“SUJEITO
A
REBOQUE”
ou
(O “SISTEMA” NOS SUFOCA.)
ou
(QUALQUER UM DE NÓS
PODERÁ SER
“O PRÓXIMO”.)
(OBSERVAÇÃO: A temporada deverá ser prorrogada até o final de novembro.)
Com raríssimas e inexplicáveis exceções, todos os que vão a
um Teatro, para assistir a uma peça, fazem-no por vontade
própria, movidos por algum interesse e, evidentemente, na expectativa de deixar
a sala de espetáculo satisfeitos, felizes com o que acabaram de
assistir, porque foram lá com o desejo de gostar, de aplaudir. É com esse
propósito que sempre vou e, quando a peça corresponde às minhas
expectativas, fico feliz; se extrapola, chego ao “estado de graça”,
algo indescritível, embora Clarice Lispector tenha chegado próximo (“Quem já conheceu o estado de graça
reconhecerá o que vou dizer. Não me refiro à inspiração, que é uma graça
especial que, tantas vezes, acontece aos que lidam com arte.” - Sugiro que leiam a crônica “Estado de
Graça”.). Quando, porém, o espetáculo é ruim, o
oposto do que eu esperava ver, os sentimentos de frustração, arrependimento,
pena, desolação, raiva e, até mesmo, ódio, e outros semelhantes tomam conta de
mim, e não consigo disfarçar.
Na última 6ª feira, 22 de outubro de 2021, a
convite de STELLA STEPHANY, assessora de imprensa (JSPONTES
COMUNICAÇÃO), fui ao Teatro PetraGold, Sala Marília Pêra,
para assistir a uma montagem que seria feita “on-line”, no
que não poderia ser classificada como TEATRO, porém a produção e
os envolvidos no projeto optaram por encenar o texto de HERTON
GUSTAVO GRATTO presencialmente. E, já que falei no dramaturgo,
confesso, com toda a minha sinceridade, que ele era a minha maior motivação
para eu querer assistir à peça, uma vez que gosto muito da maioria dos
seus textos. “Moléstia” é imbatível, e, agora, este “SUJEITO A
REBOQUE”.
Por total falta de tempo – não é outro o motivo -, esta crítica será mais curta (Espero.), na medida do possível, fugindo, um pouco, às minhas características, dc me dar o direito de dissecar item por item do espetáculo, de dar um mergulho abissal, até atingir o fundo do oceano, porém procurarei fazer uma análise completa, mas nem por isso extensa do espetáculo, em cujo “release” é apresentado como pertencente ao gênero “comédia dramática”. Até certo ponto, considero essa classificação meio equivocada. O público ri? Sim. Mas de nervoso, de tensão, de ódio a um dos dois personagens da trama.
SINOPSE:
Através de uma história tragicômica, um homem
que, ao tentar tirar, do depósito do DETRAN, o seu carro rebocado, acaba embaraçado num
labirinto “kafkiano” e absurdo.
A peça reflete sobre a incomunicabilidade
e a indiferença, hoje, tão presentes nas relações interpessoais.
Colocando uma lente de aumento da relação humana com
a burocracia, a peça nos leva a refletir sobre até que ponto
estamos reféns do “sistema”, essa entidade sem rosto nem
endereço, que dita as regras a que somos submetidos.
Vou iniciar minhas considerações sobre a peça, comentando alguns pontos presentes na supra “SINOPSE”.
O
“labirinto ‘kafikiano’” existe, sim, porque “habemos um
Kafka entre nós”, o jovem e talentoso dramaturgo HERTON
GUSTAVO GRATTO. Franz Kafka, um autor nascido na atual República Tcheca,
falecido em 1924, autor de romances e contos, como “A Metamorfose" e “O Processo”,
por exemplo, considerado, pelos críticos, como um dos escritores mais
influentes do século XX, deve estar feliz, no seu túmulo, pelo “discípulo
brasileiro”. Da mesma forma, devem estar festejando os autores mais
consagrados do “Teatro do Absurdo” (Eugène Ionesco, Samuel Beckett, Arthur Adamov, Harold Pinter, Fernando Arrabal, Jean Genet e Edward Albee, que fazem parte da “diretoria do clubinho
dos absurdistas”.). Por favor, não entendam que estou direcionando
holofotes demais ao nosso jovem dramaturgo, querendo compará-lo a nenhum
desses consagradíssimos autores, contudo, não podem deixar de admitir,
os que assistiram ou assistirão à peça, que há um pouquinho deles todos,
pitadas ou pílulas, em “SUJEITO A REBOQUE”. Foram fonte, para que HERTON
saciasse a sua sede.
Penso
que o objetivo do texto de “SUJEITO A REBOQUE” vai além do que,
apenas – e já seria muito – propor uma reflexão acerca da “incomunicabilidade
e a indiferença, hoje, tão presentes nas relações”. Ele faz uma grave
denúncia sobre a falta de empatia, “doença” dos nossos dias,
caminhando para uma epidemia - se é que já não pode ser considerada uma -,
de falta de amor e respeito ao próximo, e contra a capacidade de um Homem,
dito “ser racional”, pôr em prática a racionalidade, característica
que o difere dos outros animais, os “irracionais”, os quais, por
exemplo, só matam para se defender e às suas proles ou para matar a fome, além de outras
tantas ações positivas, que o Homem não pratica. Não estaria na hora de
trocarmos os adjetivos, invertendo-lhes a aplicação?
A
“lente de aumento da relação humana com a burocracia”, da qual a “SINOPSE”
diz que o autor do texto se utiliza, não me parece um exagero, pois,
guardadas as devidas proporções, estamos bem perto das situações “bizarras”
que vemos encenadas, a última, em especial. Aliás, já vi casos muito
semelhantes serem abordados em telejornais; e, quanto à primeira, eu mesmo vivi
algo bem parecido. No que diz respeito a sermos “reféns do ‘sistema’”,
não há nada a discutir ou não existem meios para contestar tal nefasta verdade.
Nós os somos mesmo. E não dispomos de armas para, pelo menos, tentar lutar contra
ele. E, quando tentamos fazê-lo, nadamos contra a corrente e, extremamente
exaustos e vencidos, vamos dar à praia.
O
“sistema” – perdão pela, talvez, “absurda” comparação –
guarda uma certa identidade com o flagelo que vimos enfrentando há quase dois
anos, a COVID-19. Em que aspecto? Poderão, os que me leem, já estar
querendo me enquadrar como um “absurdista” também – e, talvez,
eu o seja -, porém, antes que pensem em me internar num manicômio, direi
por que cheguei a tal analogia. Um vírus, algo identificável apenas sob a
potência de lentes de aumento, é capaz de fazer milhões de vítimas fatais,
mundo afora, sem que quase nada possamos fazer para combatê-lo e vencê-lo;
apenas, ainda, conseguimos uma certa defesa, por meio de uma vacina (VIVA O
SUS! VIVA A CIÊNCIA! VIVA OS CIENTISTAS!). O “sistema” é um “ser”
amorfo e indetectável, até mesmo pelo mais possante telescópio da NASA;
só é percebido, sentido, quando atua. E é o tempo todo, em qualquer lugar, em
qualquer situação. Um “ser do mal, criado pelo demônio – só
pode ser - para infernizar a vida dos humanoides, até, se possível, levá-los
às raias da loucura ou a responder a ele com reações extremamente agressivas,
chegando à morte, por assassinato ou suicídio, em certos casos. Um filme de
1972, baseado num fato real -isso é muito importante -, “Um Dia
de Cão”, estrelando Al Pacino (Sonny) e John Cazale (Sal) ilustra
bem o que acabo de dizer.
E
olha só como não consigo cumprir minhas promessas! Já estamos diante de um “textão”,
e falta muito a ser dito ainda. Vou tentar finalizar as considerações sobre o texto,
que considero impecável. HERTON utiliza diálogos bem ágeis, o que vai
propiciar bastante dinamismo às ações. Usa um vocabulário bem característico
dos dois personagens, sendo direto e cruel, por vezes, mas realista ao
extremo, em certas frases. Mas isso é totalmente necessário. Não sei se chega a
chocar o espectador, mas incomoda-o, com certeza. O autor vai criando
situações de embate, que fazem com que a plateia, mesmo sem querer, tome
partido do personagem considerado uma “vítima” do tal
maldito “sistema”, este representado por um burocrata, que tem
um paralelepípedo no lugar do coração, por “fidelidade às leis, ao que
preconizam os ditames da lei”. É incrível como o dramaturgo leva
os espectadores à proximidade, não de um dia, mas de um momento de fúria, como
vontade de subir ao palco e espancar o intransigente funcionário burocrata, por
total empatia com relação a um homem que paga por um erro não cometido e por
uma distração.
A
peça é curta, dura 50 minutos E não precisava de mais que isso. Na metade, porém, quando, depois de muito sofrer, o pobre do cidadão honesto e
contribuinte, consegue reaver seu automóvel, que fora, erradamente,
rebocado, pelo fato de o motorista, ter estacionado num local onde não havia
uma placa que indicasse ser um ponto proibido para estacionamento (Isso já
me ocorreu.), eu olhei para o relógio e me fiz, internamente, duas
perguntas: Mas a peça, apesar de boa, só dura 30 minutos, aproximadamente? Se
não acabou, o que o HERTON vai aprontar, o que ele pode fazer, para “dar
linha a essa pipa”? E não é que o espetáculo continua e o dramaturgo
nos põe diante de uma situação totalmente esdrúxula, pior, ainda, que a primeira; macabra, irracional, incompreensível,
revoltante, mas que já soube ter ocorrido, várias vezes, na vida real?!
Chega
de falar do texto e passemos a voltar nossos aplausos à ótima direção
de EMILIO ORCIOLLO NETTO, mais conhecido como um bom ator do que
como diretor, atividade na qual também demonstra talento. EMILIO
conseguiu extrair o melhor de cada um dos dois atores, levando-os a despertar,
no público, comiseração e ódio, no que cada um dos personagens traz de
suas características pessoais, não deixando que o espetáculo despencasse
para uma comédia rasgada ou para um melodrama. Ele dosa as duas
coisas e atinge o tom certo, para fazer com que tudo o que o autor deseja que
chegue aos espectadores aconteça da forma mais natural possível. O Teatro do
Absurdo exige isso: que o improvável e o “estranho” sejam
ditos e executados com a maior naturalidade possível. É bom, também, falar que,
sob sua batuta, não há, no espetáculo, espaços para “barrigas”.
Dessa forma, consegue dinamizar bastante as ações, com marcações perfeitas, levando
as pessoas a não ficarem quietas, acomodadas, inertes, em suas poltronas.
De que adianta um texto de primeira qualidade e um diretor competente, que soube decodificar, nas palavras do dramaturgo, todas as mensagens que este queria passar e traduziu-as num belo trabalho de condução dos atores, se estes não conseguem acompanhar toda essa qualidade e fazer a coisa certa? Acho que já deu para perceber que o meu entusiasmo por esta montagem se concentra, principalmente, nos dois elementos já analisados e no trabalho dos dois ótimos atores, LEONARDO PAES LEME e GUSTAVO NOVAES, dois profissionais cujos nomes podem representar pouco, para o público amante do TEATRO, mas cujos trabalhos merecem ser conhecidos, e reconhecidos, uma vez que são dois profissionais do maior gabarito.
A idealização do projeto é de JOÃO CAMPANY.
LEONARDO
é mais um ator das telas (cinema e TV) do que das tábuas. Raríssimos
trabalhos dele eu assisti no TEATRO e, como não sou chegado às telas
(todas), confesso que não me lembrava bem se suas atuações nos palcos, porém digo
duas coisas: que ele deveria se dedicar mais ao TEATRO e que, de agora
em diante, procurarei não perder uma peça em que ele atue. Em “SUJEITO A
REBOQUE”, ele faz, duplamente, a “vítima do sistema”. E o faz
muito bem, convence o público de seu drama pessoal.
Quanto
a GUSTAVO NOVAES, um ator paulistano, também se trata de um profissional
que se dedica muito mais ao cinema e à TV, em cerca de 30 anos de carreira,
motivos pelos quais, a não ser que esteja sendo traído por minha memória, eu nunca
o vi ocupando um palco de TEATRO e que foi, para mim, uma gratíssima
surpresa. Ele interpreta o “representante do sistema” e, como não
poderia deixar de ser, para que isso incomode bastante o espectador e o tire de
sua zona de conforto, faz uso de muito tom de deboche, ironia, escárnio,
insensibilidade, registados na sua voz e nas máscaras faciais e inflexões das
quais faz uso, o tempo todo, sem deixar de falar do texto, é claro. Que
ódio do personagem! Também não quero perder mais nenhum trabalho de palco do GUSTAVO.
Nenhum
deles tem nome (Acho que a "vítima" se chama ANTAR, mas isso, praticamente, não é notado pelo público.), na peça, pois representam duas coletividades: a dos homens
de bem, no melhor sentido da palavra, e a dos canalhas, idem. O personagem
de LEONARDO, como já afirmei é a vítima, o oprimido, e o
de GUSTAVO é a personificação do “sistema”, o opressor.
A
peça se passa em dois espaços: uma repartição do DETRAN e o IML
(Instituto Médico Legal), mas o cenário, a cara da burocracia, de FERNANDA
TEIXEIRA, é o mesmo, pois ambos guardam relações de semelhança. São dois “espaços
burocráticos” (ou “burrocráticos”), com mesa, cadeiras (para
os requerentes), arquivos, muitos papéis e carimbos... Simples, porém perfeitamente
adaptado à proposta do espetáculo.
Os
figurinos, de MARIANA BARRETO ORCIOLLO, esposa de EMILIO,
discretos e de acordo com os personagens, não apresentam nada de especial
a ser comentado, a não ser o fato de o do funcionário burocrata, seja no DETRAN,
seja no IML, permanecer o mesmo, o que eu entendi como sendo uma espécie
de “característica desse tipo de gente”. Será que “viajei
na maionese”? Os figurinos do personagem de LEONARDO
sofrem pequenas modificações.
Nada
de especial a comentar sobre a iluminação, assinada por LUCIANO
XAVIER, a não ser que ela é correta e bem aplicada a cada cena. Uma análise
muito superficial, não é mesmo? Concordo! Talvez porque eu tenha me ligado tanto aos outros
elementos (Falha minha!), que deixei de prestar a devida atenção a este importante elemento,
numa montagem teatral, pelo que me penitencio.
FICHA TÉCNICA:
Texto: Herton Gustavo Gratto
Idealização: João Campany
Direção: Emilio Orciollo Netto
Elenco: Leonardo Paes Leme e Gustavo Novaes
Cenografia: Fernanda Teixeira
Figurino: Mariana Barretto Orciollo
Iluminação: Luciano Xavier
Direção de Movimento: Úrsula Mandina
Trilha Sonora: Plínio Profeta
Fotos: Cristina Granato e Guilherme Maia
Produção: Leonardo Paes Leme
Direção de Produção: Maria Alice Silvério
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação – João Pontes
e Stella Stephany
SERVIÇO:
Local: Teatro PetraGold (Sala Marília Pêra)
Endereço: Rua Conde de Bernadotte, 26 – Leblon – Rio de
Janeiro - RJ
Telefone: (21) 2529-7700
Dias e Horários: Todas as 6ªs feiras de outubro e
novembro, às 20h
Valor do ingresso: R$60,00 (inteira) e R$30,00 (meia
entrada)
Vendas pelo SYMPLA ou na bilheteria do Teatro (até
uma hora de antecedência do dia da sessão)
Capacidade Presencial: 117 espectadores (em
obediência ao distanciamento social)
Indicação Etária: Livre
Duração: 50 minutos
Gênero: Comédia Dramática
Não
tenho a menor vergonha, o menor pudor, em dizer que fui ao Teatro PetraGold
com uma expectativa “x”, não muito alta, com não muita empolgação, e saí
de lá com a certeza de que aquele “x” se multiplicou a uma elevada potência,
em função de tudo o que já disse sobre esta montagem, o que me faz
recomendá-la, na certeza de que aqueles que aceitarem a minha recomendação
não terão motivos para arrependimento. Muito pelo contrário, apesar de eu já
estar avisando que esqueçam um pouco a comédia e se preparem para
violentos golpes na boca do estômago, dos quais, muitas vezes, carecemos, a fim
de que acordemos para a realidade e nos organizemos, para lutar contra e destruir
esse maldito “sistema”.
(Foto: Gilberto Bartholo)
(Foto: Gilberto Bartholo)
(Os atores e o diretor.)
FOTOS: CRISTINA GRANATO
e
GUILHERME MAIA.
E VAMOS AO TEATRO,
COM TODOS OS
CUIDADOS!!!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS
DE ESPETÁCULO
DO BRASIL,
COM TODOS OS
CUIDADOS!!!
A ARTE EDUCA E
CONSTRÓI, SEMPRE!!!
RESISTAMOS, SEMPRE
MAIS!!!
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TEXTO,
PARA QUE, JUNTOS,
POSSAMOS DIVULGAR
O QUE HÁ DE MELHOR NO
TEATRO BRASILEIRO!!!
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Parabéns pelo texto Gilberto. Sinto morar longe nessas horas, gostaria de assistir o espetáculo. 😊
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