terça-feira, 23 de novembro de 2021

 

“PÁ DE CAL

(RAY-LUX)”

 

ou

 

(“ACORDEI E ME OLHEI

NO ESPELHO,
AINDA A TEMPO DE VER
MEU SONHO VIRAR

PESADELO.”)

- Paulo Leminski


ou

 

(“O COMPORTAMENTO

É UM ESPELHO

NO QUAL TODOS

MOSTRAMOS O QUE SOMOS.”

- Alfred Montapert


ou

 

(“NÃO IR AO TEATRO

É COMO FAZER A ‘TOILETTE’

SEM ESPELHO.”

- Arthur Schopenhauer



        Quem é do ramo ou, simplesmente, muito fã de TEATRO sabe quem é JÔ BILAC e o que ele representa para o TEATRO BRASILEIRO contemporâneo. Se fizerem uma pesquisa, nos “sites” de busca, vão descobrir, por exemplo, que o jovem dramaturgo é, salvo engano, o mais premiado no Brasil, já tendo sido montado por grandes encenadores, como Bia Lessa, Daniela Thomas, Guilherme Leme Garcia, Hamilton Vaz Pereira, Inez Viana, Ivan Sugahara, João Fonseca, Marco Nanini, Monique Gardenberg, Rodrigo Portella, por exemplo, e, agora, por outro jovem, PAULO VERLINGS, que se apresenta mais ao público como um ótimo ator, mas já demonstrou, anteriormente, saber dirigir TEATRO, o que volta a fazer agora.


Paulo Verlings

        Vai ficar sabendo, também, que, em 2004, com apenas 19 anos, escreveu sua primeira dramaturgia, “Sangue Em Caixa De Areia”, pela qual já recebeu a primeira premiação, pelo texto, embora sua primeira peça encenada, oficialmente, só tenha ocorrido em 2006, “Bruxarias Urbanas”. Desde lá, JÔ BILAC virou uma “máquina de escrever peças”, imagem que poderia ser decodificada como pejorativa, ou seja, estaríamos falando de um dramaturgo que “escreve em escala industrial”, que visa à quantidade e não à qualidade. Ocorre que, no seu caso, a grande profusão registrada no cômputo de suas produções escritas para os palcos é grande em função do seu talento, que não é menor. São, ao todo, até o presente momento, 31 textos, incluindo o mais recente, “PÁ DE CAL (RAY-LUX)", objeto desta crítica, e o primeiro texto, que não foi encenado; oficialmente, pelo menos. Não conheço "Sangue Em Caixa De Areia", mas gostaria de ter acesso a ele, como curiosidade, para observar sua evolução, como dramaturgo. Sem falar nos 6 roteiros e 11 livros publicados.




      Assisti à grande maioria de seus textos encenados e tenho uma preferência especial por alguns deles, que são “Conselho de Classe”, “Savana Glacial”, “O Matador de Santas”, “Os Mamutes”, Cucaracha” e “Infância, Tiros e Plumas”. Dois deles disputam o primeiro lugar, no meu pódio, localizado dentro do meu coração: “Conselho de Classe” e “Beije Minha Lápide”, com uma ligeira vantagem para aquele. Já afirmei, em críticas anteriores que considero os seus melhores textos. Acrescento um detalhe que observo: que poucos dramaturgos conseguem bolar títulos tão curiosos e interessantes, para suas peças, ao mesmo tempo que comerciais, como JÔ BILAC. No caso desta peça, ela apresenta um título e um subtítulo. Sobre aquele, “PÁ DE CAL” é uma expressão bem popular, conhecidíssima do grande público, que vem ligada a um verbo, formando uma frase: “Jogar uma pá de cal (sobre alguma coisa.), o que significa “dar por encerrado”, “finalizar alguma coisa”, como se faz nos sepultamentos em cova rasa. Desde criança, quando perguntava a alguém sobre o porquê daquele ritual, diziam-me que “é pro defunto feder menos”, o que me intrigava bastante. De fato, a alcalinidade da cal virgem provoca um ambiente agressivo, que inibe a atividade biológica, a qual, normalmente, acompanha a decomposição de matéria orgânica.". (Lá fui eu pesquisar!) Na peça, quer dizer que se fará uma última referência a um assunto não prazeroso”, o suicídio, no caso, e os dramas que ele passou a provocar. Para que o defunto possa feder menos? Com relação ao subtítulo, “RAY-LUX”, confesso que não conseguia entendê-lo, nem imaginar a que poderia se referir, até assistir ao espetáculo. Ele “se refere ao nome de uma urna funerária tão cara, que custa o preço de um automóvel”, que, no caso, é grafado “hilux”. Como está no subtítulo, fica mais “charmoso”.




     O talento de JÔ BILAC é reconhecido internacionalmente, e uma prova disso está na quantidade de palestras que já proferiu, a convite, em vários países: no Salão do Livro”, em Paris, França; na Feira do Livro”, em Frankfurt, Alemanha; na Feira do Livro”, em Gotemburgo, Suécia; no Festival Ibero-Americano”, em Bogotá, Colômbia; “Literatura e Arte”, em Bolonha, Itália; “Dramaturgia Mundial”, Universidade de NY, EUA; “Publicação Internacional”, em Yale, EUA; no Brasil, destaque para “FLUP”, Museu MAR, Rio de Janeiro.







      Que orgulho maior poderia ter , depois de ter sido considerado “o dramaturgo da sua geração”, por ninguém menos que DONA Fernanda Montenegro?






BILAC é autor de uma frase: O TEATRO é, cada vez mais, para mim, onde podemos rever nossa própria história e nossa condição humana. Esse paradoxo entre vida e morte me move muito. E por que fiz essa revelação? Simplesmente, porque é o que se vê, em todas as suas obras, com cores mais vivas, talvez, na peça que ora analiso. Como ninguém é gênio, ou brilhante, o tempo todo, confesso que já saí dos Teatros, poucas vezes, meio decepcionado com algumas de suas peças, o que é bastante natural – é meu gosto, pessoal -, mas aplaudi a maioria; de pé, algumas delas.






Embora, um pouco abaixo, eu vá apresentar uma “SINOPSE” da peça, incluída no “release”, que me foi enviado por NEY MOTTA (ASSESSORIA DE IMPRENSA), julgo interessante transcrever um trecho extraído do mesmo “release”, que vai ajudar a entender a peça, a qual não é de tão fácil acesso, para algumas pessoas (Comentários que ouvi de algumas, à saída do Teatro 2, do CCBB - Rio de Janeiro.): A trama de ‘PÁ DE CAL (RAY-LUX)’ parte da morte de um personagem central, ou seja, ele está ausente. O mesmo acontece com suas irmãs, que mandam representantes, para a reunião ‘familiar’, na qual irá se definir o destino do pai dessa família e, também, o destino da mãe do morto, uma ex-empregada da família, que também manda um representante legal. O morto também é representado por uma pessoa com quem conviveu em terras estrangeiras. Além de uma morte traumática, a peça lida com a terceirização de responsabilidades e de como essas representatividades interferem na boa condução das questões. Toda a ação se desenrola na casa onde mora o patriarca, local que é foco de uma disputa pela posse, revelando interesses divergentes entre as partes. Conflitos inesperados emergem a partir desse encontro. Com o passar do tempo, as relações entre pai e seus filhos – representados – se revelam, aos espectadores, cada vez mais, límpidas e latentes.”.








 

SINOPSE:

A morte do caçula de uma família partida provoca uma reunião, à qual apenas representantes dos familiares comparecem e serão eles que decidirão o destino do patriarca e da mãe do morto, uma ex-empregada, que também manda um representante legal.

A terceirização das responsabilidades interfere, drasticamente, na condução das questões dessa família.



 




Sem que eu considere o texto uma “obra-prima”, acho-o bem interessante e revelador de até onde podem chegar os seres humanos, na luta por seus interesses e na conquista de seus territórios, sem que a empatia faça parte de seus princípios. No palco, uma “família disfuncional”, ou seja, uma família em que os conflitos, a má conduta e, muitas vezes, o abuso, por parte dos membros individuais, ocorrem contínua e regularmente, fazendo com que outros membros se acomodem com tais ações.





Segundo o diretor do espetáculo e, também, responsável pelo argumento e sua idealização, PAULO VERLINGS, O espetáculo narra uma relação ‘familiar’ por uma perspectiva diferente. Através das representatividades, discutimos o quanto nós, hoje, na contemporaneidade, terceirizamos nossas relações. Atravessamos questões como culpa, ausência de diálogo e afeto, a partir de um acontecimento trágico.”.







Como pode existir, na prática, uma “família” com tal comportamento? Ninguém assume nada, jogam, para o colo daquele que estiver mais próximo, as culpas pela atitude de um jovem suicida e as consequências que advirão disso. É a isso que foi chamado de “terceirização das relações”, cada um “fechado em seu casulo”, que, também, implica a falta de sinceridade entre os sentimentos das pessoas daquela “família”, sem falar na tentativa de ocultar segredos.





se utiliza de um humor bem ácido e mórbido, capaz de nos tirar de nossas zonas de conforto, sem fazer muito esforço, mas não nos incomoda muito; muito pelo contrário, a não ser num pequeno momento ou outro, quando nos obriga a fazer certas reflexões, porque ele não pressiona as feridas carinhosamente; comprime-as com robustez, provocando dores, ainda que suportáveis. Observa-se, neste texto, que o dramaturgo não esconde que bebeu numa fonte chamada Nelson Rodrigues.





PAULO VERLINGS faz uma excelente direção, trabalhando, com muita competência, sobre um texto complexo, sabendo dosar cada um detalhe nele contido, por se tratar de “um tema delicado, mas emergencial e a favor da vida. O Brasil está na contramão da tendência mundial, em relação aos índices de suicídios. Dados da OMS mostram que, por aqui, as taxas de suicídio foram 7% maiores, em 2016, último ano da pesquisa, do que em 2010. Já o índice global teve queda de 9,8%.”, segundo PAULO.




Sem poder me aprofundar, como, de hábito, faço, em cada elemento de uma montagem teatral, unicamente por total falta de tempo, faz-se necessário um comentário positivo ao elenco, o qual se comporta de forma bastante positiva e quase totalmente homogênea. ISAAC BERNAT sendo ISAAC BERNAT, um ótimo ator, mais uma vez, demonstrando seu correto trabalho de construção de um personagem, o pai, cujo destino é alvo de discussões intrafamiliares. CAROLINA PISMEL dispensa qualquer comentário, bastando um “está formidável, em cena, como sempre”. Chega! Sou um grande fã de seu trabalho. E basta. Fiquei bastante bem impressionado com a atuação de KÊNIA BÁRBARA, cujo nome não consigo ligar à personagem de alguma peça em que tenha atuado. Pode ser que eu esteja cometendo um grave engano, porém não me recordo de tê-la visto, antes, sobre as tábuas. É desenvolta e fluente no francês, idioma de que se utiliza em cena, já que sua personagem é francesa; desejo vê-la mais vezes em cena.





Não posso deixar de dizer que, do quinteto que forma o conjunto de atores, para a minha surpresa, considero ORLANDO CALDEIRA o grande nome do elenco, nesta montagem. A “surpresa” veio por conta de nunca o ter visto num papel mais importante e, em “PÁ DE CAL”, ele apresenta suas credenciais como um excelente ator, firme, sólido, demonstrando seu real talento, para a interpretação, até então não revelado, por falta de oportunidades. Foi nele que me fixei, a maior parte do tempo de duração da peça, até quando não fazia parte, diretamente, da cena. Fiquei muito feliz com seu amadurecimento profissional. Meus aplausos maiores foram direcionados a ORLANDO, que monopoliza a cena em dois momentos: quando “conversa” com a concunhada francesa, sem saber falar o idioma de Molière (É das coisas mais hilárias que já vi em termos de comédia.) e quando, como terapeuta, conduz uma sessão de “constelação familiar”, envolvendo os outros quatro personagens, que nada mais é que um tipo de terapia, considerada, entretanto, uma pseudociência, pois não existem comprovações científicas da sua eficácia e, por isso, não é aprovada pelo Conselho Federal de Psicologia e nem pelo Conselho Federal de Medicina. Além disso, é importante ressaltar que a “constelação familiar” não promove a cura e não substitui a psicoterapia, feita com psicólogos, e nem os tratamentos médicos para doenças psiquiátricas. (E lá fui eu pesquisar de novo!) “A constelação familiar é um tipo de abordagem, desenvolvida pelo psicoterapeuta alemão Bert Hellinger, que tem como objetivo facilitar o entendimento de transtornos psicológicos, especialmente aqueles que podem estar sendo estimulados pela dinâmica das relações familiares ou de relacionamentos, através da identificação de fatores de estresse. Dessa forma, permite ajudar a capacitar a pessoa a observar o mundo de diferentes perspectivas.”. Alguém estava interessado nisso (Risos.)







O quinto personagem é um advogado, interpretado pelo ator PEDRO HENRIQUE FRANÇA.



O cenário, de MINA QUENTAL; os figurinos, de KAREN BRUSTTOLIN; a iluminação, de ANA LUZIA MOLINARI DE SIMONI; a trilha sonora, de RODRIGO MARÇAL e JOÃO MELLO; a direção de movimento, de TONI RODRIGUES; e o visagismo, de RAFAEL FERNADEZ são todos elementos que se harmonizam e colaboram para a boa sustentação da montagem.



  

 

 


 

FICHA TÉCNICA:


Dramaturgia: Jô Bilac
Direção: Paulo Verlings
Diretora Assistente: Mariah Valeiras

Elenco: Carolina Pismel, Isaac Bernat, Kênia Bárbara, Orlando Caldeira e Pedro Henrique França

Cenário: Mina Quental
Figurinos: Karen Brusttolin
Iluminação: Ana Luzia Molinari de Simoni
Trilha Sonora: Rodrigo Marçal e João Mello

Direção de Movimento: Toni Rodrigues

Visagismo: Rafael Fernandez

Assessoria de Imprensa: Ney Motta

Programação Visual: André Senna

Fotos: Antônio Fernandes

Direção de Produção: Jéssica Santiago

Argumento e Idealização: Paulo Verlings

 
Realização: Teatro Independente e 9 Meses Produções


 

 


 


 

SERVIÇO:


Temporada: de 20 de novembro a 19 de dezembro de 2021

Local: Centro Cultural Banco do Brasil – RJ - Teatro 2
Endereço: Rua Primeiro de Março, 66, Centro, Rio de Janeiro
Informações: (21) 3808-2020
Dias e Horários: quintas-feiras, sextas-feiras e sábados, às 19h; domingos, às 18h.
Valor do ingresso: R$ 30 (inteira) e R$15 (meia entrada)
Vendas na bilheteria do Teatro ou pelo site w
ww.eventim.com.br

Não recomendado para menores de 14 anos.

Capacidade de público: 150 lugares
Duração: 70 minutos

Gênero: Comédia Dramática (Ou seria um Drama Cômico?!)

 

 


 

UMA OBSERVAÇÃO MUITO IMPORTANTE: O Centro Cultural Banco do Brasil - Rio de Janeiro funciona, de quarta a segunda-feira (Fecha às terças-feiras.), das 9h às 19h, aos domingos, segundas e quartas-feiras; e, das 9h às 20h, às quintas e sextas-feiras e aos sábados. A entrada do público é permitida apenas com apresentação do comprovante de vacinação contra a COVID-19, medição de temperatura e uso de máscaras. Não é necessária a retirada de ingresso para acessar o prédio, uma vez que eles podem ser obtidos, previamente, no “site” ou aplicativo Eventim ou na bilheteria do CCBB.




        Esta montagem comemora os 15 anos de fundação, em 2006, da CIA.TEATRO INDEPENDENTE, que já nos legou bons trabalhos, como “Cachorro!” (2007), “Rebu” (2009) e “Cucaracha” (2012). A CIA. foi convidada, por Marco Nanini, em 2015, para a montagem de “Beije Minha Lápide”. Fazem parte dela, atualmente, JÔ BILACCAROLINA PISMEL, JÚLIA MARINIPAULO VERLINGS. Fez parte da fundação da CIA., também, Vinícius Arneiro.




Além de abordar os conflitos das relações familiares, a peça flerta, seriamente, porque fazem parte daqueles conflitos, com temas contemporâneos, de relativa importância, tais como os conceitos de saúde mental, masculinidade tóxica e relações de trabalho.






  Esta montagem conta com os meus aplausos e, consequentemente, com a minha recomendação.







 


 

 

FOTOS: ANTÔNIO FERNANDES

 

 

 

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