“META”
ou
(“NO JOGO,
SE
PERDE
OU SE GANHA”.
SERÁ?!)
Pelo
fato de receber, diariamente, convites para assistir a espetáculos teatrais,
vivo me desafiando a fazer com que todos caibam numa agenda, o que,
infelizmente, nem sempre é possível, sem falar no fato de que sou obrigado a
postergar minha ida a algumas peças que eu gostaria de assistir no mesmo dia em
que o convite chegou, como é o caso de “META”,
que termina sua temporada amanhã, na Arena do SESC Copacabana, às 20h,
mas que merece outras temporadas, e bem mais longas, por sua imensa qualidade.
Considero “META” um dos melhores
espetáculos a que assisti, neste ano de 2023, no Rio de Janeiro.
Confinados num nebuloso jogo, como uma espécie de “reality
show”, quatro finalistas - uma
mãe e seu filho e outros dois personagens, irmãos entre si – são obrigados
a cumprir metas, sob o comando de uma voz cujo dono nunca vemos.
Ávidos pela vitória, enquanto esperam a próxima
ordem, os jogadores embarcam num “vale-tudo”, para entreter e
conquistar o público com suas personas interessantes e histórias surpreendentes,
resultado da mistura de suas vidas reais a relatos ficcionais que desembocam na
exposição pública e em ataques mútuos.
Através da metáfora do jogo, a peça é uma lente
de aumento bem-humorada sobre a relação perversa entre dominados e dominadores,
alimentada, continuamente, por preconceitos e velhos mecanismos de exclusão.
Quando
li a SINOPSE, tão logo recebi o “release”
da peça, enviado por STELLA STEPHANY
(assessoria
de imprensa), fiquei interessadíssimo por assistir a ela, imaginando
quão rico isso poderia ter se tornado, depois de montado, caso tivesse caído em
boas mãos, exatamente o que aconteceu. “Isso deve ter dado um bom caldo”,
pensei. E deu; um “caldo” saborosíssimo, que merece, e deve, ser provado pelo
número máximo de comensais. Já deveria
ter ido ao SESC Copacabana, para saciar minha curiosidade, porém, no dia
agendado, não me senti muito bem e tive de postergar aquele meu intenso desejo,
o que só me fez ir, na última sexta-feira, com muito mais expectativa que
antes; a melhor possível, é claro. E como é bom ir a um Teatro com uma
expectativa “X” – boa, repito – e sair dele com um resultado muito acima do
esperado. E mais: com a certeza de que acabara de assistir a um magnífico
espetáculo, que não mereceu o menor destaque na mídia, mas está sendo muito bem
aceito pelo público. Mas não é o único, infelizmente.
Embora
curto, o “release” da peça é extremamente bem redigido e rico em
detalhes, sendo capaz de provocar, em quem o lê, o desejo imediato de assistir ao
espetáculo. Transcrevo dele o trecho que mostra o que teria sido a provocação
que deu origem a um refinado texto, escrito, a quatro mãos, por DANIEL TOLEDO e ANDRÉ SENNA: “Vivemos cercados e apoiados em histórias sem, na
maioria das vezes, questionar de onde vieram. O ponto de vista da ‘história
oficial’, mesmo sendo continuamente transformado, nunca dá conta do todo. Há
sempre quem fique de fora ou acabe injustiçado pela narrativa eleita.”. Quando aplicada à
peça, essa frase / justificativa dos autores me parece um pouco abstrata, mas
isso não vem ao caso. O importante é a utilização de uma metáfora – do jogo – para
mostrar que, na vida, se perde e se ganha, o que pode ser uma verdade aparente,
como nos revela o final da peça em tela, e que “os fins justificam os meios”,
afirmação atribuída, erroneamente, a Nicolau Maquiavel, significando que
qualquer iniciativa é válida, quando o objetivo é conquistar algo
importante, o mesmo que se dizer que, para conquistar e manter o
‘poder’, um indivíduo sente-se ‘autorizado’ a desenvolver características tidas
como ‘não éticas’, como a crueldade e hipocrisia, como se vê em “META”.
Dentro
do escopo da frase da dupla de dramaturgos, registrada no parágrafo anterior,
segue o referido “release”, dizendo: “A peça busca levar à cena diferentes corpos e
histórias, incluindo grupos tidos como minoritários e vozes não-oficiais,
promovendo uma reflexão sobre diversidade, identidade e sociedade.”. São quatro indivíduos,
ligados, consanguínea e afetivamente, em duplas, lutando por uma conquista que
não se concentra, necessariamente, num bem material, substituído pelo desejo de
se sentir poderoso, um dominador.
O texto é fantástico, com algumas passagens de humor negro, e foi concebido a
partir das experiências pessoais dos quatro atores, partindo de histórias reais,
para criar uma ficção que tem como base um jogo em que todos podem narrar suas
próprias histórias, ora como personagens, ora como atores, sem que o público –
ou eu, pelo menos – perceba quando um, ator / atriz e personagem, cede a vez e
voz um ao outro.
De um tempo para cá, os chamados “reality
shows”, a maioria dos quais - quase todos, dependendo de sua estrutura e
objetivos – eu ABOMINO, chegaram ao Brasil
e ganharam a simpatia de uma considerável parte da sociedade brasileira, a qual
não me parece que tenha refletido ainda sobre eles. Quem controla o jogo?
Quanto vale vencer? Quais são as regras? Qual o objetivo deles? Quem lucra com
eles? Quem ganha ou perde?
Num “reality show”, o exibicionismo não tem olhos para o ridículo. Quem
se propõe a abrir o livro de sua vida a leitores que o exibido nem conhece,
muito menos tem uma estimativa de quantos são esses amantes de
“voyeurismo”, só tem em mente “pisar” nos opositores, impor-lhes
sua “superioridade”,
à custa, inclusive, de sua própria deterioração moral. Quem controla o jogo não
é o jogador; é quem o propõe. O “vencer” pode ser, simplesmente, uma
sensação efêmera, que finda com o término do jogo. O objetivo do jogo pode
estar muito além, ou aquém, do que se vende como “prêmio”. Quem lucra com
o jogo é quem não participa dele, mas o financia, os patrocinadores. E quem ganha
não é o que não foi eliminado; é, acima de todos, o representante “máster”
da perversidade do sistema: a emissora de TV. Quem participa de
um “reality
show”, penso eu, não se dá conta de nada disso, não percebe que, mesmo
se sagrando vencedor, sempre será um perdedor, como os outros competidores, iguais
que são, esmagados pelo sistema, numa cena muito marcante, a última da peça,
sobre a qual, para não dar “spoiler”, não comentarei, mas me
fez aplaudir efusivamente, o espetáculo, que poderia ter terminado de outra
forma melhor. Predomina, nesse tipo de "show", a hipocrisia, uma falsa demonstração de alegria, forçada, e um dos melhores exemplos disso, o melhor, creio, se dá na cena em que três personagens, à exceção do primeiro eliminado, saboreiam uma garrafa de vinho, que foi oferecida à vencedora de uma etapa do jogo. Os três "festejantes" dizem uma série de bobagens, "abobrinhas", e dão gargalhadas, sem o menor sentido de existirem, da forma mais falsa possível. Um riso "plastificado".
E já que falei nessa cena,
brilhantemente concebida pela diretora do espetáculo, DEBORA LAMM (Não sei se já era uma rubrica dos autores
do texto. Acho que não.) aproveito para dizer que fiquei infinitamente
feliz e encantado com esse trabalho de direção. DEBORA é uma ótima atriz que já vem, há algum tempo, se lançando
como uma diretora bem-sucedida, como demonstrou, ainda este ano, à frente do
espetáculo “Selvagem”, uma idealização, criação e interpretação de Felipe
Haiut, que, no momento, vem de cumprir apresentações, com sucesso, na Europa
(Lisboa
e Berlim). “META” é sua 11ª
direção. DEBORA, velha amiga
do elenco e conhecedora do potencial dos quatro, explorou o máximo daquilo que
cada um poderia ter rendido, e o resultado é o melhor possível, com soluções de
marcação excelentes, que convergem para uma encenação muito dinâmica, que
prende a atenção do espectador, da primeira à última cena. Esse dinamismo, em
muito, é devido à proposta de trabalho de DENISE
STUTZ, que assina a ótima direção de movimento, muito bem assimilada
pelo elenco. Assim como os personagens aguardam a surpresa da próxima meta, o
espectador vive a ansiedade pela próxima cena, graças a um excelente trabalho
de direção e ao rendimento do elenco.
ANDRÉ SENNA, CRIS LARIN, JUNIOR DANTAS e TAINAH LONGRAS, em ordem alfabética,
formam um quarteto totalmente integrado ao espetáculo, todos com um nível de
interpretação equivalente. Seus personagens nos surpreendem, “a
cada curva da estrada”, com ações e reações das quais, até então, não pensávamos
que seriam capazes. Cada um com uma personalidade marcante, forte,
aparentemente, porém todos fragilizados em, sua essência. Não há referência a
nomes próprios, o que, facilmente, nos leva a entender que os personagens são
universais e cada um de nós pode se ver espelhado num deles; ou nos quatro.
Antes de assistir à peça, ouvi, de várias pessoas merecedoras de crédito, que o
trabalho de CRIS LARIN se sobrepunha
ao do trio de colegas de cena, mas creio que essa impressão se dá por conta da
gênese de sua personagem, que diz coisas absurdas, as quais nos provocam um riso
de nervoso, como também ocorre em muitas frases dos outros personagens. CRIS, realmente, está esplêndida na sua
composição de personagem, como também fazem jus ao mesmo adjetivo ANDRÉ, JUNIOR e TAINAH.
Como a produção do espetáculo já sabia que ele
seria encenado numa arena, uma vez que isso estava previsto no edital que
proporcionou a sua montagem, esta já foi projetada, pela direção, para ocupar
esse tipo específico de espaço cênico, embora eu consiga vê-lo
muito bem encenado também num palco italiano. Em função da especificidade do
recinto, MINA QUENTAL (Atelier “Na Glória”), criou uma cenografia
simples, entretanto perfeita, que ocupa o mínimo possível do ambiente, com todas
as peças a serviço das cenas. São bancos, quatro “traquitanas” que marcam
o momento em que cada jogador é eliminado do jogo, mais uma espécie de portal,
que ligaria o mundo exterior ao do confinamento, ligação estabelecida por um "dummy", e uma peça que fica presa ao
teto, no meio da arena e que desce, na última cena, responsável pelo ápice
da trajetória daqueles quatro “heróis”, como são tratados esses
jogadores pelos apresentadores desse tipo de programa. “Heróis”?! “Prefiro
não comentar!” (Bordão de Copélia, personagem de Arlete Salles,
no “sitcom” “Toma Lá, Dá Cá”.).
TIAGO RIBEIRO desenhou os figurinos
inspirado no esporte. São peças como “shorts”, camisetas, calças do tipo “jogging”
e tênis, todas as peças muito coloridos, dentro das falsa imagem de “beleza,
alegria, bem-estar e positividade” que esse tipo de programa sugere. No
início da peça, o quarteto de atores também usa um tipo de capacete, para os
proteger de algo que não vou revelar. Há algumas trocas de figurino, num
determinado momento da trama.
A iluminação, neste espetáculo, é um
detalhe à parte, digno dos maiores elogios, fruto de um cuidadoso trabalho,
pensado e concretizado por ANA LUZIA DE
SIMONI, que, a cada novo trabalho, se supera. Todas as incidências de focos
de luz são precisas e oportunas. A cena que reproduz uma daquelas “ocas”
e desnecessárias “festas”, que há nesse tipo de “reality show”, é
inesquecível, pelo todo, porém, principalmente pela iluminação frenética e extremamente criativa, que eu jamais havia visto no TEATRO e que funciona 100%.
Ainda merecem uma citação positiva, nesta admirável
produção, os nomes de JOÃO VINICIUS
BARBOSA, responsável pela direção musical,
e RAFAEL FERNANDEZ, pelo visagismo.
Dramaturgia: Daniel
Toledo e André Senna
Direção: Debora Lamm
Assistência de Direção: Reinaldo Patrício
Elenco: André Senna, Cris Larin, Junior Dantas e Tainah Longras
Voz: Daniel Toledo
Participação: José Matos de Oliveira
Cenografia: Mina Quental
& Atelier "Na Glória"
Assistência de
Cenografia: Alexsander Pereira
Figurino: Tiago Ribeiro
Iluminação: Ana Luzia de Simoni
Direção de Movimento: Denise Stutz
Direção Musical: João Vinicius Barbosa
Visagismo: Rafael Fernandez
Assistente de Visagismo:
Manu Costa
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação
Fotografia: Renato
Mangolin
Projeto Gráfico: Raquel Alvarenga
Gestão de Mídias: Rafael Gandra
Assistente de Produção: Reinaldo Patrício
Cenotécnica: André Salles Cenografia e equipe
Costureira Cenografia: Rosângela Lapas
Costura: Atelier das Meninas (Maria)
Concepção de Projeto: André Senna e Bruno Colares
Direção de Produção: Monique Franco
Produção: Franco Produções Artísticas
Idealização: André Senna
Realização: Sesc Rio
Temporada: De 19 de outubro a 12 de novembro de
2023.
Local: Sesc Copacabana (Arena).
Endereço: Rua Domingos
Ferreira, nº 160, Copacabana – Rio de Janeiro.
Telefone: (21)2547-0156.
Dias e Horários: De 5ª
feira a domingo, às 20h.
Valor dos Ingressos: R$7,50
(associado Sesc), R$15,00 (meia-entrada) e R$30,00 (inteira).
Horário de funcionamento
da bilheteria: De 3ª a 6ª feira, das 9h às 20h; sábados, domingos e feriados,
das 14h às 20h.
Classificação Etária: 14
anos.
Duração: 70 minutos.
Capacidade: 262
espectadores.
Gênero: “Dramédia”.
Recomendo muito este espetáculo e espero que venham
novas temporadas, no Rio e em outras praças.
FOTOS: RENATO
MAGOLIN:
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