sexta-feira, 24 de julho de 2015


 

BEIJA-ME COMO NOS LIVROS

 

 

 

(BELO ESPETÁCULO PARA ENCERRAR UMA TRILOGIA SOBRE O AMOR.)

 

 


 

 

            Nunca escondi de ninguém que sou fã incondicional de IVAN SUGAHARA e de seus DEZEQUILIBRADOS, desde o primeiro trabalho, assinado por ele, a que assisti: “Vida, O Filme”, encenado, à meia-noite, no saguão de um cinema, em Botafogo.  De lá para cá, não deixei de ver nenhum de seus espetáculos e, quando não os aplaudi de pé, não tive motivos para deixar de recomendá-los.

 

            O TEATRO é algo mágico, que mexe com as emoções, das mais diversas formas e em todas as intensidades.

 

Para os que esperam assistir a uma peça e entender uma história linear, contada por ator(es), da maneira mais simples e clara possível, o espetáculo aqui comentado não é, certamente, o indicado.  Mas os que enxergam, numa encenação teatral, muito mais do que uma boa história, com princípio, meio e fim, nos moldes tradicionais das narrativas, hão de aplaudir, de pé, este excelente trabalho, um profundo exercício de representação teatral.

 

            Muita gente não tem o hábito de ler os programas das peças ou, ao menos, as sinopses, antes de vê-las, preferindo contar com o fator surpresa.  Não faço parte desse grupo.  E acho que a minha preferência por ler bastante sobre a peça, antes de assistir a ela, deveria ser seguida por todos os que se propõem a ver “BEIJA-ME COMO NOS LIVROS”, em cartaz no Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil (Rio de Janeiro), até 16 de agosto (2015).

 

            Conhecendo a “coragem criativa” de SUGAHARA, sei que sempre posso me surpreender com alguma nova ideia, alguma proposta inovadora, até revolucionária, razão pela qual não me surpreendi tanto com o que vi no palco do Teatro I do CCBB (Rio de Janeiro).  Disse “tanto”, porque, de certa forma, confesso, demorei um pouco a entrar no clima da peça e a comprar aquela ideia genial.

 

 


Por acaso...

 

 


Da esquerda para a direita: José Karini, Júlio Adrião, Ângela Câmara e Cláudia Mele.

 

 


Minueto.

 

 

Nem sempre o que se faz, em TEATRO, é para se entender.  O “sentir”, muitas vezes, fala mais alto.  Aqui, este é mais importante que aquele. 

           

É assim que resolvi iniciar, com estes rabiscos, uma modesta análise sobre o mais recente, e excelente, espetáculo dirigido pelo IVAN SUGAHARA, cuja originalidade já se inicia na escolha do título, que poderia ser decodificado como “Aja, no mundo real, como na fantasia dos escritores”.  Ou “Traga, para o mundo concreto, o abstrato, traduzido em palavras”.  Ou, ainda, “Faça-me experimentar, no corpo e na alma, a sensação do amor”...

           

Trata-se da terceira peça que a companhia OS DEZEQUILIBRADOS está apresentando, para fechar, com chave de ouro, uma trilogia que tem o amor como tema, em comemoração aos seus 18 anos de existência.  As outras duas, também excelentes, foram “Amores”, de Domingos de Oliveira, encenada na Sede das Cias, e “Fala Comigo Como a Chuva e Me Deixa Ouvir”, espetáculo itinerante, de Tennessee Williams, que teve a Casa da Glória, um casarão do século XVIII (1770), como local de encenação, ambas em 2014, as três dirigidas por IVAN SUGAHARA, um dos fundadores da companhia, em 1996, com quase duas décadas de reconhecido e merecido sucesso, e que também assina a dramaturgia deste “BEIJA-ME COMO NOS LIVROS.”  Sugiro que leiam, neste blogue, as críticas às outras duas peças que compõem a trilogia.

 

            No elenco, dois atores da companhia, desde a sua fundação, os formidáveis JOSÉ KARIN e ÂNGELA CÂMARA, e dois ilustres convidados, CLÁUDIA MELE e JÚLIO ADRIÃO, este, pela primeira vez, no palco, com um espetáculo inédito, após dez anos de sucesso, com seu magnífico “A Descoberta das Américas”.

 

 

 

Dalton Valério

Cenas simultâneas.

 


Erotismo.

 

 

Segundo o “release” que me foi encaminhado, feitas algumas adaptações:

 

 

 
BEIJA-ME COMO NOS LIVROS’ procura retratar o relacionamento amoroso e o seu desenvolvimento ao longo dos tempos, por meio de uma linguagem cênica criativa, amparada na expressividade corporal e vocal.  
 
A peça tem como premissa pensar o amor, não como algo biológico e inerente à natureza humana, conforme costuma ser visto, mas como mais uma invenção do ser humano, sujeita a constantes alterações ao sabor das mudanças na política, na religião e na economia.  
 
É fato que a relação afetiva entre duas pessoas se modificou profundamente através dos séculos, até se estabelecer como a entendemos e a praticamos nos dias de hoje.
 
Para se chegar à concepção do espetáculo, houve uma profunda pesquisa sobre o tema – o amor -, que começou na pré-história, quando a palavra ‘amor’ ainda nem existia, mas já se podiam observar traços de um comportamento amoroso entre os seres humanos.
 
A partir daí, o grupo investigou momentos importantes da história do homem ocidental, como a Grécia Clássica, o Império Romano, a Renascença, o Romantismo, o Século XX, até chegar aos dias de hoje.  
 
A partir dessa pesquisa, optou-se por um recorte, que passa por quatro períodos históricos: a Idade Média, a Renascença, o Iluminismo e o Romantismo.
 
No meio da Era Medieval, precisamente no século XII, estabelece-se a prática do amor cortês, praticado pelos cavaleiros e damas da corte, no qual se verificam as bases do que viria a ser o amor romântico.  A partir daí, o espetáculo se propõe a atravessar os sete séculos em que se dá a formação do amor romântico, consolidado no Romantismo, dos séculos XVIII e XIX.
 
Para estruturar a peça, a companhia selecionou quatro mitos amorosos, que, em alguma medida, representam a forma de amar praticada em cada um dos quatro momentos históricos abordados e também os locais em que essas épocas foram mais expressivas: ‘Tristão e Isolda’, simbolizando o período medieval inglês; ‘Romeu e Julieta’, o Renascimento italiano; ‘Dom Juan’, o Iluminismo francês; e ‘Werther’, o Romantismo alemão.
 
Cenas desses mitos se alternam com uma trama amorosa contemporânea, entre dois casais.
 
Para contar essa espécie de História do Amor Romântico, o corpo e a voz são elementos determinantes.
  
No caso da voz, a comunicação não se dá por meio do sentido das palavras, mas pela sonoridade da fala.  Criamos um ‘gromelô’, isto é, uma língua teatral, própria do espetáculo.  Ou, ainda, criamos cinco línguas, uma para cada um dos quatros mitos e outra para a trama contemporânea.
 
Para a instrumentalização do corpo, como elemento fundamental da comunicação, pesquisamos a linguagem da dança e do cinema mudo.  O diálogo com a linguagem cinematográfica é uma constante nos trabalhos do grupo.  Em ‘BEIJA-ME COMO NOS LIVROS’, assim como já ocorrera em ‘Fala Comigo Como a Chuva e Me Deixa Ouvir’, investigamos, também, a teatralização de recursos audiovisuais, como o rewind’, o fast forward’ e a observação de uma mesma cena de pontos de vista diferentes.
  
O objetivo final de tudo foi a construção de uma dramaturgia cênica vigorosa, que mostre como a poética amorosa se deu em tempos passados, procurando oferecer uma reflexão sobre o atual estágio de amadurecimento (ou não) das relações afetivas.”
 

 

 

 


Fazendo a corte.

 

 

 
SINOPSE:
 
As questões e traições de dois casais contemporâneos alternam-se com cenas de mitos amorosos, como “Tristão e Isolda”, “Romeu e Julieta”, “Dom Juan” e “Werther”, evidenciando o fato de que o nosso modo de amar é uma construção cultural e o quanto seguimos repetindo padrões pré-estabelecidos. 
 

 

 

 


José Karini e Cláudia Mele.

 

 

            Apesar de ser um excelente espetáculo, não o considero o melhor da já referida trilogia, a despeito de cada uma delas apresentar um diferencial marcante, estético ou de outra ordem, o que torna difícil a tarefa de compará-las, mesmo que um elemento comum – o amor – permeie as três.

 

            Aqui, parece-me que o foco central da encenação concentra-se na brilhante atuação do quarteto de atores, na valorização de uma linguagem inventada, numa perfeita harmonia entre dois balés: o dos sons e o dos movimentos corporais, fruto de um extenuante trabalho de pesquisa e criação, que consumiu nove meses de ensaios, com um destaque para RICARDO GÓES, na direção vocal e pesquisa fonética, e DUDA MAIA, na direção de movimento e preparação corporal, além, é claro, de toda a criatividade da direção. 

 

Não sei se seria exagero afirmar estarmos diante de uma tripla direção, tão importantes são os trabalhos de RICARDO e DUDA.  Com relação a esta, não tenho a menor dúvida de que foi o melhor trabalho de corpo que já vi em toda a minha trajetória teatral, digno de premiação.  O que os atores conseguem comunicar pelos sinais expressos pelo corpo, pela sincronia dos gestos, pela precisão das marcações é algo digno de todos os elogios, fruto do brilhante trabalho da DUDA.

 

 

Beija-me Como nos Livros

Júlio, Ângela e Cláudia.

 

 

Beija-me Como nos Livros

Cláudia, Júlio e Karini.

 

 

            Desnecessário é falar que, mais uma vez, IVAN SUGAHARA demonstra muita sensibilidade e talento na direção de um espetáculo.  Falar de amor, sem cair no lugar comum e acabar numa parceria com o trivial, o corriqueiro, o banal, não é, convenhamos, uma tarefa muito fácil.  Explorar, como tema, a mola propulsora do ser humano de forma criativa, desafiadora, sem a preocupação de ser “entendido” pela massa espectadora, já credencia o diretor a um reconhecimento do público e da crítica, como vem ocorrendo, desde a estreia do espetáculo.

 

            Para que a peça pudesse atingir o nível de perfeição como se apresenta no palco, seria necessária uma dedicação total por parte dos atores, honrando a profissão.  Acertou em cheio a direção na escolha do elenco, verdadeiros parceiros no projeto.  ÂNGELA, JOSÉ, CLÁUDIA e JÚLIO mergulharam de cabeça, até a região abissal, para nos brindar com um magnífico trabalho de interpretação, respondendo, os quatro, com sucesso, aos muitos desafios que a montagem impõe. 

 

Apesar de ser considerado um drama, o texto apresenta alguns poucos momentos de descontração, dando oportunidade ao quarteto de atores de mostrar sua habilidade em provocar risos.  Sem nenhum destaque, os quatro dividem o mesmo pódio, o mais alto de todos.

 

            O bom cenário, de ANDRÉ SANCHES, é muito simples e interessante, adequando-se, os elementos de cena (cama, mesas e cadeiras), aos diversos ambientes, independentemente das épocas retratadas.

 

 


Detalhe do cenário.

 

 

            RENATO MACHADO, outro grande parceiro dOS DEZEQUILIBRADOS, faz um bom trabalho na iluminação, alternando intensidade de luz e cores, que valorizam cada cena.

 

            Os figurinos de BRUNO PERLATTO são bonitos, criativos e variam, de acordo com as diferentes épocas, além de serem práticos, para facilitar as muitas trocas de roupa, em espaços curtos de tempo.

 

 


Detalhe do figurino.

 

 

            Por várias vezes, SUGAHARA assina as trilhas sonoras de seus espetáculos, sempre com muito bom gosto e precisão.  Não está sendo diferente neste espetáculo.

 

 


 


 


 

 

 

            Assisti ao espetáculo em meados de junho, durante o evento “Cena Brasil Internacional”, no próprio CCBB, antes de o espetáculo estrear oficialmente, entrando em temporada.  Gostei muito, fiquei bastante tocado pelo trabalho que me foi dado conhecer, entretanto o diretor e o elenco me convidaram a revê-lo, passado algum tempo após aquele dia, alegando “não estar ainda totalmente pronto”.  Aceitei o convite e ratifiquei uma opinião já formada, quando da primeira vez em que assisti à peça: são profissionais do maior gabarito, perfeccionistas, que sempre estão achando que podem melhorar o que já está bom.  Isso é formidável!  Isso se chama profissionalismo e respeito ao público.  Mas, cá para nós, o espetáculo já estava pronto, sim!  Prontíssimo!!!

 

            Recomendo, com todo o meu empenho, “BEIJA-ME COMO NOS LIVROS”.  Mesmo que você não entenda o que os atores estão falando, as suas palavras, aquele “idioma”, certamente, haverá de se emocionar com o sentimento que eles passam e se tornará seus cúmplices.   

 

 


O patético, no bom sentido, da cena final.

 

 

 

 
FICHA TÉCNICA:
 
Direção e Dramaturgia: Ivan Sugahara
 
Elenco: Ângela Câmara, Cláudia Mele, José Karini e Júlio Adrião
 
Assistência de Direção: Lívia Paiva
 
Direção de Movimento e Preparação Corporal: Duda Maia
 
Direção Vocal e Pesquisa Fonética: Ricardo Góes
 
Dramaturgismo: Juliana Pamplona
 
Criação Dramatúrgica: Ângela Câmara, Cláudia Mele, Ivan Sugahara, José Karini, Júlio Adrião e Lívia Paiva
 
Cenário: André Sanches
 
Iluminação: Renato Machado
 
Figurino: Bruno Perlatto
 
Trilha Sonora: Ivan Sugahara
 
Assessoria de Imprensa: Daniella Cavalcanti
 
Programação Visual: Luciano Cian
 
Fotografia: Dalton Valério
 
Coordenação de Produção: Tárik Puggina
 
Direção de Produção: Carla Torrez Azevedo
 
Produção Executiva: Aline Mohamad e Marcelo Chaffim
 
Administração Financeira: Amanda Cezarina
 
Realização: Os Dezequilibrados e Nevaxca Produções
 

 

 

 

Beija-me Como nos Livros

Cenas concomitantes, que se complementam.

 

 

Beija-me Como nos Livros

Ângela, Júlio e Karini.

 

 

 

 
SERVIÇO:
 
Temporada: Até 16 de agosto de 2015.
Dias e Horários: De 4ª feira a domingo, às 19h.
Local: Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil (Rua Primeiro de Março, 66, Centro – Rio de Janeiro).
Informações: 3808-2020.
Ingresso: R$10,00 (ingteira).
Horário de funcionamento da bilheteria: de 4ª a 2ª feira, das 9h às 21h.
Gênero: Drama.
Duração: 90 minutos.
Capacidade: 175 lugares.
Classificação indicativa: Não recomendado para menores de 14 anos.
 

 

 

(FOTOS: DALTON VALÉRIO.)

Um comentário:

  1. Fiquei encantada é super tocada com a linguagem cênica, demorei um pouco a engrenar, mas depois que me deixei levar pelo coração entendi todos os idiomas e amei😘 Sugahara é um gênio 😍

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