quarta-feira, 13 de julho de 2016


MORANGO

&

CHOCOLATE –
QUERIDO DIEGO

 

 
(UMA RESPOSTA POÉTICA
À INTOLERÂNCIA E À HOMOFOBIA.

ou

PASSA O TEMPO E NADA PASSA.

ou

UMA ODE À AMIZADE.)

 

 



            Sete ou oito espetáculos, numa “fila de espera”, aguardando sua vez de merecer as minhas humildes considerações, e, na 5ª feira, 23 de junho, cumprindo meu cronograma de idas diárias ao teatro, assisti a um espetáculo, que, infelizmente, encerrou sua temporada no domingo, dia 26 de junho (2016). E surge o grande dilema: como não escrever, o mínimo que seja, embora o espetáculo merecesse um máximo de linhas, sobre uma produção que o que tem de simples e modesta tem de grandiosa na sua essência, na sua concretização?

Estou falando de “MORANGO & CHOCOLATE” – QUERIDO DIEGO”, que, numa temporada relâmpago, de apenas três semanas, consegue, sem nenhum nome “global” no elenco, atrair um grande público ao Teatro Dulcina, pessoas que, ao final da peça, aplaudem, de pé, o trabalho dos atores, em meio a um outro grito de “BRAVO!”. Um deles, naquela sessão, o primeiro, foi puxado por mim.


Vítor Peres e Márcio Nascimento.


            Como já disse, várias vezes, e repeti, ao diretor da peça, ANTÔNIO CARLOS BERNARDES, que viveu seis meses Cuba, em 1987, e tornou-se amigo do autor do texto, SENEL PAZ, - BERNARDES, que é um guerreiro e que, de forma muito corajosa, traduziu o texto original, dirigiu e produziu o espetáculo, com recursos próprios, sem contar com qualquer patrocínio -, é extremamente gratificante fazer um deslocamento difícil, de mais de trinta quilômetros, de casa a um teatro, contando com uma expectativa, e sair de lá, imensamente feliz, com aquela expectativa anterior multiplicada muitas vezes. Foi assim que me senti ontem.

            Encantei-me com o espetáculo, por sua beleza, poesia, a mensagem que o texto passa, a competente interpretação dos atores e a brilhante direção. Como disse, nos subtítulos, a peça é “UMA RESPOSTA POÉTICA À INTOLERÂNCIA E À HOMOFOBIA”, o que a faz ser atualíssima, já que, infelizmente, os dois temas frequentam, diariamente, a mídia, no Brasil inteiro, no mundo inteiro, sem que se veja nenhum progresso no sentido de um combate a tão nefastas práticas. “PASSA O TEMPO E NADA PASSA”. Passa o tempo e nada de novo, de positivo, acontece, para garantir o livre pensamento, o respeito às diferenças, principalmente as que estão ligadas a etnias, religiões ou práticas sexuais (recuso-me a utilizar o termo “preferências”). “UMA ODE À AMIZADE”, porque é o sentimento que se vê nascer, desenvolver-se e atingir um ápice, na relação entre dois seres humanos tão diferentes, em suas convicções e comportamentos, mas que aprendem a se amar, como iguais. A amizade é um dom, que DAVID e DIEGO souberam cultivar e nos emocionam muito com ela. Chorei, com o abraço final dos dois. (Sugiro que ouçam “Tá Combinado”, canção de Caetano Veloso, na voz de Maria Betânia, excluindo, da letra, apenas a palavra “sexo”.) 
 
 
 
Vítor Peres e André Brilhante.
A trama.


MORANGO & CHOCOLATE – QUERIDO DIEGO” é uma adaptação inédita, em palcos brasileiros, do premiado filme cubano “Fresa Y Chocolate”, co-produção cubano-mexicano-espanhola, dirigido, em 1990, por Tomás Gutiérrez Alea e Juan Carlos Tabío, a partir do conto “El Lobo, El Bosque Y El Hombre” escrito por SENEL PAZ. Adorei o filme, quando assisti a ele, e fui dos primeiros a adquirir o DVD, quando posto à venda no Brasil. Foi o primeiro filme de temática “gay” e da liberdade de direitos, realizado em Cuba, e primeiro a concorrer ao Oscar, na categoria “Melhor Filme Estrangeiro”. O filme ganhou vários prêmios em festivais, no mundo inteiro, e arrebanhou milhões de pessoas aos cinemas.

 

 
 
SINOPSE:
 
A história se passa em Havana, na Cuba de Fidel Castro.
 
DAVID (VÍTOR PERES), um interiorano, que acredita no comunismo e na Revolução Cubana, vai estudar na capital, graças ao governo.
 
Na mais conhecida sorveteria de Havana, Copélia, ele é abordado por DIEGO (MÁRCIO NASCIMENTO), artista homossexual e dissidente do regime castrista, que luta contra a discriminação e pelos direitos sociais.
 
DIEGO pede sorvete de morango e DAVID, um de chocolate.
 
Aparecem os conflitos de personalidade e de direitos, mas eles acabam descobrindo a verdadeira amizade, livre de interesses e preconceitos.
 
É um espetáculo que aborda questões universalmente conhecidas e que estão sempre em discussão.
 
Embora a ação se passe na Cuba dos anos 70, a história abordada é atual e universal.
 
Os direitos individuais, o direito da diversidade sexual e a questão política continuam sendo temas de grande importância.
 
Mas a principal razão deste espetáculo é que o texto fala da amizade sincera e incondicional entre duas pessoas.
 
 

 
 

Diego.

 
Vejo como oportuno transcrever as palavras do diretor, a respeito da ideia de montagem da peça: “Histórias de amizade sempre me fascinaram. Principalmente, quando o tema extrapola para outras ações dramáticas. O texto de SENEL PAZ tem uma dramaturgia muito bem construída, abordando questões universais, como política, liberdade (em todos os sentidos), preconceito e, principalmente, amizade. São temas universais, tão discutidos na atualidade. É um texto emocionante. Conheci SENEL PAZ, em Cuba, quando fui participar da inauguração da Escuela Internacional de Cine y TV de San Antonio de Los Baños. Embora soubesse que aquele companheiro de quarto escrevesse (eu dividia as instalações com mais um cubano), era difícil acreditar que SENEL PAZ, poucos anos depois, seria um autor conhecido internacionalmente.”

            Ao contrário do que eu imaginava, não foi o filme que deu origem à peça. A trajetória foi esta: um conto deu origem a uma versão da peça, que deu origem ao filme. Este, depois, voltou a ser uma peça teatral, com o texto modificado, com base no filme, ao qual foram acrescidos outros personagens. A versão que está sendo encenada é a mais recente de todas, a última, de 2012, reescrita pelo próprio SENEL.

            Por total falta de tempo, não farei uma análise tão profunda do espetáculo, como ele bem merecia, entretanto não me furto a dizer que o que vi, ontem, em cena, foi mais uma prova de que é possível se fazer um excelente espetáculo a um custo baixo, contando com o trabalho, o talento e a criatividade das pessoas envolvidas no projeto.

            O texto é belíssimo e alterna diálogos com “bifes” (monólogos longos), narrativos, explicativos, quase didáticos, direcionados à plateia, quase que como solilóquios. É sério, por se tratar de um drama, mas não nega espaço a algumas tiradas que provocam bom humor, quase cem por cento por meio de frases ditas pelo personagem “gay”, DIEGO.

A direção é corretíssima, valorizando o texto e a atuação dos atores, sem nenhuma pretensão a grandes ousadias. É, digamos, “acadêmica”, no melhor sentido da palavra.
 
 
 

Márcio Nascimento e Vítor Peres.

 
O desempenho do trio de atores, MÁRCIO NASCIMENTO (DIEGO), VÍTOR PERES (DAVID) e ANDRÉ BRILHANTE (MIGUEL) é muito bom, com destaque para MÁRCIO, que descobriu o tom perfeito para a interpretação do intelectual “gay”, sem cair, em nenhum momento, no ridículo da caricatura, nem mesmo quando “dubla” Maria Callas, num trecho da “A Flauta Mágica”, de Mozart.

Achei lindo o cenário, de CARLOS ALBERTO NUNES, que traduz, com perfeição, o ambiente de humildade e pobreza do universo “kitsch” (brega, cafona), já nosso conhecido em outras produções (filmes e peças), que mostram esse tipo de habitação cubana. Os detalhes do cenário são fascinantes; todos os objetos que ocupam um móvel/estante, ao fundo, são de chamar a atenção do público, assim como o sofá, totalmente “démodé”, e uma mesinha de centro. À frente, quase na ribalta, num dos cantos do palco, apenas uma mesa e duas cadeiras, representando a sorveteria, local em que os dois amigos se conhecem.

É muito boa a escolha dos figurinos, também assinados por CARLOS ALBERTO NUNES, seguindo os padrões da época e a simplicidade e pobreza franciscana dos personagens, com um pouco de destaque para os de DIEGO, por ser mais exibicionista, vaidoso e de “melhores posses”.

Nenhum comentário especial para a iluminação, de DJLMA SALGUEIRO, o qual, sem culpa alguma, não tem, a oportunidade de mostrar grandes mudanças de luz, em função das exigências do texto.

Como não poderia deixar de ser, a trilha sonora, de MARCELO ALONSO NEVES, é um dos pontos altos da encenação, usando e abusando da deliciosa música cubana, além de outras pequenas inserções.

 Cabe, por último, uma alusão ao excelente programa da peça, que traz um encarte, com informações interessantíssimas, as quais ajudam muito, aos menos familiarizados com a história da terra de Fidel, a entender a peça.


O começo de uma amizade.



 
 
FICHA TÉCNICA:
 
Texto: Senel Paz
Tradução, Direção e Produção: Antônio Carlos Bernardes
 
Elenco: Márcio Nascimento, Vítor Peres e André Brilhante
 
Cenografia e Figurinos: Carlos Alberto Nunes
Trilha Sonora: Marcelo Alonso Neves
Iluminação: Djalma Amaral
Fotos: Paulo Rodrigues
Programação Visual: Bia Salgueiro
Pesquisa de Textos do Programa: Antônio Carlos Bernardes
Divulgação: Márcia Vilella (Target)
 
 

 

            “MORANGO & CHOCOLATE – QUERIDO DIEGO” é daqueles espetáculos que nos provocam a vontade de rever duas, três vezes... E como eu gostaria disso!!! É uma pena que não conseguirei fazê-lo, a não ser que a peça volte, em outra temporada, pelo que torço muito.




O retrato da AMIZADE.

 

                    (FOTOS: PAULO RODRIGUES.)


 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário