segunda-feira, 13 de junho de 2016


2ª MARATONA TEATRAL
EM SÃO PAULO - 2016
 
 
(PARTE I)
 
 
 RAINHAS DO ORINOCO
 
(A POESIA EM CORES VIVAS
ou
UMA ODE AO “NAÏF” E AO ARTISTA POPULAR.)
 
 
 
 
            TEATRO, no fundo, no fundo, é uma coisa muito simples. Melhor dizendo, o bom TEATRO se resume numa combinação, às vezes, difícil de ser encontrada, porém, quando reunidos determinados elementos, não há como não dar certo.
 
            Ingredientes para a receita de um excelente espetáculo de TEATRO: Pegue um bom texto (fundamental, como farinha, para um bolo), ponha-o na mão de um grande “chef” (o maestro tem de ser dos mais respeitados e competentes), convoque um elenco que honre a profissão e cerque-se de bons profissionais técnicos... Faltam os três últimos ingredientes: amor à arte, dedicação à profissão e respeito ao público.
 
Feito isso, podem surgir vários resultados, todos positivos, em maior ou menor escala. O que me leva a escrever neste momento é o espetáculo “RAINHAS DO ORINOCO”, uma dessas maravilhas, em maior escala, que está em cartaz no lindo Teatro VIVO, em São Paulo.
 
Como crítico de TEATRO e jurado de prêmios, no Rio de Janeiro, tenho o hábito de ir, quatro ou cinco vezes, por ano, à capital paulista, para assistir aos espetáculos que, por informações de terceiros, não virão para o Rio. Pela segunda vez, neste ano, consegui assistir a seis peças em quatro dias. Faz parte da magia do TEATRO, que tanto me contagia, e da minha obstinação (ou obsessão?) por ele.
 
Quando comecei a elaborar a relação do que gostaria de ver, deparei-me com a propaganda de “RAINHAS DO ORINOCO” e decidi, imediatamente, que aquele seria um espetáculo que não poderia deixar de ver, que não poderia faltar na minha “cesta básica paulista”. E por quê? Porque a sinopse me interessou e porque dois nomes se destacavam na ficha técnica: o de GABRIEL VILELLA, um dos mais criativos diretores brasileiros, dos que mais admiro e do qual não perco um trabalho, e WALDEREZ DE BARROS, que, para mim, faz parte daquele time seleto, que merece o cerimonioso tratamento de “DONA”, antes do nome, uma justa reverência, quase equivalente, para mim, ao título de “Sir”. É assim que me refiro às grandes damas do TEATRO BRASILEIRO, de cuja galeria DONA WALDEREZ faz parte, pelo que ela representa para o nosso TEATRO.
 
Não pensei em fazer contato com possíveis amigos da produção, para ir como convidado, na condição de crítico e jurado de prêmios, no Rio de Janeiro. Nem prestei atenção aos outros nomes que compunham a ficha técnica. Apressei-me a comprar meu ingresso e fiquei muito feliz por ter conseguido a primeira fila: A2, como gosto.
 
Passei o dia 2 de junho (2016) numa expectativa muito grande, o relógio trabalhando de bandido, contra mim, como já escrevera Carlos Drummond de Andrade, em sua crônica “Mocinho”.
 
Finalmente, chegou a hora da sessão e lá estava eu, como criança, aguardando o início da peça. Era expectativa em excesso. Algumas vezes, já me dei mal, por conta disso, já que é frustrante, quando um espetáculo fica aquém do que esperávamos dele. Entretanto o contrário é muito gratificante: esperar algo num nível “X” e receber muitas vezes “X” não tem preço, como diz aquela propaganda de cartão de crédito. Tinha certeza da profusão de “X” que eu encontraria no palco.
 
 
 
(Da esquerda para a direita) Luciana Carnieli,
Dagoberto Feliz e Walderez de Barros.
 
 
 
SINOPSE:
 
MINA (WALDEREZ DE BARROS) e FIFI (LUCIANA CARNIELI) são duas atrizes de teatro musical, duas vedetes decadentes, que ganham a vida com “shows” pela América Latina.
 
Viajando em um barco cargueiro, Stella Maris (Estrela do Mar), pelo rio Orinoco, cantam e representam seus amores e seus sonhos, em uma aventura repleta de lirismo, canções, drama e bom humor, enquanto ensaiam para um espetáculo, para o qual haviam sido contratadas. Fariam um “show” num cabaré, num campo de petróleo, chamado “El Provenir”, contratadas por um homem muito mau e inescrupuloso, um verdadeiro gângster - não sei se compreendi bem o seu nome: Rico da Porta (?).
 
No meio da viagem, numa manhã, que parecia tão normal e tediosa quanto as outras, as duas constatam que a tripulação, de oito homens, havia desaparecido, misteriosamente. Com elas, na embarcação, restou apenas um homem, paixão de FIFI, que fora esfaqueado e estava caído na cabine do capitão.
 
Mesmo assim, as duas, sozinhas, seguem o seu destino, até que MINA revela um segredo a FIFI. Na verdade, o contrato não seria para exibições artísticas num cabaré, por força do já fraco e decadente talento das duas para as artes, e sim para “prestar serviços” a vários homens, ávidos de sexo, num “puteiro”.
 
Daí, surgem situações conflituosas, já que MINA se conforma com a situação, enquanto FIFI se rebela contra ela, e tudo vai desaguar num final não muito previsível.
 
 
 
 
 
 
Mina.
 
 
            O texto, lindo e divertido, é de EMILIO CARBALLIDO, um dos mais reconhecidos dramaturgos mexicanos de sua época, falecido em 2008, aos 83 anos, tendo deixado uma grande bagagem dramatúrgica, cuja obra em questão, no original, “ORINOCO”, é uma de suas maiores representantes. A presença do mar é uma constante em suas peças. Nesta, porém, a água salgada cedeu espaço à doce.
É público e notório - o diretor não esconde - que o texto sofreu várias adaptações, com o objetivo de atingir o público brasileiro, com a incorporação de detalhes que não fazem parte do original, mas que falam, de perto, da nossa cultura e à nossa alma, não deixando, porém, de fazer parte da latinidade original do texto, proposta por seu autor.
            HUGO DE VILLAVICENZIO tratou de traduzir muito bem a obra, mantendo a arquitetura dramática original, dando ênfase à dinâmica e a citações mais familiares ao público brasileiro. O texto concentra muitos palavrões, que poderão desagradar ao público mais conservador, porém creio que nunca vi, em TEATRO, tantos palavrões bem colocados num texto e ditos de uma forma tão especial e natural por duas grandes atrizes. Não existe, para quem conhece TEATRO, a menor possibilidade de não considerar todos os “termos chulos” (em homenagem aos pudicos) indispensáveis às cenas e proferidos com a maior classe e propriedade, sem chocar, sem parecer gratuitos.
            Falar do trabalho de direção de GABRIEL VILELLA é ser sempre repetitivo, por mais diferente que seja o texto que lhe chegue às mãos, porque ele tem algumas características próprias de direção, uma visão estético-dramática que jamais o traem e que sempre resultam em excelentes montagens. Ainda guardo, por exemplo, as indeléveis lembranças de “A Tempestade”, que assisti no ano passado, numa das minhas maratonas paulistas, para ver TEATRO, e cuja crítica, já escrita, por motivos alheios à minha vontade, não foi ainda publicada. Mas o será, em breve. GABRIEL tem o seu estilo próprio, incomparável e inconfundível, de valorizar o elemento plástico, entretanto, como não poderia deixar de ser, importa-se em como inserir o potencial do ator nesse universo, seja trabalhando com um elenco numeroso, como o de “A Tempestade”, por exemplo, ou com apenas três, como em “RAINHAS DO ORINOCO”. Seu trabalho de extrair do ator a sua carga máxima de representação atinge a perfeição e parece não abrir mão do conceito de uma representação o mais naturalista possível, embora, nesta peça, por exigência do texto, em alguns momentos, haja um exagero, que faz parte do perfil do(a) personagem, e que funciona muito bem, não soando como falso ou canastrice.
            Segundo o “release” da peça, “A encenação foi construída a partir da estética do circo–teatro, tal qual ele existiu no Brasil, até meados dos anos 60, que teve seu auge com Vicente Celestino, Gilda de Abreu, Tonico e Tinoco, José Fortuna, Circo Arethusa, Dercy Gonçalves, Grande Otelo, Oscarito, com os grandes circos e grandes melodramas. (...”) “CARBALLIDO teve a sabedoria de fazer uma grande comédia. A peça é um depoimento humanista de alguém que enxerga, através da comédia e do melodrama, a existência de dois seres humanos desprotegidos na carne e nos grotões da America Latina - comenta o diretor GABRIEL VILLELA.
 
(Foto: Divulgação)  - 'Rainhas do Orinoco' mostra duas artistas mambembes
Fifi e Mina.
 
            Podemos, facilmente, perceber que “RAINHAS DO ORINOCO” nos faz entender a peça como uma grande alegoria em que, por meio de uma metáfora, o barco, que fica à deriva, nada mais é do que a vida de cada um de nós e que todos, de uma forma ou de outra, por este ou aquele viés, podemos escolher se somos MINA ou FIFI.
            O espetáculo se aproxima muito de um tom “naïf”, que o diretor consegue extrair do seu excelente trio de atores e assina uma direção que mostra um TEATRO vivo, que provoca saudade, no espectador mais velho, do TEATRO que se fazia em temos passados, paradoxalmente, com elementos da modernidade.
            Acho fascinantes as marcações e as soluções criativas e simbólicas que a direção põe em cena, como fitinhas, para sugerir o rio, por exemplo, e objetos, para fazer o papel do barco, navegando sobre a fitinha, assim como a genial cena do ensaio para um futuro possível “strip-tease”, que não detalharei, para não roubar, ao futuro espectador, a surpresa da cena. É muito interessante, e engraçado, o que é feito para cobrir as partes “pudendas” (palavra horrível e fora de moda), que deveriam ficar à mostra, para satisfazer o prazer dos futuros espectadores sedentos de sexo. Há outros exemplos, além desses.
Assistir a um espetáculo com a assinatura de GABRIEL VILELLA já suscita muita surpresa e a certeza de um belíssimo trabalho, do ponto de vista estético e plástico. Ao adentrar o teatro, o espectador já é, positivamente, surpreendido com o que está exposto no palco, como se estivesse entrando em um sala de exposição de obras de artes plásticas. O cenário é de uma beleza ímpar, ao mesmo tempo em que de uma simplicidade, coroada de muita criatividade e elementos da cultura brasileira, obra de um grande artista: WILLIAM PEREIRA. Ao fundo, um telão, pintado, representando um rio (Orinoco), este obra de JUVENAL IRENE. No centro do palco, um barco, onde se lê seu nome de batismo, STELLA MARIS, que apresenta um duplo sentido com relação às duas figuras principais que o ocupam, as Estrelas Do Mar (no caso, aqui, do rio). Emoldurando o palco, uma belíssima pintura, representando a Floresta Amazônica, com árvores, animais e um casal de índios, trabalho requintado de pintura. Essa boca de cena é chamada de “Arte Naïf Equatorial” e é da autoria de SHICÓ DO MAMULENGO. A ribalta é um detalhe dos mais apreciados, pois, cobrindo as lâmpadas, há arranjos de dezenas, ou mais de uma centena, de flores multicoloridas. Aliás, o que não falta é uma paleta variadíssima de cores e matizes, em tudo o que se vê em cena, formando um conjunto de indescritível beleza.
 
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Detalhes do cenário.
 
            Os figurinos, também de GABRIEL VILELLA, são de uma beleza e de um requinte merecedores de prêmios e de um espaço num museu de figurinos, que deveria ser, urgentemente criado, para guardar a memória desses grandes momentos do TEATRO BRASILEIRO. GABRIEL, certamente, ocuparia grande parte daquele espaço. Além de lindos, criativos e funcionais, todos, sem exceção, são ricos em detalhes de bordados e aplicações em alto-relevo, de deixar o público encantado. São imagens que nos transportam a um mundo de fantasia e que ficam guardadas, para sempre na memória. Sem falar que esse trabalho representa a mais pura obra de arte dos artesãos brasileiros.
            A iluminação, de CAETANO VILELA, não apresenta detalhes dignos de maiores comentários, além do fato de ser bonita, bem feita, sem muitas variações, porém destacando alguns detalhes importantes para a percepção de algumas cenas.
            O espetáculo não deve, a meu juízo, ser considerado um musical, nem é vendido como tal, embora seja embalado por canções latinas, cantadas pelo elenco, do qual, além de DONA WALDEREZ e LUCIANA, faz parte DAGOBERTO FELIZ, responsável por acompanhar as canções, tocando vários instrumentos musicais, além de ser autor dos ótimos arranjos musicais. Também assina a trilha sonora, juntamente com BABAYA, que é responsável pela direção musical.
Como se trata de um espetáculo que prima belo bom gosto estético, pela beleza do visual, não podem ser esquecidos os nomes de SHICÓ DO MAMULENGO, que assina os adereços e objetos de arte, assim como o de GIOVANNA VILELA, responsável por todos os ricos e encantadores bordados. Tudo de indiscutível beleza! Também devem ser louvados os nomes de IVAN ANDRADE e DANIEL MAZZAROLO, na assistência de direção; CLAUDINEI HIDALGO, na corretíssima maquiagem; e de CLAUDIO FONTANA, na direção de produção.
 
 
            “Last, but not least”, e muito pelo contrário, aliás, falemos do trabalho dos atores.
            A direção foi felicíssima na escalação do elenco. As duas personagens femininas, ambas protagonistas e muito interessantes, são defendidas por duas grandes atrizes. MINA (WALDEREZ DE BARROS) é a mais velha das duas, por volta dos 50 anos, cônscia de suas atuais condições físicas e artísticas, desgastada pelas exigências da profissão e pela vida que leva, afastada das esperanças por um futuro melhor e uma velhice mais tranquila, digna e confortável, não alimenta a menor ilusão por dias melhores e se acomoda, esperando o que está por vir, ainda que saiba o quanto de ruim isso lhe trará. A atriz, cuja trajetória, em TEATRO, acompanho e admiro muito, parece-me estar num de seus melhores papéis, de difícil interpretação, pois, por trás de um falso humor, às vezes negro, tem de passar, ao público, o seu verdadeiro sentimento, o seu interior, que não é nada divertido, mas de acomodação, de aceitação ao “imponderável” e ao “destino”, ao que está escrito e do que não se pode fugir. DONA WALDEREZ DE BARROS arrebata a plateia, desde sua primeira aparição em cena, ratifica seu grande talento, durante a peça, e é merecedora de aplausos em cena aberta.
 
Dona Walderez de Barros
ou Mina.
 
            Para mim, a grande surpresa do espetáculo, e por cujo trabalho estou profundamente encantado, é a atriz LUCIANA CARNIELI, que eu só conhecia da peça “Lampião e Lancelote” (não me lembro de outras), na qual sua personagem não lhe dava a oportunidade de demonstrar seu talento, como o que está sendo analisado em “RAINHAS DO ORINOCO”. Sua personagem, FIFI, é bem mais jovem que MINA, motivo pelo qual, transmite muita alegria e agitação em cena, pois ainda vê muitos motivos para crer num futuro promissor na carreira. É ela quem mais se empolga pelo trabalho da dupla, propõe ensaios e novos números e tece sonhos, em busca de um sucesso que, ingenuamente, acredita estar num próximo porto seguro. Seu modo de falar erradamente também arranca boas gargalhadas da plateia, assim como DONA WALDEREZ.
 
Luciana Carnieli
ou Fifi.
 
            O que move a cena, o que prende a atenção do espectador, além das duas magníficas interpretações, é o contraste entre as duas personagens e a reação distinta, de cada uma, diante da inevitável situação de um barco à deriva, uma metáfora do destino das duas. Enquanto MINA se conforma com o inevitável, não esboça qualquer reação de luta pela sobrevivência, pessoal e artística, aguardando, passivamente, a consolidação de um destino cruel e, por que não dizer, injusto, FIFI não esmoreja, não entrega o jogo e luta até a prorrogação da partida, não descansa, em busca de soluções para evitar a tragédia, depois de ter ouvido a revelação, por parte de MINA, de qual seria, realmente, o triste destino das duas. LUCIANA é uma atriz completa, de grandes possibilidades, cantando muito bem, interpretando, divinamente, e utilizando o corpo num trabalho de difícil execução, além de ter descoberto uma voz, para a personagem, que funciona perfeitamente na sua composição. Também mereceu os aplausos em cena, algumas vezes, puxados por mim, eu que também fui o responsável pelo primeiro “Bravo!”, ao final daquela sessão.
            Quanto a DAGOBERTO FELIZ, só tenho a dizer que sempre admirei o trabalho deste ator/diretor/miltimusicista, que, nesta montagem, funciona, excelentemente, com um grande coadjuvante de luxo. Além de pequenas participações no texto, serve de “escada”, no melhor sentido do termo utilizado em TEATRO, ao trabalho das duas protagonistas, toca vários instrumentos musicais e ainda canta. No início da peça, juntamente com LUCIANA, faz parte de um prólogo, onde ambos dizem, alternadamente, um belíssimo texto, “A Flor do Linho”, que não sei se é de autoria do próprio dramaturgo ou se foi incorporado à montagem. Afirmo, porém, que está muito bem empregado, da mesma forma como é interpretado pela dupla e cujo teor, lindo, diga-se de passagem, faço questão de transcrever, pelo que, metaforicamente, antecipa de tudo o quanto será visto durante a peça:
 
Dagoberto Feliz.
 
 
“O linho estava florido. Suas doze flores agradeciam ao sol e à chuva, contentes com tudo. Suas doze flores eram lindíssimas. E, de repente, apareceram umas tesouras, fazendo um barulho horrível, 'cric, crac, cric, cruc, crac'. E falavam: ‘acabou, acabou, acabou’.
 E cortaram e jogaram fora as doze flores. Mas as flores falavam: ‘não acabou não, ainda falta o melhor!’
 E foram jogadas num... tanque, num... já não me lembro direito. E elas foram moídas, pobrezinhas, e viraram fibras. E foram tecidas! E viraram um pano lindo, de vários metros, que tava estendido ao sol, e era regado e dobrado com muito cuidado. E, de repente, voltaram as tesouras e cortaram o pano em pedaços, 'cric, crac, cric, cruc, crac'; ‘acabou, acabou, acabou.’
E os pedaços do tecido falavam: ‘não acabou não, ainda falta o melhor!’
Chegou, então, uma agulha e furou todos eles. E tinha uma linha por trás, naturalmente. E furou, furou, furou. E, de repente, eram doze camisas! Doze lindas camisas de linho! E quem vestia essas camisas era um senhor, que ia com elas às festas e sempre manchava de vinho e deixava cair umas comidas deliciosas. Logo, elas eram lavadas e ficavam penduradas sob o sol quente e a chuva fresca...
E as tesouras? Porque ali em volta deve estar cheio de tesouras.  Agora não foram elas, foi o uso. Agora foi o tempo. Foram gastando, rasgando, puindo. E o lixeiro levou embora, dizendo: 'cric, crac, cric, cruc, crac'; 'acabou, acabou, acabou.’
Mas elas, lá no saco, falavam: ‘não acabou não, ainda falta o melhor.’
E foram levadas pra uma tina enorme, e lá ficaram jogadas com outros trapos. E viraram polpa. E a polpa foi amassada nuns rolos de compressão. E virou papel! E dali nasceram doze folhas do mais fino papel de linho, que logo foram compradas por um escritor, um poeta maravilhoso, que dizia tudo o que é mais bonito e tudo o que é certo e tudo o que é bom. E dizia muito bem. E lá ficou escrito, nas doze folhas de linho. Que foram pra uma gráfica e foram copiadas e foram lidas pelo mundo inteiro. As doze folhas ficaram famosas!
 Voltaram pra casa, como sempre, cheias de letras belíssimas, mas, também, cheias de... manchas de tinta e de gordura...
Ficaram num canto. Um cantinho especial da biblioteca. E, então, vieram os ratos e os cupins. Acabaram com o manuscrito. De dar pena...
Uma noite, teve que ser jogado no fogo. E as chamas falavam...'Cric, crac, cric, cruc, crac'; 'acabou, acabou, acabou.’
Mas ali, em cima do carvão, sobraram doze fagulhas. Que subiram num impulso de ar quente, pelo buraco escuro e sujo daquela chaminé, e caíram na noite, num torvelinho.
Eram doze fagulhinhas vermelhas, que deixaram a fumaça pra trás e começaram a confundir-se com as estrelas.
E as doze falavam: 'não acabou não. ainda falta o melhor’!"
 
 
 
 
 
 
 
 
            Ainda que o espetáculo seja razoavelmente curto, no sentido de não comportar dois atos, a direção optou por esta orientação, visto que há necessidade de uma pequena mudança de cenário, que é uma surpresa, para o espectador, e, por tal motivo, não deveria mesmo ser feita à vista da plateia, enquanto, por exemplo, se executassem alguns números musicais.
 
Algumas cenas se destacam, na peça, como os números musicais, o já citado ensaio para um “strip-tease”, bem como a da leitura de um diário de bordo, encontrado pelas duas protagonistas, a cena da constatação de que o barco está à deriva, como a, também já citada, da situação metafórica do desconhecido destino das duas, e mais a cena final, que, também, para não roubar, a quem for assistir ao espetáculo, uma emoção certeira, prefiro omitir.
 
            Saí do teatro profundamente alegre e emocionado com o que vi, triste, porém, por não ter a oportunidade de revê-lo, na certeza de que não viria para o Rio. Agora, termino estes comentários muito feliz, por saber que “RAINHAS DO ORINOCO” já está com estreia prevista para agosto, num teatro carioca, a ser confirmado. Garanto que vou rever, com muita alegria e já faço, aqui, a minha recomendação: NÃO PERCAM!
 
            E, para terminar, fui dormir, naquela noite, após ter visto a peça, fazendo uma comparação entre a situação das duas passageiras de um barco à deriva com o personagem enigmático que o gênio de Guimarães Rosa criou, num dos seus mais belos contos, um dos meus preferidos: “A Terceira Margem do Rio”. Aproveitem e leiam-no também, antes de ver a peça!
 
 
Adivinhem o que é isto!!!
 
E isto!!!
 
 


FICHA TÉCNICA:
 
Texto: Emilio Carballido 
Tradução: Hugo de Villavicenzio
Direção: Gabriel Villela
Assistentes de Direção: Ivan Andrade e Daniel Mazzarolo
 
Elenco: Walderez de Barros, Luciana Carnieli e Dagoberto Feliz
 
Figurinos: Gabriel Villela 
Cenografia: William Pereira
Arranjos Instrumentais: Dagoberto Feliz
Direção Musical: Babaya
Trilha Sonora: Babaya e Dagoberto Feliz
Iluminação: Caetano Vilela
Adereços e Objetos de Arte: Shicó do Mamuulengo
Bordados: Giovana Vilela
Maquiagem: Claudinei Hidalgo
Fotografia: João Caldas
Produção Executiva: Luiz Alex Tasso
Direção de Produção: Claudio Fontana
Patrocínio: Vivo e 2S Inovações Tecnológicas
 
 

 


 

SERVIÇO:
 
Temporada: De 13 de maio a 3 de julho.
Local: Teatro VIVO.
Endereço: Avenida Dr. Chucri Zaidan, 2460 – Morumbi – São Paulo – SP.
Telefone: (11) 97420-1529.
Dias e Horários: 6ªs feiras, às 21h30min; sábados, às 21h; domingos, às 18h.
Valor dos Ingressos: R$50,00 (6ª feira) e R$80,00 (sábados e domingos) - 50% de desconto para Cliente Vivo Valoriza e um acompanhante.
Gênero: Comédia.
Duração: 90min.
Classificação Etária: 14 anos.
 
 
 
 
 
 
 
 

 

 
(FOTOS: JOÃO CALDAS.)
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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