HERÓI PRETO”
ou
(A FORÇA E O PODER
DE UM “IDAN”.)
Acredito que o TEATRO
INFANTOJUVENIL tenha, mais do que levar entretenimento às crianças e
pré-adolescentes, outras funções muito mais importantes. Se o espetáculo
apresentar uma boa qualidade, em todos os sentidos, o pequeno espectador de
hoje ficará interessado em assistir a outros e poderá vir a se tornar um
potencial e fiel adulto que vai ao Teatro, porque gosta, porque acha
aquilo interessante e importante, na sua vida. Infelizmente, sou forçado a
bater sempre na mesma tecla e dizer que a maioria das peças destinadas a
essa faixa etária são de “qualidade duvidosa”, fazendo uso de um
eufemismo, para não ser ofensivo ou grosseiro - em que pese a boa intenção de
alguns -, feitas de qualquer maneira, como se o público-alvo não merecesse a
devida atenção e respeito. Raras são as produções que eu indicaria às
famílias, como algo que poderia complementar e ajudar na educação de uma cidadania
em construção.
Ligando com o parágrafo que abre
esta crítica, acho que um espetáculo infantojuvenil que se
preocupa em levar a seu público lições de valores morais e éticos já ganha, de
saída, a minha admiração e o meu maior apoio, razão pela qual resolvi escrever,
com muito entusiasmo, sobre um “experimento virtual cênico” a que
assisti, pelo computador, há algum tempo, e que me deixou encantado, extasiado,
a ponto de me provocar o desejo de ver aquilo num palco, ao vivo e em cores (E
que cores!), o que, agora, já é possível, pois a peça está em cartaz no
palco do Teatro 1, do SESC Tijuca. Assisti a ele e aquilo de que
eu já gostara muito se tornou, para mim, um dos melhores espetáculos
infantojuvenis a que já assisti até hoje.
Refiro-me a “O PEQUENO HERÓI
PRETO”, uma idealização e obra original de JUNIOR DANTAS,
com texto (dramaturgia) do próprio JUNIOR e de CRISTINA MOURA, interpretado por ele mesmo, sob a direção
de CRISTINA e LUIZA LOROZA.
Confesso, correndo
o risco de ser apedrejado, virtualmente, que já estou um pouco saturado de peças
que abordam a questão dos negros, quando se colocam, apenas, como vítimas (E,
de fato, foram, e ainda o são.), porém de uma forma que só ficam restritos
ao campo das denúncias e da exigência - muito justa, por sinal - do que
lhes é de direito, ou seja, respeito e dignidade, e que
não lhes caia sobre as costas nenhum tipo de preconceito, nem em forma de
racismo estrutural. Racismo, como outras práticas, é uma excrescência. “Black
Is Beautiful”, já dizia, no título e na letra de sua canção, Paulo
Sérgio Valle, escrita há 51 anos, em 1970. Nela, o poeta
exalta a beleza física do negro, enquanto eu, aqui, expando o significado desse
“beautiful” para o interior do ser humano da raça negra, por
dentro, como cidadão.
E o que faz, para
mim, a diferença, nesta peça? Além de tantos outros quesitos, é o fato
de o texto valorizar aspectos da cultura negra e os heróis da
vida real, os “verdadeiros super-heróis”, e levar, a todas as
crianças, principalmente às negras e que sobrevivem, em precárias condições de
vida, a certeza de que “querer é poder” e que vale a pena ser
honesto e lutador, brigar por seu espaço de fala, ser uma voz respeitada, numa
sociedade que foi forjada, por seus antepassados, a desvalorizar o “preto”
(Adoro, quando ouço um negro utilizar esse substantivo. Soa, para mim, mais
forte, mais representativo.).
Diz o “release”
da peça, chegado às minhas mãos via BRUNO MORAIS (Marrom Glacê
Assessoria), que “Representatividade importa”. E como!!!
No palco,
assistimos a uma narrativa que conta “a aventura de SUPER NAGÔ,
um ‘youtuber’, de 10 anos, que descobre seus poderes, através de sua
família” (extraído do “release”) e, por isso mesmo, ele
agradece à sua ancestralidade, por lhe ter feito chegar à consciência de sua
cidadania. “...SUPER NAGÔ usa os conhecimentos de seus antepassados e da
natureza, para transformar, positivamente, a vida das pessoas ao seu redor,
apresentando sua história, cultura e ancestralidade, dentro de um estilo de
autoficção. A peça reforça a ideia de que todos temos poderes, apresentando
heróis e heroínas reais, que, com gestos simples, alteram, para melhor, o seu
entorno, além de muitas referências do conceito e do olhar afrofuturista”,
que interliga a cultura africana à ficção científica.
Poderão muitos
estar perguntando como essa linda mensagem poderá chegar às crianças da
periferia, as quais não têm condições de acesso a um Teatro. A peça
recebe crianças de escolas públicas, as quais, embora em pequena quantidade,
ainda mais se considerarmos que a pandemia de COVID obriga os Teatros
a limitar a sua capacidade de público a 30%, 40% ou, no máximo, 50%,
dependendo do tamanho das salas, poderão ser agentes multiplicadores das
mensagens que a peça passa para elas. Mas, também, essas mensagens têm
muita importância, agindo como um “vetor educativo”, para as
crianças da classe média, que são levadas por seus pais ao Teatro. E por
que não dizer que os próprios adultos podem ser tocados, pelo que veem e ouvem,
e reformulem seus pensamentos, reforcem, em suas crianças, todos os
ensinamentos e informações, de uma riqueza incalculável, que o texto lhes
transmite?
Vale a pena
transcrever uma declaração de JUNIOR DANTAS, presente no corpo do já
referido “release”: “Nos meus projetos, sinto vontade de
falar de coisas que vivi e, com o tempo, comecei a perceber que sou de uma
família de super-heróis e heroínas, cada um com seu jeito e seus poderes. Minha
avó fazia comidas maravilhosas e, a ela, associo o poder do fogo; minha mãe
estava sempre limpando, lavando e trabalhando, para criar os três filhos; então,
a ela, associo o poder da água; ao meu avô, a terra; e ao meu pai, o ar. É uma
forma de sempre levar comigo a energia da minha cidade, família e amigos, tudo
misturado a uma boa dose de ficção”.
Antes de passar a
analisar cada peça dessa engrenagem, chamada de “montagem teatral”,
faço questão de transcrever alguns trechos da dramaturgia, o que,
certamente, falarão mais alto que o meu entusiasmo e poderão (Quem sabe?!)
servir de estímulo, aos que me leem, para dar um pulinho ao simpático e
agradável espaço do SESC Tijuca.
“Eu nasci
numa cidade muito pequena, tão pequena, que cabe numa fotografia 3X4. Lá, as
casas são todas organizadas e coloridas.”. (Comentário meu: Para
ser um super-herói real, pouco importa a sua origem.) E prossegue, na descrição
de seu “mundinho”.
“As pessoas
ficam na calçada, conversando, numa cadeira de balanço, esperando o tempo
passar e todo mundo se conhece.” (Tom bucólico, o mesmo encontrado na letra
da canção “Gente Humilde”, de Garoto (como era conhecido Aníbal
Augusto Sardinha) e Vinicius de Moraes, musicada por Chico
Buarque de Hollanda.). E a gente imaginando a cena...
Acho lindo o
momento em que o personagem fala das diversidades, abrangendo
vários aspectos e, no fundo, dizendo, nas entrelinhas, que é preciso aceitar e
respeitar todas as pessoas, porque todos somos, meio paradoxalmente,
“iguais e diferentes”: “Lá, eu tenho muitos
amigos. Amigos parecidos comigo, amigos diferentes de mim. Amigo
com óculos, sem óculos, com cabelo para cima, com cabelo para baixo, com a pele
clara, com a pele escura, com a pele nem clara nem escura, que gosta de tomar banho,
outro que só lava os pés e vai dormir. Tem um que tem o olho azul, outro tem o olho marrom. Tem,
até, um com um olho de cada cor. Tenho amigo adotado, com duas mães, com dois
pais, com um pai e uma mãe e outro que é criado apenas pela mãe.”.
E como é lindo, quando,
indiretamente, o personagem toca no assunto “bullying”? “Você
tem algum amigo que implica ou você é o implicante? Você já parou pra pensar
que todo mundo é diferente? Todo mundo é diferente, mas, também, é igual? Mas,
também, é diferente. Quando eu olho pra minhas mãos, eu acho que elas são
iguais, mas, se eu olhar bem, eu vejo que são diferentes. Olhe para suas mãos!
Agora, olhe para as mãos da pessoa que está do seu lado! Igual e diferente. E,
às vezes, ser diferente pode ser um super poder.”.
Também me encanta, quando NAGÔ
fala que sua família é formada por heróis e heroínas, do dia a dia. Sobre a
avó, diz que ela usa “óculos de grau, com uma lente tão forte, que você
acha que ela consegue ver através das paredes, mas, na verdade, ela tem uma
visão além do alcance, vê através das pessoas. Ela vê o que você está sentindo,
o que você está precisando, o que você está pensando.” Não se refere a
enxergar o que é físico, concreto, mas a penetrar na alma humana alheia, com o
objetivo de ajudar os semelhantes. E ilustra isso com dois exemplos lindos,
após o que arremata com “Essas ações, que parecem simples, são cheias de
poder.”.
Nosso protagonista marca o
momento em que percebeu que poderia se tornar um super-herói. Foi quando ele
viu, e ouviu, sua mãe sendo maltratada por um comerciante, no mercado, e, no
desejo de fazer justiça, pensou em se vingar, contra o ofensor, no que foi
dissuadido, pela sabedoria de sua avó, a não pagar com a mesma moeda,
mostrando-lhe, ela, que aquele sentimento se chamava “raiva” e que
não era bom, positivo. “Ela me deu o seu turbante e disse que era pra eu
usar, quando precisasse e que eu nasci com uma estrela. Uma luz que brilha mais
forte que o sol e mais quente que o fogo. Eu vou usar o poder do fogo.”.
Também é linda a lição que o avô
de NAGÔ passa a seu neto, o qual chorava muito, por ter que conter a
raiva e não dar o troco a quem ofendera sua mãe. O menino mostra a importância
da leitura e da necessidade de se ter um embasamento cultural, o
mais diversificado possível: “Quando eu olhei para o lado, o meu avô
estava me observando. Aí, eu segurei o choro. Eu pensei que ele ia falar que
homem não chora, mas ele é muito sabido. Meu avô falou que tudo bem chorar. Que
chorar é um sentimento e que lava a alma. (...) Meu avô é um sábio, ele lê
muito. Eu perguntei como ele sabia de tudo aquilo. Ele me explicou que o pai
dele lia para ele, que o avô dele lia para o pai dele, que o bisavô dele lia
para o avô dele e que o tataravô, mesmo sem saber ler, contava coisas para o
bisavô dele e que o tatataravô dele, também, mesmo sem saber ler, contava coisas
para o tataravô dele. Quanta sabedoria! Meu avô falou que a gente tem que saber
do passado, para caminhar para frente. Para mim, o meu avô é a terra, a base, a
raiz, o conhecimento, a sabedoria. Meu avô tem referências. Ele me deu vários
livros. Aliás, ele me deu o mundo, me deu o poder da terra. Eu vou usar esse
poder!”. Alguém teria coragem de discordar quanto à beleza e veracidade
contidas nessas palavras?
Com muito orgulho, o menino fala
da mãe, uma auxiliar de serviços gerais (ASG), valorizando-a bastante e
a seu trabalho. Diz que ela é “super, hiper, mega, ultra, incrível
heroína”. Vejo, em toda essa reverência, uma bela homenagem às
mulheres, de uma forma geral, e, em especial, àquelas que assumem dupla jornada
de trabalho, fora e dentro de casa. “Ela varre, passa, faz comida, serve
a comida, lava a louça, separa o lixo, limpa o vidro, trabalha das 6 horas da
manhã até às 5 horas da tarde, apaga a luz e tem um dia de folga. Depois, vai
pra casa, varre, passa, faz comida, serve a comida, lava a louça, separa o
lixo, limpa o vidro, brinca com a gente, cuida da gente, coloca pra dormir,
apaga a luz e não tem folga. (...) Ela é ou não é uma heroína?” O
serviço externo é numa escola. E NAGÔ diz que, às vezes, esse tipo de
trabalhador passa como invisível, mas não perde a oportunidade para ensinar, abrir os olhos dos insensíveis: “Você já parou pra pensar que, quando sai
da escola, tem um monte de papel jogado no chão e, no outro dia, está tudo
limpo? Que os livros da biblioteca ficam bagunçados e, no outro dia, quando
você chega, estão todos organizados? Ela é muito importante. Quando ela entra
em ação, fica tudo perfeito. Eu fico imaginando a minha mãe com uma bota até o
joelho, uma luva até o cotovelo, uma coroa na cabeça, uma roupa com detalhes
dourados, com as letras ASG piscante, voando num cavalo colorido. De casa para a
escola, da escola para casa. (...) Ela me deu o espelho e disse que é pra me
olhar todos os dias, me reconhecer e saber que eu posso ser o que quiser. Eu me
olho no espelho e penso: EU SOU LINDO! Vou usar o poder dessa água.” “Bem,
eu já tenho os meus poderes. A minha avó me ensinou o poder do fogo, o meu avô,
da terra e minha mãe da água, o ar...”.
Como “youtuber”,
são interessantes as cenas em que o menino aparece com a cabeça dentro de uma
moldura, que faz as vezes de uma tela de computador, celular ou outra coisa do
gênero, apresentando alguns “tutoriais”. No primeiro, ele ensina,
a seus seguidores, como escolher o nome de um super-herói, ou heroína, e como
deve se dar tal transformação, sugerindo que cada um utilize o próprio nome e aja
de forma bem lúdica, utilizando todo e qualquer material à mão, e bugigangas,
para compor a roupa de seu herói.
Voltando ao episódio do mercado,
ele esclarece que a mãe não fora lá, com ele, para fazer compras, e sim, para
pleitear um emprego, tendo sofrido um nada disfarçado ato de rejeição, de puro preconceito, racismo, por conta do branco, proprietário do estabelecimento comercial: “Sabe
o que o dono do mercado disse? Que a aparência dela, o cabelo, a cor, o nariz,
a boca grande, o jeito, não serviam para atender os clientes. Que ela não tinha
capacidade.” Sua mãe fora, indevidamente, julgada por sua aparência
física, e não por sua personalidade, probidade, capacidade de trabalho e outros
requisitos. E aí, tomando, como exemplo, o personagem racista, ele ensina o que
é ser um “vilão”. “Achei o dono do mercado malvado,
malcriado e sem-noção. Um vilão. Ele falava alto, era arrogante... (...) Você
sabe o que é vilão? (...) Vilão é uma pessoa que faz o mal. E tem vilão de
vários tipos. Tem vilão chato, tem vilão que não dá ‘bom dia’, que não abre a
porta para outra pessoa, que suga a energia da gente, que estaciona na vaga para
pessoas com deficiência física, que espalha “fake news” (Identificaram
algum?), que não se preocupa com o meio ambiente, que desmata as
florestas, que joga óleo nas águas, que tira os direitos dos trabalhadores, que
joga lixo na sua calçada, que não se coloca no lugar do outro, que põe apelido,
que zomba do jeito das pessoas... Você conhece alguém assim? Eu conheço”.
(Todos nós conhecemos, infelizmente. É claro que sim!)
Num determinado momento da peça,
o menino se lembra de que todo super-herói tem uma espécie de bordão ou grito
de guerra, quando vai entrar em ação. E ele achou o seu: “IDAN!”,
que, na língua Iorubá, significa “mágica”. “Toda vez que eu
falar ‘IDAN!’, vai acontecer alguma coisa.”.
“Meu avô falou: “Gentileza
gera gentileza”. E é nesse momento que ele cita nomes de
super-heróis e ilustres pessoas, todos negros, que lhe serviram e servirão de
exemplo, nos seus atos de heroísmo, cena esta, ao final da qual, eu, tomado de
forte emoção, me levantei e aplaudi JUNIOR DANTAS, de pé, em cena
aberta. Chico da Matilde, o Dragão do Mar, preto e nordestino
(cearense), que trabalhava no Porto de Fortaleza e era líder jangadeiro. CHICO
e seus companheiros se recusaram a embarcar pessoas escravizadas. Hilária
Batista de Almeida, a Tia Ciata, baiana de nascimento, mas que veio
morar no Rio de Janeiro, na Praça Onze, onde recebia os amigos sambistas em sua
casa, quando o samba ainda era proibido de ser tocado. Tereza de Benguela,
uma africana, que foi trazida para o Brasil, liderando um quilombo, tornando-se
uma super Rainha. Benjamin de Oliveira, nascido em Minas Gerais, ficou
conhecido como o primeiro palhaço negro do Brasil. Quando era criança, fugiu,
num circo que passou pela sua cidade. Seu poder era fazer as pessoas sorrirem.
As pessoas não sabem avaliar quanto poder está contido num sorriso, faço questão de realçar. Dandara
e Zumbi dos Palmares, que eram companheiros e lutavam pela liberdade do
seu povo. Nelson Mandela, que adorava ler, virou um super líder, ganhou
o Prêmio Nobel da Paz e foi o primeiro presidente negro da África do
Sul. E ainda sobrou espaços para o Pantera Negra; Diana, do Caverna
do Dragão; Raio Negro; Elza Soares, Gilberto Gil,
Conceição Evaristo, Abdias do Nascimento... “Me sinto mais
preparado. Aprendi, com eles, sobre amor, afeto e luta.”.
Num
outro “tutorial”, o menino ensina “um segredo de família, uma
poção super mágica, enérgetica, e cheia de poderes fantásticos de outro mundo”,
lição que aprendera com a avó. Reparem que a receita, cujo início omito, não tem nada de estranho,
até a chegada do como preparar a “cobertura”, ou seja, aquilo que
deverá estar acima de tudo. “Quando a poção esfriar, você já pode tocar
nela e fazer a cobertura: 2 kg de Justiça, 1 kg de Equidade, 500 gramas de
liberdade, 1 pitada de leitura de autoras negras, que também é bom. (...) Essa
é a poção da Gentileza. Chama seus amigos, sua família, quem você conhece, quem
você não conhece, quem parece com você, quem não parece com você e compartilhe.”.
Repararam
que, curiosamente, NAGÔ não havia, ainda, feito referência ao que havia
herdado do pai? “Eu já falei da minha avó, do meu avô e da minha
mãe. Chegou a hora de falar dele. É, eu descobri que ele existe! Às vezes,
sinto sua presença; às vezes, sinto falta; às vezes, sinto saudade e, às vezes,
não sinto nada. Ele é livre, leve e vivo, mas também pode ser forte e destruir
muitas coisas. Como eu sei, se não o vejo? Eu sinto, procuro, pergunto,
respiro. Ele tá no ar, está dentro de mim, fora de mim, no meu nariz, na minha
boca, no meu pulmão, nas minhas costelas, na minha barriga, no meu arroto, no meu
pum. (...) Ei, você viu meu pai... meu ar por aí? Eu queria saber notícias
dele, ouvir a voz, ver uma foto, dar um abraço. Meu ar saiu para trabalhar e
nunca mais voltou. Mesmo com a ausência dele, eu sinto a presença.”. Tais referências, esses indícios, nos levam a pensar que o pai possa ter morrido ou que os pais do
menino se separam... A conclusão fica por conta de cada um.
E
o menino partiu para o mercado, levando a poção da Gentileza,
distribuindo-a a todos os que encontrava pela frente, até chegar ao homem que
ofendera sua mãe. E, lá, ele disse que “as nossas cores são diversas, mas os
nossos sonhos são os mesmos”, que “o mundo é grande demais, para não
sermos quem a gente é”. E também disse que nós “temos um sonho de
que as crianças vão, um dia, viver em uma nação onde elas não serão julgadas
pela cor da pele, mas pelo conteúdo do seu caráter”. “Porque não
dá para falar em consciência humana, enquanto pessoas negras não tiverem
direitos iguais e sequer forem tratadas como humanas.”. Depois, quando
deixava o mercado, o homem o chamou e disse: “Mande sua mãe voltar aqui.
Eu preciso falar com ela.”. Parece que a lição foi bem assimilada, nãoacham?
E não poderia haver melhor final
para a peça, uma lição de esperança, por um mundo melhor, para as
futuras gerações: “A partir daquele dia, com roupa ou sem roupa de super-herói,
eu sempre me transformo no SUPER NAGÔ, quando vejo alguma situação de injustiça;
quando meu irmão é acusado, por conta da cor da pele; quando ficam rindo do
cabelo crespo da minha amiga; quando perguntam se minha professora passa barro
no rosto, quando vai se maquiar; quando dizem que uma criança negra não pode
fazer o papel de príncipe e princesa na peça da escola... Também me transformo
em SUPER NAGÔ, quando ajudo gente com dificuldade de atravessar a rua, ajudo a
minha mãe a limpar a casa, coloco a escada pro ASG trocar a lâmpada da escola,
estudo todos os dias, não fico zombando das pessoas, cuido de animais
abandonados, dou um abraço apertado em quem precisa e divido o que tenho. Você
já parou para pensar que os heróis e heroínas estão do nosso lado? Você já
olhou para a sua mãe? Para o seu pai? Para a sua avó? Para o seu avô? Sua
Professora? Seu Professor? Às vezes, eles são heróis e heroínas, e você nem
sabe. Nós temos muita força. Muita gente vai mandar você parar, vai mandar você
desistir do seu sonho, mas o herói gosta de ir contra a maré. Ele acredita e
insiste. A gente não tem que mudar para agradar a ninguém. São as atitudes que
fazem de você um herói. Nelson Mandela, aquele moço que meu avô me apresentou,
no livro, disse ‘O homem corajoso não é aquele que não sente medo, mas o que
conquista esse medo’. Então, seja o herói e heroína da sua vida e repita, todos
os dias: EU SOU LINDO! EU SOU LINDA! E, assim, eu continuo mudando,
transformando pessoas, coisas e lugares por aí. Eu sou um herói, eu sou um
super-herói. Eu sou o SUPER NAGÔ.
É muito raro, raríssimo mesmo, encontrar um texto para o público infantojuvenil, com uma proposta educativa, didática, que não seja enfadonha ou igual a tantas anteriores. Esta peça dura, apenas, 45 minutos, tempo mais que sufiuciente, para que tudo o que tinha de ser dito o seja, contudo, nesse ritmo, desse jeito, creio que, se mais tempo durasse, ninguém iria reclamar, pois saímos do Teatro com aquele sentimento de "quero mais". "Que pena que acabou!" Não é à toa que muitas pessoas assistiram a ela mais de uma vez, na versão "on-line", como eu, o que, certamente vai acontecer, durante esta temporada, que deverá ser a primeira de outras.
Depois de todas essas
informações sobre o excelente texto da peça, duvido de que alguém que
esteja lendo esta modesta crítica não se sinta impelido a ir, o mais rápido
possível, conferir tudo isso no Teatro 1, do SESC Tijuca!
E ainda não falei dos outros
elementos da montagem, que são, igualmente, encantadores e sobre os
quais direi algumas poucas coisas, por já ter me estendido demais.
Acho que não falei, ainda, que
se trata de um musical, ou quase isso, com canções originais, compostas por MUATO, responsável,
também, pela direção e produção musical. São canções alegres e fáceis de
serem acompanhadas pelo público. Ajudam bastante na interação palco / plateia.
O cenário da
peça prende a atenção de qualquer espectador, crianças ou adultos, pelos detalhes de cores,
formas e objetos de cena, pendurados em armações móveis, quatro, como balizas
de um campo de futebol. Trata-se de uma bela obra cenográfica, criada
pelo cenógrafo CACHALOTE MATTOS.
Outra grande
atração plástica, na montagem, é a iluminação, a cargo de ANA
LUZIA MOLINARI DE SIMONI e JOÃO GIOIA, um “show”
de luzes, que se que alternam frequentemente, com um “abuso”, no
melhor sentido da palavra, dos LEDs. Ambos, cenografia e iluminação,
dialogam, de forma a nos encantar sobremaneira.
Também, no campo do
visual, sobra espaço para um destaque destinado ao figurino, criado por TEREZA
NABUCO, criativo e alegre, formado por peças do dia a dia, fugindo,
completamente, aos padrões dos figurinos dos super-heróis conhecidos. É
tudo muito interessante.
Um detalhe que não pode passar em branco é o fato de peças do cenário e do figurino serem confeccionadas com materiais que sobressaem, sempre – e são muitas vezes – que é utilizada a luz negra. Formam efeitos lindos e alegres, que ficam na nossa retina.
Só agora foi que me dei conta de que não havia falado, ainda, de JUNIOR DANTAS como ator, porém tenho certeza de que o que parecia ter sido um esquecimento, na verdade, se deu por conta de, inconscientemente, eu achar que nada precisa ser dito acerca de sua atuação. JUNIOR brilha no papel, por ser um ótimo ator, o que já provou tantas vezes, e por ser dono de um carisma incomensurável e uma capacidade de comunicação idem, o que é muito necessário para fazer o tipo de trabalho como "O PEQUENO HERÓI PRETO, conseguindo total interação com o público e domínio do palco.
FICHA TÉCNICA:
Idealização e Obra Original: Junior Dantas
Texto: Cristina Moura e Junior Dantas
Atuação: Junior Dantas
Direção: Cristina Moura e Luiza Loroza
Consultoria de Texto: Kiusam de Oliveira
Direção Musical, Composição, Produção Musical,
Percussão Corporal: Muato
Iluminação: Ana Luzia Molinari de Simoni e
João Gioia
Cenografia: Cachalote Mattos
Figurino: Tereza Nabuco
Assistente de Direção e Produção: Joa Assumpção
Mixagem e Masterização: Rodrigo Gavião
Costureiras: Sônia Maria da Silva Andrade e Adélia Andrade
Cenotécnico: Moisés Cupertino
Assistente de Cenografia e Produção: Matheus Ribeiro
Técnico / Operador de Som: Bob Reis
Técnico de Montagem e Desmontagem de Luz: Juca Baracho e Guiga Ensa
Técnico / Operador de luz: Domingos
Eletricista: Leandro César Mattos Dias
Programação Visual, Fotografia, Direção de Vídeo e Edição:
Rodrigo Menezes
Mídias Sociais: Junior Dantas e Rodrigo Menezes
Assessoria de Imprensa: Marrom Glacê Assessoria - Gisele Machado e Bruno Morais
Direção de Produção: Damiana Inês
Produção: Bloco Pi Produções
SERVIÇO:
Temporada: De 02 a 24 de outubro /
2021.
Local: SESC Tijuca – Teatro 1
Endereço: Rua Barão de Mesquita, 539
– Andaraí – Rio de Janeiro
Tel.: (21) 4020-2101
Dias e Horários: Sábados e Domingos –
11h e 16h
Valor dos Ingressos: PCD – Grátis; R$
2,00 (Habilitados SESC); R$ 5,00 (Meia entrada); R$ 10,00 (inteira)
A bilheteria do Teatro funciona de 3ª
a domingo, das 9h às 17h
Duração: 45 minutos
Classificação: Livre
“O PEQUENO
HERÓI PRETO” é um espetáculo para crianças e adultos, para
pretos, brancos, amarelos, indígenas, pobres e ricos, altos e baixos, magros e
gordos... É um espetáculo para PESSOAS, para GENTE.
Não
deixem de assistir a ele!
Parte da equyipe envolvida no projeto.
(FOTOS: RODRIGOMENEZES,
DAMIANA INÊS
e
GILBERTO BARTHOLO.)
GALERIA PARTICULAR:
E VAMOS AO TEATRO,
COM TODOS OS CUIDADOS!!!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO
DO BRASIL,
COM TODOS OS CUIDADOS!!!
A ARTE EDUCA E CONSTRÓI, SEMPRE!!!
RESISTAMOS, SEMPRE MAIS!!!
COMPARTILHEM ESTE TEXTO,
PARA QUE, JUNTOS,
POSSAMOS DIVULGAR
O QUE HÁ DE MELHOR NO
TEATRO BRASILEIRO!!!
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