segunda-feira, 30 de março de 2015


AUTOBIOGRAFIA AUTORIZADA

 

 

 

(DOCES LEMBRANÇAS DE UM PASSADO; OU MELHOR, DE DOIS: O DELE E O MEU.)

 

 

 

 

              

 

 

 

            Que coisa linda!  Emocionante!  Visceral!

 

            Um homem, um grande ator, uma “celebridade global”, resolve subir ao palco e se expor, da forma mais lírica, delicada, suave, pura, verdadeira, com uma total humildade, para comemorar 40 anos de excelentes serviços prestados ao TEATRO BRASILEIRO.

            Falo de PAULO BETTI, que reuniu seus escritos em artigos semanais para o “Jornal Cruzeiro do Sul”, de Sorocaba, durante sua adolescência, suas memórias, tudo o que guardou de sua infância e escreveu um roteiro (Nem considero uma peça de teatro, em forma de monólogo; é uma conversa com o público), para contar sua trajetória de 62 anos de idade; ou melhor, ele só vai até, mais ou menos, um terço dela.  Na verdade, o espetáculo vinha sendo costurado há muito tempo, pois, entre 1980 e 1992, o ator escreveu, compulsivamente, em cadernos, além dos já citados textos do jornal de Sorocaba, espaço que encerrou em 2010.

 

 

 


Voltando à infância, em frente à velha casa em que viveu.

 

           

É impressionante a forma como o ator vai conduzindo uma conversa com a plateia, em cerca de 90 minutos, ou mais ou menos (Sei lá!), que bem poderiam se transformar em 900, por não faltar assunto e de tão agradável que é ouvi-lo, falando, com detalhes, dele e de sua família, não faltando, também, espaço para amigos e outras pessoas que, de uma forma ou de outra, representaram ou, ainda, representam muito na sua vida.

 

O espetáculo é de um lirismo, de uma beleza, de uma pureza incomuns.  Um espetáculo sensorial!!!

           

Difícil é acreditar que, tendo nascido numa família muito humilde, muito pobre mesmo, de camponeses, plantadores de cana, imigrantes italianos, no interior paulista, filho de uma mãe analfabeta (Adelaide) e de um pai esquizofrênico (Ernesto), que mal assinava o nome e que, por tantas vezes, teve de ser internado, por conta do mal que o acometia, filho temporão, o décimo quinto, dez anos mais novo que o, até então, caçula dos outros 14 irmãos (somente sete sobreviveram e, hoje, são, apenas, PAULO e mais três irmãos, um homem, de 72 anos, sapateiro, e duas irmãs, donas de casa), é quase impossível crer que aquele rapaz, que teve o privilégio e a oportunidade de estudar numa boa escola, pudesse, vivendo num ambiente tão hostil e desfavorável ao semear da cultura, embora impregnado de muito amor, tenha-se voltado para o TEATRO, que ele, provavelmente, nem conhecia “in loco”, ter escolhido o palco como território de sua profissão, a qual vem, cada vez mais, exercendo com competência e generosidade.

 


                                      Um gigante em cena.

 

 

Rafard é o nome de sua cidade natal, porém mudou-se, com a numerosa família, ainda na infância, para Sorocaba, onde morou até os 20 anos, de onde só saiu, já rapaz, para São Paulo, onde estudou TEATRO, na Escola de Arte Dramática (EAD), da USP, até atingir o merecido estrelato.

É exatamente nesse ponto que a história termina, uma vez que o objetivo do ator/autor/diretor não é falar do PAULO BETTI, mas sim do PAULO SÉRGIO.  Narciso não foi convidado para essa festa.  

Nesse encontro de TEATRO, que é mais que uma simples peça, o espectador entra em contato com passagens da vida de PAULO, que vão do universo rural de sua infância e adolescência até sua experiência como professor na Unicamp.

É bom que fique bem claro que os 40 anos de profissão do ator serviram, apenas, como pretexto para que o espetáculo fosse encenado agora, mas sua brilhante carreira profissional não é o foco do espetáculo.  Só há um momento, se não me equivoco, em que ele fala, mais diretamente, sobre o assunto, quando, ainda amador, em Sorocaba, fez parte do elenco de uma montagem de O Pagador de Promessas, do genial e saudoso Dias Gomes.

PAULO não interpreta um personagem; ou, por outra, PAULO É PAULO, embora, em algumas passagens, viva, por brevíssimos momentos, o pai, a mãe, a avó e alguns outros personagens que cruzaram seu caminho ao longo da vida.

 




Naturalidade ao “representar”.

 

 

 

            Alguns detalhes que merecem destaque na peça:

 

1) Parece que os artistas já “jogaram a toalha”, com relação a solicitar (quase implorar) que pessoas sem educação e respeito a quem está no palco desliguem seus celulares, durante o espetáculo, nem fiquem trocando mensagens, pois o som e a luz atrapalham quem está atuando e os vizinhos de poltrona.  PAULO, numa tentativa criativa de evitar esse incômodo, antes do início do espetáculo, brinca com o público, numa gravação em “off”, incentivando-os a usar suas geringonças, sem constrangimento, apenas alertando-os para o fato de que, a cada vez que isso acontecer, ele interromperá o trabalho.  Mas o pior é que algumas pessoas, que, por pouco, escaparam de ter nascido sob a forma de outro animal, acreditam no que ele diz, ou se fazem de desentendidos, e fazem uso de seus aparelhos.  Mas o ator, como um cavalheiro, não interrompeu a peça.

 




 

 

 

2) O cenário, de MANA BERNARDES, assim como o figurino, de LETÍCIA PONZI, são “clean”, predominando o branco, o que confere ao espetáculo um ambiente asséptico, lembrando pureza e ingenuidade.  O cenário é muito leve, todo confeccionado com uma espécie de papel fino, branco, com o detalhe da réplica da fachada da casinha em que PAULO nasceu, montada com painéis recortados, sobrepostos, a uma pequena distância, uns dos outros, com porta e janela; uma riqueza de detalhe.  Ao lado esquerdo do palco, há um varal, com roupas dependuradas, o quintal da casa.  O figurino é composto por uma calça gelo e uma camisa branca, que compõem muito bem o ator/personagem, o qual se apresenta descalço (pé no chão, de volta às origens).

 





Detalhe do belo cenário.

 

 

3) Logo na primeira cena, PAULO acende uma vela, cuja chama permanecerá ativa até o final do espetáculo, como sinal de reverência aos antepassados, numa espécie, também, de um rito, pedindo licença a eles para remexer nas gavetas da família.  É uma cena muito tocante.

 

 


 

 


 

 

 

4) Um detalhe enriquecedor do espetáculo, sem o qual metade dele seria perdido, diz respeito às muitas projeções que são feitas durante todo o espetáculo: ambientes, fotos muito antigas, documentos...

 




A magia do cinema para o menino Paulo.

 

 

5) A cada nome de alguém mencionado, PAULO se propõe a dizer, compulsivamente, o significado daquele antropônimo.  Parece um detalhe simples e inexpressivo, mas não o é.  Alguns têm uma relação muito grande entre particularidades da personalidade daqueles que foram batizados com este ou aquele nome e suas etimologias.  É um detalhe bastante interessante.

6) Das coisas que mais me comoveram em cena foi ver um homem de 62 anos brincando, como eu também brinquei na minha infância.  PAULO, de forma exímia (eu não acertava nunca), joga, literalmente, pião, recolhe-o com a fieira e deixa que ele termine de girar na palma de sua mão.  Meus olhos marejaram, de fascínio e emoção.  Em outro momento, ele “roda arquinho” (Não sei como se chama essa brincadeira, mas era uma das minhas preferidas, e quem me lê há de reconhecê-la, ou, simplesmente, conhecê-la numa das fotos logo abaixo.).  Duas cenas muito marcantes.

 



 


 

 



 

 

 

7) É muito oportuna a cena em que o ator desce à plateia e convida uma senhora para dançar com ele, relembrando uma fase de sua vida.  Em seguida, retorna ao palco, após cumprimentar alguns espectadores, com um fraterno aperto de mão.  Um ato singelo e respeitoso de agradecimento a quem foi ao teatro prestigiar e conhecer seu lindo trabalho.

8) São interessantes os momentos em que o ator utiliza um modelo antigo de microfone, para “transmitir” momentos dos jogos da Copa do Mundo de 1958, o que me fez dar um grande mergulho no meu passado.  Eu tinha 9 anos; ele, 6.  Mas vivemos a mesma experiência.  O rádio foi muito marcante nas nossas infâncias...

 





                                   Nas ondas do rádio...

 

 

 

9) Outra cena em que me projetei nele foi quando narra como auxiliava, de maneira muito desajeitada, a avó, na matança de porcos.  Na minha casa, também isso acontecia, para a ceia de 31 de dezembro (Naquela época, não se falava em “réveillon”), mas eu não era o auxiliar; ficava apenas do papel do menino curioso (um pleonasmo), olhando, escondido, aquela barbárie, que logo seria esquecida, quando saboreava tudo o que fora aproveitado daquele mamífero bunodonte, artiodáctilo, de aparência tão ruim e de nome tão complicado, mas de sabor tão apreciável.

10) Também são muito boas as piadas inseridas no texto, com relação a fatos ou pessoas da atualidade, como no momento em que Paulo se considera mais bonito que seu colega de profissão Thiago Lacerda.

11) Não poderia deixar de ressaltar a criativa ideia do título do espetáculo: AUTOBIOGRAFIA AUTORIZADA.  Como se fosse possível ser de outra forma...

 

Recomendo, de coração e bastante emocionado, este espetáculo, em que um homem se despe de sua importância no universo artístico e faz questão de mostrar o seu lado humano, a sua luta para transpor os obstáculos de uma vida dura, o que o faz, certamente, valorizar, muito mais, a bonança do momento presente.  Como eu.

 

Fiquei profundamente tocado pelo espetáculo, pois eu e PAULO temos muitos pontos em comum e, ouvindo, atenta e emocionadamente, o que ia dizendo, eu fazia uma viagem ao meu passado, e aquilo me reportava às minhas memórias. 

 

Agradeço muito a você, PAULO BETTI, pela alegria que me proporcionou naquela chuvosa noite de domingo, 22 de marco de 2015.

 





Deitado ao lado do punhal utilizado na matança dos porcos.

 

 

 

 

 
 
FICHA TÉCNICA:
 
Texto e Interpretação: Paulo Betti
 
Direção: Paulo Betti e Rafael Ponzi
 
Elenco: Paulo Betti
 
Cenário: Mana Bernardes
 
Figurino: Leticia Ponzi
 
Iluminação: Dani Sanchez e Luiz Paulo Neném
 
Direção de Movimento: Miriam Weitzman
 
Programação Visual: Mana Bernardes
 
Trilha Sonora: Pedro Bernardes
 
Fotografia: Mauro Kury
 
Assistente de Direção: Juliana Betti
 
Assessoria de Imprensa: Daniella Cavalcanti
 
Administração Financeira: Andréia Fernandes / Lya Baptista
Direção de Produção: José Luiz Coutinho e Wagner Pacheco
 
 

 

 


 


 

 

 

 

 
 
SERVIÇO:
 
Temporada: de 19 de março a 10 de maio
 
Local: Centro Cultural Correios (Rua Visconde de Itaboraí, 20 – Centro)
 
Informações: (21) 2253-1580
 
Horário: de quinta-feira a domingo, às 19h
 
Ingresso: R$20,00
 
Duração: 60 minutos
 
Gênero: drama
 
Capacidade: 200 lugares
 
Classificação: 12 anos
 
Bilheteria: quarta a domingo, das 16h às 19h
 
 

 

 

 

 

 

 

(FOTOS: MAURO KURY)

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