terça-feira, 18 de junho de 2019


TODAS
AS COISAS
MARAVILHOSAS


(DE UMA LISTA, INTERMINÁVEL,
DE COISAS MARAVILHOSAS,
FALTOU UMA: ESTE MONÓLOGO.)






            E prossegue a enxurrada de monólogos nos palcos do Rio de Janeiro. Até o momento em que inicio esta crítica, já assisti a mais de vinte, três deles por mais de uma vez, desde janeiro, a grande maioria, felizmente, de boa ou excelente qualidade, incluindo três ou quatro espetáculos que considero obras-primas.




            Na semana passada, assisti a mais um solo da temporada do primeiro semestre de 2019: “TODAS AS COISAS MARAVILHOSAS”, no Teatro Poeirinha (VER SERVIÇO.). Esse Teatro vem sendo ocupado por dois projetos, envolvendo, em comum aos dois, as pessoas de DIEGO TEZA e KIKO MASCARENHAS. São dois monólogos, apresentados em dias diferentes: “Meninas e Meninos”, com Maria Eduarda de Carvalho, ótimo, por sinal, e sobre o qual já escrevi, de 3ª a 5ª feira (http://oteatromerepresenta.blogspot.com/2019/06/meninas-e-meninos-depois-da-curva-um.html), e este, que é motivo desta apreciação crítica, de 6ª feira a domingo. Ambos os textos são excelentes e foram descobertos, e muito bem traduzidos, por DIEGO. O primeiro, dirigido por KIKO e Daniel Chagas, a quatro mãos; este, por FERNANDO PHILBERT. Os direitos de montagem das duas peças, para o Brasil, foram comprados por KIKO, que, num arrojado gesto de grande coragem e amor ao TEATRO, além do respeito ao público, é o responsável pelas duas produções, fazendo uso de recursos próprios, sem patrocínios, o que valoriza, mais ainda, a iniciativa.




O texto foi escrito, a quatro mãos, pelos ingleses DUNCAN MACMILLAN e JOE DONAHUE, nunca antes montado no Brasil, e recebeu elogiosa resenha do The New York Times: “A peça de MACMILLAN, embora seja muito engraçada, é completamente consciente de que, quando encaramos perdas e depressão, uma grande força de vontade é exigida, para lembrar por que vale a pena continuar vivendo. Essa vontade é a potência que estimula o texto e o mantém fascinante durante a sua duração.”, escreveu um crítico daquele jornal.




Concordo com as suas palavras e tenho muito a acrescentar. Em primeiro lugar, retirar o advérbio de intensidade “muito”, para não passar a impressão de que a peça seja uma comédia rasgada e que fazer rir seja o seu maior objetivo. É engraçada, sim, mas muito discretamente, por ser leve, ainda que o tema, paradoxalmente, o pano de fundo, seja bem árido e triste, que é a questão da depressão, levando ao suicídio. É engraçada, sim, porque KIKO se torna assim, com seu jeito natural, amoroso e respeitoso de interagir com o público, de uma forma que, em poucos minutos de peça, parece que todos são amigos de infância. No fundo, o personagem nos convida a uma viagem no tempo, como se para aliviar a verdadeira dor que o acompanhará por toda a sua vida.







SINOPSE:

Aos seis anos de idade, um menino descobre que sua mãe sofre de depressão profunda.

Desde então, ele começa a imaginar tudo o que possa fazer, para que a mãe tenha vontade de viver, e escreve listas intermináveis, de “coisas maravilhosas”, que deixa, em papeizinhos, em locais estratégicos, para que a ela possa ler e ter “motivos” para continuar viva: “TODAS AS COISAS MARAVILHOSAS” que a vida nos oferece ou que possamos enxergar nelas, das mais simples e triviais, a esmagadora maioria,  às mais elaboradas ou, até mesmo, estranhas ou bizarras.

Tudo o que esteve a seu alcance, para tentar salvar a mãe do drama da depressão e fazê-la enxergar o que a vida tem de bom a nos oferecer, o personagem fez. Perdeu, infelizmente, a batalha.

Na peça, KIKO MASCARENHAS elenca objetos e situações, que dão mais cor à vida do protagonista, aliviando traumas de um passado complicado.

A peça propõe uma interação entre o ator e público, de uma forma delicada, respeitosa, divertida e leve, sem nunca ser invasiva.

A história é contada junto com o público, que ajuda o ator nessa narrativa, fazendo com que cada apresentação seja verdadeiramente única.







Motivado por um trecho do texto, em que são dados números aos casos de suicídio, arrisquei-me, numa rápida pesquisa estatística, com relação ao tema, no Brasil e no Mundo, que, creio, poderá servir de estímulo para se assistir à peça, se bem que o maior de todos é ver KIKO MASCARENHAS atuando.




Os números, ainda que, por vezes, muito próximos e, também, não tão atuais, porém muito recentes, não coincidem, nas quatro ou cinco fontes pesquisadas. Preferi ficar com a de 2018, da Organização Mundial de Saúde, por considerá-la bastante confiável, fidedigna. Segundo a OMS, a cada 40 segundos, alguém, no mundo se suicida, interrompe a própria vida: 800 mil, por ano, contra 470 mil, por homicídio, principalmente em países pobres ou em desenvolvimento (78%). O suicídio é a segunda principal causa de morte no universo dos jovens com idade entre 15 e 29 anos, apesar de a maioria dos suicidas pertencer à faixa etária acima dos 70 anos. A primeira é a violência interpessoal, que engloba assassinatos premeditados, agressões físicas, brigas, “bullying”, violência entre parceiros sexuais e abuso emocional, com o narcotráfico e o feminicídio por trás de muitos dos casos. Mortes prematuras, antinaturais, procuradas e provocadas, pelos mais diversos motivos, sendo a depressão o gatilho, não, porém, a causa, já que esta é consequência de outros fatores. Infelizmente, a taxa de suicídios continua em progressão, apesar de essas mortes poderem ser evitadas, porque é possível preveni-las.




A taxa geral de mortes por suicídio é de 11,4 pessoas para cada 100 mil, especialmente em países pobres, como Moçambique, que tem uma assustadora taxa de 17,3 para cada 100 mil. No Brasil, a cada 100 mil pessoas, 6 se matam todo ano.




Vale a pena a informação de que, para cada ato de suicídio consumado, há muitas outras tentativas, felizmente, abortadas a tempo, não consumadas, sendo que a ingestão de pesticidas (venenos, em geral), enforcamento e armas de fogo lideram o “ranking” dos métodos mais comuns de suicídio, em nível global. Considerado um tabu e, inexplicável e inaceitavelmente, motivo de vergonha para parentes e amigos do suicida, por muito tempo, evitava-se falar sobre um caso de suicídio numa família e nas rodas de amizade do morto. O triste fato ficava como uma espécie de "segredo familiar, varrido para debaixo do tapete". O fato é que todas as pessoas já tiveram, pelo menos, um caso de suicídio em sua família ou envolvendo alguém próximo. E há outro detalhe assustador e preocupante: quase todas as pessoas já tiveram, num momento, pensamentos suicidas.






A Organização das Nações Unidas (ONU) já considera o suicídio como um importante problema de saúde pública em todo o mundo, atingindo famílias, comunidades e países inteiros. Em função disso, desde 2003, a Associação Internacional para a Prevenção do Suicídio e a Organização Pan-Americana da Saúde / Organização Mundial da Saúde (OPAS / OMS) elegeram o dia 10 de setembro como o “Dia Mundial para a Prevenção ao Suicídio”, além de apoiar organizações, no mundo inteiro, a intensificar seu trabalho de ajudar na prevenção desse mal. No Brasil, é de se louvar o trabalho do Centro de Valorização da Vida (CVV), citado na peça. Na verdade, o suicida não deseja morrer; ele só quer se livrar do seu grande problema, daquilo que o faz sofrer, da sua grande dor. E, no desespero, de não encontrar uma solução, vai ao encontro da morte, que significa o fim. De tudo.




O CVV oferece atendimento gratuito, de apoio emocional e prevenção do suicídio, por telefone (número 188), por “e-mail” ou por “chat (https://www.cvv.org.br/)”. De acordo com o “site” da associação, são cerca de 1 milhão de pessoas atendidas por voluntários todo ano. Cada um voluntário trabalha quatro horas por semana, com o único objetivo de demover aquele que procura o CVV de chegar ao extremo de tirar a própria vida. Nos atendimentos, o anonimato é sempre garantido. Os voluntários não têm qualquer tipo de contato com quem liga a não ser o próprio atendimento. Ele se restringe ao contato feito no momento do plantão. Não há conversa depois, troca de perfis de redes sociais ou números de telefone. Muitas pessoas que procuram o CVV estão cercadas de gente e, mesmo assim, se sentem sozinhas (Não estão sozinhas, mas se sentem solitárias, que são coisas diferentes.). E muitas pessoas falam, sim, claramente, que vão se matar. Mas algumas ligam, porque sofrem de solidão ou procuram alguém para compartilhar o que acontece no dia.




Alguns dos relatos dos atendentes do CVV: “Um atendimento marcante foi de uma pessoa idosa, que morava sozinha e se sentia extremamente só. Ela ligou para ouvir um simples ‘boa noite’ de alguém, como se fosse só para se sentir viva. Depois acabou conversando um pouco”. “A ligação que mais me marcou foi da pessoa que ligou, pegou um violão e queria mostrar as músicas que compôs”. “Uma pessoa falou que estava em um hospital, com uma doença em estado avançado, e queria alguém para compartilhar seu momento”. “A ligação que mais me marcou foi de uma pessoa que, pela primeira vez, fez um bolo que deu certo, mas que teria que comer sozinha, porque não tinha com quem dividir".




Para os voluntários do CVV, “ouvir pode ser mais importante do que aconselhar”. A maioria dos casos está relacionada a perdas (saúde, dinheiro, emprego, amigos, parceiros). Às vezes, as pessoas ligam por engano, mas aproveitam para desabafar. Nem sempre quem liga pensa em suicídio; por vezes, elas só estão nervosas. Uma conversa, realmente, pode evitar que um ser humano tire a própria vida. Os voluntários se sentem muito gratos pela confiança que as pessoas aprendem a lhes dar.

Muito do que se pode ler nos três parágrafos acima foi retirado do “site” https://www.buzzfeed.com, com adaptações.






Agora, e sobre a peça “TODAS AS COISAS MARAVILHOSAS”? O que dizer?

É um espetáculo que merece ser visto pelo maior número possível de pessoas, por diversas razões, a começar pelo texto, que não traz nada de tão especial, na sua estrutura, porém trata, com a maior leveza, um tema tão árido, permitindo ao ator uma interação salutar, com a plateia, o que acaba gerando improvisações e exigindo muito de quem representa o personagem, anônimo; não por acaso, quero crer.

A dramaturgia concede, ao diretor, uma liberdade para trabalhar e propor, seguindo uma linha de “jogar com a plateia”, brincadeiras e participações naturais e espontâneas.




Nesse ponto, FERNANDO PHILBERT, o diretor, muito dentro da proposta do texto, praticamente, deixa KIKO MASCARENHAS à vontade, para circular pelo espaço cênico, este totalmente livre (O público ocupa duas laterais da pequena “arena”, duas fileiras de poltronas, de cada lado, uma de frente para a outra.), com apenas duas pequenas mesinhas de serviço, ao canto de cada extensão do referido espaço, sobre a qual estão pouquíssimos objetos a serem utilizados em cena. Praticamente, só consiste nisso o cenário, de MAURO VICENTE FERREIRA, que será completado, e muito bem completado, na cena final, nos minutos finais, de forma surpreendente, com a entrada de muitos novos elementos, os quais me impedem de serem revelados, num “spoiler”, para não roubar, aos que ainda assistirão ao espetáculo, o sabor da surpresa e o encantamento que ela nos proporciona.

De certo, há marcações, a serem seguidas, para o ator, mas a impressão que passa é de que ele se locomove quando e para onde deseja, a seu tempo e vontade, dentro do limite do espaço cênico, tudo muito leve e natural.




É impressionante o talento e o carisma de KIKO MASCARENHAS, o qual recebe o púbico, antes da abertura da sala, conversa com todos e pede a alguns que participem da encenação, no que é prontamente atendido, entregando-lhes umas cartelas, nas quais há um número escrito e mais uma palavra ou duas, ou uma pequena frase. O espectador, durante a peça, quando o ator diz o número que está na cartela em sua posse, deve dizer, alto, se possível, o que nela está escrito. Isso é o mote para a continuação do texto e da narrativa. Que capacidade para decorar aqueles números!!!

Também KIKO solicita, a cinco pessoas da plateia, durante a encenação, que façam, bem meteoricamente, papéis de personagens evocados por ele, em sua narrativa. Assim, temos um veterinário (Cena linda!); uma antiga professora e psicóloga, a Dona Conceição; um palestrante, na Faculdade (Sobrou para mim. Que felicidade e honra ter “contracenado” com KIKO!); Samantha, ou Sam, como ela preferia ser chamada, a namorada, com a qual o personagem chegou a casar; e o pai.

KIKO consegue, com muita facilidade, passar de um estado de alegria ou, até mesmo, grande euforia a uma condição de tristeza, de melancolia e de dor, do personagem, o que, imediatamente, reflete na reação das pessoas, as quais, sem o menor esforço, se deixam hipnotizar pela corretíssima interpretação do ator.




Nada de especial no figurino; roupa do dia a dia: calça “jeans”, camiseta, jaqueta e tênis. “Comme il faut”. Quem o assina é TEREZA NABUCO.

A iluminação, a cargo de VILMAR OLOS, não pede grandes modificações e permanece, por, praticamente, todo o tempo, a mesma, quase que uma luz de serviço, ampliada, mais focada no espaço cênico, porém deixando a plateia também iluminada, o que contribui para a proposta de integração artista/público. Não precisava nada além disso mesmo. Um exemplo de que o pouco pode ser muito.

Destaca-se, nesta montagem, ainda, uma trilha sonora adaptada, de responsabilidade de DIEGO TEZA e MARCELLO H.







FICHA TÉCNICA:

Texto: Duncan Macmillan e Joe Donahue
Tradução e Versão: Diego Teza
Direção: Fernando Philbert
Assistência de Direção: Ana Luiza Folly

Atuação: Kiko Mascarenhas

Cenografia: Mauro Vicente Ferreira
Direção de Arte: Luciene Nicolino
Iluminação / Ambientação: Vilmar Olos
Trilha Sonora Adaptada: Diego Teza e Marcello H

Operação De Som / Luz: Priscila Jacintho
Direção de Produção: Radamés Bruno
Produção Executiva: Viviane Procópio
Assistência de Produção: Thais Pinheiro
Equipe de Produção: Jandyra Vieira e Igor Dib
Realização: Br Produtora e Km Procult
Assessoria de Comunicação: Dobbs Scarpa
Fotos: Luciana Mesquita
Mídia: Digital Urgh
Programação: Visual Equipe Novo Traço











SERVIÇO:

Temporada: De 07/06 a 28/07 de 2019.
Local: Teatro Poeirinha.
Endereço: Rua São João Batista, 104 – Botafogo – Rio de Janeiro.
Telefone: +55 21 2537-8053.
Dias e Horários: 6ªs feiras e sábado, às 21h; domingo, às 19h.
Horário de Funcionamento da Bilheteria: De 3 feira a sábado, das 15h às 21h; domingo, das 15h às 19h.
Ingressos Online: www.tudus.com.br
Informações: www.teatropoeira.com.br
Informações para a imprensa: Dobbs Scarpa Assessoria de Comunicação
Contato: @dobbsscarpa.com.br  - (21) 99442-0753 / (21) 99653-1772 / (21) 3591-8420







            Ao final de todo espetáculo de TEATRO, é comum, normal, o artista agradecer ao público, pela presença e por sua atenção e reação. No caso deste solo, acho que a plateia é a grande privilegiada, e somos nós, espectadores, que temos de agradecer muito a KIKO MASCARENHAS, por nos ter proporcionado tanta alegria e emoção, tanto lirismo e poesia, durante um pouco mais de uma hora.

            Particularmente, rendo minhas homenagens a esse grande homem do TEATRO e fico-lhe eternamente grato por aquela noite, que haverá de se repetir, porque voltarei a ver a peça.

            É preciso dizer que recomendo o espetáculo “para ontem”?









E VAMOS AO TEATRO!!!

OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!

A ARTE EDUCA E CONSTRÓI!!!

RESISTAMOS!!!

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O QUE HÁ DE MELHOR NO
TEATRO BRASILEIRO!!!







(As três fotos acima foram feitas por Gilberto Bartholo.)



(FOTOS: LUCIANA MESQUITA.)


(GALERIA PARTICULAR. 
FOTOS:LUCIANA MESQUITA.


































































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