segunda-feira, 22 de setembro de 2025

“DOIS PAPAS”

ou

(UMA PERFEITA

E COMPLETA

AULA DE TEATRO.)

 

 



         Como é gratificante assistir a uma peça teatral que, no fundo, pode ser resumida numa perfeita e completa aula do que seja o bom TEATRO! Passei, muito recentemente, por tal experiência, depois de ter assistido ao espetáculo “DOIS PAPAS”, que, infelizmente, já não está mais em cartaz, no Teatro Cultura Artística, em São Paulo. Ainda que a temporada tenha sido encerrada um dia após a minha ida àquela casa de espetáculos, jamais deixaria de registrar minhas impressões sobre tal OBRA-PRIMA, até porque a peça ainda fará apresentações em outras praças do estado de São Paulo. Acrescento que é uma pena que não possa ser trazida aos espectadores cariocas.




SINOPSE:

O espetáculo traz à cena um fictício embate entre o teólogo conservador Papa Bento XVI, antes Cardeal Joseph Ratzinger, de nacionalidade alemã (ZÉCARLOS MACHADO), e o Cardeal argentino Jorge Bergoglio (CELSO FRATESCHI), de visão progressista e futuro Papa Francisco.

Os dois personagens são interpretados em uma trama de confronto de ideias de dois homens com visões bem díspares de mundo, demonstrando, porém, respeito e amizade mútuos.

Com toques de refinado humor, a história traz, de um lado, um requintado teólogo, representante da tradição e dos velhos costumes da Igreja Católica Apostólica Romana, e, do outro, um religioso carismático e com fama de “rebelde”, disposto a construir pontes com as mudanças do mundo moderno.

Bergoglio está decidido a pedir a sua aposentadoria, devido a divergências sobre a forma como Bento XVI vinha conduzindo a Igreja, no entanto, é surpreendido por um convite pessoal, do próprio Papa Bento, que mudará o seu destino: um encontro entre os dois.

Bento XVI considera renunciar ao papado, diante das crescentes pressões e desafios enfrentados pela Igreja.

Enquanto isso, Bergoglio, prestes a anunciar sua própria saída de um dos postos de comando da Santa Madre Igreja, torna-se um candidato improvável à sucessão.

Um tenta demover o outro de seus intentos.

Agora, juntos, eles precisam superar suas diferenças e encontrar um novo caminho.

Nesse encontro fascinante, visões de mundo se confrontam, segredos são revelados e a trama toma um rumo inesperado, levando Bergoglio a uma decisão que pode mudar não apenas o destino da Santa Sé, mas também o de sua própria vida.


 

 



         A dramaturgia, de ANTHONY MCCARTENé um primor, robustecida por uma excelente tradução e adaptação de RUI XAVIER, sendo esta a primeira montagem internacional do texto, com uma originalíssima e correta direção de MUNIR KANAAN.




         Concordo com o dizer do diretor, quando considera que, em cena, estariam duas versões de cada um dos personagens. Há, de um lado, a presença “pública” dos dois, de “figuras públicas”, “num segundo plano, conhecidos pelos grandes eventos e cerimônias, vistos pela TV e pela internet”. De outro, joga-se, entretanto, muito mais luzes sobre o que há de particular, de mais íntimo dos dois. Revela-se, de forma surpreendente, “a intimidade desses dois homens, o cotidiano, aquilo que não vemos na mídia”, sob a ótica fertilíssima de um dramaturgo. A possibilidade do diálogo que nunca existiu, de verdade, é o que move esta história, com “duas visões de mundo completamente diferentes”.




         Curioso é que, embora fosse um grande conservador, é, exatamente, Bento XVI quem convida o, então, Cardeal Bergoglio para um colóquio, mesmo conhecendo, o invitador, a alma do invitado, um homem mais aberto, que chega hesitante para ter aquele “papo reto” com o superior. “São as complexidades desse encontro que conduzem o diálogo sobre a necessidade de mudanças”, enfatiza MUNIR KANAAN, cujo trabalho, como diretor, eu desconhecia, até então, e pelo qual muito felicito, por tamanha versatilidade e bom gosto.




         Uma das principais condições – na verdade, a principal – para que eu rotule uma montagem teatral como uma OBRA-PRIMA é o fato de não encontrar, em nenhum dos elementos que entram na sua produção, alguma falha, por menor que possa ser. Muito ao contrário, tudo funciona aqui em permanente harmonia durante o tempo total da peça (135 minutos), já considerado, atualmente, por muitos, longo, para uma peça de TEATRO, opinião com a qual não comungo, até porque a questão da extensão do tempo de um espetáculo teatral é extremamente relativa e varia muito quanto à sua qualidade. Já me entediei no primeiro quarto de produções que duram até menos de uma hora e, como aconteceu nesta peça, já vibrei, desde o início, com espetáculos de “longa” duração, como, verdadeiramente, é “DOIS PAPAS”, que prende a atenção de qualquer espectador, a ponto de entrarem em conflito o tempo cronológico, exterior, com o psicológico, interior. Não sentimos o tempo passar e até preferíamos que não houvesse o intervalo entre dois atos.




     Logo que adentramos a audiência do Teatro, chama-nos a atenção o interessante, curioso e funcional cenário, criado por ERIC LENATE, que, na FICHA TÉCNICA, aparece como responsável pela “arquitetura cenográfica”, nome pomposo para a cenografia. Tudo na cor branca, muito “clean”, na forma de diversos cubos de tamanhos bastante variados, que se transformam em móveis e outros objetos, quando mudados de lugar. Tudo serve a várias "locações", como num filme.




         CAROL ROZ assina os lindos, elegantes e muito bem acabados figurinos, mormente os vestidos pelos dois religiosos, com uma supremacia, como não poderia deixar de ser, para os trajes papais.




          O talento de um dos maiores iluminadores deste país, BETO BRUEL, se não for o mestre de todos, põe-se a serviço da peça de uma bela iluminação do espetáculo, tudo a tempo e a hora, para evidenciar o que merece destaque no espaço cênico. O conjunto desses três importantes elementos, todos a serviço dos atores, representa importantes esteios para uma interpretação digna de prêmios.




         Quando me volto para as interpretações, sei que pensam estar eu me referindo somente ao trabalho, individual e na troca, de MACHADO e FRATESCHI. E não poderia ser de outra forma, pois ambos são grandes maestros, na arte de representar e, neste espetáculo, se apresentam de forma impecável e emocionante, como sempre, aliás. O “placar desse jogo” termina em empate, com uma exagerada “marcação de gols” jamais vista “numa partida de futebol”. Mas não pensem que minhas homenagens se concentram apenas no par de protagonistas. Estendo meus mais efusivos aplausos às duas magníficas atrizes que também fazem parte do elenco da peça: CAROL GODOY (Irmã Sofia), que contracena com CELSO, e ELIANA GUTTMAN (Irmã Brigitta), que dialoga com ZÉCARLOS. A Irmã Sophia é uma jovem freira argentina, que teve sua trajetória transformada pelos ensinamentos do cardeal Jorge Bergoglio. Já a Irmã Brigitta é uma editora de livros religiosos, intelectual e amiga mais próxima de Bento XVI, que conhece suas angústias, diante das pressões do cargo. Não conhecia as duas atrizes nem, muito menos, podia imaginar o potencial de profissionalismo das duas, ambas à altura de contracenar com dois gênios do palco, como os protagonistas da peça. Ambas ocupam os lugares que lhes são destinados, na trama, como duas atrizes em papéis coadjuvantes de luxo, com muita firmeza e carisma. Sendo assim, estamos diante de um quarteto que valoriza o texto.





         Não poderia deixar de fora a bela trilha sonora – Leia-se DAN MAIA. -, que ajuda, consideravelmente, a compor o ambiente para a concretização de cada cena.




         Creio que a principal mensagem que a peça nos passa é a de que não importam tanto as convicções e as formas de agir, de enxergar o mundo, de duas pessoas de pensamentos tão opostos, quando predomina o respeito à opinião alheia. O Papa Bento XVI “é um homem com suas virtudes e contradições dentro do mundo religioso. Está em um momento de fragilidade física, diante desse cargo, que exige tanto. Apesar de ser um intelectual, ele tem muito humor, características que vão humanizando essa figura. (...) As vozes são discordantes, de Bento XVI e de Francisco, mas, quando se reconhece o lado humano e se tem uma boa vontade, é possível encontrar um caminho em que a humanidade, de fato, se estabeleça.”










FICHA TÉCNICA:

Idealização: Munir Kanaan e Rafa Steinhauser

Dramaturgia: Anthony McCarten

Tradução: Rui Xavier

Direção: Munir Kanaan

Diretor Assistente: Gustavo Trestini.

 

Elenco: Celso Frateschi (Cardeal Bergoglio, futuro Papa Francisco), Zécarlos Machado (Papa Bento XVI), Carol Godoy (Irmã Sofia) e Eliana Guttman (Irmã Brigitta)

Participação em vídeo: Rafa Steinhauser

 

Arquitetura Cenográfica: Eric Lenate

Figurino: Carol Roz

Iluminação: Beto Bruel

Trilha Sonora Original e Desenho de "Surround": Dan Maia

Adereços e Produção de Objetos de Cena: Jorge Luiz Alves

Assistência e Operação de Luz: Rodrigo Silbat

Contrarregras: Rodrigo Caetano e Rui Xavier

Instalação Técnica de Áudio e Mixagem da Trilha Sonora no Espaço Cênico: L.P. Daniel

Direção de Imagem e “Videomapping”: André Grynwask e Pri Argoud (Um Cafofo)

Camareira: Liduina Aires

Estagiária: Tori Moraes

Fotografia e Criação: Ale Catan

Programação Visual e Criação: Carlos Nunes

Assessoria de Imprensa: Adriana Balsanelli e Renato Fernandes

Realização: Gengibre Multimídia e Zug Produções

Apoio Cultural: La Serenissima, Nieto Senetiner, Cultura Artística e Cannal Midias Digitais

Produção: Gengibre Multimídia e Zug Produções

Direção de Produção: Carol Godoy

Consultoria administrativa: Dani Angelotti (Cubo Produções)


 






 

         Por motivos óbvios, não há sentido em divulgar o SERVIÇO da peça. Queiram os DEUSES DO TEATRO que o espetáculo continue fazendo a magnífica carreira que vem obtendo, de público e de crítica, desde a sua primeira temporada. A quem tiver a oportunidade de conferir, RECOMENDO MUITO ESTA MONTAGEM.

 

 


 

FOTOS: ALE CATAN.

 

 

É preciso ir ao TEATRO, ocupar todas as salas de espetáculo, visto que a arte educa e constrói, sempre; e salva. Faz-se necessário resistir sempre mais. Compartilhem esta crítica, para que, juntos, possamos divulgar o que há de melhor no TEATRO BRASILEIRO!
























































































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