quem sai ganhando é o público. As mudanças de tempo são feitas de
forma genial, às vezes confundindo o espectador menos atento. Mas isso é muito
bom!
Dentre vários detalhes e cenas que
mais me chamaram a atenção, destaco:
-
Os focos de luz, sobre duas gavetas abertas e um sobre a vitrola, no início da
peça. São detalhes instigantes que, com o decorrer da peça, serão
compreendidos.
-
As duas obstinações de ROBÉRIO:
sempre abrir as gavetas, após terem sido fechadas por algum dos outros
personagens, e o eterno riscar, com giz branco, tudo o que existe em cena –
chão, móveis, objetos...
A primeira pareceu-me a maneira de o autor expressar
a necessidade de expurgar todas as sujeiras, expor o oculto, tocar nas feridas,
talvez a única maneira de se atingir um equilíbrio naquela casa. E o curioso é
que tal intenção brota, exatamente, daquele que, “tecnicamente”, seria o menos
indicado a fazê-lo, enquanto os outros parecem estar sempre querendo varrer
algo para debaixo do tapete.
A segunda, confesso que pensei ter atingido a
intenção do diretor, mas só “vi sentido” em alguns momentos, quando, por
exemplo, o menino circula o espaço ocupado por alguns personagens e traça
linhas, ligando-os.
-
A participação dos personagens na organização da festa de aniversário de ROBÉRIO é das coisas mais patéticas que
já vi em cena. Tudo parece uma obrigação, ninguém sente alegria e interesse em
festejar o aniversário do menino. Tudo parece funcionar no “piloto automático”,
sem sentimentos, sem emoção.
-
A cena de surto, de ROBÉRIO, é
fantástica, comovente, de fazer perder o fôlego. O espectador sofre, com o
menino, “participa” da cena. Eu chorei, por dentro. De pena, de dor, pela minha
impotência, por não poder livrá-lo daquele sofrimento...
A participação do tio OSVALDO, na referida cena, o único a conseguir acalmá-lo, e da
forma, firme e, ao mesmo tempo, carinhosa, como o faz, me fez “viajar”, achando
que, como não se faz menção à paternidade do menino, poderia ele ter sido fruto
de um romance clandestino, proibido, entre sua mãe e o tio (Será?).
-
A cena de humor patético, em que OSVALDO
conta três piadas, engraçadas, para despertar o riso do sogro. Um grande
momento de interpretação de TAIRONE VALE
e JOSÉ EDUARDO ARCURI, que, aos
olhos do público leigo, passa apenas como uma cena engraçada.
-
Todas as cenas de embate entre as duas irmãs, ricas em agressividade, ironia e
sarcasmo. Muito contribui para a excelência das cenas os talentos de BRUNA PORTELLA e VIVIAN SOBRINO.
-
A interessante metáfora que o autor
estabelece entre os “humanos” e as zebras.
-
A cena da frustração, pelo fato de os convidados para a festa de aniversário de
ROBÉRIO não terem comparecido, “por
causa da chuva” (Seria a verdadeira
causa?).
Não
vejo a hora de rever o espetáculo, que não me canso de recomendar!!!
FICHA TÉCNICA:
Autor e Diretor: Rodrigo Portella
Codireção e Trilha Sonora: Leo Marvet
Codireção e Trilha Sonora: Leo Marvet
Elenco: Cia Cortejo: Bruna Portella, José Eduardo Arcuri, Luan Vieira,
Tairone Vale e Vivian Sobrino
Iluminação: Renato Machado
Figurinos: Daniele Geammal
Cenografia: Raymundo Pesine
Projeto Gráfico: Raul Taborda
Fotos de Divulgação: Renato Mangolin
Assessoria de Imprensa: Ney Motta
Produção: Cia Cortejo
Realização: Sesc Rio
Figurinos: Daniele Geammal
Cenografia: Raymundo Pesine
Projeto Gráfico: Raul Taborda
Fotos de Divulgação: Renato Mangolin
Assessoria de Imprensa: Ney Motta
Produção: Cia Cortejo
Realização: Sesc Rio
SERVIÇO:
Local: Espaço Sesc (Mezanino) – Rua Domingos Ferreira, 160, Copacabana, Rio de Janeiro.
Tel. (21) 2548-1088.
Temporada: De 13 de fevereiro a 13 de março.
Temporada: De 13 de fevereiro a 13 de março.
Dias e Horários: De 5ª feira a sábado, às 21h; domingo, às 20h.
Valor do Ingresso: R$20,00 (inteira), R$10,00 (meia-entrada) e R$5,00 (associado Sesc)
Classificação Etária: 14 anos
Duração: 75 minutos
Gênero: Drama
Valor do Ingresso: R$20,00 (inteira), R$10,00 (meia-entrada) e R$5,00 (associado Sesc)
Classificação Etária: 14 anos
Duração: 75 minutos
Gênero: Drama
(FOTOS: RENATO MANGOLIN.)
Muito obrigada pelo lindo texto, pelo recorte muito carinhoso da história de nossa companhia, pela presença e por sua atenção Gilberto. Estamos todos muito felizes!!!
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