“MEU CORPO ESTÁ
AQUI”
ou
(EU TENHO O
QUE TE DAR.
E VOCÊ, O QUE
TEM
PARA ME DAR?)
(UMA INFORMAÇÃO: A sigla "PcD", assim como está grafada, significa "Pessoa com Deficiência". Ela é invariável em gênero e número. Assim, o correto é empregar apenas "a, as PcD".)
Recebo,
diariamente, convites para assistir a peças de TEATRO. Às vezes, um ou
outro se destaca, por conter algo “diferente”, fora do que seja comum,
em se tratando de uma montagem teatral.
Quando NEY MOTTA (Assessoria
de Imprensa) me encaminhou um “e-mail”, convidando-me, em nome da
produção, para assistir a “MEU CORPO
ESTÁ AQUI”, em cartaz no Teatro Glaucio Gill (VER
SERVIÇO.), eu bem sabia do que se tratava, uma vez que já havia sido
contatado por duas queridas pessoas amigas, envolvidas no projeto, as quais haviam me falado, por alto, dele: JULIA SPADACCINI, uma das dramaturgas
e diretoras
da peça, e PEDRO FERNANDES, um dos
seus atores.
No corpo da comunicação acima referida, NEY dizia se tratar de “uma exibição amorosa da
humanidade de um grupo de pessoas que ainda
permanece profundamente marginalizado em nossas discussões. Uma peça que pretende
influenciar, mobilizar - pessoas e estruturas -, promovendo um importante
efeito no olhar e na escuta da sexualidade entre pessoas com deficiência (PcD)”. Sem pôr
ou adicionar uma vírgula, que seja, é exatamente isso o que aquelas pessoas têm
a nos mostrar.
“MEU CORPO ESTÁ AQUI” não é um espetáculo
de TEATRO convencional. Que
isso fique bem esclarecido! Ainda que sejam quatro atores, todos com
algum tipo de “deficiência”, o quarteto deve - E TEM QUE - ser enxergado como um grupo de
pessoas a falar de suas experiências pessoais,
não como personagens, mas como seres humanos, reais e “diferentes”, porém tão
humanos e dignos de respeito e compreensão – NÃO DE PENA – da parte de uma sociedade ainda
preconceituosa e “fechada” à empatia, na sua maioria, infelizmente. São
quatro vozes, porta-vozes, falando, corajosa e abertamente,
sobre seus relacionamentos, seus corpos, seus desejos. Suas falas vão de
encontro aos preconceitos e à ignorância que habitam em muitas pessoas.
Há uma dramaturgia muito bem costurada, que
mescla uma série de depoimentos, coletados da experiência dos quatro artistas, ficcionalizados
por JULIA SPADACCINI, também PcD
(deficiência
auditiva), e CLARA KUTNER, “retratando
o jogo entre as pulsões e os obstáculos que se apresentam
nas experiências de afeto e sexualidade em corpos com deficiência”.
Não me lembro de já ter visto, em TEATRO,
semelhante experiência, a qual, de antemão, aplaudo, chancelo e considero de “utilidade
pública”. Um tema original e inédito, nos palcos, que se aprofunda na
reflexão desses corpos invisibilizados socialmente.
“MEU CORPO ESTÁ AQUI” é um espetáculo teatral inédito, baseado nas experiências pessoais de BRUNO RAMOS, HAONÊ THINAR, JULIANA CALDAS e PEDRO FERNANDES, atrizes e atores "PcD" (Pessoas com Deficiência), no qual eles próprios estão em cena, falando, corajosa e abertamente, sobre seus relacionamentos, seus corpos, seus desejos.
Ainda é um incomensurável tabu falar em sexo, neste país, principalmente depois de quatro anos de retrocesso (2019 / 2022 = 4 anos cronológicos que equivalem a 40 de atraso, ódio, intransigência e preconceitos.). Quando se trata de abordar a sexualidade das PcD, o prejulgamento se torna mais robusto. Tenho a impressão de que a grande maioria das pessoas acha que essa criaturas não têm vida sexual ativa e, mais ainda – QUE HORROR! -, não têm direito a uma. É exatamente nesse sentido que afirmei considerar esta peça como de “utilidade pública”. Só não aprende quem não quiser, porque, de uma forma didática, bem proativa, direta e eficiente, os quatro artistas em cena nos esclarecem sobre a importância de seus corpos e a dinâmica de sua sexualidade. Ser, ou não, um agente no sexo é uma escolha de cada um. Se não for pelos meios usuais, habituais, que o seja por outros, não convencionais, porém, nem por isso, menos válidos, os quais podem levar o indivíduo ao prazer sexual pleno, porque todos têm direito à felicidade, venha ela por este ou aquele vetor.
Quem são
os quatro seres humanos / atores em cena? BRUNO RAMOS, surdo, não oralizado; HAONÊ THINAR, pessoa amputada; JULIANA CALDAS, que nasceu com nanismo; e PEDRO FERNANDES, que tem paralisia
cerebral, com cognitivo preservado, usuário de cadeira de rodas.
Creio não
haver a menor dúvida de que “o corpo fala”. E clama por ser “ouvido”.
Sobre isso, assim se manifesta CLÁUDIA
MARQUES, responsável pela direção de produção e coordenação
geral do projeto: “O nosso corpo é um importante veículo de
comunicação. É através dele que expressamos nossos desejos, nossas angústias e
nossas satisfações. Estar com o corpo presente e pleno é fundamental, para se
sentir segura e potente. Seja qual corpo for, de que forma for, de que tamanho
for. O corpo é a nossa identidade, a nossa assinatura visível. (...)”.
Disse tudo; e mais alguma coisa. Uma verdade inquestionável.
Julia Spadaccini, Cláudia Marques
e Clara Kutner.
Já imaginava encontrar, naquele trabalho, muita verdade, pelo que conheço, e admiro, dos textos anteriores de JULIA SPADACCINI, por seu estilo de escrever para o TEATRO, fácil de se entender e agradável de se ouvir, sem “dourar a pílula”, mas confesso que me deparei com algo muito mais vigoroso, visceral do que esperava, para o que, certamente, ela e CLARA KUTNER contaram com a cumplicidade dos quatro artistas. Ninguém economizou coragem e intensidade na construção deste espetáculo. Algumas palavras podem soar como “pesadas”, mas são todas necessárias, ocupando o lugar exato de fala de cada um dos “actantes”. Confesso que me senti bastante constrangido, quando a atriz JULIANA CALDAS, logo nos primeiros minutos da peça, se encarregou de um texto, “picante e extremamente despudorado”, de forma bem “safada”, olhando nos meus olhos, a cerca de dois metros de distância de mim, dizendo o que ela e seu copo poderiam me oferecer. Podem imaginar, não? Não foi, porém, nada desrespeitoso nem direcionado à minha pessoa, particularmente, mas ao espectador que ocupasse a poltrona em que me sentei. Acho que era uma marcação das diretoras. Ou não?! Na verdade, não gosto desse tipo de “interatividade”, mas... Deixa para lá! Poderia ter sido outro assistente, que não se incomodasse, mas fui eu. Que fazer?
Tudo,
absolutamente tudo, o que sai da boca do quarteto foi escrito para ser dito de
tal forma a provocar uma profunda reflexão no público. Este, por sua vez, se sente conectado,
o tempo todo, com os artistas, por conta das semelhanças que podem existir –
e, realmente existem - entre eles e todos nós, as quais são encobertas pelo preconceito
e pela falta de conhecimento. “Pessoas com deficiência vivem em um corpo e
em uma essência que é viva. Não precisam desfrutar de suas histórias no
silêncio, nem ser infantilizadas, em tentativas de apagamento que remontam a
concepções culturais e históricas a respeito do que é considerado ‘normal’”.
Trecho muito interessante, retirado do “release” da peça.
Um detalhe marcante, nesta obra, é que as PcD em cena não se colocam como seres vitimizados; ao contrário, riem de suas próprias “diferenças”, e é possível, ao espectador, dar boas risadas e, até mesmo, gargalhadas em algumas passagens. A da história da “Branca de Neve e os Sete Anões” machistas, na versão de JULIANA CALDAS, por exemplo, é um grande achado das autoras. Não é uma peça “pesada”; é “leve”. E mesmo uma cena, que poderia, talvez, ser “chocante”, de nudez de um dos quatro, de um corpo “não-padrão” (Que bobagem é essa de "padrão"!), é recebida com respeito e atenção pela plateia. É muito bom saber, ter a certeza de que aqueles quatro seres humanos não estão ali expostos como peças que representavam “aberrações” humanas, como em antigos museus de “excentricidades”, como o que se viu nas peças “O Homem Elefante” e “Barnum, o Rei do Show”, por exemplo.
Segundo JULIA SPADACCINI, “Precisamos de PcD protagonizando filmes, peças, programas de TV. Especialmente num cenário de
amor e sexo. A peça vem para jogar luz, justamente, nessa grande
invisibilidade que acomete o corpo com deficiência, seus desejos, amores e
sexualidade.”. E não há como
discordar dela, depois de ter assistido ao espetáculo. E CLARA KUTNER, a outra dramaturga, completa: “Penso o 'MEU CORPO ESTÁ AQUI' como uma ‘peça desejo-manifesto’,
na qual os atores se misturam, se embolam, celebram seus corpos, com
algumas histórias tristes, uma dose alta de ironia e muitas perguntas que não
temos como responder. Queremos levantar questões e embaralhar a lógica da
eficiência.” Aplaudo as duas, com o maior entusiasmo.
BRUNO RAMOS, HAONÊ THINAR, JULIANA CALDAS e PEDRO
FERNANDES talvez nem devessem ter suas participações no espetáculo avaliadas
como "interpretações teatrais", uma vez que ali não estão como personagens, mas
falando por suas identidades civis, como cidadãos. Por outro lado, ao abrir os
seus porões interiores, franqueando-nos a entrada neles, despidos de todo e qualquer
pudor, alma aberta e lavada, os quatro se comportam de forma bastante natural,
utilizando as técnicas de interpretação que aprenderam em suas formações profissionais.
BRUNO, HAONÊ, JULIANA e PEDRO nos brindam com um trabalho que
não merece qualquer reprovação, guardadas as limitações naturais que cada um
apresenta, o que acaba sendo compensado por outras virtudes artísticas.
Quantos
aos outros elementos que entram numa montagem teatral, além do texto,
da direção
e do
elenco, pouco falarei, a não ser que, de uma forma geral, todos os
artistas de criação perceberam que o protagonismo da peça está nas mãos da atuação
do elenco e do texto e, da forma mais correta possível, assumiram um
posto de “coadjuvantes”, ainda que “de luxo”, cada um dando sua
indispensável colaboração ao produto final da encenação.
BELI ARAÚJO, por
exemplo, responsável pela cenografia, vislumbrou a necessidade
de usar, no espaço cênico, apenas cadeiras, para servir aos atores. Ela também assina
o figurino,
muito simples, trajes do dia a dia, com alguns detalhes especiais que servem a
algumas cenas.
Um dos nossos mais celebrados iluminadores, com muito merecimento, PAULO CESAR MEDEIROS, criou um desenho de luz não tão simples, como o cenário e o figurino, e bem marcante em algumas cenas. A utilização de refletores, ao fundo, voltados para a plateia é excelente, passando a impressão de aproximar mais artistas e público, "empurrando" aqueles na direção deste. Uma variada paleta de cores dá um toque de beleza acentuada a várias cenas.
Os quatro
em cena não ficam sentados, como pôde parecer, quando falei da
cenografia, o que, certamente, tornaria a peça monótona, mas, sim, se
movimentam bastante, durante os 60 minutos de duração do espetáculo,
obedecendo à boa direção de movimento, de LAURA
SAMY.
Texto:
Julia Spadaccini e Clara Kutner
Pesquisa
de Dramaturgia: Marcia Brasil
Colaboração
de Texto: Bruno Ramos, Haonê Thinar, Juliana Caldas e Pedro Fernandes
Direção:
Clara Kutner e Julia Spadaccini
Diretor
Assistente: Michel Blois
Elenco:
Bruno Ramos, Haonê Thinar, Juliana Caldas e Pedro Fernandes
Cenografia:
Beli Araújo
Figurino:
Beli Araújo
Iluminação:
Paulo Cesar Medeiros
Direção
de Movimento: Laura Samy
Música:
Luciano Câmara
Visagismo:
Cora Marinho
Assessoria
de Imprensa: Ney Motta
Programação
Visual: Felipe Braga
Fotografia:
Renato Mangolin
Redes
Sociais: Rafael Teixeira
Audiodescrição:
Graciela Pozzobom
Intérpretes
de Libras: Jadson Abraão e Thamires Alves Ferreira
Direção
de Produção e Coordenação Geral do Projeto: Cláudia Marques
Produção:
Fabricio Polido
Realização: Fábrica de Eventos
Temporada:
De 07 a 30 de outubro de 2023.
Local: Teatro
Gláucio Gill.
Endereço: Praça Cardeal Arcoverde, s/nº, Copacabana, RJ. (Ao lado da Estação Cardeal Arcoverde, do Metrô Rio).
Dias e
Horários: Sábados e segundas-feiras, às 20h; e domingos, às 19h.
Valor dos Ingressos:
R$40,00 (inteira) e R$20,00 (meia-entrada).
Horário de
Funcionamento das Bilheteria: De segunda a sexta-feira, a partir das 16h, sábado e domingo, a partir das 14h.
Vendas
antecipadas online: https://funarj.eleventickets.com
Classificação
Indicativa: 16 anos.
Duração:
60 minutos.
Gênero:
Teatro Documental.
OBSERVAÇÃO: Durante a temporada, em todas as sessões, haverá intérprete de Libras e acessibilidade para autistas; também uma sessão com áudiodescrição, no dia 23/10.
Este espetáculo merece, e MUITO,
ser visto e aplaudido, pelo número maior de pessoas possível, e recomendado, amplamente,
pelo que representa de “libertação” para as "PcD".
E para a libertação, também, do preconceito e da ignorância dos que não
conseguem enxergar essas pessoas como iguais.
FOTOS: RENATO MANGOLIM.
GALERIA PARTICULAR:
Com Pedro Fernandes.
Com Julia Spadaccini.
Com Pedro Fernandes, Suzana Nascimento
e Alexandre Lino.
VAMOS AO TEATRO!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE
ESPETÁCULO DO BRASIL!
A ARTE EDUCA E CONSTRÓI, SEMPRE; E SALVA!
RESISTAMOS SEMPRE MAIS!
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JUNTOS, POSSAAMOS DIVULGAR O QUE HÁ DE MELHOR NO TEATRO BRASILEIRO!
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