sexta-feira, 4 de setembro de 2015


BR-TRANS

 

 

(“TRANS”, DE TUDO QUE
TRANSCENDE” O ÓTIMO.)

 

 


 

            É uma enorme pena, mesmo, que esta peça encerre sua temporada carioca, no próximo domingo, 6 de setembro, e que o espaço em que esteja sendo apresentada, o Teatro III do Centro Cultural Banco do Brasil (Rio de Janeiro) comporte poucos espectadores, pois se trata de um dos melhores espetáculos em cartaz, na atual temporada, e um dos melhores a que assisti até este início de setembro.

 

            SILVERO (assim mesmo; não Silvério) PEREIRA!!!  Guardem bem este nome!  Ele ainda será muito conhecido e aplaudido, por seu talento e sua coragem.

 

            SILVERO é o responsável (concepção, texto, atuação, cenário, figurinos, adereços, maquiagem e trilha sonora) por um monólogo, que é unanimidade, positiva, entre todos os que tiveram a oportunidade de vê-lo, em cena, em “BR-TRANS”.

 

            O que se vê, no palco, é um magnífico ator, que também canta, expondo-se, desnudando a sua alma, na pele de GISELE, um travesti, que passou a existir, no corpo do ator, a partir de 2002, e outros, também de carne, osso e alma, de diversas partes do Brasil.

 

 

 


Silvero Pereira / Gisele.

 

 

 


Silvero apresenta Gisele.

 

 

O texto foi escrito com base em fatos e depoimentos reais, explorando o instigante e controvertido universo dos travestis, transexuais e transformistas.

 

Mais naturalista, impossível!  Mais arrebatador, impossível!  Mais envolvente, impossível!  Mais emocionante, impossível!

 

Extraído de um informe do CCBB Rio: “Em trânsito e em transe, ‘BR-TRANS’ transborda.  Não é só SILVERO.  É também Marcelly, Babi, Marina, Cláudia, Laurita, Dandara, Cassandra, Ramona, Castanha, Rogéria, Valéria, Roberta e tantas outras mais.  SILVERO são todas elas.  SILVERO somos todos nós.

 

O espetáculo ‘BR-TRANS’ leva, aos palcos, a experiência de vida, dentro do universo “TRANS”, da travestilidade e da transexualidade, com todas as suas dúvidas, angústias e transformações.

A temporada de “BR-TRANS”, no CCBB Rio de Janeiro, após a peça ‘Sexo Neutro’, que esteve em cartaz anteriormente, faz parte da estratégia de promover a reflexão sobre a questão da identidade de gênero, um tema cada vez mais atual e de extrema importância para a sociedade contemporânea.”

“BR-TRANS” é mais que uma peça.  É uma “transpeça”.  Faz parte de um projeto, que consumiu vários meses de trabalho e de pesquisa, para este espetáculo, especificamente, mas que existe desde 2004 e que tem como objetivo maior pesquisar a verdadeira realidade em que vivem os travestis, bem como dar-lhes voz, a fim de que possam ser respeitados, como seres humanos e cidadãos, produtivos, numa sociedade contaminada pela vergonhosa mácula do preconceito e da intolerância.

 


Sozinho.  E solitário?

 

O espetáculo está inserido num projeto, que se chama “BR-TRANS: CARTOGRAFIA ARTÍSTICA E SOCIAL DO UNIVERSO TRANS NO BRASIL”, de SILVERO PEREIRA.

Para isso, SILVERO faz uso do TEATRO como um instrumento de transformação e inclusão social, partindo da relação existente entre ator e transformista, no intuito de contribuir para o fortalecimento de visão da arte transformista, como arte cênica, e de utilizar a artesania da cena marginal transformista, para o circuito teatral, inclusive na formação do ator.  Assim, criou-se o Coletivo Artístico AS TRAVESTIDAS.”

Tudo começou, quando, em 2002, SILVERO, natural de Mombaça, interior do Ceará, escreveu, e encenou, em Fortaleza, uma peça, chamada “Uma Flor de Dama”, cujo protagonista era um travesti, GISELE, que é o fio narrador desta “BR-TRANS”.  O mergulho na sua criatura foi tão grande, que, segundo diz o próprio SILVERO, na peça, depois de algum tempo, passou a viver um drama existencial, não sabendo onde terminava o SILVERO nem onde começava a GISELE, e vice-versa.

De acordo com o “release”, enviado pela assessoria de imprensa, eis a sinopse do espetáculo:

 

 
SINOPSE:
A peça trata-se de um processo cênico antropológico-autofágico-esquizofrênico, que traz à cena histórias sobre medo, solidão e morte.  Histórias que se encontram e se confundem entre si e com a vida e as inquietações do ator. 
Criado a partir de fragmentos de vidas reais, coletados através de conversas com travestis, transexuais e transformistas, entre os estados do Ceará e Rio Grande do Sul (daí o “BR” do criativo título), “BR-TRANS” apresenta histórias sobre exclusão e violência, presentes no cotidiano dessas pessoas, vivenciadas de norte a sul deste país.
  Entretanto, subvertendo essas tristes histórias, a obra vai além, ao abordar narrativas de superação e transformação.
 

 

 

 


“Espelho, espelho meu!”

 



            Ao entrar no teatro, o público encontra o ator, “montado”, com um vestido simples, porém “chamativo”, todo bordado em lantejoulas vermelhas, dançando, animadamente, ao som de uma música bem alegre e vibrante.  Seria uma tentativa de mostrar algo totalmente oposto à tristeza de uma solidão, em cena?  Ou seria, mesmo, verdade aquela alegria?

 

Durante o espetáculo, o ator nos guia a um mergulho profundo nos porões escuros e mofados, por onde perambulam as personagens em que ele vai se transformando, cuja identificação das mudanças começa quando ele escreve o nome delas no próprio corpo, e não abre mão do bom humor, também, pois, através dele, se pode criticar tudo o que não deveria existir com relação àquele universo.

 

São bastante comoventes os relatos, e o ator demonstra, a cada nova interpretação, um potencial de emoção, certamente, ampliado, em relação ao momento em que teve conhecimento de cada um deles, da boca dos protagonistas.

 

 

 


Um novo personagem surge.

 

 

 

O texto é de excelente qualidade, dentro de uma simplicidade a toda prova.  As histórias, que transitam entre conflitos domiciliares, na escola, nos empregos, são contadas de forma dinâmica, com o ator (brilhante) fazendo tudo em cena, desde a mudança de posição dos objetos que compõem o cenário, passando pelas trocas de figurinos e acionando os equipamentos de iluminação.

 

A inclusão, no roteiro da peça, de duas canções, “Geni e o Zepelim” e “Masculino e Feminino” é um verdadeiro achado, além de brilhantemente interpretadas por SILVERO PEREIRA.  A primeira, de Chico Buarque, do musical “A Ópera do Malandro”, retrata toda a hipocrisia das pessoas, que usam um travesti, para que seja salva a sua integridade física, e, após isso, voltam a humilhar, agredir e desprezar aquele que lhes foi de grande valia, num momento de perigo e precisão.  Cospem no prato em que comem.  A segunda, já em outra linha, questiona o porquê da discriminação e a autoafirmação de quem assumiu que “ser um homem feminino não fere o meu lado masculino” e, "pretensiosamente", se compara a Deus, que, ao mesmo tempo, “é menina e menino”.

 

 

 


Dramático.

 

 


Cômico.

 

 

É excepcional a direção de JEZEBEL DE CARLI, a qual, por não conhecê-la, ainda, infelizmente, cheguei a pensar que, pelo nome, também se tratava de um outro travesti, até saber que é uma grande diretora gaúcha, cujo talento, prazerosamente, passamos a conhecer.  Não tenho a menor dúvida de que, para causar tanta emoção na plateia, além do talento de SILVERO, contribuiu, em muito, o ótimo trabalho de JEZEBEL. 

 

A propósito, quando se comenta que um determinado espetáculo ou um artista foi aplaudido por dez minutos, trata-se, evidentemente, de um exagero, porém afirmo que, durante dois ou três, o que, em termos de aplausos, parecem dez, o público, de pé, aplaudiu, freneticamente, o espetáculo, bateu com os pés no chão e gritou palavras de apoio e incentivo.  O primeiro “BRAVO!” foi meu.  Soube, posteriormente, que, em todas as sessões, a reação do público é essa.  

 

Não ousaria destacar qualquer momento da peça, visto que todos são fantásticos, entretanto não poderia deixar de mencionar a criativa cena em que o ator, enquanto dá o seu texto, vai descascando um abacaxi (a aí pode haver uma relação com a metáfora contida na expressão “descascar um abacaxi”), cujas partes são utilizadas como marionetes, num teatro de bonecos.  É impagável esse momento!  Sem falar que a fruta é oferecida, em fatias, ao público, ao final da cena.  Compartilha-se, então, o doce sabor do abacaxi, agora “descascado”, tudo a ver com o texto dito.

 

 

 


Desnudo, de corpo e alma.

  

 

Não consegui perceber falhas ou erros nesta encenação.  Ótimo cenário, de SILVERO PEREIRA e MARCO KRUG, reproduzindo um camarim, além de outros objetos de cena, como mesa, banco, biombo, baú, altares... – tudo a serviço das cenas variadas.

 

Apesar de muito simples, agradaram-me os figurinos, também de SILVERO.

 

A luz, de LUCCA SIMAS, não poderia ser mais simples e, ao mesmo tempo, mais adequada à proposta da encenação.

 

O músico RODRIGO APOLINÁRIO, que ajuda a sublinhar as cenas, com o seu teclado, é de grande importância em cena.

 

Para que se possa ter uma ideia da grandiosidade deste projeto, relacionamos, aqui, alguns eventos, nos quais a peça, já vista por milhares de pessoas, foi apresentada:

 

 

 
·         XXX International Hispanic Theatre Festival of Miami (EUA) / 2015
 
·         Festival Gamboavista – RJ / 2015
 
·         TREMA Festival – PE / 2015
 
·         FILT Bahia / 2015
 
·         Projeto Plataforma de Circulação da Petrobrás – Ceará / 2015
 
·         Vencedor do Festival Nordestino de Teatro de Guaramiranga, no Ceará / 2014
 
·         Vencedor do FENATA, em Ponta Grossa - PR (Ator, Texto, Direção e Espetáculo) / 2014 
 
·         FIT São José do Rio Preto - SP / 2014
 
·         Festival de Teatro de Curitiba / 2014
 
·         Aldeia SESC Guarajaras, em São Luís do Maranhão – MA / 2014
 
·         Mostra SESC Cariri das Artes / 2013
 
 

 

 

 


Sem medo de denunciar.

 

 

 

 
FICHA TÉCNICA:
 
 
Dramaturgia: Silvero Pereira
 
Elenco: Silvero Pereira
 
Músico: Rodrigo Apolinário
 
Direção: Jezebel De Carli
 
Cenário:  Silvero Pereira e Marco Krug
 
Cenotécnico: Rodrigo Shalako
 
Figurino, Maquiagem e Adereços: Silvero Pereira
 
Iluminação: Lucca Simas
 
Músicas Originais: Rodrigo Apolinário
 
Trilha Sonora Pesquisada: Silvero Pereira
 
Vídeos: Ivan Ribeiro
 
Direção de Produção: Ana Luiza Bergmann e Silvero Pereira
 
Produção Executiva: Ana Luiza Bergman
 
Divulgação: Coletivo Artístico BR-TRANS
 
Identidade Visual: Sandro Ka
 
Fotografias: Victor Augusto e Lina Sumizono
 
Realização; Coletivo Artístico BR-TRANS Fortaleza / Porto Alegre
 
Administração e Produção Rio de Janeiro: Quintal Produções
Direção Geral: Verônica Prates
Gerente de Projetos: Maitê Medeiros
Produtor Executivo: Iuri Wander
 

 

 

 

 
SERVIÇO:
 
Temporada: Até 6 de setembro
 
Dias e Horários: De 4ª a 2ª feira, às 19h30min – SESSÃO EXTRA: DIA 6 DE SETEMBRO, ÀS 17h

Local: Teatro III do Centro Cultural Banco do Brasil (Rua Primeiro de Março, 66 – Centro – Rio de Janeiro)

Informações: (21) 3808-2020

Ingresso: R$10,00

Horário da bilheteria: de 4ª a 2ª feira, das 9h às 21h

Gênero: Drama Cômico

Duração: 70 minutos

Capacidade: 86 lugares

Classificação indicativa: Não recomendado para menores de 16 anos

 

 

 

 

 


Um recado PARA TODOS.

 

 

 
           Pelo que foi dito, e por tudo que não foi, por falta de palavras, para traduzir o meu sentimento em relação a este espetáculo, recomendo a peça, com todo o meu empenho. 

 

    E que os DEUSES DO TEATRO consigam provar, mais uma vez, sua força, fazendo com que este excelente espetáculo volte ao Rio, para uma temporada maior e num espaço que consiga atingir mais espectadores, a despeito de seu caráter intimista!

 

 

 

(FOTOS: VICTOR AUGUSTO

e

LINA SUMIZONO.)

Um comentário:

  1. Sim, guardo no coração o nome Silvero Pereira pois sem dúvida nenhuma é um dos melhores atores que tive a oportunidade de ver em cena, coloco-o ao lado de Kazuo Ohno que assisti em Londrina e que buscou na travestilidade uma via de expressão da universalidade humana.

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