quarta-feira, 14 de janeiro de 2015


FRIDA
Y
DIEGO
 
 
(AMOR ARDENTE E SOFRIMENTO PROFUNDO, NÃO NECESSARIAMENTE NESSA ORDEM.)
 
 
 
 
 
 
            Está em cartaz, e ficará até 29 de março, no Teatro Maison de France, um espetáculo que eu já havia visto em São Paulo, no início de dezembro passado, e que torci muito para que os cariocas tivessem a grata oportunidade de ver também: FRIDA Y DIEGO, texto de MARIA ADELAIDE AMARAL, com direção de EDUARDO FIGUEIREDO, tendo LEONA CAVALLI e JOSÉ RUBENS CHACHÁ, como protagonistas.
 
            É impossível falar de FRIDA, sem tocar em DIEGO, e vice-versa.  Pode-se dizer que são duas partes de uma laranja, ainda que de variedades diferentes; não a mesma.  Diego era 21 anos mais velho que ela.
 
            Sou um apaixonado admirador da obra desses dois grandes artistas do século XX, mais de FRIDA que de DIEGO, e minha admiração por ela é tão grande, que poderia dizer que eu seria uma reencarnação de DIEGO (apenas do seu lado positivo – permitam-me a graça), se ele não estivesse ainda vivo quando nasci.  Brincadeiras à parte, não se pode, absolutamente, negar que o casal de artistas plásticos (ela mais retratista, ele mais muralista) influenciou, embora fossem de origem latina, toda uma geração de grandes pintores americanos e europeus, nas décadas de 30 e de 40, principalmente, e se tornaram, mundialmente, respeitados até hoje.
 
            Já tive a oportunidade de ver, na minha frente, o original de obras consagradas dos maiores artistas plásticos que a humanidade produziu, entretanto a emoção que me domina, diante de um trabalho de FRIDA ou de DIEGO, ao vivo, na minha frente, é diferente, indescritível.  Parece que a obra é cada um deles, que está ali, apresentando-me a ela.   Há uma “vida”, algo “vivo”, movendo-se diante dos meus olhos.
 
            A peça é um texto inédito de MARIA ADELAIDE AMARAL, depois de dez anos sem uma obra sua, original, encenada.  A última foi “Chanel”, protagonizado por Marília Pêra.
 
 
Leona e Cha-chá em cena  (Foto: Divulgação)
 
 
 
SINOPSE
            A peça fala do casamento e da relação entre FRIDA KAHLO e DIEGO RIVERA.
 
Uma história de paixão e cumplicidade, com todos os dramas, rupturas e reconciliações.

Era uma relação de liberdade e amor incondicional.
 
O espetáculo se passa entre o período de 1929 a 1953, no México, na França e nos Estados Unidos, onde viveram e trabalharam: a conturbada relação do casal, as mútuas infidelidades, personalidades fortes e as suas convicções artísticas e políticas.
 
 
 
 
 
 
Para escrever o texto, MARIA ADELAIDE dedicou-se a uma profunda pesquisa sobre a vida e obra dos dois ícones das artes plásticas das duas últimas décadas da primeira metade do século passado.  Transpor da realidade para a ficção, sem fantasiar, mas, ao mesmo tempo, deixando fluir a magia que domina o dramaturgo, é algo que ADELAIDE faz muito bem, de olhos fechados.  Trata-se da história de duas pessoas, que se tornaram personagens de uma “ficção muito real”.

A peça caminha por duas vertentes.  Uma delas é o sofrimento físico de FRIDA, que foi acometida de poliomielite aos cinco anos de idade e sofreu um gravíssimo acidente, num bonde, aos dezesseis, o qual lhe rendeu dores, sofrimentos, marcas e cicatrizes, físicas e interiores, para o resto de sua vida.  Foram onze fraturas na coluna vertebral, uma perna estilhaçada, dedos de um dos pés esmagados e um pedaço de madeira, que entrou por suas costas, transfixou seu corpo, saindo-lhe pela vagina.  Por conta disso, dos vários meses que passou presa a uma cama de hospital, submetendo-se a muitas cirurgias, a jovem passou a se interessar por pintura.  A outra abordagem é o relacionamento conturbado do casal, uma vida conjugal cheia de altos e baixos, de idas e vindas, separações e reconciliações, traições e perdões...  Formavam um casal extremamente fora dos padrões da época, principalmente ao sustentar um casamento “aberto”, em que ambos sabiam das traições, um do outro, e as aceitavam, com naturalidade.  Ele, um insaciável conquistador; ela, que não ficava atrás, assumia sua bissexualidade, o que, convenhamos, era algo de muito ousado, na década de 30.  Mas o texto não se limita só a isso; ele nos “pinta” um panorama da sociedade da época e revela, com destaque, quão importantes foram FRIDA e DIEGO para o mundo das artes.

A trama tem seu início em 1940, quando, quando FRIDA, após ter cumprido uma condenação, numa prisão mexicana, resolve encontrar DIEGO, em São Francisco, na Califórnia, quando retomam a relação, não faltando, é claro, os acertos de contas, as acusações, os pedidos de perdão, a aceitação deles, tudo regado a discussões sobre as mágoas recíprocas.  Tudo era perdoado, a não ser, por parte de DIEGO, o fato de FRIDA tê-lo traído com Leon Trotski, a quem o casal dera abrigo, quando este fugiu para o México; e, da parte de FRIDA, com relação a DIEGO, quando ele a traiu com Cristina, irmã da pintora.


 


 
Sem obedecer, rigorosamente, a uma cronologia, a história segue até 1953, um ano antes da morte da artista, pondo em relevo alguns dos momentos mais importantes da vida do casal ou de cada um deles, em particular.  Termina, exatamente, no momento em que ela realiza a sua primeira exposição em terras mexicanas e é aclamada, no vernissage da mostra, ao adentrar o local da exposição, instalada numa maca toda ornamentada, já que estava impossibilitada de andar.  Ainda lá, a artista não se deu por derrotada e recebeu os que a estavam prestigiando, deitada numa cama.

No México, após uma das reconciliações, FRIDA já passando por uma fase muito difícil de sua vida, DIEGO manda construir uma casa para eles; na verdade, como se fossem duas, separadas por uma ponte/corredor.  Vejo nisso uma simbologia ligada ao relacionamento dos dois: eternamente ligados e, ao mesmo tempo, independentes, livres para viver as suas idiossincrasias.
A história universal registra uma plêiade de romances ardentes e conflituosos, entretanto, certamente, poucas relações renderiam um enredo tão fantástico quanto este.  Com todas as tempestades e outras catástrofes conjugais, foi um casamento de quase trinta anos.  A peça se concentra, exatamente, na fase final dessa relação, mostrando uma FRIDA extremamente debilitada e sofrida, em função de tantas cirurgias e tentativas para aliviar as dores lancinantes que sofria.  Usou uma quantidade incalculável de coletes, para se sustentar de pé, desde os confeccionados em gesso até os feitos de aço.
 
As ações da peça ocorrem no México, na França e nos Estados Unidos, em cidades diferentes, cujas referências, de locais e datas, para o público, são projetadas nos telões que fazem parte do cenário, sobre o qual falarei adiante.
 
 
 
 
 
 
COMENTÁRIOS QUE MERECEM DESTAQUE NESTA MONTAGEM:
 
 
1)      Com relação ao texto, de MARIA ADELAIDE AMARAL, excelente, por sinal, apesar de se tratar de um drama, os diálogos são recheados de ironia e de bastante humor, ferino, mordaz, bem característico dos dois personagens.
 
2)      Têm grande importância e produzem um belo efeito plástico, na peça, as múltiplas projeções que são mostradas, do início ao fim do espetáculo, de obras dos dois artistas.  Na montagem carioca, esta parte ficou um pouco prejudicada, principalmente as que se concentram nas duas laterais do palco, uma vez que as dimensões deste, no Teatro Maison de France, são bem menores que as do Teatro Raul Cortez, em São Paulo.
 
3)      Considero brilhante a ideia da direção de utilizar música ao vivo, pondo dois excelentes músicos (WILSON FEITOSA JR. – acordeão e outros instrumentos – e MAURO DOMENECH – baixo acústico e outros instrumentos) num dos cantos do palco, para sublinhar algumas cenas e executar uma trilha sonora de muito bom gosto, de GUGA STROETER e MATIAS CAPOVILLA, distraindo o público, em determinados momentos, para que possam ocorrer as muitas trocas de roupas dos personagens.  A melodia da canção que abre o espetáculo, enquanto FRIDA entra pela plateia é belíssima.
 
 
 
 
 
 
4)      Já que falamos de roupas, é de se louvar os lindos e criativos figurinos de MÁRCIO VINÍCIUS, com destaque para os inúmeros trajes usados por FRIDA, exuberantes, de cores vivas, com muitos bordados e aplicações em alto-relevo.
 
5)      Já que falamos de MÁRCIO VINÍCIUS, ele também é responsável pela direção de arte, pelo cenário e pelos muitos e criativos adereços da peça.  Quanto ao cenário, de grandes proporções, conserva, praticamente, em todo o espetáculo, os mesmos elementos, que são mudados de posição ou recebem um detalhe de algum pano, cobrindo partes, ou outros recursos, em certas cenas.  Basicamente, é formado de muitos painéis de tecido, para as projeções; um imenso andaime, para as pinturas dos murais de DIEGO, que também serve, na parte superior, como um dos ambientes da casa ou do ateliê do pintor; uma mesa, uma ou duas cadeiras e bancos de madeira.  Uma cama, com um dossel, completa o cenário.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
6)      Gostei muito da direção, de EDUARDO FIGUEIREDO.
 
7)      Os dois atores, LEONA CAVALLI e JOSÉ RUBENS CHACHÁ, estão vivendo - e o que me parece - seus melhores momentos num palco, por força dos talentos individuais, de uma perfeita cumplicidade cênica e da força dos personagens que interpretam.  Bons atores valorizam quaisquer personagens.  Se estes já são da grandeza de FRIDA KAHLO e DIEGO RIVERA, tudo se transforma em divino, maravilhoso.  Até mesmo nas duas vezes em que CHACHÁ se aventura a cantar, com poucos recursos vocais, mas com a personalidade daquele que representa.
 
 
 
Com texto de Maria Adelaide Amaral, Leona Cavalli e José Rubens Chachá vivem (Foto: Divulgação)
 
 
 
8)      Sobre DIEGO, é notável a sua supervalorização do trabalho de FRIDA.  Ele sempre a incentivava a continuar pintando e dizia que sua obra superava, em qualidade, a dele.  Chega a dizer, com outras palavras, que não a queria como dona de casa, uma serviçal.  Paradoxalmente, também é egocêntrico.  Embora galanteador, era extremamente debochado e cínico, ao tentar justificar suas incursões (muitas) extraconjugais.  Não amava as suas amantes; amava o sexo delas; mas amava FRIDA.  À sua maneira, mas amava.  Era um compulsivo sexual, um Satyros.  JOSÉ RUBENS CHACHÁ nos dá uma aula do que seja uma magnífica interpretação.
 
 
 
GABRIEL WICKBOLD/DIVULGAÇÃO
 
 
9)      Com relação a FRIDA, merece relevo sua verdadeira obsessão pela maternidade, o que a fez sofrer muito, com os abortos que, involuntariamente, fez, já que as deformidades que ficaram no seu corpo, como marcas do acidente, na juventude, não lhe permitiam gerar um filho.  Isso era muito frustrante e doído para ela, que recebia, de DIEGO, como presente, ou “prêmio de consolação”, uma boneca, prática que o pintor aprendera com sua mãe.  Foi muito feliz o diretor, ao mostrar uma cena em que, numa alucinação da pintora, dois “clowns” entram em cena, para lhe roubar o filho, num dos abortos.  Tratava, carinhosamente, o marido de “Panção”, por motivos mais que óbvios.  Ironicamente, quando se referia aos Estados Unidos, chamava aquele país de “Gringolândia”.  Apesar de todo o sofrimento que marcou sua vida, conseguia rir da própria desgraça, como na cena em que, sentada numa cadeira de rodas, diz a DIEGO que teria de amputar os dedos de um dos pés, acometidos de necrose.  Frágil, sofrida, possessiva, ciumenta, intempestiva...  Essa era FRIDA KAHLO.  Soube que uma outra atriz faria o papel.  Não consigo ver ninguém melhor que LEONA CAVALLI, como a “índia tehuana”.
 
10)   FRIDA e DIEGO eram comunistas.  Ele abandonou o partido e suas convicções, mas ela não.  Simbolicamente, isso se faz presente num dos figurinos que a personagem usa, inclusive na última cena, no qual estão bordados a foice e o martelo, ícones do regime.
 
 
 
 
 
 
11)  É muito bonito o desenho de luz projetado por GUILHERME BONFANTI, adaptado, na montagem carioca, por LAIZA MENEGASSI.  Interessante é o contraste das cores com as projeções, por exemplo.
 
12)  Ponto positivo para o visagismo, de ANDERSON BUENO, ainda que eu sentisse falta de um buço mais perceptível e de uma monocelha mais acentuada.  FRIDA era feia.  Deve ter sido difícil e “sofrido”, para o profissional, tentar conseguir enfear LEONA.
 
13)    Uma das cenas mais emocionantes da peça e, também, na qual LEONA CAVALLI demonstra a grande atriz que é, ocorre durante a longa descrição do acidente, que quase lhe roubou a vida (Ou não a teria roubado de verdade?), feita a DIEGO.  Forte e comovente, mexe com a sensibilidade da plateia.
 
14)  Outra cena que merece destaque é o discurso que FRIDA faz sobre a fidelidade, ao tomar conhecimento da traição de DIEGO com CRISTINA, irmã da artista, por quem esta nutria um grande amor fraternal, além de amar profundamente os sobrinhos.  Para FRIDA, o fato representou muito mais que umas “simples” traição; gerou o rompimento de uma relação de amor familiar, que, de certa forma, dava sustento à sua sobrevivência.
 
15)  Não deixa de ser engraçado, bizarro até, ainda que lamentável, o fato, tratado na peça, de que, ao ser contratado, por Nelson Rockfeller, para pintar um painel no Rockfeller Center, que se chamaria “Man at the Crossroads”, DIEGO tenha recebido uma determinação do magnata: trocar o rosto de Lênin, já pintado, por um outro, o que o pintor se recusou a fazer.  O episódio ficou conhecido como “A Batalha de Rockfeller Center”, e acabou com a demolição da parede, a golpes de picaretas.  Vitória do capitalismo. 
 
16)  Achei interessante, e valiosa, a participação dos dois contrarregras, BRENO DA MATA e CRISTIANO BELARMINO, em algumas cenas. 
 
 
 
 
 
 
 
FICHA TÉCNICA:
Texto: MARIA ADELAIDE AMARAL
Direção: EDUARDO FIGUEIREDO
Elenco: LEONA CAVALLI e JOSÉ RUBENS CHACHÁ
Direção musical e trilha: GUGA STROETER e MATIAS CAPOVILLA
Músicos convidados: WILSON FEITOSA JR. (acordeon) e MAURO DOMENECH (baixo acústico)
Direção de arte – cenografia, figurinos e adereços: MÁRCIO VINÍCIUS
Visagismo: ANDERSON BUENO
Desenho de luz: GUILHERME BONFANTI / LAIZA MENEGASSI
Assistência de direção: ALEX BARTELLI
Direção de movimento: RENATA BRÁS                                                            
Contrarregras e Apoio Cênico: BRENO DA MATTA e CRISTIANO BELARMINO
Estágio de direção: ERIC MOURÃO
Programação visual: VÍTOR VIEIRA
Projeto de vídeo e projeções: JONAS GOLFETO
Fotos de divulgação: GABRIEL WICKBOLD
Fotos de cena: LENISE PINHEIRO e GISELA SCHLÖGEL
Assessoria de Imprensa: AGÊNCIA FEBRE
Produção executiva: TON MIRANDA
Gerência de produção: BIA IZAR
Direção de produção: MAURÍCIO MACHADO                                               
Administração do Espetáculo: PAULO PAIXÃO
Realização e produção: MANHAS & MANIAS EVENTOS
 
 


"Frida y Diego" está em cartaz no Teatro Raul Cortez. Foto/Crédito divulgação


 
 
SERVIÇO: 
TEATRO MAISON DE FRANCE – Av. Presidente Antônio Carlos, 58 – Centro – Rio de Janeiro     -     Tel: (21) 2544-2533

Temporada: de 8 de janeiro a 29 de março de 2015

Dias e horários: quintas-feiras, sextas-feiras e sábados, às 20h; domingos, às 19h

Ingressos: R$ 60,00 (quintas e sextas-feiras); R$ 80,00 (sábados e domingos).

Duração: 90minutos.

Classificação indicativa: 16 anos.

Lotação: 353 pessoas
 
 



 
 
 
FRIDA Y DIEGO não é um espetáculo para ser visto apenas uma vez.  É para ser saboreado, até que a nossa alma seja saciada.
 
Embora a ação, na peça, vá até 1953, e, na cena final, tenha-se a impressão de que a pintora morre nos braços do seu amado mestre, sua morte só ocorreu um ano depois. 
 
Na sua última fala, no texto, FRIDA, revela o seu apego à vida, apesar de tudo de mal por que passou, de tanto sofrimento, de tantas dores.  A despeito de tudo, era uma otimista:


VIVA A VIDA!
 
 
 
 
 
 


 
(FOTOS: GABRIEL WICKBOLD, LENISE PINHEIRO e GISELA SCHLÖGEL)
 
 
 
 
 

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