domingo, 4 de outubro de 2015


OCUPAÇÃO
CIA. OS LIMÍTROFES
 
IN EXTREMIS
E
THE PILLOWMAN
(O HOMEM TRAVESSEIRO)
 
 
 
(QUANDO O EXTREMO É O ESPETÁCULO. 
E “EXTREMO” AINDA É POUCO.)
 
 
 
 
            O Teatro é o simpático Poeirinha.  O evento é uma ocupação, responsabilidade da CIA. LIMÍTROFES, que envolve dois espetáculos: “IN EXTREMIS”, às 3ªs e 5ªs feiras, e “THE PILLOWMAN” (“O HOMEM TRAVESSEIRO”), de 5ª feira a domingo.  O lucro é nosso, apaixonados que somos pelo bom TEATRO.
 
 
 


IN EXTREMIS
 
 
 
 
           
            O vocábulo latino “extremis” (extremo) diz respeito àquilo que é muito intenso ou que atingiu um grau máximo.  Precedido da preposição, também latina, “in”, compõe uma locução adverbial, “in extremis”, traduzida como “em caso extremo; nos últimos momentos da vida”.
 
            Quer na função adjetiva, quer na adverbial, há, na área semântica, uma estreita relação com o magnífico espetáculo em cartaz, até o dia 28 de outubro, no Teatro Poeirinha.
 
            No grau máximo, ao extremo, em se tratando de positividade, é o ponto em que podemos localizar o espetáculo “IN EXTREMIS”, por todos os seus componentes.
 
 
 
"In Extremis"
Daniel Infantini e Flávio Tolezani.
 
 
 
 
SINOPSE:
 
Conforme relatou, em um telegrama, a uma amiga, em 1895, uma semana antes de começar o julgamento que custaria sua reputação, sua liberdade, sua família e, finalmente, sua vida, OSCAR WILDE consultou-se com uma famosa cartomante, chamada MRS. ROBINSON.  
 
Ela leu sua mão e disse que o julgamento seria um sucesso.  
 
Esse pode ter sido o primeiro passo para a ruína de um dos maiores escritores e frasistas de todos os tempos.
 
Nesse caso, a peça se baseia num fato real, traduzido, ficcionalmente, em palavras, pela imaginação criativa de um dramaturgo, NEIL BARTLETT.
 
Na verdade, o charlatanismo da vidente pôde ser constatado com a condenação do escritor a dois anos de prisão, em 1895, em função de um processo, movido pelo Marquês de Queensberry, com cujo filho, Lord Alfred, a quem WILDE, casado e com dois filhos, carinhosamente, chamava de Bosie, o escritor mantivera um romance, o que, na época (?) era considerado pecaminoso e criminoso. 
 
 
 
            Apenas a título de informação, após aquele triste episódio em sua vida, o da prisão, OSCAR WILDE viu sua fama desmoronar: seus livros foram recolhidos e suas comédias, retiradas de cartaz.  Continuou escrevendo na cela (“A Balada do Cárcere de Reading” e “De Profundis”).  Depois de libertado, em 1897, foi morar em Paris, assinando suas obras com o pseudônimo de “Sebastian Melmoth”, passando o resto de sua vida em hotéis baratos e afogado na bebida.
 
            Tudo o que diz respeito a OSCAR WILDE me atrai, pela genialidade do escritor, seu estilo personalístico; por sua biografia, tão conturbada; por sua vida, extremamente doída.  Tão logo tomei conhecimento do espetáculo “IN EXTREMIS”, fiquei contando as horas para ter a oportunidade de assistir a ele, pois achei muito criativa a ideia de alguém ter pensado em “desvendar” o mistério daquela consulta, do que teria sido dito, ou não, naquela noite, entre um homem atormentado e uma inescrupulosa “alimentadora de sonhos”.  Eu também, se vivesse naquela época, gostaria de me tornar invisível, para registrar, “in loco”, aquele encontro.  Mas, diante de tal impossibilidade, só podemos agradecer, ao autor do texto, a oportunidade de nos oferecer um “buraco de fechadura”, para que possamos assumir o pedaço quase “voyeur” que há em cada um dos seres humanos.
 
“Nunca saberemos o que, de fato, aconteceu naquela noite.  Mas a história é muito boa, para ser ignorada”, comenta BRUNO GUIDA, o diretor do espetáculo.
           
Inspirado nessa história, o premiado autor NEIL BARTLETT escreveu a peça, com trechos transcritos da obra do grande escritor OSCAR WILDE, aliados à sua escrita assertiva e ágil.
 
O diretor acredita que o encontro entre a cartomante e o escritor pode nos dar uma pista que ajude a explicar a queda de WILDE.  Diz BRUNO: Essas questões servem de base não só para investigar o caráter e a obra de Wilde como também para refletir sobre a questão das relações que temos com os oráculos modernos, que na minha visão vão desde o horóscopo à psicanálise.”
 
 
 
Mrs. Robinson (Daniel Infantini) e Oscar Wilde (Flávio Tolezani).
 
 
            Na verdade, a história desse inusitado encontro serve apenas como pretexto para que se discuta a questão da influência que umas pessoas exercem sobre outras, quando se arvoram a “adivinhar” o que o futuro reserva a cada um de nós; a relação de poder entre o “saber” x o “desconhecido”; a situação de fragilidade do ser humano, sob um estado de tensão; a falta de escrúpulo do ser humano, quando explora a boa fé alheia; a exploração do homem sobre o homem...  Enfim, o que não falta é ingrediente a ser adicionado a este caldeirão de bruxa.
 
“IN EXTREMIS” teve sua estreia mundial no National Theatre, o teatro mais importante da Inglaterra, no ano de 2000.  
 
Do texto à encenação, tudo se reveste de um clima de mistério e adivinhação, quer pelas palavras do dramaturgo, quer pelos trechos da lavra do próprio WILDE, além do cenário, da iluminação, dos figurinos e do visagismo.
 
            Como a sabedoria popular apregoa que, “em time que está ganhando, não se mexe”, o diretor do espetáculo repetiu o formato utilizado, anteriormente, com muito sucesso, em outra montagem da CIA., “THE PILLOW MAN (“O HOMEM TRAVESSEIRO”), que também será contemplada nestes comentários.  Trata-se da continuidade a uma pesquisa sobre a linguagem de bufão, que eu adoro.
 
O bufão, em geral, apresenta alguma deformidade física (aleijados, corcundas), um ser não condizente com os padrões, estéticos e morais, estabelecidos pela sociedade.  Ri de sua desgraça e critica o próprio grupo social a que pertence.  É um tipo grotesco.  Denuncia, utilizando seu humor ácido e sua língua afiada, a falsa moral, a hipocrisia.  Zomba das pessoas ditas “normais”, mas que têm deformações sociais.  Tem sempre um sorriso sarcástico para os que o desprezam.  Um grande, se não o maior, típico exemplo de bufão é o bobo da corte, o único, de todo o reino, que tem a coragem e a ousadia de direcionar o dedo na cara do rei e apontar-lhe os defeitos.  Se qualquer outro tentasse fazê-lo, certamente, se arrependeria, uma vez que seu destino seria a forca, um paredão de fuzilamento, a guilhotina, a fogueira, ou, no mínimo, uma sessão de espancamento,  pedradas ou qualquer outro tipo de punição física.  A deformidade do bufão, propositalmente, existe para incomodar, para desestabilizar o outro.  Seus desejos primeiros são debochar e denunciar.  Através de uma linguagem cômica, reveste-se de graça, que fere e pode deixar marcas.
 
O espetáculo foi construído com muito apuro e dedicação, atentos, todos os envolvidos no projeto, aos mínimos detalhes, que pudessem contribuir para uma montagem impecável, em todos os sentidos, a ponto de os atores terem participado de uma oficina, com o hipnólogo Fábio Puentes, para entender o caminho contemporâneo da ciência da hipnose.
 
O trabalho é mesmo de um grupo, que busca uma atmosfera mística, capaz de levar a plateia para o jogo de adivinhação e mistério, que constrói a encenação de uma consulta esotérica.
 
 
Lendo o destino na palma da mão.
 
 
Ao adentrar o auditório do teatro, o qual, obrigatoriamente, deve ser de pequenas dimensões, para facilitar a aproximação e a cumplicidade entre atores/plateia, além de criar um clima de mistério, tudo muito pouco revelado, o espectador se sente parte do espetáculo, pois já encontra os dois atores em cena, imóveis, duas figuras meio indefinidas, sob pouca luz, apenas a luz fraca de uns poucos refletores e a chama de duas velas.  A temperatura fria, em função do ar-condicionado, a fumaça, um cheiro de incenso e uma música (ruídos estranhos) provocadora atingem e aguçam quatro dos cinco sentidos.  Apenas o paladar não é testado e provocado.
 
Para aumentar aquela atmosfera sombria, após a acomodação das pessoas em seus lugares, ouve-se uma gravação em que alguém, com uma voz grave e cavernosa, diz trechos da ficha técnica e termina a fala, quebrando o peso do momento e já preparando o público para o tom o espetáculo, fazendo alusão a possíveis punições, caso alguém “ouse” fotografar ou gravar o espetáculo.
 
Não há como encontrar algo que desqualifique o espetáculo.  Ele é capaz de prender a atenção do espectador, desde que este entra no teatro até o final dos aplausos, sempre intensos e verdadeiros.
 
O texto da peça é uma preciosidade.  Embora eu não o conheça em inglês, língua em que foi escrito, tenho a certeza de que a tradução, de BRUNO GUIDA, está à altura do original, explorando bastante os elementos ligados ao grotesco, ao misticismo e ao humor negro, com instigantes momentos de dilaceração de feridas.
 
Sendo o idealizador do projeto, o tradutor do texto e o ator que, eventualmente, interpreta o papel de OSCAR WILDE, Bruno Guida, ao dirigir o espetáculo, tinha a plena certeza de onde gostaria de atingir.  Já deve ter partido para o trabalho de direção com o espetáculo na cabeça.  É a impressão que nos passa.  Deve ter ficado muito à vontade para desenvolver seu trabalho.  Contando com dois magníficos atores, também engajados, de cabeça, no projeto, faz uma direção brilhante, pondo em prática sua formação profissional: é membro do Lincon Center Directors Lab, formado pelo Teatro Escola Célia Helena e pela École Philippe Gaulier, em Paris, tendo, também, estudado na Escola Russa de Arte Teatral de Moscou (GITIS) e na Central Saint Martin, em Londres. 
 
Quanto ao elenco, vou ousar uma comparação do trabalho dos dois atores, em cena, com o que fizeram Débora Falabella e Yara de Novaes, em “Contrações”.  Eram duas atrizes, vivendo personagens distintas, porém que pareciam xifópagas, indissociáveis, uma completando a outra, atriz e personagem.  A prova disso é que ambas dividiram, no ano passado, o Prêmio de Melhor Atriz, no 9º Prêmio APTR de Teatro.  É assim que vejo DANIEL INFANTINI, a MRS. ROBINSON e FLÁVIO TOLEZANI, como OSCAR WILDE, papel que pode ser feito, também, por BRUNO GUIDA, como “stand in”, o que não tive a oportunidade de ver.  Não há como não enxergar a unicidade nos dois atores e personagens, como um é a metade do outro, e vice-versa.  Impossível destacar o trabalho de um em detrimento ao do outro, ambos numa sintonia poucas vezes vista num palco.
 
 
 
 

            DANEL INFANTINI e FLÁVIO TOLEZANI são dois atores que sempre serão convocados para a “seleção brasileira de atores”, com posições de “titulares” garantidas, nunca ocupando o “banco”.
 
            DANIEL, ator premiado, faz uma composição de personagem daquelas que ficarão marcadas, para sempre, na recordação do amante do bom TEATRO, como eu.  Sua MRS. ROBINSON, a despeito de seu caráter duvidoso, consegue angariar a simpatia da plateia, em pouco tempo (anti-heroína?), e assim permanecer, aos olhos do púbico, durante os 60 minutos de duração da peça, os quais “voam”, deixando, na plateia o gostinho de “quero mais”.  A personagem fala compulsivamente, de forma exagerada, expansiva, superlativa, fazendo-se passar por alguém que não é, com o único interesse no pagamento pela consulta.  Sua afetação, na pronúncia do inglês, arranca gargalhadas do público, principalmente quando se refere às várias “amigas” e/ou “clientes”, sejam as de nomes desconhecidos, sejam Lady Gaga e Lady Brokeback Mountain.  Acho que Lady Di não se consultava com ela.  Se o fizesse, talvez tivesse sido poupada do infortúnio de que foi vítima (?).  Ou não... 
 
MRS. ROBINSON não esconde, do público, ao qual se dirige, em tom narrativo, que é uma charlatã, como todas as demais cartomantes, e que aquele era o seu “negócio”.  Tão falso, quanto uma cédula de três reais, era o seu sotaque espanhol, utilizado quando falava com o “cliente”, nunca quando se dirigia à plateia.  Um toque de modernidade, ligado ao ato de enganar e explorar os incautos, os crentes, está presente, debochadamente, quando ela oferece o seu livro, sobre quiromancia, valendo-se de um “marketing” barato, nada criativo, amador, ridículo.
 
            Há detalhes, na atuação da personagem, que podem parecer pequenos e sem maior significância, mas que são de total importância para a as cenas, como as trocas de óculos, sempre modelos esdrúxulos, ao iniciar a leitura de cada uma das cinco linhas da palma da mão de WILDE; o gestual largo, exagerado, principalmente quando lê a mão do “consulente”; o deslocamento pelo espaço cênico, empreendendo um andar bem feminino e afetado, aproximando-se do auditório, algumas vezes, como que nos convidando a invadir aquela “privacidade”, fazendo-nos seus reais cúmplices.  Na verdade, ela nos chama de “bisbilhoteiros”.  Qualquer adjetivo “extremo”, para qualificar o trabalho de DANIEL seria insuficiente.
 
 
 
Daniel Infantini.
 
 

            No mesmo nível de interpretação, está FLÁVIO TOLEZANI, outro magnífico ator, com vasta experiência no TEATRO, no cinema e na TV.  No início da peça, o personagem demora a falar e, quando o faz, revela-se comedido, em função de um grande medo, da incerteza, quanto ao seu futuro, nos momentos que antecedem o seu julgamento.  Mostra-se fragilizado, pelas injustiças de que se sente vítima.  Seu desespero e sua astúcia o levam a uma postura enigmática, pois, apesar das recomendações, quanto aos “serviços” de MRS. ROBINSON, não tinha certeza de que pudesse confiar piamente nela.  Seu olhar é bastante nebuloso.  Mais para o final da peça, vez por outra, o personagem tem uns arroubos, que o fazem se soltar mais, falar mais alto, ser mais contundente, principalmente quando diz o texto de um forte manifesto, que envolve liberdade, justiça, hipocrisia e outros temas, texto original de WILDE.  Uma espécie de loa/ode ao seu amor, Alfred, quase ao final do espetáculo, é um de seus momentos altos na peça
 
            O personagem tem consciência de seu valor e importância, como artista, mas sabia que nada poderia ser considerado a seu favor, na condição de acusado por um “crime” tão vil, aos olhos da hipócrita sociedade em que vivia.  Isso faz com que transite por momentos em que demonstra autoconfiança e fragilidade acerbada, num contraponto que permite ao ator mostrar todo o seu potencial e talento interpretativo.
 
            Duas marcantes características de OSCAR WILDE estão presentes em cena: a de fumante inveterado, o que – infelizmente – obriga o ator a acender e fumar vários cigarros, e a de vaidoso, com sua aparência.  Algumas vezes, ajeita o figurino, aplica um “spray” (laquê?) nos cabelos, além de retocar a maquiagem.
 
            Intencionalmente, sendo repetitivo, digo que qualquer adjetivo “extremo”, para qualificar o trabalho de FLÁVIO seria insuficiente.
 
 
 
Flávio Tolezani.
 
 
            TOLEZANI, ao assinar o cenário, economiza em elementos de cena e esbanja em requinte de detalhes e bom gosto, tudo, na medida justa, para construir a atmosfera em que se dá a insólita entrevista.  São apenas uma poltrona, de forração em florais, uma requintada cadeira de balanço, duas mesinhas laterais, altas, sobre as quais estão vários pequenos objetos, como dois castiçais acesos.
 
            Os figurinos, criados por DANIEL INFANTINI, são exuberantes, propositalmente exagerado, ricos em detalhes.  Os trajes, tanto o da cartomante como o do escritor, são dourados, abundantes em bordados e aplicações em alto-relevo, revelando pouco da pele, expondo quase nada do corpo dos atores.
 
É impossível dissociar o figurino de todos os outros elementos que entram no visagismo, no visual dos dois personagens, também de responsabilidade de DANIEL.  A maquiagem, como aparece na ficha técnica, pesada, exagerada, aplicada nos rostos e em outras partes do corpo dos atores (mãos, pés, cabeças, dentes) confere-lhes detalhes “bufanescos” de muita expressividade (unhas exageradas e mal cuidadas, dentes danificados, veias à mostra, manchas e marcas expressivas na pele).  (“A maquiagem diz-nos mais que o rosto”. Ou “As pessoas se revelam, através de seus disfarces”. - Oscar Wilde)
 
No figurino de MRS. ROBINSON, destacam-se o excesso – exagero mesmo -  de acessórios, principalmente pulseiras e anéis, e um salto de sapato extremamente alto, que ajuda o ator a explorar o “charme” da personagem, em seus deslocamentos pelo espaço cênico.  Não sei que recursos foram empregados, na confecção do vestido, ou outros, para que o corpo do ator assumisse uma forma feminina, escultural, pode-se dizer.  Impressionante esse visual, que transforma, fisicamente, um homem em mulher! 


 
Homem ou mulher?
 
 
A exuberância do figurino de WILDE tem o seu ápice na hiperbólica, exabundante, descomedida plataforma de seus sapatos (Carmen Miranda se sentiria humilhada.), o que confere ao ator FLÁVIO TOLEZANI, que já extrapola os padrões de altura dos homens, uma estatura descomunal e um porte de altivez e superioridade, compatíveis com a personalidade de OSCAR WILDE.
 
Quanto à iluminação, de ALINE SANTINI, não há como negar ser digna de uma premiação.  Não consigo visualizar o espetáculo sem o concurso daquela luz privilegiada, intimista, variando nas cenas certas e contribuindo para a construção de uma atmosfera de mistério, que exige o espetáculo, reforçada por aquela fumaça, em geral, irritante e sem nenhum propósito, em muitos espetáculos, porém totalmente necessária aqui.  Aliás, a fumaça e o cheiro de incenso são fundamentais na composição do ambiente.
 
Não poderia deixar de fazer alusão aos excelentes adereços, de MARCELA DONATO.
            A música original, de DANIEL MAIA, também é responsável por bons momentos da peça.
Como admirador de OSCAR WILDE, concluo esta despretensiosa análise de um dos melhores espetáculos a que assisti, até o presente momento, em 2015, com algumas de suas frases que, se não estão presentes, fisicamente, no texto da peça, podem ser relacionadas ao que nele é tratado:
 
 
  • O caminho dos paradoxos é o caminho da verdade.
  • A Moral não me ajuda.  Sou antagônico nato.  Sou uma daquelas pessoas que são feitas para exceções, não para regras.  (“De Profundis”, escrito durante sua prisão.)
  • A sociedade, tal como a constituímos, não terá mais lugar para mim.
  • Que sorte têm os atores!  Cabe a eles escolher se querem participar de uma tragédia ou de uma comédia, se querem sofrer ou regozijar-se, rir ou derramar lágrimas; isto não acontece na vida real.  Quase todos os homens e mulheres são forçados a desempenhar papéis para os quais não têm a menor propensão.  O mundo é um palco, mas os papéis foram mal distribuídos.
  • A finalidade do mentiroso é simplesmente fascinar, deliciar, proporcionar regozijo.  Ele é o fundamento da sociedade civilizada.
  • Meus gostos são simples: prefiro o melhor de tudo.
  • Chamamos de “Ética” o conjunto de coisas que as pessoas fazem, quando todos estão olhando.  O conjunto de coisas que as pessoas fazem quando ninguém está olhando chamamos de “Caráter”.
 
 
 


Visão do cenário e da iluminação.
 
 
 
 
FICHA TÉCNICA:
 
Texto: Neil Bartlett
Tradução: Bruno Guida 
Direção: Bruno Guida

Elenco: Daniel Infantini e Flavio Tolezani (“Stand in”: Bruno Guida) 
 
Assistência de direção: Mateus Monteiro 
Treinamento em Hipnose: Fábio Puentes
Música Original: Daniel Maia
Iluminação: Aline Santini
Cenário: Flavio Tolezani 
Figurinos: Daniel Infantini 
Adereços: Marcela Donato. 
Maquiagem: Daniel Infantini 
Fotografia: Hemerson Celtic 
Design Gráfico: Anna Turra. 
Lei: Sonia Odila. 
Produção Executiva: Vanessa Campanari.
Produção (Rio de Janeiro): Lis Maia 
Administração: Vanessa Campanari. 
Direção de Produção: Pitaco Produções. 
Idealização: Bruno Guida. 
Realização: Pitaco Produções.
Assessoria de Imprensa: Lu Nabuco Assessoria em Comunicação
 
 
 
 
SERVIÇO:

Local: Teatro Poeirinha
Endereço: Rua São João Batista, 104 – Botafogo – Rio de Janeiro
Telefone da Bilheteria: 2537-8053
Temporada: Até 28 de outubro
Dias e Horários: Às 3ªs e 4ªs feiras, às 21h
Valor do Ingresso: R$40,00 (inteira); R$20,00 (meia-entrada)
Censura: 14 anos
Duração: 60 minutos
Gênero: Comédia Dramática
 
 
 
            Assisti ao espetáculo duas vezes e, se tempo e oportunidade tivesse, veria outras mais.
 
 
(FOTOS: HEMERSON CELTIC)

 
 
 
THE PILLOWMAN
(O HOMEM TRAVESSEIRO)
 
 
 
 
 
 
 
 
            Antes de qualquer coisa a ser dita sobre este espetáculo, faz-se necessário esclarecer que esta montagem não tem nada a ver com a assinada por Bruce Gomlevski, que durava mais de três horas, em 2012, com o próprio Bruce, no elenco, além de Tonico Pereira, Ricardo Blat, Miguel Thiré, Ricardo Ventura, Glauce Guima, Gabriel Abreu e Júlia Limp, espetáculo que estreou no Teatro Laura Alvim, no Rio de Janeiro, e, posteriormente, devido ao grande sucesso, cumpriu pautas em outros teatros cariocas, em mais temporadas vitoriosas.  Naquela versão, estavam em cena personagens que não são materializados na atual, que conta apenas com cinco atores, todos homens.
 
            Ambas as montagens só têm duas coisas em comum: a história e a excelente qualidade, ainda que sejam duas leituras completamente diferentes do mesmo texto, esta com excelente tradução (e adaptação) de BRUNO GUIDA e direção, a quatro mãos, deste e de DAGOBERTO FELIZ.  O elenco é formado por BRUNO AUTRAN, BRUNO GUIDA, DANIEL INFANTINI, FLÁVIO TOLEZANI e WANDRÉ GOUVEIA.
 
            O espetáculo chegou ao Rio, após sucessivas temporadas de sucesso em São Paulo, desde quando estreou, em 2012, tendo sido visto por milhares de pessoas, lá e em outras cidades, e poderá ser conferido no Teatro Poeirinha, até o dia 1º de novembro.
 
 
 
Não precisa de legenda.
 
 
O irretocável texto surgiu em 2003, pelas mãos do escritor inglês, nascido em Londres, mas filho de irlandeses, MARTIN MCDONAGH, e já foi montado em mais de 40 países, tendo recebido vários prêmios, como o Lawrence Olivier, de melhor peça (2004); o New York Critic’s Circle, por melhor texto estrangeiro; também ganhou dois prêmios Tony (produção e Melhor Espetáculo de 2005).
 
Extraído do “release”, enviado pela assessoria de imprensa (Leia-se, a competente Lu Nabuco.): “Quanto tempo pode um contador de histórias originais sobreviver, antes das forças de controle e de poder acabarem com ele?  Pode um artista ser culpado pelos sentimentos que o seu trabalho provoca?  E se alguém agir, segundo esses sentimentos, quem é responsável afinal?  Até que ponto, as experiências primárias da nossa vida influenciam o processo criativo?  As respostas, sempre inquietantes, ficam em aberto.  O exercício de encontrar as respostas para tais questionamentos é reservado ao público.”  Isso talvez seja o que mais me atrai neste texto.
 
Continua: “Para esta montagem, os diretores, BRUNO GUIDA e DAGOBERTO FELIZ, juntaram atores que já se conheciam profissionalmente, mas que nunca haviam trabalhado nesta formação.  Assim, nasceu a CIA. LIMÍTROFES.  Os atores e equipe começaram a estudar a linguagem do bufão (já comentada na crítica acima), para que pudessem entender melhor o texto e os personagens.  Nos encantamos tanto pela estética grotesca, que a adotamos como base do espetáculo’, explica BRUNO GUIDA.
 
 
Idem.
 
 
Na peça, os atores da CIA. LIMÍTROFES, além de atuar, exercem outras funções.  BRUNO GUIDA dirige, produz e atua.  DANIEL INFANTINI atua e assina o figurino.  FLÁVIO TOLEZANI atua e produz.
 
 
 
 
SINOPSE:
 
Um escritor, KATURIAN (FLÁVIO TOLEZANI), vive num país fictício e simbólico da Europa Central (a precisa localização geográfica fica por conta da imaginação criativa de cada espectador), onde impera um regime ditatorial e, consequentemente, duro e totalitário.  
 
Ele é preso e, severamente, interrogado, pelos bizarros detetives TUPOLSKI (DANIEL INFANTINI) e ARIEL (BRUNO GUIDA), acerca do conteúdo grotesco, intrigante e avassalador dos seus contos, associados a uma série de assassinatos infantis, completamente esdrúxulos, análogos aos ficcionais, saídos de sua mente criativa, que estão acontecendo na sua cidade, e cujas vítimas são crianças.  
 
No decorrer do interrogatório, ele descobre que seu irmão, MICHEL (BRUNO AUTRAN), um deficiente mental, vem sendo interrogado pelo mesmo motivo.  O interrogatório dos dois contempla momentos de tortura física e psicológica, mais esta que aquela.  Constata, também, que MICHEL, além de ser o verdadeiro autor dos bárbaros infanticídios, também o incriminara. 
 
Percebe, então, que, em função disso, está prestes a receber a pena capital, será executado.  Isso o faz lutar, com todas as suas forças, para salvar suas histórias da destruição, da insana perseguição de seus algozes, preservando, dessa maneira, o que julga ser o bem mais precioso de sua vida, ou seja, sua obra literária.
 
 
 
 
 

São irmãos.
 
 
Como sempre, há, por trás de uma boa história, uma intenção do seu autor, um desejo a ser passado, explícita ou implicitamente, aos receptores da mensagem.  Nesta, que prima pela atemporalidade, tudo gira em torno de uma discussão sobre o papel do escritor na sociedade, o seu poder de interferir na vida das pessoas, influenciando-as, ainda que de forma não intencional, levando-as a assumir atitudes nem sempre aceitas pelo meio sociocultural que elas próprias criaram e no qual vivem, bem como direcionar o dedo para uma ferida que aterroriza o ser humano, que é viver sob um regime de exceção, em que tudo é passível de interpretações errôneas, deturpadas, gerando um caos muito perigoso.  Nesse tipo de regime, um fantasma povoa e ameaça o dia a dia dos escritores, dos artistas, em geral, chamado “censura”, já que as manifestações artísticas alargam a visão das pessoas, fazendo-as pensar e refletir, num pleno exercício de consciência e livre pensamento.  A reboque, vêm aspectos ligados ao abuso de poder, que humilha e deplora o ser humano; à intolerância, fruto, na maioria das vezes, da ignorância; aos limites entre ficção e realidade, que, por vezes, se entrelaçam; ao ilimitado poder transformador da arte, capaz de fazer evoluir o potencial interior dos seres humanos; à crueldade nas relações familiares, entre pais e filhos, e interpessoais, de uma maneira geral; e outros afins.
 
 
 
Sombra e mistério: medo. 
 
 
“THE PILLOWMAN” (“O HOMEM TRAVESSEIRO”) é um conto teatral, que, com bastante agilidade e suspense, analisa a natureza e o propósito da arte de contar uma história.  É uma comédia de humor negro, vestida de drama, ou um drama, vestido de comédia de humor negro.  Na medida em que a peça evolui, o belo e o horror se alternam, surpreendendo o espectador, que também é pego por momentos de extrema ternura.  O texto é cheio de reviravoltas.  O inesperado está presente a cada virada de página deste texto, trazendo, ao espectador, surpresas sucessivas.  Ele explora a capacidade de tornar acontecimentos violentíssimos e intoleráveis em atos quase compreendidos e aceitos por nós.  Trata-se de um texto psicologicamente complexo, capaz de prende a atenção do espectador do começo ao fim.  Embora a duração do espetáculo seja de 140 minutos, com um breve intervalo, o tempo psicológico, em muito se distancia do cronológico.  Na verdade, nem sentimos o tempo passar, tão fixados ficamos na ação e no texto dos personagens.
 
 
 
 Parece pintura.
 
 
Nesta versão, a estética do bufão é o toque especial da montagem, porque agrega comicidade ao drama, o que a torna totalmente oposta à anteriormente referida, a qual se propunha a dizer a mesma coisa, porém da forma mais bem, classicamente, dramática, com um peso bem grande nas costas do espectador.
 
Ao transpor a porta que dá acesso ao auditório do simpático Teatro Poeirinha, o público já começa a penetrar numa atmosfera soturna, quase lúgubre, com alguns atores já em cena, envoltos numa neblina indispensável à composição do cenário, o qual, por si só, já é bastante amedrontador, um misto de delegacia e sala de torturas, com arquivos, mesas, cadeiras, tudo em tom cinza, sendo que a mesa, de ferro, em dois “andares” (tampos), lembra uma maca ou a mesa de autópsias, num necrotério, com um ator deitado na parte de baixo, como se morto, mas dormindo, estivesse, curiosamente, grudado a um travesseiro infantil.  Um outro está sentado, à cabeceira, meio estático, com um estranho pano a lhe cobrir o rosto, enquanto um terceiro está sentado na própria mesa, próximo à cabeceira oposta, fazendo desenhos em folhas esparsas.  Até então, os dois detetives ainda não apareceram.  Repentinamente, surgem em cena, de forma assustadora, para o personagem KATURIAN e para todas as pessoas da plateia, falando alto e rápido, aos gritos.  ULISSES COHN assina o ótimo cenário.
 
 
 
Aspecto do cenário.
 
 
Para a composição (visagismo) bizarra dos personagens, contribuiu DANIEL INFANTINI, com seus figurinos e caracterização (maquiagem), incluindo corcundas postiças e perucas pouco convencionais.  A aparência dos personagens pertence ao universo da sujeira, dos maus tratos, do desleixo, da grosseria, do nojo, quase do escatológico, se não for exagerar muito.  Acrescentem-se a tudo isso os interessantes adereços, confeccionados por MARCELA DONATO.
 
ALINE SANTINI assina uma competente iluminação, que valoriza, esteticamente, o espetáculo e que não poderia ter sido outra.
 
 
 
Aspecto da iluminação.
 
 
As pequenas dimensões do teatro, a proximidade entre público e atores e todo a atmosfera criada para a encenação podem provocar, em certas pessoas, um certo desconforto, próximo a uma sensação claustrofóbica, fundamental, até certo ponto, para um mergulho nas profundezas daquelas almas.  Um dado muito interessante, e que não poderia ser omitido, é o fato de, em determinados momentos, o público se sentir participante da trama, principalmente quando a dupla de detetives, apesar de estarem fora de cena, falam, e alto, no fundo da plateia, sem que sejam vistos.  Até que ponto eles estão entre nós e poderíamos ser confundidos com eles?
 
 
 
Caos!!!
 
 
E sobre o elenco?  É muito difícil encontrar palavras que possam codificar o sentimento que fica, em nossos corações, sobre a atuação do quinteto de atores.  Nada do que se disser sobre eles será suficiente para registrar o quanto de grandioso existe neste espetáculo por conta, principalmente, além de tudo o que dele já foi dito, do trabalho de atores que honram a sua classe e nos dão a certeza de que não devemos nada aos grandes talentos mundiais, no campo da interpretação.  Ufanismos à parte, todos os elogios do mundo devem ser dirigidos a BRUNO AUTRAN (MICHEL), BRUNO GUIDA (DETETIVE ARIEL), DANIEL INFANTINI (DETETIVE TUPOLSKI) e FLÁVIO TOLEZANI (KATURIAN), principalmente, por serem os personagens que mais atuam, na trama.  Ao ator WANDRÉ GOUVEIA, cabe uma participação menos notada, porém de importância, na encenação, função muito bem cumprida por ele.  Suas aparições ficam meio à margem do centro da cena, entretanto, perifericamente, nota-se o quanto sua participação é fundamental na peça.
 
 
 
 Acusado.
 
 
 
 Acusador.
 
 
Desnecessário seria continuar falando sobre o quanto este espetáculo mexe com o espectador, principalmente aquele que, como eu, despudoradamente, abre seu coração à arte maior, que é o TEATRO.  Não perca nem mais um minuto e vá, logo, assistir a uma das melhores produções teatrais, no Rio de Janeiro, até este momento, que, em pouco, precede o final do ano.  
 
 
 
 
Mais caos!!!
 
 
 

FICHA TÉCNICA:
 
Texto: Martin McDonagh
Tradução: Bruno Guida
Direção: Bruno Guida e Dagoberto Feliz
 
Elenco (por ordem alfabética): Bruno Autran, Bruno Guida, Daniel Infantini, Flávio Tolezani e Wandré Gouveia
 
Figurinista: Daniel Infantini
Confecção de Figurinos: Glória Coelho
Cenário: Ulisses Cohn
Iluminação: Aline Santini
Fotografia: João Caldas
Oficina de Contação de Histórias: Luciana Viacava
Oficina de Bufão: Bete Dorgam
Designer Gráfico: Fernando Bergamini
Assistente de Produção: Juliana Mucciolo
Produtores Associados: Bruno Guida e Edinho Rodrigues
Direção de Produção: Brancalyone Produções Artísticas (Edinho Rodrigues)
Produção Rio de Janeiro: Lis Maia
Realização: Pitaco Produções e Brancalyone Produções Artísticas
Assessoria de Imprensa: Lu Nabuco Assessoria em Comunicação
 
 
 
 
SERVIÇO:
 
Local: Teatro Poeirinha
Endereço: Rua São João Batista, 104 – Botafogo – Rio de Janeiro
Telefone da Bilheteria: 2537-8053
Temporada: Até 1º de novembro
Dias e Horários: De 5ª feira e sábado, às 21h: aos domingos, às 19h.
Valor do Ingresso: R$40,00 (5ª e 6ª feira); R$50,00 (sábados e domingos) - direito a meia-entrada (50%)
Censura: 14 anos
Duração: 140 minutos
Gênero: Comédia Dramática
 
 
 
 
Elenco (da esquerda para a direita): Wandré Gouveia, Flávio Tolezani, Bruno Autran, Bruno Guida e Daniel Infantini.
 
 
(FOTOS: JOÃO CALDAS)
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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