“A MÉDICA”
ou
(PRECONCEITO E
INTOLERÂNCIA
A ENÉSIMA
POTÊNCIA)
ou
(A FORÇA E O
PODER
DAS “FAKE NEWS”.)
ou
(ÉTICA ACIMA DE
TUDO.
Mais uma vez fui ao auditório
do Museu
de Arte de São Paulo (MASP), para assistir à encenação de um espetáculo
do “Círculo
de Atores”, uma companhia que se esmera por fazer o melhor, e deixei o
teatro deslumbrado e muito agradecido pelo que me foi permitido ver. Em mais de
uma vez, vivenciei aquela sensação, em produções anteriores do grupo, mas,
agora, tenho a impressão de que o prazer foi maior, diante do que considero um
dos melhores espetáculos teatrais a que assisti nos últimos tempos. Um “teatrão”
feito por quem esbanja competência para fazê-lo e que, infelizmente, hoje em dia,
se tornou uma raridade.
SINOPSE:
Na trama, a Dra. Ruth Wolff (CLARA CARVALHO) é uma médica judia,
reconhecida, que dirige um instituto especializado em pesquisas sobre o Alzheimer.
Ela acaba se envolvendo em uma questão
delicada, ao impedir a entrada de um padre católico n UTI, para ver uma
adolescente, que fora internada, devido a um aborto mal realizado e que está
prestes a morrer.
A intenção do padre é aplicar a
extrema-unção, mas a médica alega que a presença dele provocará tensão e
ansiedade nos momentos finais da vida da jovem.
O incidente toma grandes proporções e
repercute amplamente.
É impossível, para um
espectador que sabe se comportar numa plateia de TEATRO, assistir a esta peça sem se deixar envolver muito, emocionalmente,
com os desdobramentos advindos de uma atitude tão racional aos olhos de
qualquer um que não usasse a religião como justificativa para um ato não
recomendado, do ponto de vista da Ciência. Mais uma vez a eterna dicotomia:
Ciência
X Fé.
“A MÉDICA”, peça
escrita por ROBERT ICKE, um jovem
dramaturgo e diretor de TEATRO inglês, de 38 anos,
é uma adaptação contemporânea da obra “Professor Bernhardi” (1912),
de Arthur
Schnitzler. Há uma trama central, que gira em torno de um
incidente, envolvendo uma médica, diretora de um instituto de pesquisa sobre Alzheimer,
que impede a entrada de um padre católico no quarto de uma adolescente à beira
da morte, devido a um erro, por conta de um aborto mal sucedido. Esse ato
desencadeia uma série de reações, incluindo um debate público acalorado, com
discussões sobre ética, religião, ciência, identidade,
sociedade,
etnia,
antissemitismo e gênero, que se espalha, rapidamente,
pelas redes sociais e pela mídia. E pensar que tudo se deu por causa de algo
que sobrava, na Dra. Ruth, e faltava aos que a cercam na peça: empatia.
O local não era apropriado para receber aquele tipo de paciente, mas a médica
assumiu acolher a mocinha, por falta de leitos nos hospitais locais.
O autor se vale de um
fato, que não deveria atingir as raias de um mal-entendido tão grande, para
explorar subtemas, como as complexidades morais, éticas e religiosas,
que surgem quando um conflito entre medicina e religião se torna público. O que
não deveria sair de dentro de um instituto de estudos e pesquisas científicas causou
um desarranjo total numa ordem social até então estabelecida.
A reputação de uma médica, antes
respeitada, é questionada e atirada à lama, e a opinião pública se divide,
levando a uma espécie de julgamento televisionado. O que poderia ser apenas um
problema pontual se transformou em algo “espetacularizado”, dominando a
mídia e a opinião pública.
A peça é atemporal e universal e,
muito parecido com o que ocorre hoje, no Brasil, em termos de política, aborda
a polarização
da sociedade, a fragilidade da reputação na era digital e a dificuldade
de compreensão mútua, em um mundo cada vez mais fragmentado, dividido e centrado
em muitas “verdades”.
A
adaptação de ICKE, esplendidamente
realizada, “mantém a essência da obra original de Schnitzler, mas adiciona
elementos contemporâneos, que a tornam relevante para o público atual,
explorando temas como o cancelamento, o ódio ‘on-line’ e a influência das redes
sociais na vida das pessoas. A peça também levanta questões sobre a
natureza da identidade, a relação entre ciência e fé, e a busca por redenção no
indivíduo contemporâneo”. (Extraído do “release” da peça, a mim
enviado pela produção.) “A
MÉDICA”, “The Doctor”, no original, é considerada a obra máxima do dramaturgo.
Não deixa
de ser a peça um alerta para o poder e a força da redes sociais, o peso das “fake
news” e o perigo que todos corremos, de vermos uma vida construída à
força de trabalho, ética e empatia ser atirada aos porcos, por causa de convicções
totalmente discutíveis, como a fé religiosa.
Esta é a quarta parceria entre a pesquisadora ROSALIE HADDAD e a “Cia. Círculo de Atores”, que vem a público com uma brilhante e criativa direção de NELSON BASKERVILLE, que comanda um formidável elenco, capitaneado por CLARA CARVALHO, no papel da protagonista, cercada de nomes de primeira linha do TEATRO Brasileiro paulista, como ADRIANA LESSA, ANDERSON MÜLLER, CELLA AZEVEDO, CÉSAR MELLO, CHRIS COUTO, ISABELA LEMOS, KIKO MARQUES, LUISA SILVA, SERGIO MASTROPASQUA e THALLES CABRAL, todos em fabulosas interpreetações. As três produções anteriores, daquela parceria, são: “A Profissão da Sra. Warren” (2018), “O Dilema do Médico” (2023) — ambas de Bernard Shaw — e “Hedda Gabler”, do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen. Assisti a todas e as aplaudi com veemência, com fiz desta vez.
No
trabalho de direção, de NELSON
BASKERVILLE, ressalto a precisão cirúrgica do deslocamento dos atores no
palco e a ideia de utilizar atores brancos se dizendo negros, em cena, bem como
uma atriz (ADRIANA LESSA) que
interpreta um médico. Essa ruptura de padrões é assaz interessante e funciona
muito bem, ainda que, a princípio, possa provocar um certo estranhamento, o que
é muito bom. Também aprovo bastante a ideia de fazer com que a trilha sonora original, de GREGORY SLIVAR, seja
executada ao vivo. Um outro pertinente e valioso aspecto da notável direção é a inserção de algumas projeções, ao fundo do palco, que têm a ver com algumas cenas.
Sobre o texto,
embora em não conheça o original, reconheci nele o talento de DIEGO TEZA, na tradução, ele que tem
como “hobby”
garimpar textos ingleses e americanos, desconhecidos no Brasil, traduzi-los e
aguardar que algum produtor ou diretor o procure, à caça de novidades, como
esta.
Um texto
de peso, robusto, um diretor sensível, inteligente e criativo e um elenco invejável
se sentem mais confortáveis convivendo e dividindo o trabalho com experientes e
competentes artistas de criação, cada um juntando o seu tijolinho, para uma
construção sólida. É o caso de MARISA
BENTIVEGNA, que criou uma cenografia interessantíssima, cujo
carro-chefe são uma espécie de biombos transparentes, que funcionam como paredes
para os diversos ambientes da peça; MARICHILENE
ARTISEVSKIS, responsável por discretos e sóbrios figurinos; e WAGNER FREIRE, que assina a ótima iluminação
do espetáculo. Não há um senão nesta montagem.
O texto
é inédito no Brasil, mas a peça estreou, com grande sucesso – e nem poderia ser de outro
jeito - na Inglaterra e tem circulado pelo mundo, em diversas produções,
realizadas em países como Holanda, Alemanha, Índia,
Estados
Unidos, Grécia, China e Peru.
É impressionante ver o
que pode advir de uma potente discussão entre uma médica e um padre, quando o
entrevero vai parar na internet e ela começa a ser
alvo de fortes reações por parte dos colegas do hospital, de grupos nas redes
sociais e, por fim, seu caso chega à televisão. Havia mais um “agravante”:
determinados patrocinadores ameaçaram retirar o financiamento do instituto,
para a construção de uma nova sede, maior e mais bem aparelhada, diante de um
escândalo. Interesses pessoais foram colocados acima de um apoio a uma colega
que estava sendo injustiçada. A personagem se vê no centro de uma tempestade
midiática e é confrontada em suas convicções.
FICHA
TÉCNICA:
Idealização
e Produção Geral: Rosalie Rahal Haddad
Texto:
Robert Icke
Tradução:
Diego Teza
Direção:
Nelson Baskerville
Assistência
de Direção: Brunna Martins e Thiago Ledier
Elenco:
Clara Carvalho (Dra. Ruth), Adriana Lessa (Dr. Cristian), Anderson Müller (Dr.
Paulo), Cella Azevedo (Sami), César Mello (Dr. Levi), Chris Couto (Cacá),
Isabella Lemos (Kênia Andrade), Kiko Marques (Padre José e Pai), Luisa Silva
(Rebeca), Sergio Mastropasqua (Dr. Roger) e Thalles Cabral (Estagiário)
Cenografia:
Marisa Bentivegna
Figurino:
Marichilene Artisevskis
Iluminação:
Wagner Freire
Direção
de Imagem: André Grynwask e Pri Argoud (Um Cafofo)
Operação
de Som: Samuel Gambini e Valdilho Oliveira
Operação
de Luz: João Corbett
Direção
de Palco: André Di Peroli
Fotos:
Ronaldo Gutierrez
“Designer”
Gráfico: Rafael Oliveira
Gerenciamento
de Redes Sociais: Selene Marinho e Sergio Mastropasqua
Assessoria
de Imprensa: Adriana Balsanelli e Renato Fernandes
Produção:
SM Arte e Cultura
Direção
de Produção: Selene Marinho
Coordenação
de Produção: Sergio Mastropasqua
Administração:
Patrícia Pichamone
Produção
Executiva: André Roman (Teatro Jardim)
Realização:
Círculo de Atores
SERVIÇO:
Temporada: De 20 de
junho e 24 de agosto de 2025.
Local: Auditório do
MASP.
Endereço: Avenida
Paulista, 1578, Bela Vista – São Paulo.
Dias e Horários: 6ª feira e sábado, às 20h;
domingo, às 18h.
Valor dos Ingressos: 6ª feira = R$ 80 (inteira)
e R$ 40 (meia-entrada); sábado e domingo = R$ 100 (inteira) e R$ 50
(meia-entrada).
Classificação Etária: 14 anos.
Duração: 105 minutos.
Capacidade: 344 lugares.
Gênero: Drama.
Depois de tudo quanto escrevi sobre
esta peça, creio não haver a menor dúvida de que eu a
RECOMENDO com o máximo do meu empenho.
FOTOS: RONALDO GUTIERREZ
GALERIA PARTICULAR:
Com Adriana Lessa.
Com André Roman.
É preciso ir ao
TEATRO, ocupar todas as salas de espetáculo, visto que a arte educa e constrói,
sempre; e salva. Faz-se necessário resistir sempre mais. Compartilhem esta crítica, para que,
juntos, possamos divulgar o que há de melhor no TEATRO brasileiro!
Gilberto Bartholo, muito obrigado pelas palavras! ❤️
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