sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

CRIMES
DELICADOS


(O ABSURDO DÁ AS CARTAS,
SENDO O MAESTRO DESTA
HILÁRIA HISTÓRIA.)




O espetáculo é uma tragicomédia, totalmente absurda. A plateia ri, gargalha, a rodo, e sai “meio confusa”, sem entender como tanta bizarrice, tanta coisa esdrúxula pode acontecer ao mesmo tempo, com consequências que fogem aos padrões da normalidade e do real. Mas, via de regra, gostam do que viram – e não poderia ser de outra forma -, muito embora a grande maioria não consiga enxergar o tanto de críticas e denúncias, contidas nas entrelinhas do texto, escrito em 1974, em pleno auge da ditadura militar (“Página infeliz da nossa história.” - Chico Buarque de Holanda), por JOSÉ ANTÔNIO DE SOUZA, falecido no ano passado, 2019, encenado, pela primeira vez, ainda na década de 70.


  

Falo de “CRIMES DELICADOS”, espetáculo que vem fazendo grande sucesso, no Teatro Petra Gold, naquele excelente horário, criado pela administração do Teatro, aos sábados e domingos, às 17h, com espetáculos para adultos. (VER SERVIÇO.).




Nesses quase 50 nos de existência, o texto já passou pelas mãos de vários encenadores e a montagem ora analisada leva a assinatura de MARCUS ALVISI, trazendo, no elenco, ANDRÉ JUNQUEIRA (LILA), WELL AGUIAR (HUGO), formando um casal, e DANIEL DANTAS (EFIGÊNIA), a empregada da casa. É bom esclarecer logo que o casal é heterossexual; um homem e uma mulher, sim. Propositalmente, como grande apelo para a comédia, e para dar, à montagem, um tom mais ridículo e caricaturesco, talvez, os papéis femininos são interpretados por homens. E por que não? Faz parte da proposta do “absurdo” e, certamente, a peça não teria tanta graça, creio eu, caso atrizes os interpretassem, como já aconteceu. A primeira vez em que foi encenado, o texto foi dirigido pelo genial Antônio Abujamra, em São Paulo, e, em seguida, por outro gênio, Aderbal Freire-Filho, no Rio de Janeiro. Nos anos 2000, novamente sob direção de Abujamra, a peça trazia o casal DONA Nicette Bruno e SENHOR Paulo Goulart (Faço questão de tratá-los assim.) e a filha Bárbara Bruno. Além de tantas montagens no Brasil, a peça ultrapassou as nossas fronteiras e fez grande sucesso, também, na Argentina, Uruguai e Venezuela.

O espetáculo chegou ao Rio de Janeiro, depois de uma vitoriosa temporada, em São Paulo, onde foi encenado no segundo semestre do ano passado, em homenagem ao autor, falecido em julho de 2019.

 





SINOPSE:

“CRIMES DELICADOS” baseia-se num curioso e hilário tripé, formado por um casal de classe média alta, LILA (ANDRÉ JUNQUEIRA), HUGO (WELL AGUIAR), seu marido, e a empregada, EFIGÊNIA (DANIEL DANTAS).

O casal quer dar vazão ao seu desejo de matar e resolve tramar o assassinato da empregada, “para treinar”, mas se veem encurralados, com a forte resistência da vítima às brutais investidas da atrapalhada dupla (EFIGÊNIA sobrevive aos mais violentos ataques físicos, voltando sempre, toda sequelada, enquanto LILA e HUGO, cada vez mais perplexos, tinham a certeza de que a haviam matado.), o que gera curiosidade e expectativa no público, sobre a conclusão da ideia original.

O texto é atemporal, universal e fala sobre o poder e, principalmente, do abuso que o casal faz dele, sentindo-se impune, no sentido absoluto do termo.

Parece uma temática interminável, surrealista, que leva o público a um esforço hercúleo, para tentar “entender" o que está se passando à frente dos seus olhos.

Uma comédia vertiginosa sobre a manipulação do poder em seus meandros mais obscuros.






Para os amantes do TEATRO do Absurdo, como eu, a peça é um prato que quase transborda, de tantos elementos “estranhos”, “inexplicáveis”, “fora da caixa”. E o autor criou uma história, desenvolveu-a dentro dos mais requintados padrões do que possa ser considerado “contrassenso, ilógico”, driblando, com muita inteligência, a burrice da Censura, que, embora severa, na época do lançamento da peça, não conseguiu enxergar as verdadeiras intenções do dramaturgo, devendo, no mínimo, por não terem entendido absolutamente nada, tê-lo considerado “maluco”, “inofensivo à ordem pública”. Ficaram, como lhes era possível, na superficialidade de um texto “louco”, muito engraçado, é verdade, que diverte muito, mas sem a necessária competência intelectual, para mergulhar nas entrelinhas e decodificar as mensagens camufladas.


Aliás, a propósito, muitas produções artísticas, em todas as manifestações de ARTE, naquela época, conseguiram passar, imunes, pelo crivo da “gorilada”, exatamente porque faltava, aos censores, seus “capachos”, inteligência. Eles só entendiam as coisas, se elas fossem “desenhadas”, ou, o que era pior, encontravam o que não existia, viam “chifres em cabeças de burros”, e proibiam a obra de arte, pelo fato de o artista ser “subversivo”. As coisas tinham de ser ditas com todas as letras, para que eles conseguissem entender. Geraldo Vandré, por exemplo, é uma prova cabal disso. Vandré só foi obrigado a se exilar, expulso do país, depois do emblemático “Pra Não Dizer que Não Falei das Flores”, mais conhecido como “Caminhando”, cuja letra não poderia ser mais explícita, entretanto, felizmente, não teve sua “Disparada” (“Na boiada, já fui boi, mas, um dia, me montei...”) nem sua “Ventania”, o outro título para “De Como um Homem Perdeu seu Cavalo e Continuou Andando” (“Eu já fui até soldado. Hoje, mais amado, sou chofer de caminhão”.), censuradas, ambas anteriores ao seu maior sucesso: “Caminhando e cantando e seguindo a canção...”. Eram muito profundas, para a inteligência rasa dos censores. O triste é que “parece” que esse filme está voltando ao cartaz, nos dias de hoje, quando OBRAS-PRIMAS de Machado, Euclides, Lobato e tantos outros orgulhos, para os brasileiros, estão sendo atiradas à fogueira. Não gosto desse filme: Já o vi: é em preto e branco e o mocinho morre no final.




Vivi, infeliz e intensamente, essa época, e, certa feita, como dizia minha avó, por conta de uma declaração que fiz, em 1971, dentro de um camarim, quando ainda trabalhava como ator, e que vazou, fui “convidado” para uma “conversinha” com um general. Felizmente, “expliquei” o que ele queria saber, ele não entendeu nada, ganhei uma “lição de moral”, para aprender a ser “patriota”, e tudo ficou só na conversa.


Tão absurdo, ou mais – e jamais saberei explicar o porquê -, quanto o que acontece na peça é o fato de que, embora eu conhecesse o texto, de priscas eras, nunca tivesse tido a oportunidade de vê-lo encenado, o que só se deu há duas ou três semanas. Imperdoável, porque sempre fui um grande admirador dessa dramaturgia, a qual, como diz o seu diretor, MARCUS ALVISI, se trata de uma peça “com matizes quase surrealistas e precisão cirúrgica, em seus diálogos, com inspiração, talvez, no melhor de Ionesco, Beckett, Guelderode e Arrabal (...)”. Segundo ele, “Tudo isso está misturado nesta peça (...)”. Acho, totalmente, desnecessário o advérbio de dúvida, “talvez”, visto que, na minha visão, isso é uma certeza. Desde a leitura do texto, o que já se deu há mais de três décadas, percebi que JOSÉ ANTÔNIO DE SOUZA havia bebido, fartamente, naquelas fontes e em outras, dos renomados nomes do movimento do TEATRO do Absurdo, como Adamov e Pinter. Há pinceladas e gotas de toda essa turma de geniais dramaturgos em “CRIMES DELICADOS”.




O autor do texto criou uma trama policial com todos os ingredientes e expedientes necessários para prender a atenção do espectador, sempre surpreendendo-o com algo mais excêntrico, provocando-lhe dúvidas: Aquilo está acontecendo mesmo? Mas como é que pode? Será que é só a imaginação do personagem? Como vai acabar esse “show de horrores”? (No bom sentido, é claro!). O espetáculo é instigante, porque é um ótimo exercício para a imaginação. Não raro, vemos pessoas, à saída do Teatro, após o espetáculo, trocando ideias e tentando justificar o “injustificável”. O que a grande maioria não consegue perceber – eu sei que é “spoiler” – é que, por trás daquela sandice toda, daquela incomensurável excepcionalidade, ou melhor, por meio dela, JOSÉ ANTÔNIO DE SOUZA está tratando de problemas muito sérios e fazendo denúncias, como o poder “over”, o abuso e exploração do oprimido e a certeza da impunidade, por exemplo, tudo sob o manto disfarçado do humor, de ótima qualidade, diga-se de passagem. Aliás, nada melhor do que o humor, quando se deseja criticar, negativamente, e denunciar, seja lá o que for. Santo sarcasmo e santa “ingenuidade”!    


MARCUS ALVISI marca pontos, na direção, deixando fluir o clima “non sense”, apostando na qualidade e na força de diálogos vivos, muito bem elaborados, e no talento de seus atores. Por isso, o diretor “...aposta na simplicidade, para que esse elemento ganhe, ainda mais, destaque em cena (...)”. (Extraído do “release”, enviado por STELLA STEPHANY, da assessoria de imprensa do Teatro Petra Gold.) E acrescenta ALVISI“A linguagem e a urdidura da trama respiram num só rasgo. O diálogo é ação, a ação é diálogo. Desde a primeira palavra, já é possível criar a atmosfera dessa obra. Da segunda em diante, é só vertigem. O autor vai nos revelando o imprevisível, numa organicidade sem emendas, sólida e nervosa. A ação dramática se avoluma a cada fala, pois o texto é trabalhado com rigor e sem arestas. E, como num jogo, em que o improvável pode acontecer, ‘CRIMES DELICADOS’ vai às últimas consequências, neste sentido.”.

Há um grande equilíbrio interpretativo, entre os três atores, os quais, apesar de se destacarem, com mais frequência, em papéis dramáticos, se revelam ótimos intérpretes, com uma veia de largo calibre para o humor.


Já que todo o quiprocó (Revelei a idade.) tem, como pontapé inicial, uma ideia fixa de LILA, fascinada com as histórias de crimes, que ela adora, veiculadas pelos jornais, comecemos por ANDRÉ JUNQUEIRA, muito engraçado e convincente, na pele da mulher que quer matar, matar, matar, mas, como não tinha, ainda, tal excêntrico e incabível hábito, por falta de “expertise”,  precisa “treinar”, com gente de “menor importância”, como a empregada doméstica, de cujo desaparecimento "ninguém, certamente, daria falta". Não deixa de ser, como seria impossível não acontecer, caricaturesca sua interpretação, porém esse detalhe acaba surgindo por conta de ser um homem num papel feminino e pelo comportamento extremamente fino, pudico e educado da personagem.


HUGO, o marido de LILA, é convencido, pela esposa, a fazer parte dos seus planos macabros, ainda que, de início, tentasse demovê-la da insana ideia, alertando-a para as devidas consequências daqueles atos injustificáveis e inaceitáveis.. O personagem, corretamente defendido por WELL AGUIAR, faz, a princípio, o contraponto com a loucura da mulher, porém, aos poucos, vai se igualando a ela. Afinal de contas, são da mesma classe social e tinham posições idênticas, quanto ao “papel e à função” do ser humano na sociedade, assim como a sua “superioridade” em relação a EFIGÊNIA e seus pares.


Cabe a DANIEL DANTAS ser a “vítima”, praticamente um “cyborg”, na trama. Sua personagem, sim, aparece um pouco escrachada, de forma proposital, creio, muito “ingênua” e crédula nas “boas intenções” dos patrões, sem perceber que é alvo de exploração e desrespeito total. Sem dúvida, é a personagem que mais explora a comicidade, na peça, o que DANIEL executa de forma excelente, sendo que um detalhe, para provocar mais riso, está na imperfeita dicção da personagem, propositalmente utilizada, com pausas, às vezes, exageradas, baixo volume de voz e cortes, no final de algumas palavras, o que encafifa (Novamente, revelei a idade.) o público e aguça, mais ainda, a sua curiosidade.


“CRIMES DELICADOS” é uma peça de texto, direção e interpretação, basicamente, embora não dispense bons elementos técnicos, como a cenografia, assinada por FERNANDA VIEIRA, retratando a sala de estar de uma família de classe média, sem muito luxo, porém bem decorada; os figurinos, criados, a seis mãos, por   SUEDI MARTINS, CARLA GARAM e TALITA PARTELA, adequados aos padrões sociais de cada personagem; a iluminação, elaborada por VALDECI CORREIA, completamente à disposição e intenção de cada cena; a direção de movimento, a cargo de LUCIANA BICALHO, que acompanha o frenético ritmo da peça; a ajustada trilha sonora, idealizada por MARCUS ALVISI e TAUÃ DE LORENA, auxiliando a criar, principalmente, os momentos de maior suspense; e a maquiagem e os efeitos especiais, muito importantes, nesta montagem, para a criação do clima de terror absurdo.





FICHA TÉCNICA:

Texto: José Antônio de Souza.
Direção: Marcus Alvisi.

Elenco: André Junqueira (Lila), Daniel Dantas (Efigênia) e Well Aguiar (Hugo).

Cenário: Fernanda Vieira
Figurino: Suedi Martins, Carla Garam e Talita Partela
Iluminação: Valdeci Correia
Direção de Movimento: Luciana Bicalho
Preparação Vocal: Rose Gonçalves
Trilha Sonora: Marcus Alvisi e Tauã de Lorena
Maquiagem e Efeitos: Renata Imbriani, Lorena Rocha e Paula Sholl
Costureira: Madalena Sousa
Diretor de Produção: André Junqueira
Produtor Executivo: Well Aguiar
Produção: Adriana Gusmão e Lucas Domso
Operador de Luz: Valdeci Correia
Operador de Som: Consuelo Barros
Diretor de Palco: Riko Coutinho
Edição de Imagem: Jony Luz
Fotos: Guga Melgar, Lucas Domso e Rogério Belório
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação – João Pontes e Stella Stephany
Assessoria de Imagem: Léo Gama
Realização: Enigma Filmes e Produções Artísticas











SERVIÇO:

Temporada: De 18 de janeiro a 16 de fevereiro de 2020.
Local: Teatro Petra Gold (Antigo Teatro do Leblon – Sala Marília Pêra.).
Endereço: Rua Conde de Bernadotte, 26 – Leblon – Rio de Janeiro (Estacionamento no local.).
Dias e Horários: Sábados e Domingos, às 17 horas.
Telefone: (21) 2529-7700.
Valor dos Ingressos: R$60,00 e R$30,00 (Meia Entrada).
Horários de Funcionamento da Bilheteria: De 2ª a 6 feira, das 15h às 21h; sábados e domingos, das 10h até o início da última sessão do dia.
Vendas Antecipadas (Internet): www.sympla.com.br
Duração: 70 minutos.
Indicação Etária: 14 anos
Gênero: Tragicomédia.








            Não só para quem deseja se divertir muito e, ao mesmo tempo, pensar e exercitar seu papel de cidadão, numa sociedade, a cada dia, mais esfacelada, pela opressão, por regimes de exceção, verdadeiras ditaduras, disfarçadas de democracia, em que o respeito ao ser humano, ao semelhante, à liberdade de pensar, e a falta de empatia são regras, e não exceção (Aliás, nem “exceção” deveriam ser.), recomendo, com muito empenho, este espetáculo.




(FOTOS: GUGA MELGAR
LUCAS DOMSO
e
ROGÉRIO BELÓRIO.)



E VAMOS AO TEATRO!!!


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