"TEMPEROS
DE FRIDA"
ou
(UMA FRIDA KHALO
"TEMPERADA" COM
MUITO AMOR E TALENTO.)
ou
("VIVA LA VIDA!")
“Quero chorar, não tenho lágrimas que me
rolem nas faces, pra me socorrer.” (Max Bulhões
e Milton de Oliveira). Quero criticar, não tenho
palavras que me brotem na mente, para eu escrever. Com esta paráfrase
tento iniciar uma crítica a uma peça à qual assisti na última quinta-feira (02
de novembro de 2023), no Teatro Angel Viana, que fica dentro
do Centro
Coreográfico do Rio de Janeiro, na Tijuca, infelizmente em cartaz por
apenas dois dias. Não é a primeira vez que me vejo nesta complicada situação:
ter tanto a escrever, pela qualidade muito positiva de um espetáculo, e não
saber por onde começar nem o que priorizar, para não me estender muito, mas
está difícil, “amigos da Rede Globo” (Momento descontração.). A peça em
questão é “TEMPEROS DE FRIDA”, uma poesia
encenada, espetáculo concebido por ROSANA
REÁTEGUI, que também escreveu o texto e atua na peça, dirigida por TATIANA MOTTA LIMA.
Não tinha
a intenção de assistir à peça, muito menos naquele dia, por vários motivos, mas
jamais
por desinteresse. Muito pelo contrário, já que nunca escondi de ninguém
minha total e desenfreada paixão por Dom Quixote, The Beatles e Frida
Khalo. Os dois primeiros já dormem e acordam comigo, indelevelmente,
nos meus braços, em forma de tatuagem, e Frida também passará a fazer parte
do meu corpo a partir da semana que vem (Sessão já agendada com o tatuador.).
SINOPSE:
É a noite de comemoração do “Dia
dos Mortos”.
O Bar “Viva la Vida” está aberto para
todos que queiram chegar.
A dona (ROSANA
REÁTEGUI) recebe seus amigos, uma cantora e um violonista, os quais, assim
como ela, desejam festejar a vida.
No centro do espetáculo, trazidos – em
corpo, voz e alma - pela atriz ROSANA
REÁTEGUI, estão a pintora Frida Kahlo e Catrina, a Dona
Morte.
Frida recebeu, inúmeras vezes, a visita de Catrina,
sua madrinha, e, do modo como podia e por sua conta e risco, como boa afilhada,
sempre afirmou a vida.
No espetáculo, a atriz / dona do bar provoca
os espectadores a saberem que também eles são afilhados de Dona Morte.
E, se é assim, como responder aos convites
da madrinha?
Será que Catrina pode ser uma
espécie de guia para uma vida experimentada em maior entrega e abundância?
"Viva la Vida!" (Frida Khalo).
A
história de vida, relativamente curta (47 anos), de Magdalena Carmen Frida
Kahlo y Calderón (Coyoacán, 6 de julho de 1907 — Coyoacán, 13 de julho de 1954),
foi marcada por muita luta, sofrimento, traições, derrotas e, também, vitórias,
porém, acima de tudo, garra, força e coragem. Frida foi uma mulher revolucionária, muito à frente de seu tempo, uma pintora mexicana, conhecida
pelos seus muitos retratos, autorretratos e obras inspiradas na natureza e
artefatos do México.
Desde sempre, bastante inspirada pela cultura popular do seu país, empregou um
estilo de arte popular "naïf", para explorar questões
de identidade, pós-colonialismo, gênero, classe social e raça na
sociedade mexicana. Suas pinturas tinham, frequentemente, fortes elementos
autobiográficos, misturando realismo com fantasia.
Frida Khalo
“TEMPEROS DE FRIDA” é daqueles espetáculos que ficam gravados na mente e no coração e jamais serão esquecidos, pelo conjunto de seus elementos, o que leva a uma montagem magnífica, muitíssimo acima do patamar da grande maioria das produções em cartaz no Rio de Janeiro, hoje. E, aproveitando o gancho, já que estou passando por uma fase de não abortar o que tenho vontade de dizer, com o aval dos meus 74 anos, muito bem vividos, graças a Deus, e em tom de revolta mesmo, grito, a quem quiser ouvir, que não entendo como tanta coisa que nunca mereceria o nome de TEATRO pode fazer tanto sucesso, em repetidas temporadas, e um espetáculo do nível deste só ter conseguido, até hoje, um pouquinho mais de 10 apresentações, salvo engano, e tenha que, praticamente, “mendigar” um apoio para se manter vivo e levar cultura, no mais alto grau, a um povo ignorante, que não valoriza a ARTE e que troca o TEATRO por uma cervejinha na mesa de um bar, o que é bom também, porém jamais como prioridade, a meu ver. Guardem suas pedras para outras ocasiões e outros alvos - para os políticos, por exemplo - os “do contra” de plantão!
A
peça é uma produção da QINTI COMPANHIA,
cujos trabalhos, infelizmente, eu não conhecia, confesso, envergonhado, mas, depois
do que vi e ouvi anteontem, de agora em diante, não quero perder um. Se todos forem do mesmo nível deste, trata-se
de uma Companhia de TEATRO que merece todo o nosso respeito,
admiração e atenção. Ainda alimento a esperança de assistir a uma peça
infantil – e para adultos também - da Companhia, a qual, infelizmente, não
consegui assistir, quando esteve em cartaz: “Canções para Afastar o Medo – Contos e
Acalantos Latino-Americanos”. Retificando, só pelo que entregaram, com “TEMPEROS DE FRIDA”, a uma plateia que
superlotava o espaço em que foi encenada a peça e a aplaudiu calorosamente,
durante muito tempo, ao final, já merece todos o nosso comprazimento. O espetáculo
prima por sua simplicidade e beleza e pelo inquestionável talento de todos os
artistas envolvidos no projeto, concebido por ROSANA REÁTEGUI, que deu
forma a uma dramaturgia de “colocar muitos dramaturgos famosos no
chinelo”, além de ter demonstrado ser uma atriz de muitas
possibilidades.
ROSANA que vive
três personagens na peça, os quais vão e voltam - a dona do bar “Viva
la Vida”, onde se dá a celebração do “Dia dos Mortos”; a
pintora Frida Khalo; e a Morte Catrina - entra por uma
lateral do palco, simplesmente como a atriz, tem uma breve conversa com a
plateia, transforma-se, a cada cena, e deixa o espaço cênico, pelo mesmo lugar
por onde entrou, na cena final, de uma forma apoteótica, paramentada como Catrina.
Sobre esta personagem, acho conveniente falar um pouco. Trata-se de
um dos muitos nomes pelos quais a morte é conhecida, na cultura mexicana. “A icônica
moça-caveira – La Catrina – é mais que uma expressão cultural
mexicana. É um símbolo político, de comportamento e estilo de vida, além de um
movimento artístico e social.”.
A propósito,
mergulhando no universo dos mortos, como já escrevi na crítica à fabulosa peça “Lupita”,
texto
e direção
de Flávia
Lopes, em março de 2020, guardadas as devidas proporções, porém com bastante semelhança,
podemos dizer que a festa dos mexicanos, no dia 2 de novembro, “Dia
de Finados”, para nós, “El
Dia de los Muertos”, para eles, nos remete ao carnaval brasileiro, por mais que
isso possa parecer estranho ou absurdo, para quem ainda não tinha conhecimento
desse fato. No México, morte é
sinônimo de festa, um dado da cultura mexicana que vem, provavelmente,
de um sincretismo entre crenças católicas e mesoamericanas, remontando à era
pré-colombiana, antes, portanto, da chegada dos espanhóis, o que se pode
comprovar por meio de vasto material arqueológico encontrado em escavações de
cerca de 3.000 anos. Santa Muerte, outro nome da Catrina, é uma figura sagrada,
venerada no México, representada por um esqueleto, para
lembrar às pessoas, principalmente as ricas e “poderosas”, da alta
sociedade, que todos somos mortais, enfeitado com adereços, como terços e
rosários, elementos do catolicismo. Ela vem vestida com um longo manto (Imaginem a bizarrice de um
esqueleto sob um manto!), carregando um ou mais objetos, normalmente
uma foice e
um globo.
Aquela, simbolizando o instrumento que ceifa vidas; este, para mostrar,
talvez, que ela está em qualquer parte do planeta e ninguém dela escapa. A morte é “democrática”. (Tentando ser engraçado. Só tentando.)
La Santa Muerte
No período das festas dedicadas aos
mortos, os brindes mais comuns, oferecidos às crianças, são as caveirinhas de açúcar, feitas de
chocolate ou amaranto, um tipo de grão, baseadas no esqueleto de uma mulher,
batizada de “La Catrina”,
envergando um chapéu pomposo e distintivo da alta sociedade, lembrando que a
morte anula qualquer diferença social. Em trajes e materiais diferentes, as
miniaturas da musa controversa dominam as lojas de presentes do país e é
difícil voltar para casa sem uma caveirinha na bagagem. As “catrinas” também inspiram
fantasias e concursos.
Um dos detalhes que mais me
chamaram a atenção, nesta encenação, foi o fato de a atriz não mudar de
figurino nem passar por qualquer tipo de maquiagem ou caracterização, para se
transformar em Frida Khalo. Toda aquela imagem de exuberância que há em Frida,
suas roupas multicoloridas, as sobrancelhas juntas e um bigodinho não é
mostrada, concretamente, mas é impressionante como eu consegui - JURO!!! - enxergar todo o
seu visagismo, que lá não existia, apenas pelo comportamento cênico da fabulosa
atriz ROSANA REÁTEGUI. No decorrer
da peça, a Catrina, “la madrina” (a madrinha) de Frida,
age algumas vezes, representada apenas por uma máscara, que a atriz segura, e,
na última cena, a personagem vai tomando forma, montada, aos poucos, com seu
figurino e adereços.
Que admirável atriz é ROSANA, uma peruana que, há 25
anos, está radicada no Brasil. A artista nos encanta, com
seu talento e carisma, da primeira à última cena. Ela consegue prender a
atenção dos espectadores por 80 minutos, os quais transcorrem sem
que nos demos conta de sua passagem. É impressionante como a atriz consegue nos
tocar, em passagens mais sérias ou engraçadas, com sua voz modulada, suas
muitas máscaras faciais e a marcante expressão corporal, acentuada na personagem
Catrina.
Além de intérprete, ROSANA REÁTEGUI
também nos brinda com uma dramaturgia “enxuta”, clara,
coerente e “sem barrigas”. É digno de destaque o toque de humanidade e
humor que a dramaturga trouxe para o texto, com relação à personagem Frida,
o que faz com que o sofrimento da pintora se torne mais “brando”. O texto costura trechos
marcantes da vida de Frida Kahlo, frases emblemáticas e
provocadoras, mescladas com músicas mexicanas, como “La Llorona”, “La Bruja”
e “Cucurrucucú Paloma”, por exemplo. Retirado do “release” da peça, que me chegou às
mãos, via FRANCISCO LEITE, a quem
agradeço: “Em ‘TEMPEROS DE FRIDA’, as paixões estão reunidas nos sabores, no
canto e na palavra, como elementos de um potente encontro que é compartilhado
com o público.”. “Frida recebeu, inúmeras vezes, a visita de
Catrina, sua madrinha, e, do modo como podia, e por sua conta e risco, como boa
afilhada, sempre afirmou a vida. Fez arte, fez sexo e fez festa!”.
No palco, junto com ROSANA, contribuindo, com sua parte, para o sucesso do espetáculo, estão NATALIA
SARANTE e LUCIANO CAMARA. Ela é
uma cantora uruguaia, também radicada entre nós, dona de uma melodiosa e doce
voz. Na pele da personagem, Margarita, cantora do “Bar Viva
la Vida”, interpreta canções latino-americanas que têm relação com o texto e as cenas. Ele é LUCIANO CAMARA, um exímio violonista,
que assume a identidade de Carlos Henrique e acompanha a
cantora nos números musicais. Dois excelentes trabalhos!
Um espetáculo teatral com foco
na cultura popular mexicana e, em destaque, Frida Khalo, tem que ser
exuberante, em formas, cores e luzes, marcantes na cenografia, figurinos
e iluminação
da peça, três elementos plásticos que enriquecem, sobremaneira, a
encenação. Uma cenografia belíssima, assinada a seis mãos, por DANIELE GEAMMAL,
RENATO MARQUES e FRANCISCO LEITE,
reúne, num bar, como peças de decoração, elementos da sociedade representada
pelos cidadãos do México, como um relicário, uma espécie de um belíssimo altar,
pendurado no centro do espaço cênico, ao fundo, do qual é retirada, por várias
vezes, a máscara da Catrina; abaixo dele, muitas garrafas com velas nas bocas,
lembrando um “despacho” numa encruzilhada ; num dos lados do palco, uma
moldura, com o nome do bar – “Viva la Vida!” -, em “neon”, a qual
nos reporta a um camarim de Teatro; no outro extremo do palco,
uma mesa de bar e cadeiras e, ao fundo, uma prateleira, com elementos cênicos
que são utilizados na caracterização da atriz, na cena final.
Eu
imaginava encontrar uma atriz vestindo aqueles trajes multicoloridos que
estamos acostumados a ver em todas as imagens de Frida Khalo, no entanto FRANCISCO LEITE, que assina os figurinos,
optou por um traje bem mais simples, deixando aos espectadores a oportunidade
de “vestir
com seus olhos” a personagem. A simplicidade também está presente na
roupas da cantora. Em compensação LEITE
resolveu vestir LUCIANO CAMARA, o
violonista, com um “traje de charro”, vestimenta típica dos “mariachis”, músicos
ambulantes que estão espalhados por todo o país.
THIAGO
MONTE é o responsável por uma ótima iluminação muito bonita,
valendo-se de uma variada paleta de cores alegres e bem intensas, para pôr em
relevo tudo o que há de relevante no espaço cênico; ou seja, tudo.
Não poderia ficar de fora o meu reconhecimento
ao excelente trabalho de direção, assinado por TATIANA MOTTA LIMA, que tornou o simples,
o descomplicado e o belo ainda mais simples, descomplicado e belo.
FICHA TÉCNICA:
Concepção:
Rosana Reátegui
Dramaturgia:
Rosana Reátegui
Colaboração
Dramatúrgica: Cadu Cinelli
Direção:
Tatiana Motta Lima
Assistência
de Direção: Rosana Reátegui
Atuação:
Rosana Reátegui
Canto:
Natalia Sarante
Violonista:
Luciano Camara
Cenografia:
Daniele Geammal, Renato Marques e Francisco Leite
Figurinos
e Adereços: Francisco Leite
Iluminação:
Thiago Monte
Operação
de Luz: Renato Marques
Confecção
de Máscara da Catrina: Paul Colinó Vargas (Peru)
Preparação
de Máscara: Marise Nogueira
“Designers”: Rodrigo Menezes e Pedro Pessanha
Fotografia:
Renato Mangolin
Apoio:
CBTIJ
Direção
de Produção: Kirce Lima
Produção:
Elabore.kom
Realização: Qinti Companhia
Por motivos óbvios, não
faz sentido publicar um SERVIÇO, visto que o espetáculo já saiu de cartaz, contudo, tão logo ele volte a ser encenado,
republicarei esta crítica, agregando a ela o SERVIÇO de então.
“TEMPEROS
DE FRIDA” expõe paixões, reunidas nos sabores, no canto e na palavra, como
elementos de uma potente “bruxaria”, compartilhada com o
público. “Seja nos boleros que Frida tanto gostava de cantar, nas histórias de
grandes e arrebatadores amores ou na entrega profunda para defender sua vida,
ela é aquela que viveu significativa e intensamente.”. Além disso, esta
encenação é uma prova concreta de que é possível se erguer um magnífico ESPETÁCULO DE TEATRO, com
todas as maiúsculas, sem dinheiro, sim, ou com poucos recursos, o que é
compensado por muito talento, garra e amor ao TEATRO, por todos os envolvidos no projeto, aos quais rendo meu apreço.
Queiram os DEUSES DO TEATRO que apareça algum “mecenas” que possa garantir
uma vida longa ao espetáculo, o qual bem a merece, a fim de que muito mais
gente possa se deliciar com esta peça, que diverte, emociona e representa uma verdadeira
aula de cultura mexicana, tão rica e interessante!
A título de curiosidade, transcrevo a última
anotação de Frida Khalo, em seu diário: “Espero que minha partida seja feliz e espero
nunca mais regressar.”. Essa era Frida Khalo, a “Deusa Tehuana” e uma das grandes paixões da minha vida.
FOTOS: RENATO MANGOLIN
Alguns autorretratos
de Frida Khalo:
"Diego y Yo"
("Diego e Eu")
"Diego em Mi Mente"
("Diego em Minha Mente")
"Las Dos Fridas"
("As Duas Fridas")
"Autorretrato con Monos"
("Autorretrato com Macacos")
Frida pintando Frida.
VAMOS AO TEATRO!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE
ESPETÁCULO DO BRASIL!
A ARTE EDUCA E CONSTRÓI, SEMPRE; E SALVA!
RESISTAMOS SEMPRE MAIS!
COMPARTILHEM ESTE TEXTO, PARA QUE,
JUNTOS, POSSAAMOS DIVULGAR O QUE HÁ DE MELHOR NO TEATRO BRASILEIRO!
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