terça-feira, 28 de janeiro de 2025

       

“O BEM-AMADO”

ou

(UMA OBRA

IMORTAL,

DE UM IMORTAL.)

ou

(SUCUPIRA

É AQUI; 
E AGORA.)

                  

       

            Não poderia iniciar esta crítica de outra forma. É preciso chamar a atenção das gerações mais novas para a importância de DIAS GOMES, autor do texto da peça, para a cultura brasileira e para a formação de outros autores, influenciados por ele. Alfredo de Freitas DIAS GOMES, mais conhecido pelo sobrenome DIAS GOMES (Salvador, 19 de outubro de 1922 - São Paulo, 18 de maio de 1999), foi romancista, dramaturgo, autor de telenovela e seriados e membro da Academia Brasileira de Letras. Foi, essencialmente, um homem de TEATRO, tendo, porém, ficado conhecido do grande público por seus trabalhos para a televisão. Também adaptou cerca de 500 peças teatrais para o rádio. Em 1960, viu encenado aquele que viria a ser o maior êxito de sua carreira: a peça teatral “O Pagador de Promessas, adaptada para o cinema, por Anselmo Duarte, tendo sido o primeiro filme brasileiro a receber uma indicação ao “Oscar e o único a ganhar a “Palma de Ouro, no emblemático “Festival de Cannes.



Dias Gomes. (Fonte: internet.)


Filiado ao Partido Comunista, crítico ferrenho das mazelas da sociedade e dos governantes, em 1965, teve sua peça “O Berço de Herói, censurada, no dia de sua estreia. Essa obra foi adaptada para a TV, com o nome de “Roque Santeiro, que também seria proibida, uma década depois, também no dia de sua estreia. Somente em 1985, com o fim do regime de exceção, o nefasto golpe militar de 1964, o público iria poder assistir a “Roque Santeiro, uma das maiores audiências do gênero.


 

Com a implantação da ditadura militar no Brasil, em 1964, DIAS GOMES passou a ter suas peças censuradas, uma após a outra. Em 1973, escreveu a primeira novela em cores da televisão brasileira, exatamente “O Bem-Amado, numa adaptação. DIAS GOMES parece ter sempre estado à frente de seu tempo, uma vez que, já em 1974, falava em ecologia e no crescimento desordenado da cidade, na novela “O Espigão. Em 1976, em outro folhetim televisivo, “Saramandaia”, abordou, de forma brilhante, o realismo fantástico, então em moda na literatura, chegando a ser comparado, no gênero, ao colombiano Gabriel García Márques. Ao longo de toda a década de 1980, voltou a se dedicar ao TEATRO, escrevendo para a televisão esporadicamente. Foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, em 11 de abril de 1991, tendo sido saudado, na sua posse, pelo conterrâneo e também imortal Jorge Amado.


 

Sua obra é extensíssima. Escreveu para vários veículos de comunicação: TEATRO, literatura, cinema e televisão. Entre suas peças teatrais, a mais célebre é “O Pagador de Promessas” (Escrita em 1959 e encenada, pela primeira vez, em 1960.), creio que sua obra mais encenada (No início da década de 1970, tive o privilégio de interpretar o protagonista, Zé do Burro, numa montagem amadora, em cuja estreia, num clube do Rio de Janeiro, pudemos contar com o generoso autor na plateia. Ele liberou, para mim, o pagamento dos direitos autorais, quando estive em visita à sua casa, na Lagoa, Rio de Janeiro, levado por um amigo comum. Fez uma cartinha de próprio punho, para que eu fosse à SBAT (Sociedade Brasileira de Autores Teatrais), a fim de que o texto fosse liberado sem nenhum custo. Não dá para esquecer.). Foram, ao todo, 33 peças para o TEATRO, com destaque para “O Pagador de Promessas” (1960)“A Invasão” (1960), “Odorico, o Bem-Amado” ou “Os Mistérios do Amor e da Morte” (1962), “O Berço do Herói” (1963), “O Santo Inquérito” (1966), “Dr. Getúlio, Sua Vida, Sua Glória”, esta em parceria com Ferreira Gullar (1968), “O Rei de Ramos” (1978), e “Roque Santeiro, o Musical” (1995). Escreveu 8 livros. Estreou na televisão em 1969, com a novela “A Ponte dos Suspiros. Entre seus sucessos na telinha, estão “Verão Vermelho”“Assim na Terra como no Céu”; “O Bem-Amado (a primeira novela em cores da televisão brasileira e a primeira a ser exportada), que também virou um seriado, entre 1980 e 1984“Roque Santeiro“Bandeira 2”, “O Espigão”; “Roque Santeiro” (edição censurada, não chegou a ir ao ar.) e “Saramandaia”. Morreu aos 76 anos, vítima de um acidente de trânsito, na madrugada de 18 de maio de 1999, na região dos Jardins , em São Paulo.


 

Passemos, agora, a comentar a montagem em tela, começando pela SINOPSE:



 

SINOPSE:

“O BEM-AMADO” é uma divertidíssima peça de DIAS GOMES, que enfoca a candidatura e eleição de Odorico Paraguaçu, para prefeito de Sucupira, cidadezinha litorânea, da Bahia.

O autor retrata o típico político astuto, demagogo e corrupto, representado pelo “coronel” Odorico (DIOGO VILELA), que faz de tudo para atingir seus objetivos, sem o menor compromisso com a moral.

Muito sagaz, com seus discursos inflamados e verborrágicos, ele ilude o simplório povo da pequena Sucupira.

E, na condição de novo prefeito, o que mais Odorico desejava era inaugurar a sua grandiosa obra política, o primeiro cemitério de Sucupira, para, enfim, cair nas graças do povo.

A meta prioritária de sua administração é, severamente, criticada pela oposição ao seu governo, representada, principalmente, pelo jornalista Neco Pedreira (GABRIEL ALBUQUERQUE), editor-chefe do jornal local A Trombeta.

O espetáculo é recheado de agradáveis surpresas.


 



Sua história central, como já foi dito, é baseada na peça teatral “Odorico, o Bem-Amado”, escrita no início da década de 1960, pelo grande dramaturgo DIAS GOMES. Consta que o autor se inspirou em uma história contada pelo jornalista Nestor de Holanda, segundo a qual o cantor Jorge Goulart, ao se apresentar em uma cidade do Espírito Santo, soube, através dos moradores, que o prefeito havia construído um cemitério, porém não pôde inaugurá-lo, pelo fato de ninguém falecer por lá. A história teria chegado a DIAS GOMES e, assim, este escreveu a peça.


 

O texto é uma delícia, de engraçado, ao mesmo tempo que o dramaturgo se aproveita para lançar, claramente ou nas entrelinhas, seus flamejantes dardos na direção de uma sociedade “doente” e que se deixa manipular, e uma administração pública corrupta à enésima potência. “Os personagens são arquétipos ou tipos sociais definidos”, o que levou o grande poeta e, também, dramaturgo Ferreira Gullar, em seu ensaio sobre a peça, sabiamente, a defini-la como uma “farsa sociopolítico-patológica”. Grande definição! Trata-se de um texto atemporal, o que justifica o subtítulo “SUCUPIRA É AQUI; E AGORA”, fazendo com que o Brasil olhe para si, com humor e lirismo, sobre questões tão ainda presentes no nosso cotidiano. E, longe do que podem achar alguns, ainda que as mazelas da peça aconteçam, predominantemente, em pequenas cidades do interior brasileiro, mesmo nas grandes cidades, incluindo as capitais, muitos políticos se prestam a tantos desmandos, muito além da construção de um cemitério. A COMÉDIA é um gênero essencialmente crítico, motivo pelo qual o autor dela se apropria, para pôr na berlinda o que ele vê de errado nas pessoas e nos sistemas de governo.


 

O espetáculo, bancado pela FUNARJ (Fundação Nacional Anita Mantuano de Artes do Estado do Rio de Janeiro) faz parte de um projeto que se volta para os princípios do TEATRO, de sua popularização, o que é muito bem-vindo, por meio da montagem dos clássicos brasileiros dos palcos, com papel social e institucional. Os ingressos, extremamente, a preços populares, é o grande atrativo das peças, bem como o elenco e as próprias obras. Julgo excelente a proposta daquele órgão público, que faz com que a lotação do Teatro João Caetano (1.139 lugares), o mais antigo do Rio de Janeiro (1813) se esgote em todas as sessões, o que, infelizmente, não corresponde ao número de espectadores presentes na sala de espetáculo. Explica-se: muitas pessoas compram seus ingressos, porém, descompromissadas consigo mesmas, por conta de um preço tão reduzido, não comparecem ao Teatro, por motivos vários. É uma pena, porque isso faz com que outros que desejavam, realmente, assistir à peça, não possam fazê-lo; e ficam várias poltronas vazias. Por outro lado, o que há de positivo na prática de preços tão irrisórios é que atraem centenas de pessoas que nunca tiveram a oportunidade de frequentar uma sala de espetáculo. A receptividade do público para esta montagem é total, graças à sua qualidade.


 

Nem perderei tempo em exaltar uma OBRA-PRIMA de texto. Uma dramaturgia de tão alta e comprovada qualidade parece facilitar o trabalho da direção, aqui a cargo de MARCUS ALVISI, a qual aprovo totalmente, na minha modesta avaliação. Ou, talvez, também pudesse funcionar como um desafio para o diretor, que precisa deixar a marca registrada de seu trabalho; e ALVISI o conseguiu. Ele também assina a trilha sonora da peça, com altos e baixos, a meu juízo; menos aqueles e mais estes.


 

Agradaram-me a cenografia e os figurinos, criações de RONALD TEIXEIRA e PEDRO STAMFORD. Para os cenários, a dupla de artistas, sem o menor desperdício, soube aproveitar o espaço físico, para criar mais de um ambiente, sem que isso pudesse despertar alguma dúvida nos espectadores menos acostumados a essa desafiadora prática. Com relação às vestimentas dos personagens, penso que tudo está no seu devido lugar, em obediência ao local e ao tempo em que se dá a narrativa. Muito bom gosto, destacando-se os figurinos vestidos pelo protagonista e as irmãs Cajaseiras.


 

 A DANIELA SANCHEZ coube a criação de um desenho de luz discreto, muito bem distribuído pelo palco; uma iluminação não exuberante, não muito colorida, própria para cada ocasião e situação.


 

Um “VIVA!” a MURILO CORREA, responsável pelo som. Os atores não usam microfones de lapela e tudo o que falam é captado por alguns direcionais, distribuídos no palco. Em raríssimas vezes, eu, que estava na terceira fila, perdi alguma coisa dita por este(a) ou aquele(a) ator ou atriz.


 

Uma craque em visagismo, MONA MAGALHÃES, ficou com a responsabilidade pela caracterização dos personagens; muito boa, bem como, da mesma forma, comportou-se JULIANA MEDELLA, que assina a direção de movimento.



Ataíde Arcoverde.


Quanto ao elenco, julgo ter havido um nivelamento entre os atores que representam os principais personagens e os de menor destaque na trama. DIOGO VILELA faz um ótimo trabalho como o protagonista, generosamente, abrindo espaço para que outros também se destaquem, como TADEU MELO, Seu Dirceu Borboleta, o braço direto de Odorico na Prefeitura, o seu secretário, um tipo tímido e desastrado, que pratica a caça de lepidópteros (borboletas). No conjunto masculino, também aplaudo, com bastante empenho, a atuação de CHRIS PENNA, na pele do matador “aposentado” e arrependido Zeca Diabo, que volta àquele lugar, depois de um longo período fugido de lá, com o propósito de ser um novo homem, devoto do “Padim Pade Cícero Romão Batista”, viver em paz, muito distante de seu passado de crimes.


Tadeu Melo.


Chris Penna.

 

Além dos trabalhos desse trio de excelentes atores, jogo luzes sobre as participações de três ótimas atrizes: PATRÍCIA PINHO (Dorotéa), ROSE ABDALLAH (Judicéa) e RENATA CASTRO BARBOSA (Dulcinéa), as já citadas irmãs Cajaseiras, cada uma delas vivendo um romance, às escondidas, com o protagonista, sem que uma soubesse da outra. Dulcinéa era casada com Dirceu; as outras duas, solteironas. Três falsas beatas. Ocorre que a primeira engravida e o prefeito, maquiavelicamente, como em outras tantas oportunidades, cria uma armação, para que a paternidade do bebê recaia sobre o ingênuo e fiel “cão de caça” Dirceu, que havia feito voto de castidade. Olha a confusão formada!



Patrícia Pinho.





Rose Abdallah.




Renata Castro Barbosa.


Os personagens supracitados são os mais importantes da trama, entretanto faço questão de dizer, até me repetindo, que os demais, que representam papéis de menor importância no enredo, cumprem bem satisfatoriamente seus papéis. Aqui, abro um espaço para destacar a química que há entre ROSE ABDALLAH e LUCAS FIGUEIREDO, este no papel do Primo Ernesto, que estava indo da capital para Sucupira, muito doente, segundo constava, “nas últimas”, o que representava, para Odorico, mais uma esperança de inaugurar o cemitério. Mas, para sua tristeza, Ernesto não morreu e se recuperou logo.

Elenco principal.

 

Não vejo nenhum motivo para confessar que, antes de ter assistido à peça, no último sábado, 25 de janeiro de 2025, estava com um certo receio, com relação ao que eu encontraria nesta montagem, o que é bem natural, para quem traz na memória a emblemática interpretação de Odorico, feita por Paulo Gracindo, na TV, para quem me faltam epítetos, sem que me repita, e Marco Nanini, no cinema; boa, porém muito distante do trabalho de Gracindo. Não queria estar na pele de DIOGO VILELA, que, como excelente profissional, sabia de sua enorme responsabilidade. Seu talento, porém, levou-o a uma interpretação ímpar, personalíssima, convincente e original, totalmente diferente dos dois colegas. O mesmo posso dizer com relação a TADEU MELLO e CHRIS PENNA. Não é fácil representar dois personagens que estão no imaginário popular do público: o Dirceu Borboleta do saudoso Emiliano Queiroz e o Zeca Diabo de Lima Duarte. Merecem muitos aplausos TADEU e CHRIS, assim como DIOGO, obviamente.     


 

Diogo Vilela.  

 

 

FICHA TÉCNICA:

Texto: Dias Gomes

Direção: Marcus Alvisi

Assistência de Direção: Marco Aurélio Monteiro

 

Elenco: Diogo Vilela (Odorico Paraguaçu), Tadeu Melo (Dirceu Borboleta), Chris Penna (Zeca Diabo), Patrícia Pinho (Dorotéa), Rose Abdallah (Judicéa), Renata Castro Barbosa (Dulcinéa), Ataíde Arcoverde (Chico Moleza), Luiz Furlanetto (Hilário Cajazeira), Alê Negão (Dermeval), Ezequiel Vasconcelos (Mestre Ambrósio), Rollo (Zelão), Gabriel Albuquerque (Neco Pedreira), Marco Aureo (Vigário) e Lucas Figueiredo (Primo Ernesto)

 

Cenografia:   Ronald Teixeira e Pedro Stamford

Figurinos: Ronald Teixeira e Pedro Stamford

Iluminação: Daniela Sanchez

Engenheiro de Som: Murilo Correa

Trilha Sonora: Marcus Alvisi

Visagismo: Mona Magalhães

Direção de Movimento: Juliana Medella

Direção de Produção: Marília Milanez e Richard Luiz

Fotos e “Design”: Victor Hugo Cecatto

Assessoria de Imprensa: Amigos Assessoria (Maurício Aires e Rogério Alves)

Realização: FUNARJ, Secretaria de Cultura e Economia Criativa, Governo do Estado do Rio de Janeiro


 

Odorico e as irmãs Cajaseiras.




SERVIÇO:

Temporada: De 10 de janeiro a 16 de fevereiro.

Local: Teatro João Caetano.

Endereço: Praça Tiradentes, s/nº, Centro – Rio de Janeiro.

Dias e Horários: 6º feira, às 19h; sábado e domingo, às 17h.

Valor dos Ingressos: R$ 5 (inteira) e R$ 2,50 (meia-entrada).

Compra “on-line”: https://funarj.eleventickets.com

Duração: 120 minutos.

Indicação Etária: Livre.

Gênero: Comédia.


 


 

Luiz Furlanetto.

 

         Há um detalhe, nesta peça, que sempre me chamou a atenção e, por isso mesmo, não pode deixar de ser percebido. É que não fica a menor dúvida de que o protagonista não é “mocinho”, mas um grande “bandido”, no entanto, em função de suas características pessoais, com destaque para o seu vocabulário exótico e criativo, cheio de neologismos e frases feitas, construídas por ele, não conseguimos odiá-lo. Pelo contrário, o personagem ganha a nossa admiração. Trata-se de um grande anti-herói, muito longe das virtudes de um herói, assim como Mário de Andrade criou o seu, ou melhor, o “nosso” Macunaíma, o “herói sem caráter”Recomendo o espetáculo, o qual, infelizmente, cumpre uma pequena temporada.

 

 

 

 

FOTOS: VICTOR HUGO CECATTO

(Oficiais) e outras de fonte desconhecida.

 

 

GALERIA PARTICULAR:






Com os amigos Rose Abdallah, 
Lucas Figueiredo e Chris Penna.


É preciso ir ao TEATRO, ocupar todas as salas de espetáculo, visto que a arte educa e constrói, sempre; e salva. Faz-se necessário resistir sempre mais.

Compartilhem esta crítica, para que, juntos, possamos divulgar o que há de melhor no TEATRO brasileiro!







































































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