terça-feira, 31 de março de 2015


MISTERO BUFFO

 

 

(UM CASAMENTO PERFEITO ENTRE A INGENUIDADE DO CIRCO E A MAGIA DO TEATRO.)

 

 

 


           

 

 

Para quem, como eu, TEATRO e CIRCO são duas paixões, MISTERO BUFFO é um prato cheio.  Cheio de tudo o que há de melhor no mundo.  Cheio de humor ingênuo, cheio de magia, cheio de encantamento, cheio de crítica coerente, cheio de alegria...

            Embora a temporada tenha sido muito curta, no Teatro Poeira, em horário alternativo (3ªs e 4ªs feiras, às 21h, até o dia 1º de abril), todas as sessões sempre estiveram lotadas, quase sempre com lotação esgotada.  E nem poderia ser de outra forma!

            MISTERO BUFFO é mais uma das grandes obras do dramaturgo italiano DARIO FO, já encenada em muitos países, por várias vezes, e que, há mais de três anos, vem encantando as plateias de várias cidades brasileiras e, finalmente, aportou no Rio de Janeiro.  E o navio já vai zarpar, infelizmente!!!

            O espetáculo já recebeu duas indicações ao Prêmio Shell (Melhor Ator para DOMINGOS MONTAGNER e Melhor Direção para NEYDE VENEZIANO. 

Trata-se de uma realização do GRUPO LA MÍNIMA, dupla de palhaços de origem circense, formada pelos atores DOMINGOS MONTAGNER e FERNANDO SAMPAIO, criada em 1997.  No elenco de MISTERO BUFFO, acompanhando a dupla, está o também palhaço e multi-instrumentista FERNANDO PAZ.

 

 

 


Prontos para entrar em cena.

 

 

 

A peça é uma comédia, inspirada nos mistérios medievais e na narrativa dos jograis, trazendo quadros que representam histórias bíblicas, recriadas pela visão popular, numa crítica a temas atuais, como a exploração do culto às celebridades, as deturpações da fé e a ganância desmedida pelo dinheiro.

            O original do texto, escrito em 1969, é uma antologia que reúne mais de 20 monólogos.  Para esta encenação do LA MÍNIMA, foram escolhidos quatro deles: A RESSURREIÇÃO DE LÁZARO, O CEGO E O PARALÍTICO, O LOUCO E A MORTE e O JOGO DO LOUCO AOS PÉS DA CRUZ.  Esses monólogos foram adaptados, para serem encenados pelos três palhaços.

 

 

 


Detalhe da máscara facial de Fernando Sampaio.

 

 

 

 
 
SINOPSES DAS QUATRO HISTÓRIAS:
 
A RESSURREIÇÃO DE LÁZARO toma o tema bíblico emprestado, para criticar, comicamente, o culto à celebridade e à multidão “insensata”, que se reúne nos grandes eventos.  Os dois atores interpretam mais de 20 personagens, sem trocas de roupa.  A cena se passa no cemitério, aonde chegará Jesus, o grande “astro”, o “superstar”, para ressuscitar seu amigo Lázaro, em clima de grande evento mágico, chamado “Milagre”.
 
O CEGO E PARALÍTICO conta a história do encontro entre dois miseráveis, enquanto pedem esmolas separadamente.  Eles gritam, mas ninguém os ajuda.  Decidem, então, ajudar-se mutuamente.  Tornam-se um personagem monstruoso: o cego será as pernas do paralitico e o paralítico, os olhos do cego, ao montar um nos ombros do outro.  Com quatro mãos para pedir esmolas, ganham mais dinheiro.  Mas Jesus Cristo passa por ali.  Apavorados, tentam fugir, pois acham que, se forem miraculados, precisarão trabalhar e “perderão a dignidade e alguns privilégios”.
 
O LOUCO E A MORTE e O JOGO DO LOUCO DEBAIXO DA CRUZ, praticamente, se fundem numa história única, já que não há um intervalo entre elas.  Um louco joga cartas na mesma taberna onde acontece a Última Ceia.  Depois de livrar-se da Morte, usando recursos  sedutores, segue, jogando com os mesmos personagens, debaixo da cruz, no momento da crucificação.  A certa altura, começa a falar com Jesus, pedindo-lhe que o ajude a vencer no jogo.  O “milagre” acontece.  Feliz, o louco sobe até Jesus e tenta salvá-lo da crucificação, mas o Nazareno não o permite, pois está se sacrificando pelos homens.  O louco não entende e critica a atitude do Salvador.
 
 

 

 

 


Momento do prólogo.

 

 

 


Idem.

 

 

 

Os personagens principais dessas narrativas têm em comum o fato de serem seres conscientemente marginalizados e de se associarem, com o objetivo de tirar proveito das situações em que se envolvem, como fazer de tudo para conseguir o melhor lugar na “plateia” do “espetáculo” da ressurreição; explorar as suas deficiências físicas, para auferir lucros (pedindo esmolas), sem trabalhar; engambelar a Morte, para procrastinar um “casamento” com ela; pedir uma “ajudinha” de Jesus, já crucificado, para trapacear no jogo.  São párias, escórias da sociedade, espertos e dispostos a vencer, a qualquer custo, ignorando todo e qualquer valor moral.

É muito importante dizer que, em momento algum, pode ser notada a menor intenção de desrespeito à religião católica e seus valores e dogmas.  O humor que se utiliza dela existe para criticar o homem e não uma instituição milenar.

É muito providencial e objetiva a atuação de DOMINGOS MONTAGNER, no início do espetáculo, dirigindo-se à plateia, como um narrador, para dar explicações sobre o que o público verá em cena.  Também, nos intervalos entre uma história e outra, isso ocorre e é muito bem-vindo, para clarear algumas mentes que poderiam se distanciar da compreensão do espetáculo.  Da mesma forma, merece destaque, tanto nessas intervenções como durante os textos das próprias histórias, a inclusão de termos da linguagem atual e de citações de fatos e personagens que frequentam a mídia de hoje, o que, longe de descaracterizar o projeto, mais ainda o valoriza, levando o público a refletir sobre as mazelas político-sociais do nosso dia a dia.

 

 

 

 


 

 

 

A identificação do público com o que ouve e vê é muito grande, cria-se uma incomensurável empatia entre atores e plateia, muito pelo fato de as narrativas girarem em torno de temas universais, que fazem parte da realidade de qualquer ser pensante, como fé, crença no desconhecido, esperança, mistérios da vida e da morte, críticas...

A direção do espetáculo não poderia estar em melhores mãos.  NEYDE VENEZIANO é estudiosa da obra de DARIO FO, especialista no trabalho do consagrado dramaturgo, fez pós-doutorado, durante um ano, em Milano e Bologna (Università di Bologna), pesquisando e trabalhando ao lado do próprio DARIO.  De volta ao Brasil, defendeu Livre Docência na USP, sobre o mesmo tema, e publicou o único livro em língua portuguesa sobre a obra de FO: A Cena de Dario Fo: o Exercício da Imaginação. 

Seu trabalho, na condução dos atores, neste espetáculo, é irretocável, pois adapta a teatralidade essencial do autor italiano à linguagem circense dos palhaços, explorada pelos atores há mais de 20 anos, dando-lhes liberdade em cena.

 

 

 


Eu serei tuas pernas e tu serás meus olhos.”

 

 

 

As atuações de DOMINGOS MONTAGNER, FERNANDO SAMPAIO e FERNANDO PAZ são de uma perfeição invejável.  Os três exploram, de forma brilhante, o rico texto de FO e o enriquecem com máscaras, mímicas, pantomimas maravilhosamente expressivas, trazendo, para o palco, ou melhor, para a arena, do Teatro Poeira, o tom e o clima de um picadeiro.

Se, um dia, eu tivesse de dirigir, à TV Globo, um agradecimento, certamente o faria pelo fato de ela ter revelado, ao grande público, o talento de um excelente ator, DOMINGOS MONTAGNER, até então, apreciado apenas por um público mais restrito, numericamente falando, que vai a circos e teatros.  Seu biotipo está mais para o galã da novela das sete, mas seu talento de ator e de artista circense é estupendo e emociona qualquer plateia, ávida de, ou por, grandes emoções.

FERNANDO SAMPAIO, em termos de imagem física, não deixa a menor suspeita de ser cria das lonas.  Comporta-se, durante todo o tempo, como um palhaço, principalmente no jeito de andar e na exploração de mil expressões faciais, que falam por si sós.  Pelo seu rosto, transitam as mais variadas máscaras, da comédia e do drama, com predominância daquelas.

Quanto ao terceiro elemento do elenco, FERNANDO PAZ, é de suma importância a sua participação, pois, atuando como o chamado “contra-Augusto”, uma espécie de “escada” para o palhaço principal, revela um grande talento nessa arte, como também ao executar diversos instrumentos musicais e produzir sons diversos, como um sonoplasta, os quais sublinham e enriquecem, sobremaneira, as cenas.

 

 

 


“Com quatro mãos, fica mais fácil pedir esmolas”.

 

 

 

Torna-se quase desnecessário falar de DARIO FO e de seu texto.  Autor de dezenas de peças consagradas, reconhecido e respeitado no mundo inteiro, recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1997, por ter dado aos jograis, em sua obra, a mesma estatura das grandes correntes da Literatura Universal.

            Crítico ferrenho das “coisas tortas”, nesta peça, DARIO não poderia deixar de ser político, mesmo quando toma por base a Idade Média, imitando a maneira como os jograis interpretavam a Bíblia e o Evangelho, para encenar suas parábolas do comportamento do poder e de quem está submetido a este.  Em todas as suas obras - e esta não poderia ser uma exceção - FO se posiciona contra os sistemas opressores e corruptos, que tomam conta do poder, usurpam-no e tentam lá se estabelecer “ad aeternum”, à custa de mentiras, negociatas e muita corrupção.

 

 

 

 


 

 

 

 

            Os figurinos são de INÊS SACAY.  Bastante coloridos e lembrando vestes medievais, na primeira aparição dos atores, ainda que contenham alguns elementos modernos, são dispensados, logo após uma espécie de prólogo, substituídos por roupas mais confortáveis e propícias aos exercícios circenses: uma calça simples e larga e uma camiseta branca, de malha, manga longa, com um quase imperceptível detalhe em vermelho.

            O cenário, assinado por DOMINGOS MONTAGNER, praticamente, inexiste.  E não faz a menor falta.  Há, apenas, um pequeno praticável, para pôr em evidência o conjunto de instrumentos musicais e alguns objetos de cena.  Na última cena, são utilizados um falso piano, que será alvo de um truque de mágico, propositalmente grosseiro, e um pequeno canhão multicolorido.

 

 

 

 


Cena final.

 

 

 

            A postura dos bufões basta para identificá-los como palhaços, sem a utilização do visagismo tão peculiar a eles, como pinturas no rosto e o tradicional nariz vermelho.  Ótima ideia da direção.

            A iluminação, de WAGNER FREIRE, cumpre, perfeitamente, sua função.

A direção musical é assinada por MARCELO PELLEGRINI, e inclui uma interpretação da canção “Romance de uma Caveira”, da dupla sertaneja Alvarenga e Ranchinho, muito popular entre os anos 20 e 60, e cuja letra hilária provoca muitos risos na plateia.

 

Trata-se de um espetáculo divertido, crítico e onde o talento do artista brasileiro, até o mais popular, se evidencia, pelo brilhante trabalho do trio de atores/palhaços.

 

E viva o Teatro!!!

 

E viva o CIRCO!!!

 

 

 

 


 

 

 

 

 
 
FICHA TÉCNICA:
 
Autor: Dario Fo
Concepção: La Mínima e Neyde Veneziano
Direção: Neyde Veneziano
Assistência de Direção: André Carrico e Ioneis Lima
Tradução: Neyde Veneziano e André Carrico
Elenco: Domingos Montagner, Fernando Sampaio e Fernando Paz
Iluminação: Wagner Freire
Cenografia: Domingos Montagner
Confecção de Cenografia e Arte: Maria Cecília Meyer
Figurino: Inês Sacay
Direção Musical / Música Originalmente Composta: Marcelo Pellegrini
Direção Mímica: Álvaro Assad
Direção de Produção e Administração: Luciana Lima
Coprodução: Turbilhão de Ideias – Cultura e Entretenimento
Fotos: José Maria Matheus, Lidia Ueta, Carlos Gueller, Thiago Henrique
Secretária: Catarina Capelossi
Produtor Original: SESI-SP
Realização: La Mínima
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação – João Pontes e Stella Stephany
 
 

 

 


O elenco e a diretora.

 

 

 
SERVIÇO:
 
TEATRO POEIRA: Rua São João Batista, 104, Botafogo – RJ
Tel.: (21) 2537-8053
 
HORÁRIOS: 3ªs e 4ªs feiras, às 21h
 
DURAÇÃO: 75 minutos
 
INGRESSOS: R$50,00 e R$25,00  (meia)  (Formas de Pagamento: dinheiro e todos os cartões de débito e crédito.  Não aceita cheque.  Vendas: ingresso.com
 
CAPACIDADE: 145 espectadores
 
CLASSIFICAÇÃO: 16 anos
 
GÊNERO: Comédia
 
CURTA TEMPORADA: de 10 de março a 1º de abril
 
 

 

 

 


 

 

 

(FOTOS: JOSÉ MARIA MATHEUS, LÍDIA UETA, CARLOS GUELLER e THIAGO HENRIQUE)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Um comentário: