“DOIS PAPAS”
ou
(UMA PERFEITA
E COMPLETA
AULA DE
TEATRO.)
Como
é gratificante assistir a uma peça teatral que, no fundo, pode ser resumida
numa perfeita
e completa aula do que seja o bom TEATRO! Passei, muito recentemente,
por tal experiência, depois de ter assistido ao espetáculo “DOIS PAPAS”, que, infelizmente, já não está mais em cartaz, no Teatro
Cultura Artística, em São Paulo. Ainda que a temporada tenha
sido encerrada um dia após a minha ida àquela casa de espetáculos, jamais
deixaria de registrar minhas impressões sobre tal OBRA-PRIMA, até porque a
peça ainda fará apresentações em outras praças do estado de São
Paulo. Acrescento que é uma pena que não possa ser trazida aos
espectadores cariocas.
SINOPSE:
O espetáculo
traz à cena um fictício embate entre o teólogo conservador Papa Bento XVI, antes Cardeal
Joseph Ratzinger, de nacionalidade alemã (ZÉCARLOS MACHADO), e o Cardeal argentino Jorge
Bergoglio (CELSO FRATESCHI),
de visão progressista e futuro Papa Francisco.
Os dois
personagens são interpretados em uma trama de confronto de ideias de dois
homens com visões bem díspares de mundo, demonstrando, porém, respeito e
amizade mútuos.
Com toques
de refinado humor, a história traz, de um lado, um requintado teólogo,
representante da tradição e dos velhos costumes da Igreja Católica Apostólica Romana,
e, do outro, um religioso carismático e com fama de “rebelde”, disposto a
construir pontes com as mudanças do mundo moderno.
Bergoglio está decidido a pedir a sua aposentadoria, devido a divergências sobre
a forma como Bento XVI vinha conduzindo a Igreja, no entanto, é surpreendido
por um convite pessoal, do próprio Papa Bento, que mudará o seu destino:
um encontro entre os dois.
Bento XVI considera renunciar ao papado, diante das crescentes pressões e
desafios enfrentados pela Igreja.
Enquanto
isso, Bergoglio, prestes a anunciar sua própria saída de um dos
postos de comando da Santa Madre Igreja, torna-se um
candidato improvável à sucessão.
Um tenta demover
o outro de seus intentos.
Agora,
juntos, eles precisam superar suas diferenças e encontrar um novo caminho.
Nesse
encontro fascinante, visões de mundo se confrontam, segredos são revelados e a
trama toma um rumo inesperado, levando Bergoglio a uma decisão que pode
mudar não apenas o destino da Santa Sé, mas também o de sua
própria vida.
A
dramaturgia, de ANTHONY MCCARTEN, é um primor, robustecida por uma excelente tradução e adaptação de RUI XAVIER, sendo esta a primeira
montagem internacional do texto, com uma originalíssima e correta direção
de MUNIR KANAAN.
Concordo
com o dizer do diretor, quando considera que, em cena, estariam duas versões
de cada um dos personagens. Há, de um lado, a presença “pública” dos dois, de “figuras
públicas”, “num segundo plano, conhecidos pelos grandes eventos e cerimônias, vistos
pela TV e pela internet”. De outro, joga-se, entretanto, muito mais
luzes sobre o que há de particular, de mais íntimo dos dois. Revela-se, de
forma surpreendente, “a intimidade desses dois homens, o
cotidiano, aquilo que não vemos na mídia”, sob a ótica fertilíssima de
um dramaturgo. A possibilidade do diálogo que nunca existiu, de verdade, é o
que move esta história, com “duas visões de mundo completamente
diferentes”.
Curioso
é que, embora fosse um grande conservador, é, exatamente, Bento XVI quem convida o,
então, Cardeal Bergoglio para um colóquio, mesmo conhecendo, o
invitador, a alma do invitado, um homem mais aberto, que chega hesitante para
ter aquele “papo reto” com o superior. “São as complexidades desse
encontro que conduzem o diálogo sobre a necessidade de mudanças”,
enfatiza MUNIR KANAAN, cujo
trabalho, como diretor, eu desconhecia, até então, e pelo qual muito felicito,
por tamanha versatilidade e bom gosto.
Uma
das principais condições – na verdade, a principal – para que
eu rotule uma montagem teatral como uma OBRA-PRIMA é o fato de não
encontrar, em nenhum dos elementos que entram na sua produção, alguma falha,
por menor que possa ser. Muito ao contrário, tudo funciona aqui em permanente
harmonia durante o tempo total da peça (135 minutos), já considerado,
atualmente, por muitos, longo, para uma peça de TEATRO, opinião com a
qual não comungo, até porque a questão da extensão do tempo de um espetáculo
teatral é extremamente relativa e varia muito quanto à sua qualidade. Já me
entediei no primeiro quarto de produções que duram até menos de uma hora e,
como aconteceu nesta peça, já vibrei, desde o início, com espetáculos de “longa”
duração, como, verdadeiramente, é “DOIS
PAPAS”, que prende a atenção de qualquer espectador, a ponto de entrarem em
conflito o tempo cronológico, exterior, com o psicológico, interior. Não
sentimos o tempo passar e até preferíamos que não houvesse o intervalo entre
dois atos.
Logo
que adentramos a audiência do Teatro, chama-nos a atenção o
interessante, curioso e funcional cenário, criado por ERIC LENATE, que, na FICHA TÉCNICA, aparece como responsável
pela “arquitetura
cenográfica”, nome pomposo para a cenografia. Tudo na cor branca,
muito “clean”, na forma de diversos cubos de tamanhos bastante variados,
que se transformam em móveis e outros objetos, quando mudados de lugar. Tudo
serve a várias "locações", como num filme.
CAROL ROZ assina os lindos, elegantes e
muito bem acabados figurinos, mormente os vestidos pelos dois religiosos, com uma
supremacia, como não poderia deixar de ser, para os trajes papais.
O
talento de um dos maiores iluminadores deste país, BETO BRUEL, se não for o mestre de todos, põe-se a serviço da peça de
uma bela iluminação do espetáculo, tudo a tempo e a hora, para evidenciar o que
merece destaque no espaço cênico. O conjunto desses três importantes elementos,
todos a serviço dos atores, representa importantes esteios para uma
interpretação digna de prêmios.
Quando
me volto para as interpretações, sei que pensam estar eu me referindo somente ao
trabalho, individual e na troca, de MACHADO
e FRATESCHI. E não poderia ser de
outra forma, pois ambos são grandes maestros, na arte de representar e, neste
espetáculo, se apresentam de forma impecável e emocionante, como sempre, aliás. O “placar
desse jogo” termina em empate, com uma exagerada “marcação de gols” jamais
vista “numa partida de futebol”. Mas não pensem que minhas homenagens
se concentram apenas no par de protagonistas. Estendo meus mais efusivos
aplausos às duas magníficas atrizes que também fazem parte do elenco da peça: CAROL GODOY (Irmã Sofia), que contracena com CELSO, e ELIANA GUTTMAN (Irmã Brigitta), que dialoga com ZÉCARLOS. A Irmã Sophia é uma jovem freira
argentina, que teve sua trajetória transformada pelos ensinamentos do cardeal Jorge
Bergoglio. Já a Irmã Brigitta é uma editora de
livros religiosos, intelectual e amiga mais próxima de Bento XVI, que conhece
suas angústias, diante das pressões do cargo. Não conhecia as duas atrizes nem,
muito menos, podia imaginar o potencial de profissionalismo das duas, ambas à
altura de contracenar com dois gênios do palco, como os protagonistas da peça.
Ambas ocupam os lugares que lhes são destinados, na trama, como duas atrizes em
papéis coadjuvantes de luxo, com muita firmeza e carisma. Sendo assim, estamos
diante de um quarteto que valoriza o texto.
Não
poderia deixar de fora a bela trilha sonora – Leia-se DAN MAIA.
-, que ajuda, consideravelmente, a compor o ambiente para a concretização
de cada cena.
Creio
que a principal mensagem que a peça nos passa é a de que não importam tanto as
convicções e as formas de agir, de enxergar o mundo, de duas pessoas de
pensamentos tão opostos, quando predomina o respeito à opinião alheia. O Papa
Bento XVI “é um homem com suas virtudes e contradições dentro do mundo religioso.
Está em um momento de fragilidade física, diante desse cargo, que exige tanto.
Apesar de ser um intelectual, ele tem muito humor, características que vão
humanizando essa figura. (...) As vozes são discordantes, de Bento XVI e de
Francisco, mas, quando se reconhece o lado humano e se tem uma boa vontade, é
possível encontrar um caminho em que a humanidade, de fato, se estabeleça.”
FICHA TÉCNICA:
Idealização: Munir Kanaan e Rafa Steinhauser
Dramaturgia: Anthony McCarten
Tradução: Rui Xavier
Direção: Munir Kanaan
Diretor Assistente: Gustavo Trestini.
Elenco: Celso Frateschi (Cardeal Bergoglio, futuro
Papa Francisco), Zécarlos Machado (Papa Bento XVI), Carol Godoy (Irmã Sofia) e
Eliana Guttman (Irmã Brigitta)
Participação em vídeo: Rafa Steinhauser
Arquitetura Cenográfica: Eric Lenate
Figurino: Carol Roz
Iluminação: Beto Bruel
Trilha Sonora Original e Desenho de "Surround": Dan
Maia
Adereços e Produção de Objetos de Cena: Jorge Luiz
Alves
Assistência e Operação de Luz: Rodrigo Silbat
Contrarregras: Rodrigo Caetano e Rui Xavier
Instalação Técnica de Áudio e Mixagem da Trilha
Sonora no Espaço Cênico: L.P. Daniel
Direção de Imagem e “Videomapping”: André Grynwask e Pri Argoud (Um Cafofo)
Camareira: Liduina Aires
Estagiária: Tori Moraes
Fotografia e Criação: Ale Catan
Programação Visual e Criação: Carlos Nunes
Assessoria de Imprensa: Adriana Balsanelli e Renato
Fernandes
Realização: Gengibre Multimídia e Zug Produções
Apoio Cultural: La Serenissima, Nieto Senetiner,
Cultura Artística e Cannal Midias Digitais
Produção: Gengibre Multimídia e Zug Produções
Direção de Produção: Carol Godoy
Consultoria administrativa: Dani Angelotti (Cubo
Produções)
Por
motivos óbvios, não há sentido em divulgar o SERVIÇO da peça. Queiram
os DEUSES
DO TEATRO que o espetáculo continue fazendo a magnífica carreira que
vem obtendo, de público e de crítica, desde a sua primeira temporada. A quem
tiver a oportunidade de conferir, RECOMENDO MUITO ESTA
MONTAGEM.
FOTOS: ALE CATAN.
É preciso ir ao TEATRO, ocupar todas as salas de espetáculo, visto que a arte educa e constrói, sempre; e
salva. Faz-se necessário resistir sempre mais. Compartilhem esta crítica, para que, juntos,
possamos divulgar o que há de melhor no TEATRO BRASILEIRO!
Nenhum comentário:
Postar um comentário