“ONDE ESTÁ
LIZ DOS SANTOS?”
ou
(MENOS É MAIS.)
ou
(O PRÊMIO É
DA DRAMATURGA
E DO PÚBLICO.)
ou
QUE MAL LHE PERGUNTE:
QUEM MATOU MARIELLE?.)
É tão gratificante, quando a gente já
vai ao Teatro com uma boa expectativa e sai dele felicíssimo, porque a peça
é muitas vezes melhor do que se esperava!!! Foi o que aconteceu no último
sábado (27 de novembro de 2021), no Teatro Firjan Sesi – Rio de
Janeiro. Tudo dentro da maior segurança, com relação aos cuidados com a
pandemia de COVID-19. “ONDE ESTÁ LIZ DOS SANTOS?”. IMPERDÍVEL!!! Mais
uma vez estou escrevendo sobre um espetáculo que, quando esta crítica
chegar a você, que me lê, já terá encerrado sua temporada, se bem que,
certamente, outras haverá. Mas há uma surpresa, ao final destes escritos.
Fica, pelo menos, como registro de um dos melhores momentos do TEATRO presencial,
no Rio de Janeiro, neste ano atípico, de 2021, para as atividades
teatrais.
A crítica poderia terminar só
no primeiro parágrafo, para eu dizer se gostei ou não da obra, mas seria apenas
uma rasa opinião, diante do que é necessário que seja escrito sobre essa montagem,
cujo texto, SENSACIONAL, diga-se de passagem, foi escrito por BEATRIZ MALCHER, durante a 6ª
turma do Núcleo de Dramaturgia Firjan SESI, com coordenação de DIOGO
LIBERANO.
Antes de entrar nas considerações
sobre o espetáculo, preciso falar, rapidamente, sobre esse evento
promovido pelo SESI. Desde 2014, ele promove, anualmente, durante
dez meses, uma Oficina de Dramaturgia, coordenada pelo dramaturgo DIOGO LIBERANO, desde 2017, com apenas quinze alunos. Antes
dele, assumiram a Coordenação Marcia Zanelatto, Carla
Faour e Henrique Tavares. Dos textos escritos, três são
selecionados, por um um júri de especialistas, os quais são publicados pela Editora
Cobogó, e esse mesmo corpo de jurados elege o melhor texto, ao final
da oficina, cujo “prêmio” é uma primeira montagem no
Teatro Firjan Sesi, no Rio de Janeiro, com todos os custos de
produção arcados pelo Sesi. A atual é a 6ª edição. Acompanho o
evento desde sua primeira turma e jamais me decepcionei com os resultados,
embora, evidentemente, não conheça os demais textos que participaram da
seleção. E não foi diferente com “ONDE ESTÁ LIZ DOS SANTOS?”, uma dramaturgia
excepcional, calcada num tema atualíssimo e que precisa, SIM, E
MUITO, ser discutido e aprofundado.
A título de curiosidade, e para dar
divulgação maior ao evento, segue a lista dos textos vencedores, desde a
primeira edição, a partir de 2014: “Vende-Se Uma Geladeira Azul”,
escrito por Rafael Cali; “E De Repente Uma Ossada De Baleia
Emergiu Na Cidade”, escrito, em conjunto, por Andressa Hazboun,
Gabriel Barros, Gabriela Giffoni, Pablo Kaschner e Pedro
Leal David; “Rose”, escrito por Cecilia Ripoll; “Saia”,
escrito por Marcéli Torquato; “Cão Gelado”, escrito por Filipe
Isensee e “ONDE ESTÁ LIZ DOS SANTOS?”, escrito por BEATRIZ
MALCHER. Na verdade, houve uma inversão na ordem de montagem dos
dois últimos textos, por razões internas.
Seguirei, para compor esta crítica,
os subtítulos que dei a ela, começando pelo primeiro, que
apresenta uma máxima que, quando posta em prática, muitas vezes, está
corretíssima: “MENOS É MAIS”. A montagem é muito simples, “franciscana”,
até certo ponto, porém, ao dispensar elementos cênicos dispendiosos e
que impressionam, pela plasticidade, acerta a diretora, TATIANA
TIBÚRCIO, ao concentrar sua atenção maior no texto, a pérola rara
desta encenação, e na interpretação do elenco. E não era preciso
mais nada mesmo. Será? Pergunto: de que vale um grande texto, se não é
bem encenado? Pode impressionar numa leitura dramatizada, numa leitura de mesa,
mas não sobre as tábuas. Isso é uma provocação, para adiantar o que direi,
adiante, sobre a direção e o elenco da peça.
TATIANA TIBÚRCIO, além da grande
atriz que é, mostrou que também tem competência para dirigir uma boa
peça de TEATRO. Ela abriu mão de um cenário que impressionasse e
trabalha com, apenas, um pouco menos de dez cadeiras, comuns, em cena, e, com
elas, compõe os espaços de que o enredo necessita. CARLOS ALBERTO
NUNES assina a direção de arte. E ficou ótimo!!! Os figurinos,
também da “lavra” de NUNES, iguais para todos os personagens,
uma espécie de “uniforme militar”, na cor cáqui, praticamente,
iguala os seres humanos, e lhes esconde as feições, na maior parte da peça,
porque todos se apresentam com um capuz, cobrindo-lhes o rosto. A maior parte
do elenco assim se apresenta durante todo o espetáculo. E também ficou ótimo!!! Não há
grandes efeitos de iluminação, criada por JON THOMAZ, além do
estritamente necessário: nada de cores; maior ou menor potência, seguindo a
intensidade de cada cena; uma luz projetada ora do fundo do palco para a
frente, ora da frente para trás, ora vinda das laterais, criando efeitos
simples, porém significativos. Há uma boa direção musical, sob a “batuta”
de BEÀ AYÒÓLA, e algumas projeções, com destaque para uma,
muito impactante, na última cena, sobre a qual não darei “spoiler”.
É
TATIANA quem diz: “Trabalhamos com a cena mais crua possível, no
sentido de exigir mais dos atores, sem dar a eles ‘apoios e bengalas’.
Trabalhamos com o ator em sua máxima expressividade, para falar do retorno
desse extremismo conservador, que a gente já experimentou em ditaduras pelo
mundo. Estamos vendo isso tudo voltar, com uma carga muito assustadora”.
Percebem a importância desse texto e dessa montagem? E ele ainda apresenta uma grande ironia, que é o fato de todos os personagens se reunirem, em sessões, numa certa "associação", intitulada AA (ASSASSINOS ANÔNIMOS).
Que
elenco de magníficos atores! Ao receber o “release”,
via RACHEL ALMEIDA (RACCA COMUNICAÇÃO), salvo engano, só
identifiquei os nomes de JOÃO MABIAL e o de uma excelente atriz, LUCIANA
LOPES, que abusou do direito de ser excelente, na montagem de “Salina”,
com o “Amok TEATRO”, no Sesc Copacabana, há seis anos, espetáculo
ao qual assisti quatro vezes. E ela mostra, novamente, seu imenso talento,
nesta montagem, interpretando MARIA DAS GRAÇAS, a mãe da personagem
“desaparecida”. Nunca ouvira, antes, falar nos nomes dos demais do elenco,
o qual, repito, é formado por ótimos atores e atrizes, com um destaque,
além de LUCIANA, para o ator JULIO WENCESLAU,
na interpretação do PASTOR HEDELBERTO.
Com
relação ao terceiro subtítulo, “QUE MAL LHE PERGUNTE: QUEM MATOU
MARIELLE?”, tenho a certeza de que não há a menor necessidade de explicar
nada, além de dizer que foram os mesmos que “sumiram” com LIZ DOS
SANTOS. E continuam impunes. A história se repete. E todos os dias,
infelizmente.
SINOPSE:
Em uma cidade dominada por um grupo de milicianos,
MARIA DAS GRAÇAS (LUCIANA LOPES) busca sua filha, LIZ, uma artista,
engajada politicamente, que desapareceu, após ter sido levada a uma delegacia
local.
A busca expõe uma trama de violência, que envolve o
Estado, a alta burguesia agrária e a Igreja.
Paralelamente, o pastor da cidade se confronta com o seu
papel ambíguo nesse cenário.
Quem
escreveu o texto é uma estreante na difícil arte da dramaturgia, BEATRIZ
MALCHER, crítica literária, pesquisadora e professora de literatura, que
colocou, no papel, tudo aquilo que, infelizmente, vimos assistindo há alguns
anos, no Brasil, principalmente nos últimos três. Mais atual não
poderia ser. Basta observar algumas palavras do coordenador do projeto,
DIOGO LIBERANO, extraídas, com cortes, do já referido “release”:
“Os derrotados nunca puderam contar a história do mundo. A narrativa
sempre coube aos vencedores, dominadores e bárbaros. Mas, mesmo nos regimes
mais autoritários e violentos, as vítimas têm a oportunidade de deixar sua
mensagem para as gerações futuras. É a partir dessa reflexão que se desenvolve
o drama “ONDE ESTÁ LIZ DOS SANTOS?”.
E
o Brasil atual continua em cena, uma vez que “o espetáculo conta
uma história de perseguições, desaparecimentos e submissões, que apresenta
paralelos com a realidade brasileira. A trama se desenrola em uma cidade dominada
por um grupo de milicianos, onde a posse de armas está liberada.” É
preciso desenhar?! MARIA DAS GRAÇAS busca sua filha, LIZ, que
“desapareceu”, após ter sido levada a uma delegacia local. O
Brasil é um país de muitas “maria das graças e liz”, também representadas
pelo gênero masculino, ou lá o que seja. Principalmente, ou quase sempre,
quando são pretos e pobres.
O
realismo contido no texto vem do fato de que, para escrevê-lo, a autora
partiu de muitas entrevistas que leu com/sobre pessoas que viveram ou
testemunharam situações análogas às da peça, moradoras em áreas
dominadas pela milícia e em um episódio que ouviu, de uma senhora, na porta do
banco: ela perdera um filho, a casa e o negócio, depois que a família deixou de
pagar pelos serviços cobrados pelo grupo clandestino.
São
palavras da dramaturga: “Li bastante sobre milícia, nos últimos
meses, para construir a trama, mas a peça parte de um ambiente dominado por
esse grupo, para refletir sobre as posturas autoritárias, violentas e fascistas,
que fazem parte da história do Brasil e do mundo. De tempos em tempos, essas
posturas ficam mais afloradas. A narrativa também é contada a partir de obras,
no estilo lambe-lambe, deixadas pela personagem-título, uma artista
desaparecida que, a partir do seu trabalho, fazia denúncias políticas”.
E segue a autora: “Eu queria trabalhar com indivíduos desaparecidos, mas
que tivessem voz. Eu não queria fazer como o sistema e apagar essas pessoas do
mapa. Decidi usar colagens, feitas por mim mesma, que são projetadas em cena,
para mostrar a obra de uma artista sem recursos, que está tentando ganhar a vida
em outra cidade. Colei olhos de pessoas reais, que estão mortas ou têm
paradeiro desconhecido. Enquanto existir gente que se lembre dessas pessoas e
que passem suas mensagens adiante, elas não estarão derrotadas. Elas ficarão de
olhos abertos”, completa.
Ratifico
o que disse no segundo subtítulo: “O PRÊMIO É DA DRAMATURGA E DO
PÚBLICO.”. Embora seja um espetáculo muito denso, com cenas um pouco
chocantes e que mexem com a nossa sensibilidade, comprimem feridas ainda não
cicatrizadas, considero um “prêmio”, para quem sai de suas casas,
para ir a um Teatro, em plena pandemia de COVID-19, ainda que com
todos os cuidados, por parte do Teatro, ter a oportunidade de assistir a
este ótimo espetáculo.
FICHA TÉCNICA:
Dramaturgia: Beatriz Malcher
Direção: Tatiana Tiburcio
Assistência de Direção: Julio Wenceslau
ELENCO: Anderson Guimarães (Matteo “Dentinho”),
Clarissa Menezes (DR. Ribeiro/Marissa), Fernanda Dias (Carla Jordão), João
Mabial (Delegado Sebastião), Julio Wenceslau (Pastor Hedelberto) e Luciana
Lopes (Maria das Graças)
Direção de Arte (Cenário e Figurino): Carlos Alberto
Nunes
Iluminação: Jon Thomaz
Direção Musical: Beà Ayòóla
Costura Cênica: Katia Salles e Nilce Maldonado
Confecção de Máscara: Vanessa Dias
Operação de Som: Nádia Bittencourt
Operação de Projeção: Andressa Núbia
Fotos: Daniel Barboza e Diogo Nunes
Programação Visual: Bianca Oliveira – Estúdio da Bica
Redes Sociais: Lyana Ferraz e Gabriel Innocencio
Assessoria de Imprensa: Rachel Almeida (Racca
Comunicação)
Produção: Clarissa Menezes
Assistência de Produção: Júlia Sarraf
Coordenação do Projeto: Diogo Liberano
Se a temporada terminou ontem, 28 de novembro de 2021,
não faria sentido acrescentar, a esta crítica, o SERVIÇO, contudo
aqui está a surpresa anunciada lá em cima. É que o espetáculo, que
reflete sobre as relações de poder nas sociedades autoritárias, entrará em
cartaz, no formato “on-line”, de 1º a 30 de dezembro / 2021, pelo YOUTUBE.
O SERVIÇO abaixo refere-se a essa temporada.
SERVIÇO:
Temporada Virtual: de 01 a 30/12. Poderá ser acessado
em qualquer dia e horário, durante esse período.
Onde Assisir: Canal do Youtube Firjan SESI
(www.youtube.com/c/FirjanSesi)
Ingressos: GRATUITOS
Duração: 1h15min
Classificação Etária: 14 anos.
Perguntem
se assistirei, mais de uma vez, à versão virtual!!! Nem vou responder. Façam o
mesmo e não se arrependerão!
RECOMENDO
MUITO ESTE TRABALHO!!!
Tatiana Tiburcio, a diretora.
FOTOS: DANIEL BARBOZA
e
DIOGO NUNES
E VAMOS AO TEATRO,
COM TODOS OS
CUIDADOS!!!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS
DE ESPETÁCULO
DO BRASIL,
COM TODOS OS
CUIDADOS!!!
A ARTE EDUCA E
CONSTRÓI, SEMPRE!!!
RESISTAMOS, SEMPRE
MAIS!!!
COMPARTILHEM ESTE
TEXTO,
PARA QUE, JUNTOS,
POSSAMOS DIVULGAR
O QUE HÁ DE MELHOR NO
Que espetáculo! Forte!
ResponderExcluirEspetacular.