“DZI CROQUETTES
– SEM CENSURA”
ou
(SE, COM CENSURA,
JÁ ERA BOM,
IMINAGINEM “SEM”.)
Antes de passar aos comentários críticos sobre um fabuloso e necessário espetáculo teatral - “DZI CROQUETTES SEM CENSURA” – sinto que devo me dirigir aos leitores mais novos e aos “sem memória”, para dizer quem foi o “DZI”, o que representou para o Brasil e a arte nacional, com sua brilhante atuação. Vou me valer de uma pesquisa relâmpago e simplificada, feita na internet.
Os membros do “CROQUETTES” formaram um grupo de TEATRO e dança brasileiro , atuante de 1972 a 1976 - um período curto, é verdade, mas de uma importância ímpar para a história da cultura brasileira -, apresentando-se em boates – M. Pujol, no Rio de Janeiro, e Ton-Ton Macoute, em São Paulo - e em teatros importantes nessas duas cidades: o Teatro da Praia, no Rio, e os Teatro Treze de Maio e Teatro das Nações, na capital paulista.
Oficialmente, o grupo foi criado em 08 de agosto em 1972, para o espetáculo “Gente Computada Igual a Você”. A atração era formada por diversos monólogos, alternados com números de canto e dança. O DZI CROQUETTES se destacou pelo seu visual exuberante, com maquiagem pesada e trajes considerados femininos.
Desde 2009, muitas pesquisas acadêmicas foram produzidas sobre a história da trupe, em torno de temas como, sexualidade, arte, dança, TEATRO, "performance" cênica, masculinidades e performatividade de gênero, mas nada, a meu juízo é mais completo do que o documentário “Dzi Croquettes”, um filme brasileiro, de 2009, sobre o grupo, dirigido por Tatiana Issa e Raphael Alvarez – recomendo -, que resgata a trajetória dos atores/bailarinos, os quais se tornaram símbolos da contracultura, ao confrontar a ditadura, usando a ironia e a inteligência. Seus espetáculos revolucionaram os palcos, com “performances” de homens com barba cultivada e pernas cabeludas, que contrastavam com sapatos de salto alto e roupas femininas. O grupo se tornou um enorme mito na cena teatral brasileira e parisiense nos anos 1970.
A década de 1970 foi de rompimento, de mudança, de fugir aos padrões e buscar o novo, o desconhecido - Secos Molhados e Ney Matogrosso são dessa época. A contracultura abriu espaço para questionamentos sobre a realidade, a ruptura ideológica e a transformação social. Nesse contexto, um americano desembarcou no Rio de Janeiro: Lennie Dale, que unia a bossa nova ao “swing” do “jazz” nova-iorquino. Eis que o encontro desse genial artista com mais doze outros, igualmente geniais, deu origem ao DZI CROQUETTES. Surgia, então, o furacão que iria abalar as estruturas sexuais das pessoas, abrir portas, quebrar tabus, mudar a cena teatral brasileira e internacional.
A trupe revolucionou os palcos, com seus espetáculos andróginos, semelhantes aos do grupo norte-americano "The Cockettes", famosos pelo visual andrógino e psicodélico. o nome DZI CROQUETTES vem daí; o "DZI" é uma brincadeira, uma corruptela da pronúncia do artigo definido plural do inglês "THE". Desobedientes e debochados, decidiram desrespeitar a ordem do regime militar com inteligência marcante. Os sapatos de salto alto e as roupas femininas, propositalmente, exibiam as pernas cabeludas e a barba cultivada pelos homens do grupo. O primeiro “show”, em 1972, foi um grande sucesso, apesar de ter sido banido pelo SNI, Serviço Nacional de Teatro. A comédia de costumes era um deboche ao sistema de ditadura e à realidade brasileira. O grupo também fez muito sucesso na Europa, especialmente na França, onde levou plateias parisienses à loucura, tendo como madrinha ninguém menos do que a estrelíssima Liza Minelli.
O documentário “Dzi Croquettes” reúne mais de 45 excelentes depoimentos, colhidos no Rio de Janeiro, Nova Iorque e Paris, contando a existência desse grupo, em uma trajetória fascinante, recheada de sucessos, fracassos, assassinatos, perseguição por parte da censura, grandes voltas por cima e a recuperação de uma parte da nossa história, que não deveria jamais ser esquecida.
A androginia e a ambiguidade cênica do grupo chocou as autoridades do regime militar, e o espetáculo foi censurado no início de 1974. Entre fevereiro e março de 1974, o DZI CROQUETTES foi um dos maiores e horrendos alvos da censura, tendo sua apresentação suspensa por mais de três meses. Foram obrigados, pelos censores do regime de exceção, imposto pelos “milicos”, a “aumentar dois centímetros o tamanho das tangas” (RIDÍCULO!!!), para poderem continuar em cartaz. Após esse lamentável fato, a trupe se exilou em Paris, onde reestreou a peça e se apresentou no Le Palace. O sucesso na França contou, primordialmente, com o apoio e as bênçãos da madrinha Liza Minelli.
Em 2012, o ex-integrante CIRO BARCELOS montou o espetáculo “Dzi Croquettes em Bandália — Um Musical Eletrônico”, para celebrar os 40 anos do grupo, agora com mais de cinco décadas.
A formação original do DZI CROQUETTES: Lennie Dale (coreógrafo), Wagner Ribeiro de Souza (autor), Cláudio Gaya, Cláudio Tovar, Ciro Barcelos, Reginaldo di Poly, Bayard Tonelli, Rogério di Poly, Paulo Bacellar, Benedictus Lacerda, Carlinhos Machado, Eloy Simões e Roberto de Rodrigues.
SINOPSE:
“DZI CROQUETTES SEM CENSURA” é um espetáculo teatral que reconstrói a história do grupo DZI CROQUETTES, conhecido por sua ousadia e resistência durante a ditadura militar brasileira.
A peça é um lindo e completo documentário teatral, que revela os bastidores da trajetória do grupo, incluindo a convivência em comunidade, a luta contra a censura e o legado afetivo de uma geração que ousou sonhar e lutar.
O espetáculo traz a história, nunca contada, desse grupo teatral, com uma ótima dramaturgia de CIRO BARCELOS, que fez parte da trupe, contando com a colaboração de JÚLIO KADETTI. O grupo foi amado por uns, odiado pela ditadura militar, e, muitas vezes, até mesmo, esquecido pela própria classe teatral. Agora, estão no palco totalmente desprovidos de qualquer tipo de censura, o que é muito bom e necessário. Segundo CIRO BARCELOS, responsável maior por esta produção, “Falar do DZI CROQUETTES, hoje, tem uma importância histórica, pois o DZI não tem só uma história para ser contada; ele é a história. É mostrar a importância do grupo, enquanto fenômeno cultural de luta e resistência ao regime militar. Sua influência nas mudanças dos costumes e comportamento de toda uma geração está expressa nos dias de hoje, através das conquistas legais de direitos humanos e liberdade de expressão”, com o que não há como deixar de se concordar. Não há a menor dúvida de que as vitórias, ainda que aquém do desejado, do universo LGBTQIAPN+ de hoje bebem muito na coragem do DZI CROQUETTES.
O musical trata-se de um delicioso espetáculo, que mistura TEATRO, dança e música, guardando a linguagem teatral peculiar do grupo, que veio a influenciar toda uma geração de artistas, criando um novo vocabulário cênico. A peça é feita com uma aprimorada consistência técnica, irreverência, criatividade e bom humor. O DZI CROQUETTES surgiu com uma proposta inovadora e competente, agregando seguidores, que fizeram deles um símbolo de resistência e luta pela liberdade de expressão.
A peça se apresenta em primeira pessoa, com a quebra da quarta parede, várias vezes, abordando não apenas a vida nos palcos, mas também a convivência entre 13 pessoas que dividiram também uma casa e uma história que nunca foi contada, revelando os bastidores no processo de montagem do grupo, a relação humana entre eles, suas alegrias e tristezas. Nada ficou de fora e o espectador se sente um grande “voyeur” privilegiado.
São artistas em torno de um mesmo ideal de arte e resistência, que os manteve unidos, mesmo nos momentos mais difíceis, como a perseguição que sofreram pelo regime militar, levando-os a um exílio do país.
“O DZI CROQUETTES está, para sempre, tatuado no meu destino. Foi uma experiência única, determinante na minha vida pessoal e profissional. Minha régua e compasso", define CIRO BARCELOS.
A partir do olhar de CIRO, ator, autor, coreógrafo e diretor teatral, um dos remanescentes do grupo original, o espetáculo reconstrói, pela primeira vez, os bastidores de um dos grupos mais instigantes e provocativos do TEATRO Brasileiro, em meio à cruel e nefasta ditadura militar daqueles tempos sombrios, os “anos de chumbo”, “sob o guarda-chuva” da truculência contra os artistas, principalmente, bastante parecido com o horror praticado por um governo de extrema direita, no recente período de 2019 a 2022.
CIRO resgata sua própria vivência, trazendo histórias que não pôde contar até hoje. “A minha experiência, tendo feito parte da formação original do grupo, é fundamental, para recontar essa história vivida por mim, pois não existem muitos registros detalhados do que, verdadeiramente, foi e significou o encontro de 13 atores, vivendo em comunidade, em torno de um mesmo ideal” – diz o multiartista.
BARCELOS foi felicíssimo na escolha do elenco, procurando encontrar, por meio de audições – alguns elementos foram convidados -, gente que se destacasse, em talento, no canto, na dança e na interpretação. Houve, ainda, por parte de CIRO, uma outra preocupação, a de selecionar jovens artistas que apresentassem alguma semelhança física com os verdadeiros elementos do DZI. Assim, chegou-se a uma excelente escalação, que reúne o próprio CIRO BARCELOS, interpretando a si mesmo e Lennie Dale; DANIEL SULEIMAN, no papel de Ciro na juventude, o Cirinho; FERNANDO LOURENÇÃO, como Bayard Tonélli; AKIM, como Carlinhos Machado; CELSO TILL, no papel de Claudio Gaya; JONATHAN CAPOBIANCO, que faz o Rogério de Polly; KAIALA, atriz não binária, vivendo Nega Vilma e Benê; FECCINI, como Reginaldo de Polly; ANDRÉ HABACUQUE, como Claudio Tovar; BRUNO SALDANHA é Paulette; CESAR VIGGIANI, interpretando Roberto de Rodrigues; e, por fim, JUAN BECERRA, interpretando Wagner Ribeiro. Todos, sem a menor exceção, são formidáveis artistas e se encontraram em suas personagens, com um “ligeirinho” destaque, entre uns e outros, que não merece registro, tais são, no cômputo geral, extremamente positivas todas as atuações.
Quanto aos artistas de criação, em todos os setores, nota-se a perfeição dos trabalhos, com um destaque, a meu juízo, para os figurinos e a iluminação, bem como o visagismo (maquiagens no segundo ato).
Via de regra – ainda não entendi o porquê -, em musicais, o primeiro ato quase sempre, com raras exceções, é melhor que o segundo. Este é, no meu entender, uma dessas exceções, a despeito de eu ter gostado muito, também, da primeira parte. Mas é o segundo ato que concentra os melhores números musicais e a maior exuberância da peça.
FICHA TÉCNICA:
Idealização: Ciro Barcelos
Texto: Ciro Barcelos
Colaboração Dramatúrgica: Júlio Kadetti
Direção Geral: Ciro Barcelos
Assistência de Direção: Talita Franceschini
Supervisão Cênica: Kleber Montanheiro
Direção Musical e Arranjos: André Perine
Direção Vocal: Bruno Santos
Preparação Vocal: Gláucia Verena
Preparação de Elenco: Liane Maya
Coreografia: Ciro Barcelos e Lennie Dale (in memoriam)
Coreografia “Bolero”: Ronaldo Gutierrez
Assistente de Coreografia: Akim
Elenco (por ordem alfabética): André Habacuque, Akim, Bruno Saldanha, Celso Till, César Viggiani, Ciro Barcelos, Daniel Suleiman, Fernando Lourenção, Feccini, Jonathan Capobianco, Juan Becerra e Kaiala
Cenografia: André Habacuque
Figurinos: Ciro Barcelos e Cláudio Tovar
Iluminação: Gabriele Souza
Desenho de Som: Gabriel Ferrara
Desenho de Maquiagem: Shary Camerini
Fotos: Ronaldo Gutierrez
Direção de “Marketing” e Comunicação: Tiago Xavier
“Designer”: Felypso Cipelli
Redes Sociais: Tiago Xavier
Assistência de Produção: Fernando Callegaro e Rogério Assunção
Direção de Palco: Fernando Callegaro e Rogério Assunção
Operação de Luz: Giovanna Gonçalves
Operação de Som: Anselmo
Operação de Microfone: Shary Camerini
Sonoplastia: Eduardo Gama
Camareiros: Su Moraes , Henrique Versoni e João Valis
Direção de Produção: Tiago Xavier
Realização: TMX Produções
SERVIÇO:
Temporada: De 12 de junho a 27 de julho de 2025.
Local: Teatro Itália.
Endereço: Avenida Ipiranga, nº 344 – República – São Paulo.
Telefone: (11) 5468-8382.
Capacidade: 292 pessoas.
Dias e Horários: Aos sábados, às 20h; domingos, às 19h.
Valor dos Ingressos: R$ 160 e R$ 80 (meia-entrada).
Duração: 150 minutos, com intervalo de 15.
Classificação Etária: 16 anos.
Gênero: Musical.
Passou-me a impressão de que CIRO BARCELOS, como idealizador do projeto, deve estar muito bem satisfeito com o resultado obtido em cena, a julgar pela conversa que tivemos e pela ótima recepção da plateia, que aplaude bastante, ao final de algumas cenas, e, mais demoradamente, ao terminar a sessão. Do mesmo modo, senti-me, extremamente gratificado e feliz com o que me foi dado ver e gostaria, imensamente, de rever o espetáculo, o que espero fazer, em outubro deste ano, quando “DZI CROQUETTES SEM CENSURA” fará uma temporada popular no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro. Antes, em agosto, haverá, em São Paulo, uma, também, temporada popular, no Teatro Maria Della Costa. Mas não esperem até lá e corram ao Teatro itália, para conferir tudo o que escrevi sobre esta magnífica peça!
FOTOS: RONALDO GUTIERREZ
GALERIA PARTICULAR (FOTOS: CARLOS SABAG e
GUILHERME DE ROSE.)
É preciso ir ao TEATRO, ocupar todas as salas de espetáculo, visto que a arte educa e constrói, sempre; e salva. Faz-se necessário resistir sempre mais. Compartilhem esta crítica, para que, juntos, possamos divulgar o que há de melhor no TEATRO brasileiro!
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