terça-feira, 15 de março de 2016


A OUTRA CASA

 

 

 

(UMA BELA METÁFORA TEATRAL.)

 

 


 


 

 

 

            Quando vou ao teatro, como qualquer pessoa, creio eu, sempre me municio de expectativas, as melhores, em geral. A diferença entre mim e um espectador “comum” é que vou com a missão de, além de qualquer outro propósito, fazer uma análise crítica do espetáculo, do ponto de vista técnico e, obviamente, de acordo com o meu gosto particular pelo texto, pelo gênero, pela temática, pelos atores...

 

            Quando fui assistir a “A OUTRA CASA” (“The Other Place”, no original), que está em cartaz no Centro Cultural Justiça federal (Ver SERVIÇO.), além de qualquer outro atrativo, vibrava com a oportunidade de ver, mais uma vez, em cena, HELENA VARVAKI, uma grande atriz dos palcos, que tenho na conta das melhores. A última vez em que a vi atuando, em “Um Estranho no Ninho”, peça a que assisti cinco ou seis vezes, na pele da enfermeira Ratched, fiquei encantado com seu trabalho, como já o ficara em outros. Lá, HELENA brilhava, embora não fosse a protagonista, porém seus embates, alguns violentos, com o protagonista, R. P. McMurphy, esplendidamente vivido por Tatsu Carvalho, faziam com que seu talento fosse notado, porém não tanto, em função do protagonismo do personagem masculino. Em “A OUTRA CASA”, porém, HELENA VARVAKI brilha, absoluta, como a DRA. JULIANA SMITHTON.

 

 



Alexandre Dantas e Helena Varvaki.

 


 

 
SINOPSE:
 
Uma neurologista de sucesso, psiquiatra, a DRA. JULIANA SMITHTON (HELENA VARVAKI), por ironia do destino, é acometida de um lapso de memória, exatamente durante uma apresentação para uma plateia de médicos, prática tão comum para ela, sempre requisitada para tais palestras e aulas especiais. O motivo para aquele encontro seria a apresentação um novo medicamento contra a demência, desenvolvido por ela.
 
A partir desse episódio, ela vai sendo impulsionada a rastrear sua lucidez, procurando um equilíbrio mental. Esse rastreamento é feito através de diálogos impetuosos com seu marido, com sua médica, com as lembranças de sua filha desaparecida e consigo mesma.
 
No decorrer da trama, o espectador vai sendo levado, junto com a protagonista, à compreensão do que está, de fato, ocorrendo. Ele é convidado a montar o quebra-cabeça, por meio de pistas, que vai recebendo, direta ou indiretamente, acompanhando a trajetória de aceitação e transformação de JULIANA, ao relembrar e assimilar os acontecimentos de seu passado.
 

 

 

 


 

 


            O texto, um thriller emocional, do dramaturgo norte americano, contemporâneo, pouco entrado na casa dos 40 anos, SHARR WHITE, explora a vulnerabilidade do ser humano, diante dos transtornos da memória.

 

O espetáculo estreou, na Broadway (também foi a estreia do autor na “meca” do TEATRO), em janeiro de 2013, com prêmios e nomeações, e fez uma brilhante carreira. Inédito, entre nós, a peça trata de um tema bastante interessante, problema do qual qualquer espectador poderia ser vítima, já que conta a história de uma neurologista de sucesso (poderia ser de qualquer outra profissão e, até mesmo, uma pessoa de pouca, ou nenhuma, notoriedade), que se vê desafiada pelos próprios lapsos de memória.

 

Nos Estados Unidos, a peça mereceu ótimas críticas, dentre as quais destaco um trecho de uma, publicada pelo New York Times, com o qual concordo plenamente: “A sensação de desorientação une audiência e protagonista”. O drama da DRA. JULIANA, realmente, comove o espectador, provoca um sentimento de comiseração, como se cada um se pusesse no lugar dela, se projetasse na intimidade da sua dor, de seu sofrimento, transformado em ferida exposta. Uma vida, pessoal e profissional, iluminada, construída, com esforço e dedicação, ao longo de algumas poucas décadas, ruindo, tornado-se pó. Seu marido, ainda que procurasse atingir o máximo de sua paciência e compreensão, pediu o divórcio; sua filha tinha fugido com um homem muito mais velho; e sua própria saúde, física e mental, estava em perigo, uma ameaça terrível. 

 

 


Helena Varvaki.

 

 

Para mim, um dos fatores mais interessantes, na peça, responsável por prender a atenção do espectador e fazer com que palco e plateia se aproximem, cada vez mais, até o apagar da última luz, é o fato de o espetáculo ir sendo construído através de um quebra-cabeça, que envolve protagonista, público e personagens, desde a primeira cena. Nem barulho de papelzinho de bala se ouve, durante os 90 minutos de pura ação e de depuração.

 

É preciso que o espectador esteja ligado, o tempo todo, no que vê e ouve, para tentar acompanhar tudo e procurar entender o que possa ser verdade ou fruto da imaginação da protagonista (Ou do autor?), o que está acontecendo em tempo real ou é mostrado em “flashback”. A peça é um desafio para o espectador e eu o aceitei, com coragem, mas sem a certeza de que sairia vencedor daquela “batalha”. Confesso, humildemente, que ainda tenho muitas dúvidas e que pretendo rever a peça, com um olhar mais atento ainda – se é que isso seja possível – do que o que me prendeu ao palco, quando vi o espetáculo.

 

 


Sombras.

 

 

HELENA agradece à atriz Marjorie Estiano e a DIEGO TEZA, tradutor do original, por lhe terem apresentado ao texto e, creio, à obra do seu autor. Ato contínuo, tratou de convidar GABRIELA MUNHOZ, para atuar, e o marido, MANOEL PRAZERES, para a direção. Juntos, escolheram o restante do elenco, ALEXANDRE DANTAS e DANIEL ORLEAN; este também assina a assistência de direção.

 

 


Momento de ira (ou lucidez?).

 

 

Para se ter uma ideia da complexidade e da potência do desafio que “A OUTRA CASA” propõe, transcrevo um depoimento, sobre a peça, que encontrei, do autor do texto, em entrevista à publicação teatral “PLAYBILL”: Costumo dizer que a peça é sobre a mulher mais inteligente na Terra, que descobre que nada é o que ela pensa que é. É um pouco de mistério, na forma como o jogo se desenrola. É uma história que é contada muito de perto, através de sua perspectiva. É, realmente, sobre JULIANA ser um narrador confiável, e nós ficarmos com ela, enquanto ela começa a entender que seu mundo não é o que ela pensa que é.

Eu tenho um amigo que me desafiou a escrever uma peça sobre o assunto que está lá, no texto de “A OUTRA CASA”. Eu fui resistente, de início. Não achava que poderia funcionar. Mas ele foi muito insistente. E, quanto mais eu começava a olhar para a estrutura da construção de uma peça de teatro na forma como este jogo é construído, mais animado eu ficava.”.



 

Sharr Branco

Sharr White (o autor).
(Foto: Revista PLAYBILL.)

 


Houve vários momentos, realmente, em que fiquei bastante perturbado, confuso, sem a certeza de que o que a DRA. JULIANA dizia ou aquilo em que ela acreditava pertencia ao plano do real. A separação do marido aconteceu ou, apenas, estava prestes a se concretizar e ficou só na intenção? As conversas, por telefone, com a filha, existiram, e teriam sido naquele tom? Como justificar a presença enigmática de uma moça de biquíni amarelo, sempre presente na mente da DRA. JULIANA. na plateia da palestra, naquele “resort”? E a “outra casa” era real, fora construída em “outro terreno”?

Vejo, na minha “viagem” (Também tenho direito a uma.), a “outra casa” como uma imagem metafórica de uma outra situação, de uma “zona de conforto”, de um “porto seguro”, um contexto de “normalidade”, no qual a personagem pudesse ser feliz.

            Apesar de todas as dúvidas com as quais o texto vai instigando espectador, o autor, de forma brilhante, cria um final que justifica o encaixe de todas as peças do quebra-cabeça.

 


 

Ainda que não conheça o original, em inglês, posso afirmar que a tradução, de DIEGO TEZA, é muito boa, com diálogos ágeis e muito bem construídos, e deve se aproximar, ao máximo, do que o dramaturgo teve a intenção de dizer. Gostaria, porém, preferência pessoal, de que o título mantivesse a tradução literal, “O OUTRO LUGAR”, pelo que já expus anteriormente, uma vez que, embora a personagem faça referências, o tempo todo, a uma outra “casa”, penso que, semanticamente, o que ela buscava era um outro “lugar”, não físico, mas “situacional”, que lhe mostrasse sua verdadeira identidade, que pudesse pôr fim a uma busca, surgida não se sabe a partir de quando.

 


Gabriela Munhoz e Helena Varvaki. A hora da verdade?

 

Um texto complexo é bom, para que o diretor possa demonstrar sua competência, e isso é, facilmente, perceptível no trabalho de direção de Manoel Prazeres. Imagino o quanto de leituras e releituras ele deve ter feito, do texto, para chegar ao formato, excelente, como a peça nos é apresentada.

Quanto ao elenco, não há muito mais o que dizer da magnífica interpretação de HELENA VARVAKI. A atriz faz com que a personagem apresente uma variação de expressões, faciais e corporais, e de modulação de voz, relativas às diferentes emoções e situações, reais ou não, por que passa a DRA. JULIANA, intensa em todas as cenas, nos embates com o marido e sua psiquiatra, principalmente. Cenas inesquecíveis!






Helena Varvaki.



Helena Varvaki brilha em "A outra casa", espetáculo com texto de Sharr White – a outra casa

O Elenco: Alexandre Dantas, Helena Varvaki,

Daniel Orlean e Gabriela Munhiz.


Para os demais atores do elenco, ainda que gabaritados profissionais, é um grande desafio contracenar com HELENA, mas ALEXANDRE DANTAS (IAN), o marido da protagonista e, também, médico, e GABRIELA MUNHOZ, que se multiplica em mais de um personagem, como a MÉDICA PSIQUIATRA, a FILHA, e uma ENIGMÁTICA MULHER, fazem bons trabalhos, edificantes. ALEXANDRE, que, nos últimos aos, vem se dedicando a papéis mais puxados para o cômico, a maioria em musicais, demonstrou que também se sai bem num drama. GABRIELA, bela presença em cena, consegue estabelecer as diferenças entre as diversas personagens que vive. Em função da pouca participação dos personagens que interpreta, RICHARD e um HOMEMDANIEL ORLEAN não tem a oportunidade de se expor muito na vitrine, mas seu trabalho é bastante coerente.

 


 

O cenário, de DÓRIS ROLLEMBERG, é simples, como deveria mesmo ser, deixando bastante espaço livre, para que os atores possam fazer seu trabalho no acanhado palco do teatro do CCJF. Painéis claros, que se movem, abrindo-se e fechando-se, como janelas (As que deixariam à mostra a “outra casa” ou que poderiam ser puladas, para o acesso a ela?), valorizados, plasticamente, pela bela iluminação, sempre correta, do competente RENATO MACHADO.



Detalhes do cenário e da iluminação.


Idem.

 

Também estão de acordo com o contexto os figurinos, de LETÍCIA PONZI, sem maiores destaques.

Ajuda, bastante, a criar “climas” a boa trilha sonora, sob a responsabilidade de RICK YATES.

Um detalhe plástico, bastante importante e de excelente qualidade, que vem sendo muito explorado nas montagens teatrais, ultimamente, são os vídeos, criados por RODRIGO TURAZZI e RENAUD LEENHARDT.

            “A OUTRA CASA”, além de, como TEATRO, ser um espetáculo belíssimo, dos melhores deste primeiro trimestre, no Rio de Janeiro, traz à tona um tema instigante, tratado com muita coragem e profundidade. Tudo isso justifica uma ida ao Centro Cultural Justiça Federal. E, com HELENA VARVAKI, protagonizando, aí, então, não há justificativa para perder esta peça.

 


 


 

 
FICHA TÉCNICA:
 
Texto: Sharr White
Tradução: Diego Teza
Direção: Manoel Prazeres
Assistente de Direção: Daniel Orlean
 
Elenco: Helena Varvaki, Alexandre Dantas, Gabriela Munhoz e Daniel Orlean
 
Cenografia: Dóris Rollemberg
Figurinos: Letícia Ponzi
Iluminação: Renato Machado
Trilha Sonora: Rick Yates
Captação de Imagens: Rodrigo Turazzi e Renaud Leenhardt
Edição de Vídeo: Rodrigo Turazzi
Fotografias: Guido Argel
Programação Visual: Flávio Luiz Pereira
Direção de Produção: Rafael Fleury e Manoel Prazeres
Administração: Rosa Ladeira
Realização: Helena Varvaki, Gabriela Munhoz, Daniel Orlean e LMPR Serviços Tecnológicos e Culturais Ltda
Divulgação: Lu Nabuco Assessoria em Comunicação
 

 

 

 


Alexandre Dantas, Helena Varvaki e Daniel Orlean.

 

 



Mosaico.

 


 

 
SERVIÇO:
 
Temporada: De 27 de fevereiro a 3 de abril – EXCEPCIONALMENTE, NÃO HAVERÁ SESSÃO NO DIA 25 DE MARÇO.
Local: Teatro do Centro Cultural Justiça Federal.
Endereço: Av. Rio Branco, 241 – Centro (Cinelâdia) (estação do metrô Cinelâdia) – Rio de Janeiro.
Dias e Horário: De 6ª feira a domingo, às 19h.
Valor do Ingresso: R$40,00 (inteira); R$20,00 (meia-entrada)
Telefone da Bilheteria: (21) 3261-2565
Horário de Funcionamento da Bilheteria: De 4ª feira a domingo, das 16h às 19h.
Duração: 90 minutos
Classificação Etária: 16 anos
Gênero: Drama
 

 

 


 


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(FOTOS: GUIDO ARGEL.)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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