“A PEDRA ESCURA”
ou
(UM BELO EXERCÍCIO
DE EMPATIA E
HUMANIDADE.)
Segue em
cartaz, no Teatro Poeirinha, até o dia 17 de dezembro próximo
(VER SERVIÇO.), o espetáculo a que
assisti anteontem (26/11/2023) e que me agradou sobremaneira: “A PEDRA ESCURA”, um dos mais
premiados e importantes textos do TEATRO
espanhol moderno, escrito por ALBERTO
CONEJERO LÓPEZ, dramaturgia que recebeu tradução de VINO FRAGOSO, idealizador do projeto e um dos
atores em cena, ao lado de LUCAS POPETA,
sob a direção de JOÃO FONSECA.
Para quem “não está ligando o nome à pessoa”, e com o objetivo de
despertar o interesse dos que me leem pela peça em tela, digo-lhes que ALBERTO CONEJERO LÓPES é o autor de um grande
sucesso teatral entre nós, no início deste ano, “Como Posso Não Ser Montgomery
Clift”, que ganhou a direção de Fernando Philbert, um monólogo brilhantemente
interpretado por Gustavo Gasparani. Lembram-se dele?
A peça se passa no quarto de um
hospital militar, durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939),
dividido entre o prisioneiro Rafael Rodríguez Rapún
(VINO FRAGOSO) – na peça,
apresentado apenas como Rafael - e o guarda Sebastian
(LUCAS POPETA).
Um revolucionário e um garoto.
Dois homens que não se conhecem são
forçados a compartilhar as horas terríveis de uma contagem regressiva que pode
terminar com a morte de um deles, ao amanhecer.
Ao prisioneiro, restam poucas horas
de vida e a missão de salvar o último trabalho que Federico García Lorca (CARMO DALLA VECCHIA, em “off”), um
dos maiores escritores espanhóis de todos os tempos, deixou sob sua custódia.
Para isso, precisa convencer o jovem
militar a salvar um texto de TEATRO (“A
PEDRA ESCURA”), que conta a história de amor entre dois homens, motivo pelo
qual Lorca
teria sido fuzilado pelo exército franquista, um ano antes, em 1936.
Creio que a SINOPSE supra já é mais
que suficiente para atrair os amantes do bom TEATRO ao Poeirinha,
como aconteceu comigo. Trata-se de uma bela história ficcional, baseada na
realidade. O que diz o referido resumo da peça, com relação ao grande escritor Federico
García Lorca, é verdade. E também o jovem revolucionário existiu e com
o consagrado poeta e dramaturgo viveu uma linda história de amor; igualmente,
foi assassinado pelo regime autoritário de Franco.
O artista da pena foi o poeta de maior influência e popularidade
da literatura espanhola do século XX e, como dramaturgo, é
considerado uma sumidade do TEATRO
espanhol do século XX, tendo convivido com artistas
como o pintor Salvador Dalí, o cineasta Luis Buñuel e o compositor e
pianista Manuel de Falla. Sua obra é composta por prosa, poesia e TEATRO. Seu estilo é repleto de
simbologia e referências à cultura tradicional e popular. A poesia lorquiana é
o reflexo de um sentimento trágico da vida e está vinculada a diferentes
autores, tradições e correntes literárias. Suas principais obras para o TEATRO
são "Bodas de Sangue" (1933), “Yerma” (1934) e "A Casa de Bernarda Alba" (1936), três OBRAS-PRIMAS da literatura dramática
universal, a meu juízo.
Federico García Lorca e Salvador Dalí.
(Fonte desconhecida.)
Lorca foi uma das primeiras
vítimas da Guerra Civil Espanhola. Os motivos do seu assassinato são repletos de
incertezas. Talvez tenham sido por questões pessoais, não-políticas, entretanto
um dos biógrafos de García Lorca, Stainton, afirma que seus assassinos
fizeram comentários sobre a sua orientação sexual, o que sugere que esse aspecto
possa ter desempenhado um papel de grande peso na sua morte. É possível que
tenha ocorrido por um somatório de “motivações”, incluindo sua
orientação política, embora muitos o considerassem apolítico, com amigos no
campo republicano e no nacionalista, tese contestada pelo historiador Ian
Gibson, num livro publicado em 1978, que afirma ter Lorca
assinado um manifesto, como apoiador da Frente Popular, que se opunha ao
regime ditatorial do “generalíssimo” Franco, o que lhe rendeu uma
perseguição política, que lhe teria sido fatal.
Federico García Lorca.
(Fonte desconhecida.)
Acredita-se
que, após ter sido fuzilado (Não se tem, até hoje, uma certeza da data,
porém estima-se que tenha ocorrido no dia 19 de agosto de 1936.), o
corpo de Lorca tenha sido enterrado numa vala comum, junto com outras
vítimas. Há relatos de que tenha sido fuzilado “de costas”, “em
alusão à sua homossexualidade”. Seu corpo jamais foi encontrado. (A
base das informações que fazem parte deste parágrafo foi extraída da
Wikipédia.)
Diz-se
que Lorca
foi um homem de “muitos amores”, com homens e mulheres, e Rafael Rodríguez
Rapún, um dos personagens da peça aqui analisada, foi um deles. Rafael
foi secretário de “La Barraca”, grupo teatral a que Lorca pertencia, e seu
secretário particular. Na referida companhia teatral, chamavam-no de o “três
erres”, em alusão a seu nome completo. Lorca teria se
apaixonado, perdidamente, pelo rapaz, o qual, segundo consta, “não
era homossexual”, até tê-lo conhecido e se deixar seduzir por este, “sem
muita resistência”. Na extensa lista de possíveis amantes do escritor,
consta até o nome de Salvador Dalí, este visto, por
muitos, como assexuado, “resistindo à sua natureza homossexual”.
Por coincidência, o jovem Rafael Rodríguez Rapún teve o mesmo
triste destino de Lorca, um ano depois do assassinato deste. Rafael morreu no dia 19 de
agosto de 1937.
Federico García Lorca e Rafael Rodríguez Rapún.
(Fonte desconhecida.)
Classifico o espetáculo, apoiado num robusto texto, como um tratado
de empatia e humanidade, que chega até nós num momento em o planeta se
vê ameaçado por tanto retrocesso da raça humana, sentindo os reflexos da
bárbara e violenta guerra entre Israel e os terroristas do Hamas,
por exemplo, a qual espirra horror e sangue em todos nós, que ansiamos pela
paz. Confesso que, ao adentrar o auditório do Teatro Poeirinha e
procurar um lugar na primeira fila, como gosto, para me acomodar, senti-me
bastante perturbado, incomodado, emocionalmente. Sofri um choque, diante da
magnífica cenografia, criada por VINO
FRAGOSO, sobre a qual falarei, detalhadamente, adiante. Levei um bom tempo
para me acostumar com aquela visão de um espaço totalmente inóspito, deteriorado
pela ação do tempo e da guerra em si. Vieram-me à mente imagens que, há cerca
de dois meses, vimos recebendo, em nossas casa, via TV, de escombros causados
pelo conflito no Oriente Médio a que já me referi. O texto é belíssimo, poético
e, ao mesmo tempo, de um realismo a toda prova. O “release” da peça, que me
foi encaminhado por CARLOS PINHO, assessoria
de imprensa, diz que o tempo de duração da peça é de 70
minutos, contudo acho que dura mais um pouco, do ponto de vista
cronológico, ainda que seu tempo psicológico seja bem menor, por conta da
qualidade da dramaturgia e, consequentemente, do espetáculo. Não se percebe a
passagem do tempo, da mesma forma como não é permitido, ao público, se deixar
distanciar da encenação. Duvido de que alguém consiga divagar durante o
espetáculo. Acredito que, como aconteceu comigo, os espectadores se sentem
atraídos ao espaço cênico, como objetos de metal puxados por um ímã. Não só se
trata apenas de uma boa história, mas de como ela é contada, apoiada em
diálogos ágeis e muito bem estruturados.
JOÃO FONSECA, como
de hábito, se mostra como um dos melhores diretores de TEATRO da sua geração, acertando, e muito, em, praticamente, tudo quanto
assina. Não foi diferente na assunção do comando desta obra. Para traduzir, em
ações, o conteúdo do texto, JOÃO
optou por uma encenação bastante realista, exigindo muito da dupla de atores,
os quais respondem à altura, com amplo destaque para VINO FRAGOSO. O ator se entrega, de corpo e alma, ao seu
personagem. É assaz comovente o seu trabalho de interpretação. VINO conseguiu construir seu personagem
com toda a carga emocional que ele carrega, sem, contudo, cair no desagradável “buraco”
da vitimização. Ele é o que é e sofre como deve sofrer, sem exagero. Rafael
conquista a comiseração do público, pela situação por que passa, sem ser
piegas, apelativo. O trabalho de LUCAS
POPETA está longe de ser desprezado, entretanto penso que o personagem fala
de maneira monocórdia, durante toda a peça, quando, na minha visão, as falas
deveriam ser moduladas de acordo com o emocional do personagem, que deveria ser
mais diversificado. Cada momento de tensão em que seu personagem se vê
envolvido requer uma intensidade, maior ou menor, de emoção. O que me pareceu
foi que, da primeira à última cena, Sebastian se expressa da mesma
forma. É um único detalhe, mas pesa, sim, no conjunto.
Voltando a falar do cenário da peça, o qual merece a
atenção dos jurados em prêmios de TEATRO,
digo que é um dos melhores a que tive acesso neste ano teatral, quase à hora de
ser encerrado. Inspirado numa obra do consagrado artista plástico brasileiro Cildo
Meireles, com quem se encontrou, no atelier do pintor, e
teve sua aprovação, foi felicíssimo VINO FRAGOSO, sobretudo na observância de muitos detalhes, mínimos
que sejam, os quais, no conjunto, ganham notável relevância. O cenógrafo
reproduziu um ambiente exatamente como ele deve ser no plano real e que ninguém
merece conhecer ao vivo. Um catre, com roupa de cama imunda, encardida e com
manchas de sangue; móveis deteriorados e objetos de cena relacionados ao espaço;
uma velha pia. No piso, placas de zinco enferrujadas. Todas as janelas apresentam vidros fraturados. No chão, ao redor de todo o espaço cênico, muitos cacos de vidro espalhados. O conjunto é o retrato
da miséria, do medo, da decomposição e da decadência.
Um toque de realismo está também presente nos figurinos da
dupla de personagens: uma farda rota, de Sebastian, e andrajos usados por Rafael.
Esse ótimo trabalho é assinado por NELLO
MARRESE.
Para compor a ambientação, totalmente a serviço das cenas, “entra
em campo” um correto trato de luz, obra a quatro mãos, que leva as
assinaturas de FELICIO MAFRA (RUSSINHO) e FELIPE ANTELO. Esse desenho
de luz é mais valorizado quando dialoga com a excelente trilha
sonora, a cargo de TONY LUCCHESI.
Creio que nesta também estão incluídas as
oportunas canções ouvidas antes de iniciar o espetáculo, todas de ótima
qualidade.
Considero uma falha da FICHA TÉCNICA a não inclusão da
identidade de quem executou o trabalho de visagismo, mormente com relação aos
ferimentos do personagem Rafael. O visagismo é um elemento
de criação muito importante, numa montagem teatral, nem sempre valorizado,
infelizmente.
Idealização:
Vino Fragoso
Autor:
Alberto Conejero López
Tradução:
Vino Fragoso
Direção:
João Fonseca
Assistência
de Direção: André Celant
Elenco:
Lucas Popeta e Vino Fragoso
(Participação
Especial, em “OFF”: Carmo Dalla
Vecchia
Cenografia:
Vino Fragoso
Figurino:
Nello Marrese
Desenho de
Luz: Felicio Mafra e Felipe Antelo
Direção de
Movimento: Johayne Hildefonso
Trilha
Sonora: Tony Lucchesi
Preparação
Vocal: Adriana Micarelli
Preparação
de Ator (Vino Fragoso): Thais Mansano
Violão:
Gabriel Quinto
Produção
de Cenografia: Plantha e Giovanna Garcia
Projeto
Gráfico: Plantha
Fotografia
Editorial: Robert Schwenck
Filmes:
LordBull
Assessoria
de Imprensa: Carlos Pinho
Mídias
Sociais: Plantha
Produção:
Vino Fragoso e Paloma Ripper
Coprodução:
LP Artes Entretenimento
Realização: Plantha
Temporada:
De 02 de novembro a 17 de dezembro de 2023.
Local:
Teatro Poeirinha.
Endereço: Rua
São João Batista, nº 104, Botafogo, Rio de Janeiro – RJ.
Dias e Horários:
De quinta-feira a sábado, às 20h; domingo, às 19h.
Valor dos
Ingressos: R$80,00 (inteira) e R$40,00 (meia-entrada).
Vendas pela plataforma SYMPLA: https://bileto.sympla.com.br/event/88112/d/222987/s/1510181
Duração: 70 minutos.
Classificação
Indicativa: 16 anos.
Capacidade:
50 espectadores.
Mais
informações: https://www.teatropoeira.com.br/pedra-escura
Rede Social
da Peça: @apedraescura
Gênero: Drama.
Na
verdade, nesta peça, jogam-se mais luzes sobre a bissexualidade do que se
evidencia a homossexualidade, aquela representada pelo relacionamento de dois homens
que se amavam, mas também sentiam desejo por mulheres. Lorca, em sua juventude,
se relacionou com algumas mulheres, enquanto Rafael, antes de
descobrir seu interesse por homens, por Lorca, especificamente, jamais
vivera, até então, um desejo por um igual. “A PEDRA
ESCURA” é um espetáculo sobre o amor bissexual em meio à
guerra e “combina
tensão dramática e pulso poético, para levantar questões importantes, como a
barbárie causada por uma guerra, a importância de preservar a memória e a
cultura de um povo. E o papel crucial da educação e da arte para a construção
de uma sociedade mais humana e menos desigual”.
Reserve
um dia para assistir a este espetáculo, que eu recomendo muito.
FOTOS: ROBERT
SCHWENCK
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ESPETÁCULO DO BRASIL!
A ARTE EDUCA E CONSTRÓI, SEMPRE; E SALVA!
RESISTAMOS SEMPRE MAIS!
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JUNTOS, POSSAAMOS DIVULGAR O QUE HÁ DE MELHOR NO TEATRO BRASILEIRO
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