“FINLÂNDIA”
ou
(UMA “DR”
DECISIVA.)
ou
(ROUPA SUJA
SE LAVA NUM PALCO.)
Iniciei a minha mais recente maratona teatral em São Paulo, de 5 dias e 8 peças, antes de viajar para o "Festival de Curitiba", em março passado, por um espetáculo que muito me interessava, por vários motivos, sendo um deles conferir a atuação de uma atriz por cujo trabalho tenho muita admiração. Falo de PAULA COHEN, mas além de ter gostado muito mais da peça do que já esperava, ainda tive a gratíssima surpresa de conhecer o trabalho de um excelente ator, que, além de marido de PAULA, com ela divide o protagonismo da montagem: JIDDU PINHEIRO. O casal também é responsável pela tradução do texto.
A peça é “FINLÂNDIA”, um texto premiado, do dramaturgo francês PASCAL RAMBERT, montado, com sucesso de público e de crítica, em vários países – Espanha (Madri, em 2022, quando estreou.) França (Paris), Uruguai (Montevidéu) México (Cidade do México) e República Dominicana (Santo Domingo) -, com grande sucesso, de público e de crítica, repetido em São Paulo, inédito no Brasil, já tendo sido vista por mais de 10.000 pessoas. O espetáculo já saiu de cartaz, porém voltará em nova temporada, no próximo dia 16 de abril, no Teatro UOL (Fiquem atentos e não percam!), e é quase certo vir para o Rio de Janeiro e viajar por outras cidades, o que é muito bom, pois, sendo um excelente espetáculo, é ótimo que seja visto pelo maior número possível de espectadores.
SINOPSE:
“FINLÂNDIA” nos transporta para um
quarto de hotel, em Helsinque, junto com as personagens Paula e Jiddu
(os
mesmos nomes dos atores), um casal partido, tentando estabelecer um
diálogo sobre o futuro de seu relacionamento.
Paula está filmando na Finlândia, um país
nórdico, considerado aquele que, por ironia, tem a população mais feliz do
mundo, e Jiddu vai atrás dela, tendo dirigido por 4.000 quilômetros, para
levar a filha, que a mãe carregara consigo e que dormia, com a babá, num quarto
contíguo.
Na verdade, totalmente fora da realidade e do bom
senso, ele também queria que a mulher abandonasse o trabalho e também voltasse
com ele para casa, em Madri.
Numa narrativa pertinente para os tempos atuais,
a peça emerge das complexidades e desafios emocionais enfrentados
por um casal em crise, que ainda precisa encontrar um consenso sobre a criação
e a guarda de uma filha ainda pequena e merecedora de cuidados.
A mudança estrutural de papéis entre homens e
mulheres, dentro de uma relação, nas últimas décadas; as
responsabilidades de cada um na criação de uma filha, entrando na adolescência,
e a relação com seus trabalhos colocam essa discussão de casal em compasso com
temas contemporâneos urgentes.
“E, nesse duelo de linguagem entre dois mundos, aparentemente,
inconciliáveis, um espelho reflete o momento que vivemos, uma estrutura de
padrões opressivos que está por ruir, um mundo em desconstrução que aponta
novos caminhos. E, por consequência, junto com a mudança, vêm os conflitos, as
quebras e as resistências.”, texto extraído do “release”
a mim enviado por PAULA COHEN.
Não se trata de um espetáculo para puro
deleite e divertimento. Aliás, “no frigir dos ovos”, ainda que
aliviado por pequenos toques de humor, da parte de Paula, o espectador se vê
diante de uma peça carregada nas tintas do drama, que causa, de certo modo, uma
tensão no público, o qual acompanha um processo de pré-separação, o que nunca é
coisa fácil de se vivenciar, seja como personagens do rompimento, seja como
meros espectadores. Isso acontece sempre, mesmo que haja uma deliberação bem
civilizada de ambas as partes. Agora imaginem quando uma das partes já se
decidiu pelo fim da relação, por não enxergar mais como levá-la adiante, a
esposa, e o marido insiste em continuar o relacionamento, que já despencou do pedestal
fazia tempo.
Ela, uma atriz famosa, num
magnífico momento profissional, com condições de viver bem de seu trabalho;
segura. Ele, também ator, um homem inseguro e “meio fracassado”, sentindo-se
inferior, fora dos palcos e das telas, mostrando-se ser totalmente um
dependente emocional daquela mulher. Ficamos sem entender bem se Jiddu,
realmente, ama Paula e deseja preservar o vínculo ou se o faz por medo de
ficar sozinho e de não encontrar meios de sobrevivência.
Um dos motivos que fazem
do texto um sucesso, sendo muito bem recebido, talvez seja o fato de o enredo
ser universal
e atemporal.
Nada mais compatível com universalidade e atemporalidade
do que a discussão das relações
familiares, mormente as contemporâneas. É algo que sempre mexe com a emoção dos
seres humanos.
No decorrer da peça, notamos uma terrível luta
interior do casal (mais da parte do
marido), dupla criada para reproduzir modelos de casamento como o de seus
pais, avós e outros ascendentes, fazendo força para romper com o grande tabu de
uma separação. Quem não passou pelo mesmo momento, certamente, já o testemunhou,
aplicado a familiares ou amigos, conseguindo enxergar até onde vai o sofrimento
dos envolvidos diretamente nele.
Achei
deveras interessante uma declaração de JIDDU
PINHEIRO, que faz parte do já citado “release”, motivo pelo qual não me
furto a reproduzi-la: “O debate sobre opressores e oprimidos, no
ambiente público e privado; o embate político-ideológico, nos mais diversos
fóruns; as lutas por igualdade de direitos de gêneros e representatividade
feminina; a forma como a estrutura patriarcal moldou e molda subjetividades de
homens e mulheres são pautas de primeira ordem neste momento. O texto de RAMBERT
traz, de forma brilhante, esse imaginário e esse debate nas subjacências dos
dizeres desses personagens, fazendo com que tudo pareça orgânico e cotidiano.”.
A montagem é dirigida, com muita sabedoria, por PEDRO GRANATO, que soube extrair o melhor da dupla de
atores, sem muita, ou nenhuma, pirotecnia, para fazer com que o embate se dê
com a maior naturalidade possível. As marcações são bem discretas, atadas a um “aspecto claustrofóbico do quarto de hotel
em que a história se passa”. Paula se sente profundamente incomodada pela invasão de Jiddu.
Ela está cansada de um longo dia de filmagem e precisa dormir e estar bem, física
e mentalmente, para novas filmagens bem cedo, na outra manhã. Como já está
decidida a colocar fim à relação, não lhe interessa, naquele momento, uma “dr”.
Mas Jiddu
não respeita aquele “não é não”. É uma peça íntima
e intimista, que parecem sinônimos, mas não o são, na sua essência.
Aplaudo,
com o maior empenho, a atuação brilhante do casal de atores, totalmente tomados
por seus personagens, imersos numa realidade estonteante, ostensiva e
verdadeiramente humanos, e, como tais, sujeitos a reações inesperadas,
principalmente numa calorosa discussão. Os dois trocam farpas contundentes,
alternando os papéis de agressor(a)/agredido(a), por meio de ofensas e
humilhações pessoais, os dois não temendo o embate. Creio que muito da
agressividade do marido se deve ao fato de não aceitar o “status” de ascensão
profissional da mulher, no cinema, enquanto ele, também ator, enfrentava um
momento em que não tendo trabalho, só fazia se dedicar à educação da filha e
aos trabalhos do lar. O espectador não deve se ocupar em encontrar um “mocinho”
ou um “bandido” naquela discussão, mas, sim, permitir que a empatia
dite quem tem menos culpa naquele combate.
Dos
elementos plásticos que entraram na montagem da peça, abro espaço especial para um
destaque voltado à beleza de cenário, bem realista, em todos os
seus detalhes, de um luxuoso quarto de hotel, trabalho da competente MARISA BENTIVEGNA.
FICHA TÉCNICA:
Texto: Pascal
Rambert
Tradução: Paula
Cohen e Jiddu Pinheiro
Direção: Pedro Granato
Elenco: Paula
Cohen e Jiddu Pinheiro
(Participação
Turí)
Cenografia: Marisa
Bentivegna
Figurino: Iara
Wisnik
Iluminação: Marisa
Bentivegna
Fotos: José de Holanda
Estou
torcendo bastante, para que o espetáculo faça um “pit stop” no Rio
de Janeiro. Uma peça que representa, com tanto realismo, um
retrato atual de casais que se separam; questiona, abertamente, os papéis
tradicionais de gênero; discute, à farta, temas atuais, como afetos, guarda dos
filhos e o fim de uma história de amor; propõe, diretamente, uma discussão de
casal, pertinente para os tempos atuais, é algo que sempre ocupa um papel de
destaque no TEATRO, arte em que o poder de comunicação, estando os atores a
poucos metros do espectador, é sempre potente.
FOTOS: JOSÉ DE HOLANDA
GALERIA PARTICULAR:
É
preciso ir ao TEATRO, ocupar todas as salas de espetáculo, visto que a arte educa e
constrói, sempre; e salva. Faz-se necessário resistir sempre mais. Compartilhem esta crítica,
para que, juntos, possamos divulgar o que há de melhor no TEATRO brasileiro!
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