domingo, 25 de agosto de 2013


PALHAÇOS   -   “VAI, VAI, VAI COMEÇAR A BRINCADEIRA”...  (BRINCADEIRA?)  

 
 

(Danilo  Grangheia e Dagoberto Feliz)
 

Infelizmente, só consegui assistir a um belíssimo espetáculo da atual safra na reta final de sua meio curta temporada no Rio de Janeiro.  Na verdade, hoje é a última apresentação de PALHAÇOS, no Teatro Poeirinha.  Que pena!  “Que peninha de galinha!”, como dizia um conhecido palhaço da TV, muito longe de ser engraçado, como os verdadeiros palhaços, os dos circos de lona.

Estas considerações sobre a peça não servirão para estimular alguém a assistir a ela, entretanto, faço questão de registrar toda a emoção que um texto e dois atores me proporcionaram, há dez dias, mas que, só agora, por várias contingências, tive a oportunidade de traduzir em palavras.

O espetáculo está em cartaz há oito anos, tendo iniciado sua carreira em São Paulo (com dez temporadas), em 26 de agosto de 2005, e viajado por todo o Brasil.  Seria ótimo que encontrassem outro teatro para dar prosseguimento à feliz temporada carioca. 

O texto foi escrito em 1974, por Timochenko Wehbi, dramaturgo e sociólogo paulista, falecido em 1986, mais conhecido por sua peça “A Dama de Copas e o Rei de Cuba”.

            Conta o encontro de dois homens: um palhaço e um ardoroso fã.  O palhaço é Careta, que se apresenta sempre à meia-noite e treze, no Circo de um Homem Só, personagem vivido por Dagoberto Feliz.  O fã é Benvindo (Danilo Grangheia), um comerciário, que trabalha numa sapataria e é fascinado por palhaços, ou, quem sabe, por aquele, em especial.

            Ao término de mais uma função no circo, Benvindo, valendo-se da porta aberta do parco camarim, procura Careta, para cumprimentá-lo pelo trabalho, mas, na verdade, ávido de informações sobre a vida do palhaço.  É iniciado, então, um diálogo, que tinha tudo para ser simples, célere, polido e agradável, o que, evidentemente, não renderia um belíssimo texto dramático. 

Ocorre que, paulatinamente, é Careta quem arranca confissões, aparentemente ingênuas de Benvindo e sua vida, mas que vão criando um clima desafiador e conflituoso entre os dois, no qual o palhaço vai desmontando os sonhos mais puros e os desejos mais imundos de seu fã, elemento surpresa na peça e que gera uma grande expectativa, quanto ao desfecho da trama, inquestionavelmente uma tragicomédia.  

O texto discute temas do cotidiano, como arte, vocação, traição, amizade e permite que o espectador deixe o teatro e, por muito tempo, passe a refletir sobre eles, podendo, inclusive, valer-se do primoroso texto, para fazer uma retrospectiva de sua própria vida e refletir sobre seus erros e acertos.  Pelo menos, assim se deu comigo.  Tenho certeza de que Benvindo é o alterego de cada uma das pessoas que assistem a este instigante espetáculo. 

A direção, de Gabriel Carmona, é bastante satisfatória e simples, uma vez que o potencial dramático dos dois atores e a clareza do texto não exigem muito malabarismo da direção. Gabriel utiliza truques circenses bem simples e algumas poucas brincadeiras com a plateia, trazendo-nos à lembrança as tardes de domingo de nossa infância.  Assim foi a minha, graças a Deus (adoro circo e tenho veneração por palhaços).

O tom, por vezes, agressivo de Careta, ao se dirigir a Benvindo, e as provocações daquele sobre este não são suficientes para que o público desconfie da grande surpresa preparada pelo autor do texto para o “gran finale”, que, obviamente, não revelarei.

Os atores, cujos trabalhos eu não conhecia, são excelentes e demonstram, em cena, uma cumplicidade total, representando com uma naturalidade poucas vezes observada em cena, mormente Danilo Grangheia.  Seu tom de voz é muito tênue e, por vezes, o ator sussurra o texto tão naturalmente, que dá a impressão de que está “pensando alto”.  Trabalho impecável, como também é o de Dagoberto Feliz, este um pouco mais histriônico, por exigência do próprio personagem.

Alguém fica em cartaz por oito anos, no Brasil, com sucesso absoluto de público e de crítica, impunemente?  No programa da peça, diz o diretor do espetáculo que este já foi apresentado para sete pessoas e para setecentas; para jovens e anciãos; para ricos e pobres, a todos levando a mesma emoção e comunicação.  Acho que isso responde à pergunta.

PALHAÇOS é daqueles espetáculos que marcam um espectador que não tem medo de expor a sua criança interior nem de se permitir fazer um balanço de seus acertos e erros até chegar à idade adulta.

 

 

 

Um comentário:

  1. Arrasada por não tre visto. Depois de seu texto então, só aumentou a crise de abstinência!
    Belo texto.

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