“ISABEL DAS SANTAS VIRGENS
E SUA CARTA À RAINHA LOUCA”
ou
(REALIDADE E
FICÇÃO
NO MESMO PATAMAR.)
É, realmente, uma
máxima que se aplica ao TEATRO e é totalmente
verdadeira: Não há melhor receita, para se conseguir um espetáculo teatral
merecedor de aplausos, do que juntar um bom texto a uma ajustada
direção mais uma correta interpretação e, ainda, um eficiente
suporte dos elementos de criação. Foi utilizando esses instrumentos que
se ergueu o monólogo “ISABEL DAS SANTAS VIRGENS E SUA CARTA À RAINHA LOUCA”, em cartaz no “Espaço Abu”, um pequeno Teatro, num espaço meio alternativo, no Rio de Janeiro. A peça, escrita
por ANA BARROSO, responsável pela adaptação
do livro de MARIA VALERIA REZENDE, é dirigida por FERNANDO PHILBERT, trazendo a própria ANA
BARROSO como intérprete do
solo. ANA também é a idealizadora
deste belo projeto.
Convento do Recolhimento da Conceição, Olinda, 1789.
Isabel das Santas Virgens (ANA BARROSO) está enclausurada, acusada de loucura e rebeldia, por
lutar pela sua autonomia numa sociedade patriarcal colonial.
Ela escreve uma carta à Rainha Dona Maria I,
conhecida como a “Rainha Louca”, com quem se sente irmanada na opressão pelo
mundo dos homens.
Tida por muitos como, também, lunática, Isabel
relata os destemperos e injustiças praticados pelos homens da Coroa
– e por outros tantos – contra mulheres, escravizados e todos que se
encontravam em situação de vulnerabilidade.
O que nos é dado ver, no “Espaço Abu”, é a ficcionalização da história real de uma mulher corajosa, do final do século XVIII. Através da carta
referida na SINOPSE, ela tenta se
comunicar com a Rainha Maria I, de
Portugal, de quem espera receber clemência e liberdade. Na
missiva, Isabel relata os destemperos e injustiças praticados pelos homens de
poder contra mulheres, escravizados e todos que se encontravam em situação de
vulnerabilidade. Entre perdas e amores proibidos, a saga de Isabel passa por períodos em que
assumiu uma identidade masculina, para conseguir viver da única coisa que sabia
fazer: ler e escrever, que “não era
coisa para mulheres”, à época.
Não conheço a obra que serviu como “matéria-prima” para o texto adaptado desta peça, mas, sobre
este, afirmo se tratar de uma boa dramaturgia, capaz de, facilmente, fazer
chegar ao público a mensagem intentada pela escritora MARIA VALERIA
REZENDE e a dramaturga ANA BARROSO, ou seja, a saga de uma
mulher em busca de sua salvação, com fortes pinceladas, muito intencionais, de
um grito feminista contra a tirania do homem dominador. A vivência de Isabel
– tanto a real quanto a ficcional – narrada em suas cartas, as quais existem,
de fato, mas não endereçadas à rainha, vai ao encontro da realidade da maioria das mulheres da época, chegando,
infelizmente, até os dias de hoje, uma vez que a luta feminista ainda se
encontra longe do seu fim. Basta um superficial exame das estatísticas sobre feminicídios,
mormente no Brasil, e todos os tipos de violência, físicas ou de outra ordem,
praticados contra o universo feminino.
Valendo-me
do excelente “release” a mim enviado por STELLA STEPHANY, Assessoria de Imprensa, informo, para
os que me leem, quem foi a protagonista da peça: “Isabel das Santas Virgens foi
uma menina branca, filha de portugueses pobres, recém-chegados ao Brasil para
trabalhar num engenho de cana de açúcar no Recôncavo Baiano. Com a perda
precoce dos pais, é criada entre a senzala e os aposentos da jovem sinhazinha
Blandina, filha única do poderoso Senhor do Engenho. Com o passar dos anos,
Blandina e Isabel, já crescidas, se apaixonam pelo mesmo homem, o aventureiro
Diogo. A sinhazinha acaba se entregando ao ‘pecado da carne’ e é punida, junto
a Isabel, com a clausura num convento. Mais adiante, com a morte de Blandina e
já em liberdade, Isabel assume uma identidade masculina, para atuar em trabalhos
que envolviam a escrita e não lhe eram permitidos, e acaba novamente presa.”.
As
atitudes da personagem, sempre fruto de uma invejável coragem e “ousadia”,
nos levam a vê-la como uma precursora do movimento feminista. Sim, Isabel é uma
heroína feminista, visto que, “sem recursos ou proteção de quem
quer que seja, enfrenta perigos e desafios, munida de suas únicas ferramentas:
a inteligência e a capacidade de ler e escrever, adquirida durante a
convivência na casa grande”.
Pelas
cartas da personagem, por trás delas, pode-se chegar à percepção de como se deu
a colonização brasileira, assim como é possível saber, exatamente, qual era o
papel da mulher naquela época, sua situação de fragilidade, de vulnerabilidade,
ante a força masculina, e as penalidades a que estava sujeita, quando ousava
desafiar o “status quo”. Isabel foi subjugada de todas as
formas, porque ousou ir além do que lhe era permitido. “É a história da luta de uma
mulher por sua própria sanidade - através das palavras e do exercício de
organização mental, é capaz de manter um pouco de si, escrevendo, escrevendo e
escrevendo.”. Por tudo isso, dá para afirmar que o texto é atemporal e
se encaixa na contemporaneidade brasileira, principalmente, embora ainda haja
outros lugares bem piores do que aqui, nesse sentido.
A FICHA TÉCNICA apresenta, creio que de
forma errada, o solo como sendo uma COMÉDIA,
apesar de que, em algumas passagens, a personagem faça uso de umas “gotinhas”
de humor, bem superficial, com doses de ironia, o que, a meu juízo, não basta
para se enxergá-lo como um exemplo do gênero como é descrito na referida FICHA.
Mais
uma vez, FERNANDO PHILBERT executa
uma direção
discreta e, ao mesmo tempo, bonita, “limpa” e “robusta”, sem o desejo
de criar excentricidades sobre um texto que, se fosse lido, simplesmente, por alguém
parado num determinado lugar, já seria o suficiente para que a sua mensagem alcançasse
o ouvinte. Como se trata de TEATRO,
de uma montagem teatral, o que PHILBERT,
um dos melhores diretores de TEATRO
surgidos nos últimos anos, depois de, na função de assistente de direção, beber
muito nas fontes de grandes diretores, como Gilberto Gawronski, Domingos
Oliveira e, principalmente, seu grande mestre, o saudoso Aderbal
Freire-Filho, fez foi extrair o melhor do potencial de interpretação de
ANA BARROSO e se ocupar do traçado
de ótimas marcações, levando em conta o acanhado espaço cênico de que dispunha.
Adepto
do dito popular que diz que “não se deve mexer em time que está ganhando”,
o diretor,
em, praticamente, todos os trabalhos de direção assinados por ele, conta com
dois profissionais de ponta, na cenografia e na iluminação; aquela leva a
assinatura de NATÁLIA LANA; esta foi
criada por VILMAR OLOS. Os trabalhos
desses dois sempre dialogam com perfeição e enriquecem qualquer montagem. E
sempre têm que ser desenvolvidos em função de orçamentos e espaços onde as
peças estarão em cartaz. Nesta encenação, isso fica muito patente. Como a verba
de produção não me parece ter sido “polpuda” e o espaço cênico é bem
pequeno e sem muitos recursos técnicos, o jeito é colocar em prática muita
criatividade e trabalho, no que os dois artistas sempre se destacam.
O cenário
é simples, porém bonito, prático e atende, perfeitamente, às exigências do
texto. Cenário único, contemplado com uma mesa um pouco rústica, muitas folhas
de papel de cartas sobre ela; um banco, idem; uma pequena cômoda vertical; e
três espécies de tapadeiras, vertendo do teto, nas quais se podem ver alguns escritos (ampliações
das cartas). Um belo conjunto de elementos cênicos. O desenho de luz não
apresenta nada que mereça um grande destaque, entretanto todas as variações de
intensidade e “blackouts” entram nos momentos exatos, para delimitar cenas da
protagonista e da atriz, quando esta quebra a quarta parede, em comunicação
direta com o público.
Um elemento,
nesta montagem, que me chamou bastante a atenção está afeto à direção musical, do
premiado MARCELO ALONSO NEVES, mais
propriamente a trilha sonora. Saí do Teatro com a certeza de que havia
gostado muito daquela trilha, ainda que não tivesse
conseguido identificar o que ouvia. Como não sou de me deixar “ficar
no vácuo”, tratei de estabelecer um contato com MARCELO, para que ele me dissesse o que havia usado naquele
trabalho. E cheguei à conclusão de que é algo bem eclético. Disse-me ele que
criou bases, vários temas, utilizando muitas cordas, às quais agregou colagens
de ladainhas, cantos das farinheiras do nordeste e até trechos de músicas
cantadas por crianças de tribos da Mauritânia; muitas referências de
cantos religiosos.
LUCIANA CARDOSO é a responsável pelo
belo figurino
da peça, com destaque para a saia, em várias camadas, com detalhes de bordados
e outras técnicas.
ANA BARROSO, há 33 anos, vem desenvolvendo um lindo trabalho voltado para o público infantil, ao lado de Mônica Biel, na pele da dupla de “clowns” Lasanha e Ravioli, na BB Companhia. ANA construiu uma sólida carreira, de 40 anos, acumulando experiências vividas com grandes mestres, iniciada no Teatro “O Tablado”, como aluna de Maria Clara Machado, Carlos Wilson Damião e Bernardo Jablonski, entre outros. Neste espetáculo, solitária em cena, a atriz tem a oportunidade de demonstrar seu talento e do que é capaz, em termos de interpretação, com todas as exigências que um monólogo exige. Precisa, nas passagens de voz dela mesma para a personagem, e vice-versa; bastante desenvolta em cena; e passando verdades e emoções, muito me agradou o seu trabalho.
FICHA TÉCNICA:
Da obra de Maria Valéria
Rezende
Adaptação: Ana Barroso
Direção: Fernando
Philbert
Elenco: Ana Barroso
Direção Musical: Marcelo
Alonso Neves
Cenário: Natália
Lana
Iluminação: Vilmar
Olos
Figurino: Luciana
Cardoso
Programação Visual:
Raquel Alvarenga
Assessoria de Imprensa:
JSPontes Comunicação - João Pontes e Stella Stephany
Fotos: Nil Caniné
Idealização e
Realização: Ana Barroso / BB Produções Artísticas
SERVIÇO:
Temporada: De 16 de novembro a 03 de dezembro de
2023.
Local: Espaço Abu.
Endereço: Avenida Nossa
Senhora de Copacabana, nº 249 - Copacabana - Rio de Janeiro.
Telefone: (21)2137-4184.
Dias e Horários: 16, 17, 18, 19 (5ª feira a domingo), 23, 24
de novembro (5ª e 6ª feira), 02 e 03 dez (sábado e dominmgo), sempre às 20h.
Valor dos Ingressos: R$50,00
(inteira) e R$25,00 (meia-entrada)
Vendas “on-line”: www.sympla.com.br
Horário de Atendimento
na Bilheteria: De 2ª a 6ª feira, a partir das 13h30min, e aos sábados e domingos,
a partir das 15h.
Classificação Etária: 12
anos.
Duração: 60 minutos.
Capacidade: 30 espectadores.
Acessibilidade: Sim, na plateia
e no banheiro.
Gênero: COMÉDIA (?)
Quando
fui para o “Espaço Abu”, ontem, levava comigo uma boa expectativa, em
função dos muitos comentários positivos que me haviam chegado, da parte de quem
já havia assistido ao espetáculo. É muito bom ir a um Teatro já com uma grande
e boa expectativa e, quando isso acontece ou é superado, como aconteceu depois
de ter assistido a “ISABEL DAS SANTAS VIRGENS E SUA CARTA À RAINHA LOUCA”, o prazer é reforçado. Recomendo o
espetáculo.
FOTOS: NIL CANINÉ
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