segunda-feira, 7 de novembro de 2016


A GAIOLA
 

(UMA PORÇÃO DE “PODE SER”

ou

OS LIMITES, O PRAZER
E AS CONVENIÊNCIAS
DA LIBERDADE.)

 
 

            Em sua segunda temporada, ainda que bastante curta, infelizmente, está em cartaz, no Teatro II do Centro Cultural Banco do Brasil (Rio de Janeiro), uma das peças infantis mais lindas a que já assisti em toda a minha vida. Eu diria que é um poema teatral, um poema representado teatralmente e que não é só para os pequenos. O espetáculo diverte as crianças e emociona os adultos. Faz bem à alma, alivia as dores do coração, torna o público mais leve e sensibiliza até os empedernidos mais resistentes às grandes emoções.

            Estou falando de “A GAIOLA”, uma das mais cuidadosas produções infantis, em todos os sentidos, que vi, ontem, domingo, 6 de outubro (2016), pela segunda vez. E, se dispusesse de mais tempo, voltaria a rever, porque o que é belo não cansa, porque falar do sentimento mais nobre, e tão pouco praticado, hoje em dia, o amor, é o mesmo que falar da razão da existência humana. Vivemos do e para o amor. Sem ele, o mundo seria cinzento, muito diferente do que se vê no palco do CCBB.
 
 
 

            O texto, de uma beleza ímpar, é uma adaptação, feita por ADRIANA FALCÃO e EDUARDO RIOS, para um livro daquela, que recebeu roteiro e direção de DUDA MAIA e conta um encontro entre uma MENINA (CAROL FUTURO) e um PASSARINHO (PABLO ÁSCOLI), uma relação de amor, impossível, na vida real, e totalmente aceitável, no reino do faz-de-conta, da ficção.

 
 

 

 
SINOPSE:
 
Trata-se de uma história de amor e separação entre uma MENINA (CAROL FUTURO) e um PASSARINHO (PABLO ÀSCOLI), que, há dois anos, rendeu uma indicação ao Prêmio Jabuti à escritora ADRIANA FALCÃO, pelo livro infanto-juvenil  homônimo.
 
No palco, os personagens iniciam uma história de amor, quando o PASSARINHO cai, ferido, por uma pedrada, na varanda da casa da MENINA.
 
Na trama, ela se dedica a cuidar do pequeno bicho e, à medida que vão convivendo, se apegam um ao outro, até se apaixonarem.
 
Ele fica curado e, na hora da despedida, pede à MENINA que o aprisione numa gaiola, para que ele não possa deixá-la.
 
Um dia, ela o flagra, na gaiola, encantado com a beleza do dia lá fora e uma crise se instala entre os dois.
 
A tentativa de prender o amor se mostra inútil e os dois chegam a uma importante conclusão, que você saberá qual é, assistindo à peça, sabendo, de antemão que, por natureza, “lugar de passarinho é no céu e lugar e menina é na terra”.
 

 
 
 

            PABLO e CAROL, amigos de longa data, há muito, desejavam fazer um trabalho juntos e ambos se apaixonaram pelo livro de ADRIANA FALCÃO e decidiram que aquela encantadora história teria de ser levada ao palco. Para isso, conquistaram a adesão de DUDA MAIA, para dirigir o espetáculo, tão logo fosse feita a adaptação para o TEATRO.

            O espetáculo fez uma bela carreira, no mesmo CCBB (Teatro III) e acabou convidado a ser reapresentado lá, sempre com casa cheia. Cheia de gente que aplaude, de pé, visivelmente emocionada com o que se passa diante dos seus olhos e com o que ouvem, ao longo de apenas 50 minutos, de pura magia e encantamento.

            Falar de amor pode ser considerado um tema “batido” e que não interessa tanto ao público, por tal motivo. Não há, porém, temas “batidos”; há maneiras diferentes e originais de se tratar de um tema tão decantado, em todas as formas de expressão, como o amor.
 
 
 
 

            O amor entre um humano e um animal da classe dos irracionais, então, seria, em princípio, algo, no mínimo, esdrúxulo, se o AMOR, aqui tratado, não fosse vivido, unicamente, no plano do sentimento de um ser por outro, focado apenas no respeito, no carinho, no afeto, na proteção. Sim, porque quem ama protege o ser amado e espera dele reciprocidade. A preocupação com o outro, com a segurança, a liberdade e a felicidade plena do próximo é o que se vê em cena, de forma lúdica e metafórica, representado pelo grande, fortuito e providencial encontro entre os dois protagonistas.

            Para ADRIANA FALCÃO, como ela mesma escreveu, no programa da peça, com as minhas adaptações, as meninas, antigamente, eram criadas – e algumas ainda o são – para encontrar, um dia, em suas vidas, o seu encantado príncipe, com disposição para amá-las e serem felizes para sempre, contando, sem abrir mão, em hipótese alguma, com a sua proteção, sem a qual estariam perdidas no mundo e, quiçá, não conseguiriam sobreviver nele.

É extremamente positiva a ideia, de ADRIANA, de questionar o suporte máximo suportável de proteção de um ser ao outro. O excesso de proteção, de zelo, não poderia “cortar as asas” do PASSARINHO, a ponto de impedi-lo de cumprir o seu destino: voar? Esse “voar”, denotativamente aplicado ao personagem, obviamente, é metafórico e significa abrir todas as possibilidades de buscas, conquistas, de vitórias, a que todo ser humano tem direito. E o PASSARINHO se comporta, sentimental e emocionalmente, como um humano. E ninguém, seja quem for, tem o direito de impedir nossos voos.
 
 
 
 

É óbvio, como diz, ainda, ADRIANA, que “amar, proteger e se doar são coisas lindas e complexas. Meninas, meninos, passarinhos e amores merecem cuidado”. A questão do limite, para não tolher a felicidade e a realização plena do outro é que está em jogo e é discutido, de forma profunda, na peça. Sem dúvida alguma, um texto brilhante! As crianças o entendem de uma forma e os adultos o veem e sentem de outra.

            DUDA MAIA, também no programa da peça, chama a atenção para o fato de que, para voar, é preciso um par de asas, que ela não tinha, quando procurada por PABLO e CAROL. Sentiu, porém, que o livro de ADRIANA merecia um lindo plano de voo e ganhar o céu, atirar-se à amplidão. E foi este o seu trabalho inicial: procurar “cúmplices” para aquele voo arriscado, gente sensível e competente, que a ajudasse a construir as asas. E os encontrou na medida exata para a concretização de um lindo e inesquecível voar.

DUDA não suporta a passividade, o parar no tempo, a estagnação. É uma pessoa superativa e superlativa. Incomodada, por se sentir “presa”, parada num mesmo lugar (Eu não sei como é que tal sentimento pode estar presente em quem acabara de criar uma outra obra-prima, o espetáculo “AUÊ”.), ela pôs a mão na massa e a peça nasceu, linda e vitoriosa, enchendo, lotando o teatro, nas duas temporadas; a atual, inclusive, sem patrocínio, contando apenas com a divulgação de boca em boca (Sempre é bom lembrar que, falar “boca a boca”, no sentido de divulgação, está errado), esgotando a lotação das salas de espetáculo por onde passa.
 
 


            A música é sempre, quando boa, um bálsamo para a alma. Uma peça infantil se torna mais atraente, quando é apresentada em forma de musical ou, simplesmente, com o acréscimo de canções incidentais. Pensando nisso, um dos “cúmplices” encontrados por DUDA foi o músico e compositor RICCO VIANA, que criou uma trilha sonora original, capaz de emocionar, pela sensibilidade posta nas melodias, preenchidas com o lirismo das letras de ADRIANA FALCÃO e EDUARDO RIOS, um talentoso poeta e multimusicista. Essas canções são de fundamental importância para a peça. RICCO também é o responsável pela direção musical desta montagem.

Creio que vale a pena reproduzir um trecho do que escreveu EDUARDO RIOS, no programa da peça, que justifica a relevância das letras das canções que embalam o espetáculo: “Há tantos céus para serem voados e tantas gaiolas para nos acolher e nos assegurar dos perigos do mundo. Cabe, a cada um de nós, vislumbrar o que aprisiona e o que liberta”. As letras das canções nos facilitam nesse sentido.

            Dentre os que ajudaram DUDA MAIA a construir as asas para esse voo, devo citar alguns:

JOÃO MODÉ contribuiu com um simples, prático e belíssimo cenário, composto apenas por um trapézio, representando o “espaço aéreo” do PASSARINHO,  um banco e uma pequena caixa, de cerca de um metro quadrado de área, que se transforma numa bela e criativa gaiola, montada e desconstruída pelos próprios atores, obedecendo a uma bela sequência coreográfica. Para completar, apenas algumas projeções de estrelas num “céu”.
 
 

 
 
            FLÁVIO SOUZA deu a sua “mãozinha”, desenhando um figurino lindo e diferente do que se poderia esperar. E o resultado é magnífico! O PASSARINHO não tem bico, nem asas; penas, nem pensar. Ou melhor, tem, mas não concretamente, visivelmente. É apresentado de uma forma mais aproximada à de um ser humano, assim como a MENINA não é infantilizada, com vestidinhos de babados e lacinhos, nem com fitinhas na cabeça. Apesar de a personagem ser uma MENINA, ela representa um ser humano, de qualquer idade. Foi muito feliz, na sua composição, o figurinista.
 
 


            RENATO MACHADO, que também topou acrescentar penas às asas, criou uma luz belíssima, que supervaloriza a plasticidade do espetáculo. Sim, o texto é fundamental, porém, principalmente, numa peça infantil, ou infanto-juvenil, o visual tem um grande peso, aqui valorizado pela iluminação de RENATO. Não sei se antes do texto, ou na mesma proporção, “A GAIOLA” é um espetáculo visual.
 
 
 

            Mesmo que não se lesse, antes, a ficha técnica da peça, seria possível saber quem assinou a incrível direção de movimento. Qualquer um, que conheça o trabalho de DUDA MAIA, principalmente depois de ter assistido a “AUÊ”, consegue identificar a sua marca registrada em cena. Os movimentos executados pelo casal de atores são lindos e precisos, dando um colorido especial à encenação.

            O espetáculo explora, à exaustão, uma dupla estética, envolvendo texto e corpo, mensagens literárias e expressividade corporal. Como diz um trecho do “release” da peça, “DUDA MAIA criou uma partitura coreográfica, que costura toda a encenação, exigindo um intenso trabalho físico dos atores. O desafio em elaborar uma dramaturgia para agradar o exigente público mirim resultou em um espetáculo que mistura teatro, dança, música, canto e contação de história”.

            Mas o belíssimo resultado a que chegou a direção deve-se, principalmente, ao imenso talento da dupla de atores, os quais desenvolvem, em cena, uma química que não permite espaço para erros. Tudo é feito dentro da maior perfeição. Além de dois excelentes atores, ambos conseguem atingir um altíssimo nível de expressividade corporal, raramente encontrado em outros profissionais. Um completa o outro.

            PABLO ÁSCOLI é um homem de estatura e físico avantajados, um corpo atlético, que, porém, vestindo o personagem PASSARINHO, consegue passar toda a fragilidade e doçura do personagem, ainda por cima, ferido por uma pedrada, comovendo e convencendo a plateia. De verdade!!! E demonstra como um animal "irracional" pode amar um ser humano, de uma maneira tão pura... Dá vontade de pegá-lo no colo (NÃO PÔR NUMA GAIOLA!!!) e levá-lo para casa.


 

            CAROL FUTURO, ao contrário, é do tipo “mignon”, que alterna, entretanto, em sua perfeita interpretação, momentos de fragilidade, própria de uma criança, e atitudes de coragem e proteção, mais afeitas aos adultos. Naturalmente, graças a muito exercício de dicção, é capaz de dizer um trecho, de seu texto, numa velocidade incrível, provocando risos e sem que nenhuma palavra deixe de ser percebida. Suas expressões faciais falam mais que muitas palavras, às vezes, o mesmo podendo ser aplicado, também, a PABLO, quanto à clareza na emissão das palavras e os gestos máscaras, criadas por seu rosto.  


 


Eles intercalam o texto com a interpretação, perfeitamente afinados, de seis canções, daquelas que ficam na nossa mente. Eu saí cantarolando trechos das belas composições.

São dois atores completos, pois, além de interpretar, ora como narradores, ora em diálogos, dançam e cantam, tudo corretamente, no ponto exato da perfeição.

Pelo acima exposto e por tanto mais que eu poderia escrever é que repito que “A GAIOLA” é uma montagem das mais lindas e cheia de poesia que já vi, em toda a minha vida, no universo do TEATRO INFANTIL, e a melhor deste ano, motivo mais que suficiente para que eu recomende o espetáculo, com muito empenho, na certeza de que, embora não seja necessário, os que acederem à minha recomendação hão de me agradecer e ratificar minha palavras. Espero, também, que as passem adiante.

Assistam e sintam o prazer de um belo e inesquecível voo!!!  
 
 

 
 
 




 
FICHA TÉCNICA:
 
Baseado no livro homônimo de Adriana Falcão 
Adaptação e Letras: Adriana Falcão e Eduardo Rios
Direção Geral e de Movimento: Duda Maia
Diretor Assistente: Fábio Enriquez
 
Elenco: Carol Futuro e Pablo Áscoli
 
Direção Musical e Trilha Original: Ricco Viana
Cenário: João Modé
Iluminação: Renato Machado
Figurino: Flávio Souza
Fotografia: Guga Melgar
Produção: Palavra Z Produções Culturais
Direção de Produção: Bruno Mariozz
Produção Executiva: Gabrielle Silva
Assessoria de Imprensa: Luciana Duque
 



 
 
 
 
 




 
SERVIÇO:
 
Temporada: De 22 de outubro a 20 de novembro de 2016
Local: CCBB RJ – Teatro II
Endereço: Rua Primeiro de Março, 66 – Centro – Rio de Janeiro
Tel: (21) 3808-2020
Dias e Horários: sábados e domingos, às 16h
Valor do Ingresso: R$20,00 (inteira); R$10,00 – clientes e funcionários do BB, estudantes e maiores de 60 anos
Funcionamento da Bilheteria: de 4ª feira a 2ª feira, das 9h às 21h
Vendas online: www.ingressorapido.com.br
Duração: 50min
Capacidade: 155 lugares
Classificação indicativa: Livre
Acesso para portadores de necessidades especiais.
Para mais informações, acesse: http://culturabancodobrasil.com.br/portal/
 

 
 
É bom já ir adiantando que, “A GAIOLA”, cuja atual temporada se encerra no próximo dia 20 (novembro/2016), estará, em dezembro, cumprindo pauta no CCBB Belo Horizonte e, em janeiro de 2017, irá para o palco do CCBB São Paulo.

 
 
 
("Selfie", ao final da sessão de 6/11/2016)
 
 
(Arquivo particular:
Carol Futuro, Duda Maia, eu e Pablo Áscoli.)



(FOTOS: GUGA MELGAR.)
 
 
 
 


 



 



 


 



 









 




 



 


 


 



 



 











 




 




 






 





 







 
















 

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