terça-feira, 28 de novembro de 2023

“A PEDRA ESCURA”

ou

(UM BELO EXERCÍCIO

DE EMPATIA E HUMANIDADE.)



         Segue em cartaz, no Teatro Poeirinha, até o dia 17 de dezembro próximo (VER SERVIÇO.), o espetáculo a que assisti anteontem (26/11/2023) e que me agradou sobremaneira: “A PEDRA ESCURA”, um dos mais premiados e importantes textos do TEATRO espanhol moderno, escrito por ALBERTO CONEJERO LÓPEZ, dramaturgia que recebeu tradução de VINO FRAGOSO, idealizador do projeto e um dos atores em cena, ao lado de LUCAS POPETA, sob a direção de JOÃO FONSECA. Para quem “não está ligando o nome à pessoa”, e com o objetivo de despertar o interesse dos que me leem pela peça em tela, digo-lhes que ALBERTO CONEJERO LÓPES é o autor de um grande sucesso teatral entre nós, no início deste ano, “Como Posso Não Ser Montgomery Clift”, que ganhou a direção de Fernando Philbert, um monólogo brilhantemente interpretado por Gustavo Gasparani. Lembram-se dele?

 

 



 SINOPSE:

A peça se passa no quarto de um hospital militar, durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939), dividido entre o prisioneiro Rafael Rodríguez Rapún (VINO FRAGOSO) – na peça, apresentado apenas como Rafael - e o guarda Sebastian (LUCAS POPETA).

Um revolucionário e um garoto.

Dois homens que não se conhecem são forçados a compartilhar as horas terríveis de uma contagem regressiva que pode terminar com a morte de um deles, ao amanhecer.

Ao prisioneiro, restam poucas horas de vida e a missão de salvar o último trabalho que Federico García Lorca (CARMO DALLA VECCHIA, em “off”), um dos maiores escritores espanhóis de todos os tempos, deixou sob sua custódia.

Para isso, precisa convencer o jovem militar a salvar um texto de TEATRO (“A PEDRA ESCURA”), que conta a história de amor entre dois homens, motivo pelo qual Lorca teria sido fuzilado pelo exército franquista, um ano antes, em 1936.

 

 

 


         Creio que a SINOPSE supra já é mais que suficiente para atrair os amantes do bom TEATRO ao Poeirinha, como aconteceu comigo. Trata-se de uma bela história ficcional, baseada na realidade. O que diz o referido resumo da peça, com relação ao grande escritor Federico García Lorca, é verdade. E também o jovem revolucionário existiu e com o consagrado poeta e dramaturgo viveu uma linda história de amor; igualmente, foi assassinado pelo regime autoritário de Franco.





O artista da pena foi o poeta de maior influência e popularidade da literatura espanhola do século XX e, como dramaturgo, é considerado uma sumidade do TEATRO espanhol do século XX, tendo convivido com artistas como o pintor Salvador Dalí, o cineasta Luis Buñuel e o compositor e pianista Manuel de Falla. Sua obra é composta por prosa, poesia e TEATRO. Seu estilo é repleto de simbologia e referências à cultura tradicional e popular. A poesia lorquiana é o reflexo de um sentimento trágico da vida e está vinculada a diferentes autores, tradições e correntes literárias. Suas principais obras para o TEATRO são "Bodas de Sangue" (1933)Yerma” (1934) e "A Casa de Bernarda Alba" (1936), três OBRAS-PRIMAS da literatura dramática universal, a meu juízo.



Federico García Lorca e Salvador Dalí.

(Fonte desconhecida.)


Lorca foi uma das primeiras vítimas da Guerra Civil Espanhola. Os motivos do seu assassinato são repletos de incertezas. Talvez tenham sido por questões pessoais, não-políticas, entretanto um dos biógrafos de García Lorca, Stainton, afirma que seus assassinos fizeram comentários sobre a sua orientação sexual, o que sugere que esse aspecto possa ter desempenhado um papel de grande peso na sua morte. É possível que tenha ocorrido por um somatório de “motivações”, incluindo sua orientação política, embora muitos o considerassem apolítico, com amigos no campo republicano e no nacionalista, tese contestada pelo historiador Ian Gibson, num livro publicado em 1978, que afirma ter Lorca assinado um manifesto, como apoiador da Frente Popular, que se opunha ao regime ditatorial do “generalíssimo” Franco, o que lhe rendeu uma perseguição política, que lhe teria sido fatal.


Federico García Lorca.

(Fonte desconhecida.)


Acredita-se que, após ter sido fuzilado (Não se tem, até hoje, uma certeza da data, porém estima-se que tenha ocorrido no dia 19 de agosto de 1936.), o corpo de Lorca tenha sido enterrado numa vala comum, junto com outras vítimas. Há relatos de que tenha sido fuzilado “de costas”, “em alusão à sua homossexualidade”. Seu corpo jamais foi encontrado. (A base das informações que fazem parte deste parágrafo foi extraída da Wikipédia.)





Diz-se que Lorca foi um homem de “muitos amores”, com homens e mulheres, e Rafael Rodríguez Rapún, um dos personagens da peça aqui analisada, foi um deles. Rafael foi secretário de “La Barraca”, grupo teatral a que Lorca pertencia, e seu secretário particular. Na referida companhia teatral, chamavam-no de o “três erres”, em alusão a seu nome completo. Lorca teria se apaixonado, perdidamente, pelo rapaz, o qual, segundo consta, “não era homossexual”, até tê-lo conhecido e se deixar seduzir por este, “sem muita resistência”. Na extensa lista de possíveis amantes do escritor, consta até o nome de Salvador Dalí, este visto, por muitos, como assexuado, “resistindo à sua natureza homossexual”. Por coincidência, o jovem Rafael Rodríguez Rapún teve o mesmo triste destino de Lorca, um ano depois do assassinato deste. Rafael morreu no dia 19 de agosto de 1937.


Federico García Lorca e Rafael Rodríguez Rapún.

(Fonte desconhecida.)


Classifico o espetáculo, apoiado num robusto texto, como um tratado de empatia e humanidade, que chega até nós num momento em o planeta se vê ameaçado por tanto retrocesso da raça humana, sentindo os reflexos da bárbara e violenta guerra entre Israel e os terroristas do Hamas, por exemplo, a qual espirra horror e sangue em todos nós, que ansiamos pela paz. Confesso que, ao adentrar o auditório do Teatro Poeirinha e procurar um lugar na primeira fila, como gosto, para me acomodar, senti-me bastante perturbado, incomodado, emocionalmente. Sofri um choque, diante da magnífica cenografia, criada por VINO FRAGOSO, sobre a qual falarei, detalhadamente, adiante. Levei um bom tempo para me acostumar com aquela visão de um espaço totalmente inóspito, deteriorado pela ação do tempo e da guerra em si. Vieram-me à mente imagens que, há cerca de dois meses, vimos recebendo, em nossas casa, via TV, de escombros causados pelo conflito no Oriente Médio a que já me referi. O texto é belíssimo, poético e, ao mesmo tempo, de um realismo a toda prova. O “release” da peça, que me foi encaminhado por CARLOS PINHO, assessoria de imprensa, diz que o tempo de duração da peça é de 70 minutos, contudo acho que dura mais um pouco, do ponto de vista cronológico, ainda que seu tempo psicológico seja bem menor, por conta da qualidade da dramaturgia e, consequentemente, do espetáculo. Não se percebe a passagem do tempo, da mesma forma como não é permitido, ao público, se deixar distanciar da encenação. Duvido de que alguém consiga divagar durante o espetáculo. Acredito que, como aconteceu comigo, os espectadores se sentem atraídos ao espaço cênico, como objetos de metal puxados por um ímã. Não só se trata apenas de uma boa história, mas de como ela é contada, apoiada em diálogos ágeis e muito bem estruturados.





JOÃO FONSECA, como de hábito, se mostra como um dos melhores diretores de TEATRO da sua geração, acertando, e muito, em, praticamente, tudo quanto assina. Não foi diferente na assunção do comando desta obra. Para traduzir, em ações, o conteúdo do texto, JOÃO optou por uma encenação bastante realista, exigindo muito da dupla de atores, os quais respondem à altura, com amplo destaque para VINO FRAGOSO. O ator se entrega, de corpo e alma, ao seu personagem. É assaz comovente o seu trabalho de interpretação. VINO conseguiu construir seu personagem com toda a carga emocional que ele carrega, sem, contudo, cair no desagradável “buraco” da vitimização. Ele é o que é e sofre como deve sofrer, sem exagero. Rafael conquista a comiseração do público, pela situação por que passa, sem ser piegas, apelativo. O trabalho de LUCAS POPETA está longe de ser desprezado, entretanto penso que o personagem fala de maneira monocórdia, durante toda a peça, quando, na minha visão, as falas deveriam ser moduladas de acordo com o emocional do personagem, que deveria ser mais diversificado. Cada momento de tensão em que seu personagem se vê envolvido requer uma intensidade, maior ou menor, de emoção. O que me pareceu foi que, da primeira à última cena, Sebastian se expressa da mesma forma. É um único detalhe, mas pesa, sim, no conjunto.



João Fonseca
(Fonte desconhecida.)


Voltando a falar do cenário da peça, o qual merece a atenção dos jurados em prêmios de TEATRO, digo que é um dos melhores a que tive acesso neste ano teatral, quase à hora de ser encerrado. Inspirado numa obra do consagrado artista plástico brasileiro Cildo Meireles, com quem se encontrou, no atelier do pintor, e teve sua aprovação, foi felicíssimo VINO FRAGOSO, sobretudo na observância de muitos detalhes, mínimos que sejam, os quais, no conjunto, ganham notável relevância. O cenógrafo reproduziu um ambiente exatamente como ele deve ser no plano real e que ninguém merece conhecer ao vivo. Um catre, com roupa de cama imunda, encardida e com manchas de sangue; móveis deteriorados e objetos de cena relacionados ao espaço; uma velha pia. No piso, placas de zinco enferrujadas. Todas as janelas apresentam vidros fraturados. No chão, ao redor de todo o espaço cênico, muitos cacos de vidro espalhados. O conjunto é o retrato da miséria, do medo, da decomposição e da decadência.





Um toque de realismo está também presente nos figurinos da dupla de personagens: uma farda rota, de Sebastian, e andrajos usados por Rafael. Esse ótimo trabalho é assinado por NELLO MARRESE.



Para compor a ambientação, totalmente a serviço das cenas, “entra em campo” um correto trato de luz, obra a quatro mãos, que leva as assinaturas de FELICIO MAFRA (RUSSINHO) e FELIPE ANTELO. Esse desenho de luz é mais valorizado quando dialoga com a excelente trilha sonora, a cargo de TONY LUCCHESI. Creio que nesta também estão incluídas as oportunas canções ouvidas antes de iniciar o espetáculo, todas de ótima qualidade.





Considero uma falha da FICHA TÉCNICA a não inclusão da identidade de quem executou o trabalho de visagismo, mormente com relação aos ferimentos do personagem Rafael. O visagismo é um elemento de criação muito importante, numa montagem teatral, nem sempre valorizado, infelizmente.




 

 

 FICHA TÉCNICA: 

Idealização: Vino Fragoso

Autor: Alberto Conejero López

Tradução: Vino Fragoso

Direção: João Fonseca

Assistência de Direção: André Celant

 

Elenco: Lucas Popeta e Vino Fragoso

(Participação Especial, em “OFF”: Carmo Dalla Vecchia

 

Cenografia: Vino Fragoso

Figurino: Nello Marrese

Desenho de Luz: Felicio Mafra e Felipe Antelo

Direção de Movimento: Johayne Hildefonso

Trilha Sonora: Tony Lucchesi

Preparação Vocal: Adriana Micarelli 

Preparação de Ator (Vino Fragoso): Thais Mansano

Violão: Gabriel Quinto

Produção de Cenografia: Plantha e Giovanna Garcia

Projeto Gráfico: Plantha

Fotografia Editorial: Robert Schwenck

Filmes: LordBull

Assessoria de Imprensa: Carlos Pinho

Mídias Sociais: Plantha

Produção: Vino Fragoso e Paloma Ripper

Coprodução: LP Artes Entretenimento

Realização: Plantha


 

 

 





 

 SERVIÇO:

Temporada: De 02 de novembro a 17 de dezembro de 2023.

Local: Teatro Poeirinha.

Endereço: Rua São João Batista, nº 104, Botafogo, Rio de Janeiro – RJ.

Dias e Horários: De quinta-feira a sábado, às 20h; domingo, às 19h.

Valor dos Ingressos: R$80,00 (inteira) e R$40,00 (meia-entrada).

Vendas pela plataforma SYMPLA: https://bileto.sympla.com.br/event/88112/d/222987/s/1510181  

Duração: 70 minutos.

Classificação Indicativa: 16 anos.

Capacidade: 50 espectadores.

Mais informações: https://www.teatropoeira.com.br/pedra-escura

Rede Social da Peça: @apedraescura

Gênero: Drama.

 

 

 


         Na verdade, nesta peça, jogam-se mais luzes sobre a bissexualidade do que se evidencia a homossexualidade, aquela representada pelo relacionamento de dois homens que se amavam, mas também sentiam desejo por mulheres. Lorca, em sua juventude, se relacionou com algumas mulheres, enquanto Rafael, antes de descobrir seu interesse por homens, por Lorca, especificamente, jamais vivera, até então, um desejo por um igual.  “A PEDRA ESCURA” é um espetáculo sobre o amor bissexual em meio à guerra e “combina tensão dramática e pulso poético, para levantar questões importantes, como a barbárie causada por uma guerra, a importância de preservar a memória e a cultura de um povo. E o papel crucial da educação e da arte para a construção de uma sociedade mais humana e menos desigual”. 



         Reserve um dia para assistir a este espetáculo, que eu recomendo muito.


 

 

 

 

FOTOS: ROBERT SCHWENCK

 

 

 

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