quinta-feira, 17 de abril de 2025

 

“HOMENS PINK”

ou

(UM JUSTO

TRIBUTO A NOVE CORAJOSOS

DESBRAVADORES.)

ou

(LGBTs’ 60 +.)

 

 

 

         O “Festival de Curitiba”, a cada ano, mais se consolida como um evento diversificado e democrático, que vive abrindo espaço para as minorias e/ou segmentos da sociedade que lutam, bravamente, para serem reconhecidos como células de uma sociedade que, muitas vezes, faz questão de não enxergar à sua volta ou que, quando o faz, reage de forma preconceituosa. Além de abraçar espetáculos com elencos formados por negros ou por atores que desfraldam a bandeira da causa “LGBTQUIAPN+”, nesta 33ª edição, o “Festival” agregou, à sua programação, tanto na mostra principal “Lúcia Camargo”, como nas paralelas, espetáculos centrados no etarismo, peças representadas por artistas da terceira idade. Assim foi com “Bom Dia, Eternidade”, “A Velocidade da Luz” e “HOMENS PINK”, todos com elencos acima dos 60 anos de idade, sendo o último um monólogo que mergulha no universo dos homens gays, de sexagenários para cima.


 

           O projeto “Homens Pink” é uma realização da “La Vaca Companhia de Artes Cênicas”, fundada em 2008, do qual fazem parte um filme documentário, dirigido por RENATO TURNES, realizado em coprodução com a Vinil Filmes; uma “performance documental”, solo do artista; e uma peça, também um solo, este o espetáculo a que assisti no “Festival de Curitiba”. Quanto ao filme, assisti a ele em 2020 ou 2021, não me lembro bem, durante a pandemia de COVID-19, e confesso que não me agradou muito; ou quase nada. Hoje, depois de ter assistido à peça, questiono-me, achando que, quando o filme chegou até mim, eu já estava farto de tanto ficar em casa, com os olhos fixados nas telas. Pode isso ter sido um forte motivo para eu não ter gostado do documentário.




 

       O espetáculo esteve em cartaz no Rio de Janeiro, após o horror da pandemia, mas confesso que, por não ter gostado do filme, não me interessei em assistir à peça. Quiseram o destino e os “DEUSES DO TEATRO” que eu tivesse a oportunidade de conferir a obra teatral no palco do Teatro José Maria Santos, na capital paranaense. E o melhor de tudo: ter gostado bastante do que vi, a ponto de dedicar uma boa parte do meu tempo a escrever esta crítica.



 

 


SINOPSE:

“HOMENS PINK” é um espetáculo documental, um solo, criado a partir dos depoimentos de um grupo de senhores gays.

Infâncias fora da norma, juventudes à sombra do regime militar, o fervo como resistência, a devastação da AIDS, a passagem do tempo, sob o ponto de vista dos sobreviventes.

Memórias ameaçadas de apagamento, registradas em documentos, objetos, fotos e vídeos de acervos particulares, que se misturam às lembranças do ator RENATO TURNES e compõem um espetáculo que celebra o orgulho das ancestralidades dissidentes.


 

 



 

       Não se trata de um espetáculo muito acima da medida de um “sarrafo considerado normal”, nada de “pirotecnias cênicas”, entretanto deve ser visto por todos, velhos e novos, homens e mulheres, gays ou não, como um documento da realidade de pessoas acima dos 60 anos de idade, em plena atividade laboral e sexual – Por que não?” -, lutando, duplamente, contra o preconceito e, ainda, na esperança do direito de serem felizes, aceitos e respeitados como cidadão, que são. A dramaturgia, de RENATO TURNES, foi baseada nas próprias vivências e lembranças do autor, e ator e nos depoimentos, verdadeiras pulsantes entrevistas, concedidas por nove senhores gays, ouvidos pelo dramaturgo, nas cidades de Florianópolis e São Paulo. São eles: Carlos Eduardo Valente, Celso Curi, José Ronaldo, Julio Rosa, Eduardo Fraga, Luis Baron, Tony Alano, Paulinho Gouvêa e Wladimir Soares. Eles falam dos primeiros desejos; o fervo da juventude, num país sob a ditadura militar; a devastação da AIDS; a festa como território de resistência... O envelhecer do homem gay, celebrado nas vozes de orgulhosos sobreviventes”.




 

          TURNES não precisou nem de uma hora, para dizer a que veio: apresentar uma obra teatral que celebra o orgulho da ancestralidade LGBTQIAPN+, a qual, de forma corajosa e, até mesmo, desafiadora, se manteve, e ainda se mantém, a grande maior parte de suas vidas, “out of the closet” (“fora do armário”). É um espetáculo que se propõe a atualizar memórias de resistência.




 

    A ideia da realização do projeto partiu de uma observação do autor/diretor/ator, o idealizador do projeto: Ele percebeu que homens gays que povoarem a sua época de “adolescente viado” passaram a “não existir”, ou seja, ficaram esquecidos, no tempo, numa espécie de “cancelamento”, pelas pessoas em geral, inclusive por membros da comunidade gay, após o advento das AIDS, que ceifou tantas vidas preciosas. Chamou-lhe a atenção a existência, já naquela época, de “uma geração mais velha que já era conectada com o universo LGBTQIAPN+. Eles sabiam as melhores músicas, tinham mais conhecimento da moda, eram um modelo para nós mais jovens. Com o passar dos anos, comecei a questionar por onde andavam essas pessoas, e iniciaram-se os questionamentos sobre o processo de envelhecimento e invisibilidade. A questão de não se sentir mais confortável em certos ambientes. Assim como toda a sociedade, esta comunidade também é atingida por não estar mais nos padrões de beleza e consumo.”, nas palavras de RENATO TURNES, em entrevista ao jornalista Sandro Moser.



 

  Pelo que vi no palco, não percebi qualquer objetivo de vitimização. Pelo contrário, o espetáculo, ainda que apresente relatos recheados de dor e tristeza, também tem seus momentos de humor e é uma celebração, uma devida reverência ao destemidos que vieram antes, uma luz sobre a ancestralidade gay. Os entrevistados e RENATO riem de si mesmos. E, quando rimos de nós mesmos, é sinal de que estamos no caminho certo.


 

 Há muito realismo e verdade em tudo o que é dito na peça, que se inicia com o ator exibindo fotos dos homens entrevistados, sob um interessante efeito de luz. A propósito, aqueles homens se dispuseram a colocar à disposição da montagem fotos, fitas VHS e objetos de seus acervos pessoais, para ilustrar a encenação.


 

         É muito bom o texto, descomplicado e direto, de RENATO TURNES, que deixa bem claro quão difícil e sofrido é, ainda nos tempos de hoje, ser um “homem velho gay”, visto em muitos casos, creio que para a maioria deles, como uma sentença de invisibilidade e solidão”. Nem mesmo no meio de seus pares gays mais novos, conseguem, muitas vezes, exercer sua cidadania e protagonismo. Um apagamento dentro do próprio gueto. Mas tudo isso é abordado com muita sensibilidade e bom humor pelo dramaturgo. Aqueles homens “ousaram viver, plenamente, em tempos de repressão, enfrentando a ditadura militar e, depois, a devastação causada pela epidemia de AIDS nos anos 1980. Uma resistência marcada tanto pela luta quanto pela celebração” merece estar num palco de TEATRO, acrescento eu.


 

          O mais importante, na peça, é o texto, é transmitir o que é dito e o que pode, e deve, ser depreendido, nas entrelinhas. Estamos diante de uma produção um tanto franciscana, em termos de elementos cênicos, mas, de certa forma, desnecessários mesmo. O figurino é simples, mas funciona muito bem, e o cenário se resume a uma cadeira e uma espécie de cabideiro, ou arara, que expõe peças de figurino e adereços usados nas cenas. Gostei muito do desenho de luz.


 

         Todos os relatos são interessantíssimos, mas há um, em especial, desde quando foi lembrado durante a entrevista coletiva, da qual participei, concedida por RENATO TURNES. Trata-se da história de Julio Rosa, o qual, aos 13 anos de idade, foi expulso de casa pelo pai e, indo viver nas ruas, acabou sendo adotado por uma travesti, que o protegeu e ofereceu-lhe estudo, não permitindo que ele caísse na prostituição e contribuiu para que o rapaz se tornasse um cabelereiro respeitado, profissão que exerce até hoje, perto de se tornar um septuagenário.


 

        Dispenso qualquer outro comentário, a respeito da interpretação de RENATO TURNES, além de que ela é muito correta, verdadeira e, por isso mesmo, convincente.



 

FICHA TÉCNICA:

Dramaturgia: Renato Turnes

Direção Artística: Renato Turnes

 

Interpretação: Renato Turnes 

 

Assistência de Criação: Karin Serafin

Cenário: (Não divulgado.) 

Figurinos e Máscara: Karin Serafin

Iluminação e Projeções: Hedra Rockenbach 

Edição de Vídeos: Marco Martins

Imagens VHS: Carlos Eduardo Valente e Dominique Fretin

Trilha Sonora Original: Hedra Rockenbach

Arte Gráfica: Daniel Olivetto

Fotos: Maringas Maciel (e outras coletadas na internet)

Produção: Milena Moraes

Realização: La Vaca Companhia de Artes Cênicas

Artistas provocadores: Anderson do Carmo, Vicente Concilio, Fabio Hostert e Max Reinert (A partir das memórias de: Carlos Eduardo Valente, Celso Curi, José Ronaldo, Julio Rosa, Eduardo Fraga, Luis Baron, Tony Alano, Paulinho Gouvêa e Wladimir Soares. Acervos pessoais, gentilmente, cedidos pelos entrevistados.)

Apoio: Rumos Itaú Cultural e SESC


 


 

           Aplaudo o RENATO TURNES dramaturgo, bem como ao diretor e ator, e, a julgar pela maneira, carinhosa e respeitosa, como o público recebeu, e recebe, o espetáculo, em todas sessões esgotadas, acredito que seu objetivo foi totalmente alcançado: sensibilizar o público gay ou não do tributo que todos os nove entrevistados merecem. E VIVA O TEATRO! E VIVA A COMUNIDADE LGBTQUIAPN+ QUE FAZ TEATRO E VIVE DELE, COM MUITO SUOR E DEDICAÇÃO!

 

 

(Foto: Annelize Tozetto, durante entrevista coletiva.)


 

 

FOTOS: MARINGAS MACIEL 

(E outras coletadas na internet.)

 

 


É preciso ir ao TEATRO, ocupar todas as salas de espetáculo, visto que a arte educa e constrói, sempre; e salva. Faz-se necessário resistir sempre mais. Compartilhem esta crítica, para que, juntos, possamos divulgar o que há de melhor no TEATRO brasileiro! 




















 





















































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