sábado, 1 de novembro de 2014


QUEM SABE AQUI

 

 

 

(O PASSADO NÃO ME ASSUSTA...  TANTO; O FUTURO?  QUEM SABE?  AQUI...)

 


 

 


 

 

  

            Cresce, a cada dia, a quantidade de espetáculos de TEATRO realizados em espaços não convencionais, principalmente em casas.  Só neste ano de 2014, já assisti a oito, dos quais só me arrependo de um, que me fez cruzar a Linha Amarela, até o afastado bairro do Cachambi, na zona norte do Rio de Janeiro, e me sentir tão mal, tão violentado, tamanha era a péssima qualidade da encenação, na qual predominavam a escatologia e o mau gosto, a ponto de eu abandonar uma casa quase em ruínas, antes da metade do longo “espetáculo”.  Seu título já era uma piada pronta: Apocalipse.

 

Em compensação, um outro pode ser considerado uma verdadeira obra-prima, dos melhores espetáculos da safra de 2014: Fala Comigo como a Chuva e me Deixa Ouvir, na Casa da Glória, que tive a oportunidade de ver duas vezes.

 

Os demais se situam nas categorias BOM e MUITO BOM, o que acaba por produzir um saldo bastante positivo.  Gosto muito dessas propostas, que fogem ao convencional, quando são bem feitas, e estou sempre disposto a prestigiá-las.

 

Foi com esse espírito que fui ver, na semana passada, QUEM SABE AQUI, objeto desta resenha e que fica em cartaz, até o dia 9 de novembro (2014), numa bela casa, situada num ponto nobre, no Jardim Botânico, Rio de Janeiro (ver SERVIÇO).

 

O espetáculo, escrito e dirigido por CAROL CHEDIAK e JULIANA TERRA, interpretado por esta, contando com a luxuosa supervisão de direção da grande atriz e diretora INEZ VIANA, não foi concebido, inicialmente, para ser apresentado dentro de uma casa, para um diminuto público de 20 a 30 pessoas, no limite máximo, e sim para um palco italiano, já contando até com uma pauta num pequeno teatro do centro da cidade.

 

Durante os ensaios, porém, realizados na casa onde a peça é apresentada, o olhar de quem sabe tudo de TEATRO, e mais alguma coisa, INEZ VIANA, percebeu que ali era o melhor lugar para a encenação, já que tudo, na estória, foi passado naquele espaço, fechado havia oito anos, o qual pode ser considerado um grande personagem da história.  A proposta acabou sendo aceita por CAROL e JULIANA, e a história começou a ganhar detalhes, até então, fora do roteiro. 

 

 

 

(Foto: Divulgação)
Júlia (Juliana Terra)

 

 

Ideia nova, desafios novos: o primeiro foi decidir se todo o espaço do imóvel seria utilizado e partir para as adaptações necessárias à apresentação de uma encenação teatral, como a derrubada de uma parede, transformando duas grandes salas de visita numa bem maior.  Decidiu-se por ocupar todos os cômodos da bela casa, nos dois pavimentos, fazendo da peça um espetáculo itinerante, misturando diferentes linguagens artísticas, como teatro, performance, artes visuais e música.  Assim, na biblioteca, por exemplo, acontece uma interessante performance, que provoca e aguça a imaginação da plateia; um piano foi instalado num dos quartos e é executado por uma pianista, que representa a mãe de JÚLIA; no banheiro, há a projeção de um vídeo, do teto para o interior de uma banheira, cheia de água, resultando numa experiência visual muito interessante, de grande apelo plástico.

 

Além disso, tiveram de fazer inúmeras instalações de som e luz, adaptações técnicas.  Todos os cômodos foram sonorizados e câmeras instaladas em todos os espaços, para que, de um determinado ponto da casa, profissionais pudessem fazer a operação de luz e som, numa espécie de central de controle técnico, localizada no segundo pavimento do imóvel.  O mais interessante é que tudo acontece no tempo certo, não havendo qualquer falha técnica.

 

Esse projeto gerou um espetáculo extremamente sensorial, uma narrativa que sugere, à medida que a personagem vai mergulhando no seu passado e trazendo-o à tona, para os convidados, variadas imagens, sons, cheiros e gostos.  Sons e ruídos, nos locais em que estão acontecendo as ações ou nos periféricos, provocam reações nas pessoas, na tentativa de compreender o que representam.  Sentem-se cheiros variados, em cada cômodo, e dependendo da cena.  Numa, em que, num ataque de fúria, a personagem se volta contra o pai, a atriz destrói um enorme repolho, simbolizando a figura paterna, e, à medida que vai dilacerando o legume, um forte cheiro do vegetal vai tomando conta do ambiente e, de certa forma, repugnando o público, que parece ansiar pelo desfecho rápido da cena.  No quarto de JÚLIA, quando criança, percebe-se um delicado e agradável cheiro de lavanda, sugerindo pureza e ingenuidade.  No momento em que a personagem relembra o tempo que passava, na biblioteca, na companhia do pai, e fala do cheiro que a faz rememorar aqueles momento - desagradável odor, por sinal -, qual seja o da mistura de cigarro, bebida e de bala Halls, a verdade é tanta, ao sair da boca da atriz, que, sinceramente, também me incomodou aquela memória olfativa.  Eu “senti”, ali, naquela sala, o inconveniente cheiro descrito.

 

 

 


Aceita um café?

 

 

            Para recepcionar os visitantes, vinho é servido, e o ambiente fica pleno daquele delicioso aroma, da mesma forma como, ao final da peça, já no interior da cozinha, JÚLIA, ao fazer, de forma totalmente despropositada, atabalhoada, café, o forte cheiro da bebida toma conta do ar, agradável, para quem a aprecia, desagradável pra os que a desaprovam, uma minoria.  Aguça o desejo de provar daquele cafezinho, que é desperdiçado, derramando-se por sobre uma bancada, em função da perturbação mental que toma conta da personagem.

 

Creio que essas propostas sensoriais contribuem muito para que os espectadores exercitem o seu imaginário olfativo da infância e, até mesmo de um passado mais recente, proporcionando a impressão de que cada um dos presentes também está passando por aquela experiência da volta a algum lugar que lhe tenha sido, por quaisquer motivos, muito marcante.

O texto mistura realidade e ficção, na medida em que fala das reminiscências reais de CAROL, naquele espaço, mais um pouco da verdadeira história de JULIANA (sua relação familiar), que protagoniza a peça, como JÚLIA, aquela que volta ao “lar”, para habitá-lo, e elementos incorporados ao texto, a partir da geografia local, elementos dramatúrgicos que se amalgamam numa bela e comovente dramaturgia.

Na verdade, o imóvel em questão estava fechado há oito anos e foi nele que CAROL CHEDIAK (no caso, a personagem JÚLIA) viveu boa parte da sua vida, principalmente a infância e a juventude.  Após a temporada, a proprietária do imóvel está pensando em voltar, de verdade, a morar nele.

 

 

 

(Foto: Divulgação)

E o pensamento voa…

 

 

 

Na dinâmica do espetáculo, o público se aglomera na calçada do casarão e vai se conhecendo, interagindo, criando uma intimidade e cumplicidade, muito importantes para a criação de um clima para a peça, até ser recebido por um ser enigmático (GUSTAVO BARROS), de excelente atuação, um homem num traje estranho, quase indescritível, algo que lembra um quimono, uma vestimenta meio unissex, o qual convida o público a entrar na casa e se encarrega de servir vinho aos convidados e de guiá-los pelo imóvel, durante a encenação, alternando sorrisos indecifráves e expressões faciais fechadas, duras, idem, sem pronunciar uma só palavra.  Mordomo ou governanta?  Mistério...

 

Passando da primeira sala à segunda, a maior de todas, depara-se com JÚLIA, ao telefone, a qual, ao notar a presença das pessoas, interrompe a conversa que vinha mantendo com seu interlocutor e passa a dar atenção aos convivas, passando a contar-lhes o motivo pelo qual está voltando a morar naquela casa e fatos importantes que marcaram sua primeira ocupação ali.  Tudo isso em meio a muitas caixas, que guardam a história do lugar e que servem para embalar os objetos da mudança.

 

A descoberta, num dos armários da casa, de uma fita cassete e de um anacrônico gravador que possa reproduzi-la é que serve de motivação para que a personagem vá puxando, de sua mente, aquelas lembranças, algumas positivas e outras muito doídas.  Esse áudio, uma gravação doméstica, leva JÚLIA a escarafunchar as gavetas do seu passado, a reverenciar a figura materna, a enfrentar o fantasma do pai e os seus próprios fracassos pessoais (chegou a se casar quatro vezes) e a questionar seu lugar no mundo e os rumos que sua vida possa tomar a partir daquele momento.

 

  

 

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Revelações e…

 

 


...lembranças.

 

 

Além do ator que faz a enigmática personagem que recepciona o público, já mencionado, uma menina, cujo nome não está na ficha técnica do espetáculo, circula pela casa, vez por outra, representando a protagonista, quando criança, assim como uma outra mulher, também sem nome na ficha técnica, sem nenhum texto, representa a mãe de JÚLIA, numa cena em que, em silêncio, penteia a menina, sendo que esta, em determinado momento, não se deixa mais pentear, sai correndo, e a mãe não cessa os movimentos que vinha fazendo, como se não notasse a presença ou a ausência da criança.  Muito interessante a cena.  Também uma pianista (CRISTINA CAFFARELLI) tem uma pequena participação numa das cenas, executando uma canção, que fica no ar, mesmo quando os espectadores abandonam a sala ocupada pela executante.

 

 

 


Momento lúdico da infância de Júlia.

 

 

            Após a última cena, o publico é convidado a sair da casa, praticamente expulso, apressadamente, expelido, cuspido para fora, em oposição à gentileza como fora recepcionado.  Fiquei com a impressão de que tal atitude possa ser decodificada como um conselho a deixar a protagonista sozinha em sua tentativa de um recomeço.

 

            Gostei muito do espetáculo e não me furto a recomendá-lo, com empenho.

 

 

 
FICHA TÉCNICA:
Supervisão: Inez Viana
Dramaturgia e Direção: Carol Chediak e Juliana Terra
Elenco: Juliana Terra, com participação de Gustavo Barros
Pianista: Cristina Caffarelli
Cenografia: Beli Araújo
Figurino: Guto Carvalhoneto
Iluminação: Renato Machado
Direção de Movimento: Marcia Rubin
Direção Musical: AC
Colaboração na criação: Daniela Visco e Marcos Bonisson
Assessoria de imprensa: Silpert e Chevalier Comunicação
Direção de Produção: Lucas Mansor
Produção Executiva: Bernardo Portella
Programação Visual: Lucas Sancho
Fotografia: Carol Chediak
Realização: Coletivo Pequeno
 

 

            Todos os profissionais envolvidos no projeto honram o trabalho e merece um destaque a interpretação de JULIANA TERRA.

 

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SERVIÇO:
Gênero: Drama
Temporada: Até 09 de novembro / 2014
Dias e horários: sextas-feiras e sábados, às 21h; domingos, às 20h
Ingressos: R$ 80 (inteira) e R$ 40 (para os casos previstos em lei)
Local: Rua Corcovado, 146 (entrada pela Lopes Quintas)
Duração: 60 minutos
Capacidade: 20 espectadores (possibilidade de mais alguns, o que não é ideal)
Ingressos pelo tel 98633-7074 ou pelo site www.compreingressos.com.br
Classificação: 14 anos
 

 

 

 

 

(FOTOS: CAROL CHEDIAK)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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