sábado, 24 de maio de 2014


COCK – BRIGA DE GALO

 

 

(“PARA UM BOM RELACIONAMENTO, VALE A PENA UMA BOA LUTA.”)

 

 


 

 

            O subtítulo desta resenha foi o que instigou o jovem ator e produtor FELIPE LIMA e o fez entrar, em Nova York, no famoso THE DUKE ON 42ND STREET (um teatro off-Broadway), quando, solitário, caminhava pelas ruas da região, em férias, depois de um longo, vitorioso e exaustivo período de muitas temporadas e viagens com o excelente espetáculo R&J de Shakespeare – Juventude Interrompida.  Férias mais que merecidas.

 

Built and operated by The New 42nd Street, The Duke on 42nd Street is an intimate, flexible, black-box theater available for rental to both domestic and international nonprofit and commercial organizations.            A título de ilustração, algumas informações sobre o Duke, retiradas de seu “site”: “Construído e operado pela The New 42nd Street, o Duke é um íntimo e flexível teatro “black-box”, From Great Britain's National Theatre to the International Dance Festival, many performing arts companies have called The Duke on 42nd Street their homeFeaturing a gallery along all four walls and a custom-built, state-of-the-art seating system, the flexible-use space offers full light, sound and support systems in various conoferecendo a possibilidade de várias configurações de plateia. The Duke on 42nd Street is a fully-staffed, full service facility in the heart of the theater district. The 2012-13 presentations at The Duke on 42nd Street include Mike Bartlett's Cock by The Royal Court Theatre and produced by Stuart Thompson/Jean Doumanian, House for Sale by Transport Group, Artist of Light by iLuminate, I, Malvolio by Tim Crouch and presented by The New Victory Theater, Much Ado About Nothing by Theatre for a New Audience, The Memory Show by Transport Group, The Girl who Forgot to Sing Badly by Theatre Lovett and presented by The New Victory Theater, and Unlock'd by Prospect Theater CompThe Duke on 42nd Street is named in recognition of a generous grant from the Doris Duke Charitable FounRecebeu esse nome em reconhecimento a uma generosa doação da Fundação de Caridade Doris Duke.”

 

 

 


Fachada do DUKE.

 

 

 

COCK at The Duke on 42nd Street, New York, NY

COCK, no DUKE.

 

 

 

 


Configuração de COCK, no DUKE.

 

 

 

A

Atores encenando COCK, no DUKE.


 


           Na porta do galpão onde funciona o espaço teatral, estava escrita uma frase, no cartaz de COCK: “A good relationship is worth a good fight.”.  FELIPE entrou naquele espaço, pare ele , até então, desconhecido, e, como estava à procura de um texto interessante para montar no Brasil, de preferência com poucos personagens (eram apenas quatro), resolveu ficar e assistir ao espetáculo, cujo final lhe rendeu uma ideia fixa: comprar os direitos da peça e montá-la no Brasil, tão arrebatado ficara com o que vira, o que acabou conseguindo.  Posteriormente, outros brasileiros, ilustres personalidades do TEATRO, também demonstraram o mesmo desejo de FELIPE, mas este foi mais rápido no gatilho.
 

 

 


Cartaz (original, em dois sentidos) de COCK, no DUKE.

 

 

            No programa do espetáculo, FELIPE LIMA disse: “Apesar de não acreditar no acaso, foi ‘por acaso’, que, numa tarde de julho de 2012, entrei num galpão e me deparei com uma enorme arena de madeira, onde seria apresentada uma ‘peça de teatro’, chamada ‘Cock’.

 

            Vamos às “minhas” explicações para os destaques, um a um, entre aspas:

 

            1) Também acho que nada acontece por acaso; ele não existe, na minha opinião, e o que aconteceu naquela tarde não foi “por acaso” mesmo; foi, antes, uma conspiração, dos deuses do TEATRO, para que o jovem ator e produtor estivesse na hora certa, no lugar certo e com um ótimo propósito.

 

            2) Peça de teatro?  Numa arena de madeira, desprovida de cenários, de objetos de cena e, como seria observado no decorrer da apresentação, de cerca de 90 minutos, com uma luz única e os personagens trajando o mesmo figurino, em momentos e locais diferentes?

 

            3) “Cock” seria um bom título para uma “peça de teatro”?  É ambíguo, podendo ser traduzido, em português, por “Galo”, embora também seja um correspondente vulgar, chulo, para “pênis”.  Ambas as acepções do vocábulo se encaixam perfeitamente no texto, brilhantemente traduzido por EDUARDO MUNIZ e RICARDO VENTURA.

 

 

 


 

 

 


 

 

            A sinopse oficial da peça, fornecida pela produção, é esta:

 

 
“A peça flagra um homem inerte (John), dividido entre ficar com seu parceiro de longa data (M) ou se abrir para uma nova possibilidade, assumindo o amor por uma mulher (W).  Vivendo uma relação estável com seu companheiro, ele não apenas encara o dilema de encerrar uma longa história de amor, mas entra em conflito ao se apaixonar por alguém do sexo oposto, enfrentando a oposição do seu parceiro e também de F, pai de M, que não acredita na 'mudança' de opção de John".
 

 

            A partir desse resumo do excelente texto, do premiado dramaturgo inglês MIKE BARTLETT, o que se vivencia é um turbilhão de emoções, discussões, tensões, surpresas, que vão fazendo com que o público mergulhe, de cabeça, no universo das relações homoafetivas, tema, cada vez mais, tão abordado nos dias de hoje.  Em tempos de discussão ampla sobre tal temática, quando os homossexuais vão às ruas, clamando por respeito, por dignidade e por seus direitos de cidadãos, querendo um “basta” para o tipo de discriminação que sofrem, infelizmente, por boa parte da sociedade, assistir a uma peça como COCK chega a ser uma atividade didática e de grande contribuição para mudar o pensamento dos que, ainda, enxergam o feio, o errado, o sujo na relação afetiva entre pessoas do mesmo sexo.

 

 



 

 


JOHN, o personagem de FELIPE LIMA, vive um grande dilema, em torno do qual a peça se desenvolve.  Seu casamento, de sete anos, com M, interpretado por MARCIO MACHADO, já vinha se deteriorando e M se sente ameaçado, no exato momento em que o companheiro lhe revela ter conhecido W, uma mulher, vivida por DEBORA LAMM, e que se sente apaixonado por ela.  Mas que tipo de paixão?  É paixão?  Não é amor?  Paixão e amor são sinônimos?  São sentimentos de mesma natureza?  Seria possível alguém amar duas pessoas, ainda mais de sexos diferentes, simultaneamente?  Intaura-se, nesse momento, uma grande confusão na cabeça do rapaz.  Ele, que nunca havia se relacionado sexualmente com uma mulher, descobre o quanto uma atividade heterossexual é boa, prazerosa, “incrível”.  Apaixona-se por ela, mas volta para o namorado, a quem abandonara, após longa e tórrida discussão (excelente cena), e se reserva o direito de questionar os seus sentimentos.  Por uma imposição mais social que de foro íntimo, vê-se na obrigação de fazer uma “escolha”.  Numa de suas falas, JOHN deixa bem claro que sente, pela mulher, mais uma atração física, embora ache que também a ame.  O sexo, com ela, passa a ser mais interessante do que com M, entretanto o porto seguro, o companheirismo, o afeto, o amor-sentimento está focado mais sobre este.

 

Para complicar, mais ainda, a situação, M convida JOHN e W para um jantar, a fim de tentar, numa conversa, “amistosa”, a três, pôr um fim àquela incômoda situação, facilitando ao amado o seu bater de martelo.  Só que, não confiando em seus poderes de sedução e/ou de persuasão, pede a seu pai, F, representado por HÉLIO RIBEIRO, em participação especial, que também faça parte do encontro, para ajudá-lo na difícil missão de prender as amarras no seu porto.  É muito interessante esse aspecto de um pai não só aceitar um filho homossexual como brigar por sua felicidade ao lado do homem que ama.  É uma postura totalmente inverossímil em gerações mais antigas, porém, hoje, cada vez mais em evidência, num novo tipo de família, ainda que sob protestos dos mais conservadores.

 

A partir daí, o que se vê são quatro personagens em cena, totalmente acuados, como se estivessem numa rinha de briga de galos ou num ringue, travando um quase duelo mortal, dizendo um texto cheio de humor ácido e refinado, de ironias, de farpas, de jogos de palavras, de deboches...  É uma guerra, sim, mas de palavras, de pensamentos, de condutas; não de ações físicas.

 

O problema não está em ficar dividido entre ser (jamais usaria o verbo “optar”) hétero ou homossexual.  A questão é bem mais profunda.  O que está em jogo é a dúvida de um ser humano, que não sabe, não consegue valorar sentimentos e desejos distintos: o amor carnal, não importa se com homem ou com mulher, e uma relação de sentimento amoroso, de companheirismo, de cumplicidade, de complemento, vindo de uma outra “metade”.  “Por acaso”, o que desperta, em JOHN, o prazer sexual maior do que o vivenciado, há sete anos, com um companheiro, homem, veio do contato com uma mulher.  Ali, o indivíduo se entendeu bissexual, com uma satisfação mais acentuada pelos prazeres da carne descobertos no elemento do sexo oposto, mas bem poderia ter sido com um outro homem.  Eis, portanto, que o dilema que envolve a “escolha” é bem mais difícil de ser resolvido, ou, até, não vir a ser.

 

            O texto de BARTLETT discute, no que parece ser em primeiro plano, a questão da sexualidade, mas também se dedica a falar de preconceitos, de quebra dos rótulos impostos pela sociedade, que insiste em estabelecer padrões de comportamento, ligados a “normalidade” ou “anormalidade”, aceitação ou rejeição, politicamente correto ou incorreto...  O termo “sair do armário”, atribuído ao indivíduo “gay”, ao assumir a sua sexualidade, nesta peça, prende-se muito mais à questão do libertar-se do que do aceitar-se, assumir-se “gay”.

 

A encenação é de um nível de excelência que supera, em muito, as expectativas.  Comigo, pelo menos, foi assim.  Os três atores que vivem o triângulo amoroso dão uma aula de interpretação, no que são seguidos, também, por HELIO RIBEIRO.  FELIPE LIMA, MARCIO MACHADO e DEBORA LAMM foram escolhidos com a precisão cirúrgica da direção e passeiam da comédia ao drama, e vice-versa, com a mesma intensidade e facilidade, fruto do talento desses grandes atores, principalmente de TEATRO.  Não há como destacar a atuação de um deles, já que três aspectos relevantes colaboram para a irretocável atuação do trio. 

 

MÁRCIO, em função, talvez, das características do seu personagem, arranca mais gargalhadas (nervosas) e aplausos, inclusive em cena aberta, da plateia, a cada “ataque” que o personagem tem.  Temperamental e egoísta (seria “egoísmo”?) esse M.  Um excelente trabalho de composição de personagem, vindo de um dos melhores atores de sua geração.  O grande público deve a este ator o reconhecimento de seu talento.  Eu já o fiz.

 

 

 


Marcio Machado, em primeiro plano.

 

 

FELIPE destaca-se por manter, do princípio ao fim da peça, um tom de total perturbação mental, de desconforto, de insatisfação, procurando, e conseguindo, manter a linha, dentro do que é possível, e pouco se destemperando.  Precisava de um texto que lhe desse a oportunidade de mostrar ao público o seu grande potencial de interpretação.  Encontrou-o e provou que é um excelente profissional.  Uma belíssima interpretação.

 

 

 


Felipe Lima.

 

 

 

A personagem de DÉBORA, mais identificada -  a atriz -, com a comédia, a partir do momento em que JOHN “faz a sua escolha”, muda, radicalmente, seu comportamento e isso dá à atriz a oportunidade de demonstrar sua habilidade em mexer com a emoção do espectador.  É muito emocionante, comovente, a sua atuação no final da peça.  Acompanho sua carreira, que muito me agrada, e arrisco o palpite de que ela está no melhor momento, até agora, de sua brilhante trajetória no TEATRO.

 

 

 


Débora também sabe fazer chorar.

 

 


Quanto a HÉLIO RIBEIRO, seu personagem aparece muito pouco na trama, o suficiente, porém, para que o excelente ator possa provar a que veio, ele que se destacou como Freud, em recente montagem do espetáculo Freud Além da Alma, espetáculo com o qual o ator continua viajando pelo Brasil.  Ótimo trabalho!  Provocou-me, em alguns momentos, uma grande antipatia pelo personagem, quando, oscilando entre os dois contendores, M e W, eu “torcia” por esta.  Ah!  Como esse TEATRO mexe com a gente! 

 

 

 


Hélio Ribeiro, fazendo aumentar as labaredas da fogueira na qual alguém seria incinerado.

 

 

 

Falemos, agora, sobre a direção, de INEZ VIANA.  Um único adjetivo para caracterizá-la: magnífica!  Para INEZ, que, já há algum tempo, além de ótima atriz e cantora, vem se destacando em direções tão excelentes quanto esta (Maravilhoso e Nem Mesmo Todo o Oceano, as mais recentes), deve ter sido um desafio muito grande dirigir este espetáculo, obedecendo às indicações/solicitações do autor do texto, para que a história fosse contada sem qualquer artifício cênico, como cenários, objetos de cena, variações de figurinos e de luz, como fora a peça montada no Duke, num exíguo espaço físico, como uma rinha ou um ringue (as cenas são entrecortadas pelo som familiar daquele objeto que anuncia o início e o término de cada “round” - gongo ou algo parecido).  E, ainda mais, sem mímicas dos atores.  Mas como assim?  Como atingir tal “milagre”?  INEZ e seus discípulos, sob o comando de sua batuta, são os “santos milagreiros”.  E isso é possível?  Acontece no palco, ou melhor, na rinha/ringue?  Sim.  O texto sugere, os atores executam sua parte e cabe ao público “enxergar” um dos amantes despindo-se para ao outro, sem o menor gesto e movimento do ator, e, também, os quatro personagens jantando num jardim; idem.  Devaneio ou não, chega a ser possível sentir o paladar do vinho ou o cheiro da carne, elogiados pelos comensais.  Isso é incrível!  É fantástico como os atores levam o público a invadir a sua privacidade e até dela participar, bem próximos, fisicamente, uns dos outros.

 

 

 


Diretora.

 

 

 


 

 

 


 

 

Na ficha técnica, vale a pena ressaltar alguns nomes:

 

ILUMINAÇÃO – RENATO MACHADO – Nada a dizer sobre o trabalho deste conceituado profissional, uma vez que a proposta da encenação não contempla variações de luz.

 

ESPAÇO CÊNICO – FLÁVIO GRAFF – Também não tenho nada a comentar sobre este detalhe, por motivos óbvios, mais que já citados.

 

TRILHA SONORA ORIGINAL – JOÃO CALLADO – Muito boa e precisa.

 

FIGURINO – JÚLIA MARINI – Apesar de não haver trocas, como já mencionado, as roupas que a figurinista escolheu para os quatro atores se encaixam, perfeitamente, no perfil de cada um.

 

PREPARAÇÃO CORPORAL – DANI AMORIM – Detalhe muito importante neste espetáculo.  Muito bem trabalhada.

 

ASSISTENTE DE DIREÇÃO – LUÍS ANTÔNIO FORTES – Ator nos trabalhos de direção de INEZ VIANA, por conhecer bem a maestrina, deve ter sido de grande valia o seu trabalho.

 

MÍDIAS SOCIAIS – LEO LADEIRA – faz um ótimo trabalho, responsável pela manutenção da “fanpage” do espetáculo, o que contribui bastante para a sua divulgação.

 

EQUIPE DE PRODUÇÃO E GESTÃO – PRIMEIRA PÁGINA PRODUÇÕES CULTURAIS – Leia-se: MARIA SIMAN, BRUNA AYRES, PAULA SALLES, GABRIELA MENDONÇA, JOANA D’AGUIAR e LUCIANO MARCELO.

 

 

 


 

 

 


 

 

 

O espetáculo, ao que tudo indica, veio para marcar o ano teatral de 2014. 

 

É comum, após uma estreia, que os convidados, normalmente, gente da classe teatral, da imprensa e amigos, façam elogios ao espetáculo, sem que, muitas vezes, pareçam sinceros em suas avaliações, apenas por uma espécie de “corporativismo” ou por uma questão ético-profissional, ou de educação mesmo.  Minha vasta experiência nessas ocasiões me mostrou que, no caso de COCK – BRIGA DE GALO, as pessoas se manifestavam, após a sessão de estreia, de uma forma tão verdadeira e generosa, muito emocionadas, mesmo, e felizes com o que viram, assim como eu também fiquei, que senti muita verdade nos depoimentos, muita emoção nas opiniões firmadas, nas muitas conversas que mantive com elas.  Esse detalhe me chamou muito a atenção.

 

O espetáculo, que não é para ser visto apenas uma vez e que foi montado em outras grandes capitais, no mundo inteiro, estreou, com estrondoso sucesso, na última 3ª feira (20 de maio), no Teatro Poeira, para uma temporada até 24 de julho, às 3ªs, 4ªs e 5ªs feiras, às 21h.

 

 

 


 


 


 

 

Vida longa a este espetáculo!!!

 

“Para um bom relacionamento, vale a pena uma boa luta.”.  Para uma satisfação garantida, vale a pena assistir a COCK – BRIGA DE GALO.

 

 

           

 


 

 

 


Eu e a equipe de Primeira Página Produções Culturais (Paula Salles, Bruna Ayres, Maria Siman, e Gabriela Mendonça.

 

 

 


Eu e o ator, produtor e idealizador do projeto, Felipe Lima.

 

 

 


Eu e Debora Lamm.

 

 

 


Eu e Hélio Ribeiro.

 

 

 


Eu e Marcio Machado.

 

 

 


Eu e Inez Viana.

 

 

 

(FOTOS: LEO LADEIRA)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

3 comentários:

  1. Bravíssimooooooooooooooooooooooooo!!!!!

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  2. FUI ASSISTIR ONTEM, FIQUEI APAIXONADA PELO TEXTO, INTERPRETAÇÕES, DIREÇÃO, ABSOLUTAMENTE TUDOOOOO!
    HOJE, LENDO SUA RESENHA, MEU AMOR POR "COCK-BRIGA DE GALO", SÓ CRESCEU!!!
    VOU VOLTAR!!!UMA VEZ É POUCO <3

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  3. Fui neste 01/07 e só tenho a dizer: TRÈS MERDE!!!
    Elenco / direção MAGNÍFICOS !!!

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