sexta-feira, 18 de julho de 2025

“A MÉDICA”

ou

(PRECONCEITO E INTOLERÂNCIA

A ENÉSIMA POTÊNCIA)

ou

(A FORÇA E O PODER

DAS “FAKE NEWS”.)

ou

(ÉTICA ACIMA DE TUDO. 



         Mais uma vez fui ao auditório do Museu de Arte de São Paulo (MASP), para assistir à encenação de um espetáculo do “Círculo de Atores”, uma companhia que se esmera por fazer o melhor, e deixei o teatro deslumbrado e muito agradecido pelo que me foi permitido ver. Em mais de uma vez, vivenciei aquela sensação, em produções anteriores do grupo, mas, agora, tenho a impressão de que o prazer foi maior, diante do que considero um dos melhores espetáculos teatrais a que assisti nos últimos tempos. Um “teatrão” feito por quem esbanja competência para fazê-lo e que, infelizmente, hoje em dia, se tornou uma raridade.




SINOPSE:

Na trama, a Dra. Ruth Wolff (CLARA CARVALHO) é uma médica judia, reconhecida, que dirige um instituto especializado em pesquisas sobre o Alzheimer.

Ela acaba se envolvendo em uma questão delicada, ao impedir a entrada de um padre católico n UTI, para ver uma adolescente, que fora internada, devido a um aborto mal realizado e que está prestes a morrer.

A intenção do padre é aplicar a extrema-unção, mas a médica alega que a presença dele provocará tensão e ansiedade nos momentos finais da vida da jovem.

O incidente toma grandes proporções e repercute amplamente.


 


 

         É impossível, para um espectador que sabe se comportar numa plateia de TEATRO, assistir a esta peça sem se deixar envolver muito, emocionalmente, com os desdobramentos advindos de uma atitude tão racional aos olhos de qualquer um que não usasse a religião como justificativa para um ato não recomendado, do ponto de vista da Ciência. Mais uma vez a eterna dicotomia: Ciência X Fé.




         “A MÉDICA”, peça escrita por ROBERT ICKE, um jovem dramaturgo e diretor de TEATRO inglês, de 38 anos, é uma adaptação contemporânea da obra “Professor Bernhardi” (1912), de Arthur Schnitzler. Há uma trama central, que gira em torno de um incidente, envolvendo uma médica, diretora de um instituto de pesquisa sobre Alzheimer, que impede a entrada de um padre católico no quarto de uma adolescente à beira da morte, devido a um erro, por conta de um aborto mal sucedido. Esse ato desencadeia uma série de reações, incluindo um debate público acalorado, com discussões sobre ética, religião, ciência, identidade, sociedade, etnia, antissemitismo e gênero, que se espalha, rapidamente, pelas redes sociais e pela mídia. E pensar que tudo se deu por causa de algo que sobrava, na Dra. Ruth, e faltava aos que a cercam na peça: empatia. O local não era apropriado para receber aquele tipo de paciente, mas a médica assumiu acolher a mocinha, por falta de leitos nos hospitais locais.





         O autor se vale de um fato, que não deveria atingir as raias de um mal-entendido tão grande, para explorar subtemas, como as complexidades morais, éticas e religiosas, que surgem quando um conflito entre medicina e religião se torna público. O que não deveria sair de dentro de um instituto de estudos e pesquisas científicas causou um desarranjo total numa ordem social até então estabelecida.




A reputação de uma médica, antes respeitada, é questionada e atirada à lama, e a opinião pública se divide, levando a uma espécie de julgamento televisionado. O que poderia ser apenas um problema pontual se transformou em algo “espetacularizado”, dominando a mídia e a opinião pública. 




A peça é atemporal e universal e, muito parecido com o que ocorre hoje, no Brasil, em termos de política, aborda a polarização da sociedade, a fragilidade da reputação na era digital e a dificuldade de compreensão mútua, em um mundo cada vez mais fragmentado, dividido e centrado em muitas “verdades”




A adaptação de ICKE, esplendidamente realizada, “mantém a essência da obra original de Schnitzler, mas adiciona elementos contemporâneos, que a tornam relevante para o público atual, explorando temas como o cancelamento, o ódio ‘on-line’ e a influência das redes sociais na vida das pessoas. A peça também levanta questões sobre a natureza da identidade, a relação entre ciência e fé, e a busca por redenção no indivíduo contemporâneo”. (Extraído do “release” da peça, a mim enviado pela produção.) “A MÉDICA”, “The Doctor”, no original, é considerada a obra máxima do dramaturgo.





Não deixa de ser a peça um alerta para o poder e a força da redes sociais, o peso das “fake news” e o perigo que todos corremos, de vermos uma vida construída à força de trabalho, ética e empatia ser atirada aos porcos, por causa de convicções totalmente discutíveis, como a fé religiosa.




Esta é a quarta parceria entre a pesquisadora ROSALIE HADDAD e a “Cia. Círculo de Atores”, que vem a público com uma brilhante e criativa direção de NELSON BASKERVILLE, que comanda um formidável elenco, capitaneado por CLARA CARVALHO, no papel da protagonista, cercada de nomes de primeira linha do TEATRO Brasileiro paulista, como ADRIANA LESSA, ANDERSON MÜLLER, CELLA AZEVEDO, CÉSAR MELLO, CHRIS COUTO, ISABELA LEMOS, KIKO MARQUES, LUISA SILVA, SERGIO MASTROPASQUA e THALLES CABRAL, todos em fabulosas interpreetações. As três produções anteriores, daquela parceria, são: A Profissão da Sra. Warren” (2018)O Dilema do Médico” (2023) — ambas de Bernard Shaw — e Hedda Gabler”, do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen. Assisti a todas e as aplaudi com veemência, com fiz desta vez.





No trabalho de direção, de NELSON BASKERVILLE, ressalto a precisão cirúrgica do deslocamento dos atores no palco e a ideia de utilizar atores brancos se dizendo negros, em cena, bem como uma atriz (ADRIANA LESSA) que interpreta um médico. Essa ruptura de padrões é assaz interessante e funciona muito bem, ainda que, a princípio, possa provocar um certo estranhamento, o que é muito bom. Também aprovo bastante a ideia de fazer com que a trilha sonora original, de GREGORY SLIVAR, seja executada ao vivo. Um outro pertinente e valioso aspecto da notável direção é a inserção de algumas projeções, ao fundo do palco, que têm a ver com algumas cenas.




Sobre o texto, embora em não conheça o original, reconheci nele o talento de DIEGO TEZA, na tradução, ele que tem como “hobby” garimpar textos ingleses e americanos, desconhecidos no Brasil, traduzi-los e aguardar que algum produtor ou diretor o procure, à caça de novidades, como esta.




Um texto de peso, robusto, um diretor sensível, inteligente e criativo e um elenco invejável se sentem mais confortáveis convivendo e dividindo o trabalho com experientes e competentes artistas de criação, cada um juntando o seu tijolinho, para uma construção sólida. É o caso de MARISA BENTIVEGNA, que criou uma cenografia interessantíssima, cujo carro-chefe são uma espécie de biombos transparentes, que funcionam como paredes para os diversos ambientes da peça; MARICHILENE ARTISEVSKIS, responsável por discretos e sóbrios figurinos; e WAGNER FREIRE, que assina a ótima iluminação do espetáculo. Não há um senão nesta montagem.





O texto é inédito no Brasil, mas a peça estreou, com grande sucesso – e nem poderia ser de outro jeito - na Inglaterra e tem circulado pelo mundo, em diversas produções, realizadas em países como Holanda, Alemanha, Índia, Estados Unidos, Grécia, China e Peru.




É impressionante ver o que pode advir de uma potente discussão entre uma médica e um padre, quando o entrevero vai parar na internet e ela começa a ser alvo de fortes reações por parte dos colegas do hospital, de grupos nas redes sociais e, por fim, seu caso chega à televisão. Havia mais um “agravante”: determinados patrocinadores ameaçaram retirar o financiamento do instituto, para a construção de uma nova sede, maior e mais bem aparelhada, diante de um escândalo. Interesses pessoais foram colocados acima de um apoio a uma colega que estava sendo injustiçada. A personagem se vê no centro de uma tempestade midiática e é confrontada em suas convicções.

 

 




 

FICHA TÉCNICA:

Idealização e Produção Geral: Rosalie Rahal Haddad

Texto: Robert Icke

Tradução: Diego Teza

Direção: Nelson Baskerville

Assistência de Direção: Brunna Martins e Thiago Ledier

 

Elenco: Clara Carvalho (Dra. Ruth), Adriana Lessa (Dr. Cristian), Anderson Müller (Dr. Paulo), Cella Azevedo (Sami), César Mello (Dr. Levi), Chris Couto (Cacá), Isabella Lemos (Kênia Andrade), Kiko Marques (Padre José e Pai), Luisa Silva (Rebeca), Sergio Mastropasqua (Dr. Roger) e Thalles Cabral (Estagiário)

 

Cenografia: Marisa Bentivegna

Figurino: Marichilene Artisevskis

Iluminação: Wagner Freire

Direção de Imagem: André Grynwask e Pri Argoud (Um Cafofo)

Operação de Som: Samuel Gambini e Valdilho Oliveira

Operação de Luz: João Corbett

Direção de Palco: André Di Peroli

Fotos: Ronaldo Gutierrez

“Designer” Gráfico: Rafael Oliveira

Gerenciamento de Redes Sociais: Selene Marinho e Sergio Mastropasqua

Assessoria de Imprensa: Adriana Balsanelli e Renato Fernandes

Produção: SM Arte e Cultura

Direção de Produção: Selene Marinho

Coordenação de Produção: Sergio Mastropasqua

Administração: Patrícia Pichamone

Produção Executiva: André Roman (Teatro Jardim)

Realização: Círculo de Atores


 

 

 



 

 

SERVIÇO:

Temporada: De 20 de junho e 24 de agosto de 2025.

Local: Auditório do MASP.

Endereço: Avenida Paulista, 1578, Bela Vista – São Paulo.

Dias e Horários: 6ª feira e sábado, às 20h; domingo, às 18h.

Valor dos Ingressos: 6ª feira = R$ 80 (inteira) e R$ 40 (meia-entrada); sábado e domingo = R$ 100 (inteira) e R$ 50 (meia-entrada).

Classificação Etária: 14 anos.

Duração: 105 minutos.

Capacidade: 344 lugares.

Gênero: Drama.

 

 




         Depois de tudo quanto escrevi sobre esta peça, creio não haver a menor dúvida de que eu a RECOMENDO com o máximo do meu empenho.

 

 



 



FOTOS: RONALDO GUTIERREZ

 

 

 

GALERIA PARTICULAR:

 

 

Com Adriana Lessa.


Com André Roman.



Com Clara Carvalho.


 

 

É preciso ir ao TEATRO, ocupar todas as salas de espetáculo, visto que a arte educa e constrói, sempre; e salva. Faz-se necessário resistir sempre mais. Compartilhem esta crítica, para que, juntos, possamos divulgar o que há de melhor no TEATRO brasileiro!














































































































































































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