sábado, 23 de março de 2019


O PREÇO

(VALE QUANTO PESA 
– E PESA COMO CHUMBO.
ou
CERTAS COISAS NÃO TÊM PREÇO.
ou
O PREÇO DE CADA ESCOLHA,
SEGUNDO O LIVRE ARBÍTRIO.
ou
VIVA O “TEATRÃO”!)






            Fico muito feliz, quando as companhias teatrais nos oferecem um espetáculo de alto nível, daqueles que ficarão, certamente, marcados na nossa memória. Em quase sete décadas de vida, ainda hoje, consigo me lembrar de detalhes de dezenas de espetáculo marcantes a que assisti, ao longo de uma vida dedicada ao TEATRO. E, quando o espetáculo é um clássico da dramaturgia universal, escrito por um genial autor, e recebe um tratamento de primeiríssima qualidade, por parte da direção, do elenco e dos demais profissionais envolvidos no projeto, o prazer que ele nos proporciona NÃO TEM PREÇO. Um exemplo disso é a atual montagem de “O PREÇO”, do dramaturgo norte-americano ARTHUR MILLER, falecido em 2005, aos 89 anos de idade, em cartaz na Arena do SESC Copacabana (VER SERVIÇO.), em, infelizmente, curtíssima temporada. Não se pode compreender como um espetáculo da categoria desta montagem só possa ficar em cartaz durante, apenas, três semanas. Isso é inadmissível!!!

Como exemplo do que disse no parágrafo anterior, quanto a ter retidas, na memória, até hoje, imagens de montagens teatrais inesquecíveis, posso citar, a do texto da peça aqui analisada. Da primeira montagem, realizada em 1968 (E lá se vai meio século!), no Teatro Princesa Isabel, Rio de Janeiro, sob a direção de Luís de Lima, que também foi o responsável pela tradução do original, contando com um elenco de peso (Jardel Filho, o próprio Luís de Lima, Paulo Gracindo e Tereza Rachel, infelizmente, todos já falecidos), lembro-me muito pouco, mas não me esqueço de que saí muito bem impressionado do Teatro. Aos 19 anos de idade, eu não era, ainda, um “rato-de-TEATRO”, que assiste a peças, de 2ª feira a domingo, como já o faço há alguns anos, mas já poderia ser considerado um “camundongo”.








De outra encenação, esta mais recente, de 1989, lembro-me de bastantes detalhes. Ocorreu no Teatro Copacabana, hoje, infelizmente, sem utilização, e contou com a direção luxuosa da diva DONA Bibi Ferreira, trazendo um elenco estelar, formado por Paulo Gracindo, revivendo sua criação para o personagem Salomão; Carlos Zara (Válter); Rogério Froés (Vítor) e Eva Wilma (Ester). O espetáculo fez um enorme sucesso, na época, e ficou por muito tempo em cartaz. Assisti a ele em 1991. Foi o último trabalho de Gracindo nos palcos. Ele morreu em 1995, deixando um grande vazio no TEATRO BRASILEIRO.  

Acho que outras montagens dessa peça, no Brasil, aconteceram depois, entretanto não assisti a elas e foi aquela, do Teatro Copacabana, a que me havia marcado, até agora, porém, sinceramente, a versão atual, por ser uma excelente releitura da obra, por parte de GUSTAVO PASO, que também traduziu o texto, num trabalho conjunto com THIAGO RUSSO, além de, também, ser o responsável pela fantástica cenografia, se iguala àquela.






Por vezes, escrever uma crítica de TEATRO se torna uma tarefa tão difícil (Estou diante de uma.) quanto à montagem do espetáculo a ser criticado. Considero “O PREÇO” um texto de uma profundidade abissal e de dificílima montagem. Se não cair nas mãos de um bom diretor e se este não souber escalar, corretamente, o quarteto de atores, tudo poderá acabar num triste fracasso, o que não é, absolutamente o que acontece na montagem em tela. Muito ao contrário, aliás. Esse grau de dificuldade e de profundidade do texto, se considerada esta excelente montagem, aqui analisada, conferem a este trabalho o “status” de um dos melhores espetáculos em cartaz, no Rio de Janeiro, no momento, e sério candidato a prêmios, ao final da temporada teatral de 2019.









SINOPSE:

Em Nova Iorque, 1968, dezesseis anos após a morte do pai, dois irmãos, VÍTOR (RÔMULO ESTRELA) e VÁLTER (EROM CORDEIRO) – aportuguesando os seus nomes originais -, voltam a se encontrar, com o objetivo de desocupar a casa que deixaram intacta, ao longo de todos aqueles anos.

Um velho comprador e revendedor, SALOMÃO (SALOMON, no original.) (GLÁUCIO GOMES), vem dar-lhes um preço pelos móveis e objetos de que querem se desfazer, no entanto, a transação não é tão simples como imaginavam: todas aquelas coisas fazem parte da história da família, estão repletas de memórias e os obrigam a se confrontar com o passado e as escolhas que fizeram na vida.

 A visita do sagaz comerciante faz com que venham à tona sentimentos que estavam hibernando, com acusações e cobranças mútuas, entre os dois irmãos, metaforicamente – pode-se dizer – transformados em Caim e Abel.

É quando descobrem que um acontecimento pode ter duas verdades. Qual foi o preço dessas escolhas? Qual é o preço das contas que ficaram sem pagamento? O que se perde e o que se ganha?

Essa ruptura, entre irmãos, essa separação, adveio de uma ausência profunda de valores familiares, que não foram construídos, ao longo do tempo em que o patriarca viveu, o que fez com que os irmãos trilhassem caminhos radicalmente opostos, fazendo deles dois homens frustrados, já que viveram vidas recheadas de vazio e ilusão.

Enquanto VÍTOR se sacrificou, para que seu irmão pudesse estudar e ascender na vida, abortando seus projetos pessoais, VÁLTER formou-se em medicina e se tornou um vitorioso profissional, cirurgião afamado, rico, materialmente falando, e pobre de realizações, como ser humano.  

Nesse encontro, cheio de emoções, debatem-se as grandes questões da vida, com a esperança latente de uma maior compreensão do que é profundamente humano.








         A sinopse da peça é, de certa forma, enigmática, reconheço, mas é porque assim é o texto. As coisas vão sendo conhecidas, reveladas, aos poucos, surpresa após surpresa, o que me faz ter de tomar muito cuidado, para não dar “spoillers”.

            Durante o meu Curso de Letras (Português / Inglês), na UFRJ, no final dos anos 60 e início dos 70, tive a oportunidade de estudar, com certa profundidade, na cadeira de literatura norte-americana, alguns dos textos de MILLER; não “O PREÇO”, recém-escrito, então (1968). Embora não seja considerado, pelos seus críticos, sua principal obra, para mim, é uma das melhores. Sempre que se fala de ARTHUR MILLER, vêm, logo, à tona, “A Morte de um Caixeiro Viajante (“Death of a Salesman” – 1949), “As Bruxas de Salem” (“The Crucible” – 1953), “Panorama Vista da Ponte” (“A View from the Bridge” – 1955) e “Depois da Queda” (“After the Fall” – 1964), todas, realmente, peças fabulosas, mundialmente conhecidas e encenadas.






         Com “A Morte de um Caixeiro Viajante”, MILLER ganhou o Prêmio Pulitzer de TEATRO e conquistou o Tony, em três categorias, além do Prêmio do Círculo de Críticos de Teatro de Nova Iorque. Não resta a menor dúvida de que o dramaturgo pode ser considerado um grande artista e um homem de plena consciência crítica, com relação ao seu tempo, e os temas de suas peças são, ainda, bem atuais, pois evocam dramas humanos; e a humanidade não parece ter evoluído muito, de seu tempo para cá. Tecnologicamente, sim; humanamente, não. Estudando a sua biografia, de cujos detalhes lhes poupo, podemos afirmar que sua vida foi tão dramática quanto o teor de suas peças. MILLER viveu, sim, uma vida conturbada, inclusive com um casamento tempestuoso com Marilyn Monroe.

A cada nova peça escrita, preocupava-se em focar, antes de tudo, as questões sociais, até então, pouco consideradas e expostas. Pela crítica norte-americana e por muitos estudiosos e amantes do TEATRO, MILLER, Eugene O'Neill e Tennessee Williams são considerados os três maiores dramaturgos que os Estados Unidos nos legaram, uma verdadeira “Santíssima Trindade”. Assim também, modestamente, penso.

Em “O PREÇO”, o drama se dá na passagem de um tempo, superior a uma década e meia, envolvendo segredos, mágoas, frustrações e arrependimentos, tudo em forma de fantasmas, que habitam as cabeças de dois irmãos atormentados. Tanto tem a ver com a situação social e econômica caótica, em que estamos enterrados, como apresenta uma radiografia de uma família que não soube lidar com os obstáculos que lhe eram colocados à frente e se deixou deteriorar, por falta de diálogo e empatia.




O espetáculo é uma produção da CIA.TEATRO EPIGENIA, em seu 19º ano de fundação. Extraído do “release” da peça, enviado por ALESSANDRA COSTA (DUETTO COMUNICAÇÃO): “‘O PREÇO’” abre a Trilogia MILLER, projeto em parceria com a The ATHUR MILLER Society, na qual estão previstas diversas ações e publicações nos próximos três anos. A tradução do texto está a cargo do mais novo integrante da CIA., o teórico THIAGO RUSSO, Mestre e Doutorando pela USP, onde leciona, além ser membro da The ARTHUR MILLER Society, USA. (...) Em ‘O PREÇO’, o espectador tem a oportunidade de ver como dois irmãos (...) que viveram sob o mesmo teto têm versões diferentes sobre os mesmos fatos, tem opiniões diferentes sobre os mesmos conflitos e visões tão antagônicas do mesmo pai, que chegam a parecer dois estranhos. (...). MILLER é genial, ao colocar os mistérios familiares, seus segredos e a incomparável estética dramatúrgica (...).

ARTHUR MILLER é um mestre na escrita de diálogos, sempre “potentes e emocionantes”, “é ágil na sua construção dramática”, fazendo revelações, paulatinamente, uma técnica que faz o espectador ficar colado à poltrona, com olhos bem abertos e ouvidos muito atentos a qualquer palavra que sai da boca dos personagens. Ainda que muito denso, o texto também reserva espaço para boas cenas cômicas, pelas quais o responsável é o personagem SALOMÃO, interpretado, de forma excelente, pelo ator GLÁUCIO GOMES. Em, praticamente, todas as sua entradas, muitas vezes em meio a uma calorosa discussão, abre-se uma válvula de escape, através do humor, para que o espectador possa “respirar” e recuperar o fôlego, às vias de se extinguir. Um excelente contraponto.




Também fazendo outra espécie de contraponto, ora atiçando a rivalidade, ora tentando aplacar a ira entre os dois irmãos, cumpre seu papel, com muita dignidade e competência, a atriz LUCIANA FÁVERO, cuja personagem, ESTER, é esposa de VÍTOR e é responsável por um dos mais emocionantes momentos da peça, numa cena “solo”, de total descompensação emocional da personagem, sobre a qual não falarei mais, para não tirar, a quem ainda vai assistir ao espetáculo, o sentimento de satisfação, diante de uma cena de “TEATRÃO”, no melhor sentido da palavra. Aliás, tal vocábulo pode ser aplicado à peça na sua totalidade. E como é bom ver um “TEATRÃO”, feito por quem sabe fazê-lo!!!

Os dois protagonistas, VÍTOR e VÁLTER, vividos, respectivamente, por RÔMULO ESTRELA e EROM CORDEIRO, chamam a si toda a atenção, principalmente quando contracenam apenas os dois. Dois trabalhos esplendorosos. EROM, para mim, é um velho conhecido dos palcos, sempre em papéis de destaque e grandes atuações, o que ratifica nesta montagem. A gratíssima surpresa recai sobre RÔMULO, cujo trabalho de ator eu só conhecia em outras mídias. É a primeira vez que o vejo, pisando um palco, local onde, de verdade, uma pessoa mostra ter nascido vocacionado para o ofício de representar. É no TEATRO que se pode avaliar, em total plenitude, se alguém é um bom profissional da representação. Fiquei muito feliz por ter conhecido mais um, RÔMULO ESTRELA, o qual, salvo engano, não pisava um palco havia seis anos. Os outros três já me haviam provado isso em outras muitas oportunidades. Que ótimo quarteto de profissionais!!!









GUSTAVO PASO faz um belíssimo trabalho de direção, numa montagem especialmente planejada para uma arena, o que o levará a fazer grandes adaptações, quando o espetáculo for para um palco italiano, felizmente, tão logo se encerre a atual temporada. Em termos de marcações e de preencher o espaço fisico da arena, o diretor o fez com total maestria. No trabalho de direção de atores, bem se nota a sua marca, de provocar o elenco, até cada um render o máximo de sua capacidade. Sua leitura deste clássico da dramaturgia universal só lhe faz acrescentar mais valor e permite, ao espectador, penetrar nos labirintos que o texto propõe. E o melhor: sair deles, tendo entendido tudo o que o dramaturgo pretende passar.

Feitos os devidos comentários ao tripé de sustentação de qualquer espetáculo (texto, direção e atores), falemos dos demais elementos, não menos importantes, que contribuem para o sucesso de uma encenação teatral.


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Comecemos pelo cenário, assinado,também, por GUSTAVO PASO, que é de um realismo total, de um enorme bom gosto, formado por peças que parecem ter sido garimpadas em locais diferentes e que, reunidas, formam um conjunto totalmente inserido no contexto da peça. São móveis e objetos pessoais antigos, pertencentes ao falecido pai, abandonados, empoeirados, num velho sótão, prestes a ser demolido, junto com toda a construção da casa. Uma mesa redonda, virada para baixo; arcas e poltronas muito gastas; uma harpa, parece que já sem condições de ser tocada; uma cadeira de balanço, de palhinha, toda destruída, como uma metáfora do velho pai, que nela passara o final dos seus dias; caixas de papelão, cheias de quinquilharias; dois floretes, dentro de uma espécie de lixeira; malas, baús... Um destaque vai para um tapete gigante, redondo, que cobre toda a superfície da arena, feito, como uma colcha de “colcha de retalhos”, com pedaços, costurados, de tapetes persas. Assistindo à peça, descobre-se, facilmente, à intenção do cenógrafo, com relação a essa peça cenográfica.

A iluminação, de BERNADO LORGA, mantém-se, praticamente, o tempo todo de duração do espetáculo (Acho que, realmente, durante toda a peça.), inalterada, com muita luz sobre todo o espaço cênico, talvez com a intenção de realçar todo o conjunto do que, fisicamente, está exposto, para ajudar a manter em relevo tudo de importante que a peça nos quer revelar.

São simples, discretos e bem adequados aos personagens, os figurinos, de LUCIANA FÁVERO, sem a preocupação – pareceu-me – de deixar a marca de uma época, talvez pelo fato de o texto ser tão atual e poder retratar uma realidade dos dias de hoje.



  





FICHA TÉCNICA:

Texto: Arthur Miller
Tradução: Thiago Russo e Gustavo Paso
Direção: Gustavo Paso

Elenco: Rômulo Estrela, Erom Cordeiro, Gláucio Gomes e Luciana Fávero

Figurinos: Luciana Fávero
Iluminação: Bernardo Lorga
Cenário: Gustavo Paso
Direção Musical: André Poyart
Direção de Produção: Luciana Fávero
Assistente de Ensaio: Vinícius Cattani
Administração da Temporada: André Roman
Designer: Paso D´Arte Eventos
Fotos: Gustavo Paso
Assessoria de Imprensa: Duetto Comunicação - Alessandra Costa
Realização: Cia.Teatro Epigenia












SERVIÇO:

Temporada: De 14 a 31 de março de 2019.
Local: SESC Copacabana (Arena).
Endereço: Rua Domingos Ferreira, 160, Copacabana, Rio de Janeiro – RJ.
Dias e Horários: De 5ª feira a domingo, sempre às 19:00.
Informações: (21) 2547-0156
Horários de Funcionamento da Bilheteria: 2ª feira, das 9h às 16h; de 3ª feira a 6ª feira, das 9h às 21h; sábado, das 13h às 21h; domingo, das 13h às 20h.
Valor dos Ingressos: R$7,50 (associado do SESC), R$15,00 (meia entrada) e R$30,00 (inteira).
Classificação Indicativa: 12 anos.
Duração: 90 minutos.
Lotação: 200 lugares.
Gênero: Drama










         É muito gratificante, antes, para um espectador comum, que ama TEATRO, e, depois, para um crítico, principalmente como eu, que tem por princípio só escrever sobre espetáculos que, sob a minha ótica, realmente, merecem um “selo de qualidade” a partir da classificação “BOM” (Depois, vêm “MUITO BOM”, “ÓTIMO” e “OBRA-PRIMA”.) sair de casa e assistir a um espetáculo ÓTIMO, como esta montagem de “O PREÇO”, que eu recomendo muito.

Adorarei revê-la, depois, no formato de palco italiano, mas aconselho, aos que me leem, que assistam ao espetáculo, o mais rápido possível, na Arena do SESC Copacabana.








E VAMOS AO TEATRO!!!


OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!


A ARTE EDUCA E CONSTRÓI!!!


RESISTAMOS!!!

COMPARTILHEM ESTA CRÍTICA, PARA QUE, JUNTOS,
POSSAMOS DIVULGAR O QUE HÁ DE MELHOR
NO TEATRO BRASILEIRO!!!










(FOTOS: GUSTAVO PASO.)









































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