segunda-feira, 7 de janeiro de 2019


ESPELHOS

(UM HOMEM
REFLETINDO E REFLETIDO
A SI MESMO.)





            Inicia-se mais um ano teatral, o de 2019.

Em janeiro de 2018, assisti a 27 espetáculos, sendo apenas 10 estreias; os outros 17 eram continuações ou reestreias de espetáculos do ano anterior ou, até mesmo, de mais tempo atrás. O panorama parecia sombrio, o que, felizmente, não foi ratificado, no decorrer do ano. Foi muito difícil, para todos, porém bem profícuo, para o TEATRO, o ano de 2018, apesar de tantos lutando contra e, muito, pela garra desse “povo do TEATRO”, que cai, “levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima”. Sempre.

            No atual janeiro, por incrível que pareça, as coisas se reverteram, em relação ao ano passado, e, ao lado de algumas boas continuações e reestreias, estamos assistindo a um pipocar de novas montagens, todas, ou quase todas, prometendo virar grandes sucessos, de público e de bilheteria. Algumas já esperadas; outras, grandes surpresas. Tenho recebido mais de um convite, por dia, para estreias; não muito raro, dois ou três.








A primeira grande surpresa, para mim, pelo menos, extrapolando as minhas expectativas, foi o espetáculo “ESPELHOS”, o primeiro a que assisti no ano em curso, um monólogo conduzido por NEY PIACENTINI, em cartaz no Teatro Poeirinha (VER SERVIÇO.).

            PIACENTINI, um dos fundadores da consagrada e vitoriosa Cia do Latão, além de ser um intérprete constante nas produções desta, volta-se, agora, para um trabalho solo, o primeiro em sua vitoriosa carreira, o qual já cumpriu sete temporadas, em São Paulo, durante dois anos, intercalando-as com uma participação em um festival de TEATRO, no Chile.








SINOPSE:

Conduzido pelo ator NEY PIACENTINI, o solo teatraliza os contos O Espelho”, de Machado de Assis, integrante do livro “Papéis Avulsos”, publicado, pela primeira vez, em 1882, e outro, de mesmo nome, de Guimarães Rosa, de 1962, integrando seu livro “Primeiras Estórias”.

A montagem é o resultado de pesquisas e experimentações cênicas, realizadas ao longo dos anos de 2015 e 2016, e apresenta, na íntegra, os dois textos, compondo um único trabalho teatral, que investiga a formação da identidade do sujeito brasileiro, através da relação entre a literatura e o TEATRO.

Embora o espetáculo seja uno, indivisível, na primeira parte, digamos assim, de “ESPELHOS”, PIACENTINI investe-se de JACOBINA, personagem de Machado de Assis, que conta, a amigos, uma misteriosa passagem de sua juventude, na qual enfrentou a solidão.

Em seguida, o ator assume uma figura, criada por Guimarães Rosa, que parte em busca de sua essência.

Em uma ambientação que se transforma, ao longo da peça, o ator se desdobra em duas figuras humanas, para transmitir tanto o ceticismo de Machado de Assis quanto o contraponto esperançoso de Guimarães Rosa.

A obra propõe uma interface entre a aguda percepção crítica de Machado e a poética que Rosa nos oferece, com sua inquieta criatura.








            Com este trabalho, pelo qual foi indicado a um prêmio, de Melhor Ator, pela APCA, em São PauloNEY comemora 40 anos de carreira artística e escolheu muito bem o presente que ele, o aniversariante, oferece a nós, convidados, mergulhando, profundamente, no universo de dois dos maiores gênios da literatura universal, Machado e Rosa, não por acaso, meus dois preferidos, tirando os poetas.

            São 60 minutos de pura emoção, passada pelas palavras e pelos gestos, pelo comportamento corporal. Durante essa hora. O ator propõe uma reflexão sobre as relações entre sociedade, imagem e subjetividade, por meio do pensamento de duas matrizes da cultura brasileira” (Trecho em negrito retirado do “release”, enviado por MÔNICA RIANI (ASSESSORIA DE IMPRENSA).

Reveste-se de maior importância a montagem pelo fato de que, por não se tratarem de textos para o TEATRO, embora com uma carga “estilístico-formal-conteudística” que se presta a uma dramatização, o trabalho de passar as mensagens das duas obras se torna muito mais difícil, para o ator, tarefa da qual, no entanto, NEY, por conta de seu inestimável talento artístico, dá conta e agrada muito à plateia. “A encenação oferece, ao espectador, a oportunidade de entrar em contato com a lucidez e a sutileza das palavras de dois dos maiores intérpretes da cultura brasileira, tanto do ponto de vista estético quanto histórico” (Texto também extraído do já referido “release”.).






A despeito do valor do texto, inquestionável, para mim, o que ficou de mais marcante, na peça, foi a magnífica interpretação de NEY PIACENTINI, com destaque para a exploração do corpo, o aspecto corporal, por meio do qual o ator trabalha cada um de seus músculos, para criar a emoção ou o sentimento que propõe chegar ao espectador. Seria bem merecida e justa, também no Rio de Janeiro, qualquer indicação ao prêmio de Melhor Ator, para NEY, por sua “performance”. Seu trabalho de corpo é um dos melhores de que me lembro ter visto no palco, em mais de meio século de experiência na área, como espectador e crítico.

Ainda que seja um apaixonado por Guimarães Rosa, confesso que me derreto todo lendo Machado e, mais ainda, quando “ouço” Machado, pela voz de outrem, e de uma fora tão ímpar, como o faz PIACENTINI. A sua linguagem de época, tão vilipendiada pelos modismos atuais, é um bálsamo para os nossos ouvidos. E, antes que alguém possa levantar a equivocada bandeira de que “a língua precisa evoluir”, deixo bem claro que, como professor de língua portuguesa e linguista, isso, para mim, não é novidade. O problema é que, às vezes, a dita “evolução linguística” passa a ser uma “involução”, um retrocesso, um acinte contra a língua que nos legou Portugal.

Mas deixemos de devaneios, meu caro leitor, que este não é o fórum adequado para essas pendengas (Olha Machado aí, gente!!!) e passemos, logo, a dizer o que mais me impressionou no espetáculo, que, como já disse, foi a atuação de PIACENTINI.






Por ser mais linear a história do conto de Machado, mesmo com a pomposidade de suas belíssimas construções frasais, torna-se a primeira parte, digamos assim (Não há interrupções entre um conto e outro, a não ser por uma ação do ator e a mudança na sua postura corporal e na voz, além, evidentemente, da mudança de estilo.), da peça, mais inteligível para o público. As pessoas conseguem acompanhar, com mais atenção, o texto e observam menos a atuação do artista e mais a narrativa. Quando este passa para “O Espelho” de Guimarães Rosa, a coisa muda de figura.

Rosa é um mago das palavras, em função de suas originalíssimas estruturas linguísticas e abuso na criação de neologismos, gerando uma linguagem bastante hermética, obrigando o indivíduo, quando leitor, a reler, muitas vezes, alguns trechos, ante de passar adiante. Agora, pensemos no espetáculo teatral. Não há como o espectador exercitar isso. Assim, chega-se a um determinado momento, na peça, em que, por mais que deseje se ater ao texto, o espectador vai se perdendo, até porque ele, o conto, não é de fácil compreensão, visto que trata de um tema metafísico, fazendo uso de uma grande metáfora. Utilizando a primeira pessoa, o personagem, anônimo, “conta de sua luta, para provar a falta de lógica e de sentido do mundo. Diante de um espelho, foi descobrindo, com o passar dos dias, a mentira que é a aparência humana. Num processo de “desimaginar-se”, vai verificando que o homem, como todas as coisas, não passa de uma metáfora. No limite do absurdo, ele chega a ver sua “forma” invisível. O tema da identidade é tratado através da metáfora do ato de se ver e se reconhecer no reflexo dos espelhos” (Extraído do “site” “PASSEI WEB”.).






O próprio NEY PIACENTINI dirige o espetáculo - e isso é muito bom -, em cuja ficha técnica aparecem nomes merecedores de destaque e elogios, pela qualidade de suas colaborações na montagem. São eles: MARISA BENTIVEGNA (cenografia e iluminação), com uma simples, porém significativa proposta cenográfica, com poucos elementos no palco, ordenados e”arrumadinhos”, que vão sofrendo uma “desconstrução”, acompanhando o estado de espírito do protagonista e com os quais o ator interage, e uma luz a serviço da intensidade de cada cena; FÁBIO NAMATAME (figurinos), propondo um traje discreto e elegante, que despido, do ator, em parte, vai sendo incorporado à representação; MIGUEL CALDAS (trilha sonora), que embala, de forma corretíssima, a interpretação do ator; e MÔNICA MONTENEGRO (preparação vocal).








FICHA TÉCNICA:

Textos: Contos de Machado de Assis e Guimarães Rosa
Direção: Ney Piacentini

Elenco: Ney Piacentini

Iluminação e Cenografia: Marisa Bentivegna
Figurinos: Fábio Namatame
Trilha Sonora: Miguel Caldas
Preparação Vocal: Mônica Montenegro
Programação Visual: Paulo Fávari
Fotografias: João Maria Silva Jr.
Adaptação da luz: Paulo Barcellos



  







SERVIÇO:

Temporada: De 03 de janeiro a 24 de fevereiro.
Local: Teatro Poeirinha.
Endereço: Rua São João Batista, 104 – Botafogo – Rio de Janeiro.
Telefone: (21) 2537-8053.
Dias e Horários: De 5ª feira a sábado, às 21h; domingo, às 19h.
Valor do Ingresso: R$50,00 e R$25,00 (meia entrada).
Lotação: 80 lugares.
Duração: 60 minutos.
Indicação Etária: (Não divulgada).
Gênero: Monólogo Dramático.








        Para quem é amante da boa literatura e de um bom trabalho de interpretação, “ESPELHOS” é uma grande pedida, que eu recomendo, para iniciar bem o seu Ano Novo Teatral. Foi assim que dei partida ao meu, começando com o pé direito, e o fato de ter assistido a uma peça tão interessante, a primeira do ano, é um bom sinal – de que 2019 promete ser, também, uma temporada de grandes produções.






E VAMOS AO TEATRO!!!


OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!


A ARTE EDUCA E CONSTRÓI!!!


RESISTAMOS!!!


COMPARTILHEM ESTE TEXTO, PARA QUE, JUNTOS,

POSSAMOS DIVULGAR O QUE HÁ DE MELHOR NO

TEATRO BRASILEIRO!!!





(FOTOS: JOÃO MARIA SILVA JR..)







































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