segunda-feira, 23 de junho de 2025

“A BALEIA”

ou

(UM TURBILHÃO

DE EMOÇÕES.)

ou

(DE COMO A DOR

E A DEGRADAÇÃO HUMANA NOS INCOMODAM.)




         

         Já se passaram alguns dias após eu ter assistido ao espetáculo “A BALEIA”, no Teatro Adolpho Bloch, por duas vezes, e ainda guardo bastante da emoção com que voltei para casa naquela noite, totalmente impactado com o que vi no palco. A peça é das melhores coisas que tive a oportunidade de conhecer nos últimos anos e, certamente, a se pautarem os prêmios de TEATRO pela meritocracia, deverá ganhar muitos prêmios, ao final do ano teatral de 2025.



 

SINOPSE:

Um homem de meia-idade, um professor, de quase 300 kg, chamado Charlie (JOSÉ DE ABREU), que se esconde do mundo, dentro de seu apartamento, tenta se reconectar com sua filha de 17 anos, Ellie (GABRIELA FREIRE).

Os dois se separaram, quando a menina tinha apenas 9 anos, depois que Charlie abandonou sua família, para ficar com seu amante “gay”, Allan (Não aparece na história.), que, mais tarde, morreu.

Charlie, então, passou a comer compulsivamente, de dor e culpa.

O protagonista é cuidado por uma velha amiga enfermeira, Liz (LUISA THIRÉ) e é visitado por um jovem, missionário de uma igreja evangélica, o Irmão Thomas (EDUARDO SPERONI), que deseja “salvá-lo”.

Quase ao final da trama, entra em cena sua antiga esposa, Mary (ALICE BORGES).


 



  A peça data de 2012 e foi escrita por SAMUEL D. HUNTER. É ambientada na cidade de Moscou, no estado de Idaho. Toda a trama dura menos que uma semana. Tem como personagens o protagonista, Charlie, um professor de língua inglesa e literatura, que ministra aulas “on-line”, sem utilizar a câmera, com a idade em torno dos 40 anos; Liz, uma amiga de Charlie e enfermeira, que cuida dele, porém alimenta a sua compulsão por comida, levando-lhe, diariamente, “fast food”, apesar do enorme peso de Charlie e de seus próprios apelos para que ele procurasse melhores cuidados médicos; Élder Thomas, um jovem missionário mórmon; Ellie, a filha afastada de Charlie; e Mary, a ex-esposa do protagonista. Ellie não vê nem falava com o pai havia 8 anos, graças à guarda total da mãe, até que, um dia, ela aparece no apartamento dele, sem que Mary o saiba.



  Um pouco sobre o autor da peça, extraído de uma pesquisa que fiz: SAMUEL D. HUNTER é um dramaturgo norte-americano, conhecido por suas obras que exploram temas de isolamento, redenção e fragilidade humana, muitas vezes ambientadas em pequenas cidades dos Estados Unidos. “A BALEIA” (“The Whale”, no original.), uma de suas peças mais aclamadas, estreou em 2012 e recebeu elogios pela sensibilidade com que aborda a história de um professor de inglês recluso e com obesidade severa, que tenta se reconectar com sua filha adolescente. HUNTER diz que suas reflexões sobre o ensino foram o ponto inicial de inspiração para A BALEIA” e que ele só adicionou o aspecto da obesidade mais tarde, como uma forma de fazer o professor ter uma “distância” do público e dos outros personagens. E também justifica a presença de um jovem missionário mórmon como uma forma de “autoproteção ou distanciamento”, para que ele pudesse “escrever sobre religião, mas de uma forma que não parecesse muito próxima de casa”. E mais: que usou o personagem Elder Thomas como uma “espécie de conexão improvável com Deus”.




 “A BALEIA”, em 2022, deu origem a um filme de drama psicológico americano, tendo estreado no “Festival Internacional de Cinema de Veneza e foi lançado, nos Estados Unidos, ao apagar das luzes de 2022, tendo sido premiado, nas categorias de Melhor Ator e Melhor Cabelo e Maquiagem, no Oscar de 2023.



         Voltando à peça, creio que, dificilmente conseguirei assistir, neste ano de 2025, a algo que se aproxime da qualidade desta produção brasileira. O espetáculo, que está sendo mostrado no Teatro Adolpho Bloch (VER SERVIÇO.) é algo arrebatador, que me obrigou a revê-lo, para poder captar melhor todos os seus detalhes, com o objetivo de poder escrever, a contento e como gosto, esta crítica. A trama é milimétrica e cuidadosamente projetada, como numa partida de xadrez, em que cada jogada corresponde a uma nova surpresa, que vai num crescendo, pautada em novas pistas, que se entrelaçam, até chegar ao magnífico desfecho. Mais uma vez, afirmo que a espinha dorsal de uma grande peça, principalmente um drama, é o texto, o que sustenta, ou, no mínimo, é o pontapé inicial para uma perfeita produção teatral. Aqui, todas as peças de um quebra-cabeça vão se ajustando e formando um grande painel sobre a degradação humana, que atinge a todos os personagens, com menor carga, a meu juízo, sobre Liz.




       O autor do texto pressiona, com muita força, os dedos sobre feridas do passado e do presente, mais sobre aquelas do que estas, e isso causa danos irreparáveis aos personagens, e quem mais os sofre é Charlie.



           A plateia não consegue piscar, durante os 100 minutos de duração da peça, os quais passam sem que o percebamos, e, mesmo que tente resistir, se vê levada a exercer uma profunda empatia pelo protagonista, vivido de forma admirável pelo grande ator JOSÉ DE ABREU. O bom espectador, aquele que sabe se comportar na plateia de um teatro, se vê projetado ao palco e, como uma esponja, absorve todo o drama daquele homem recluso e obeso, que tenta se reconectar com a filha, enquanto enfrenta os desafios de seu passado e sua saúde debilitada. Ele o faz, ao que me parece, não para se desculpar, propriamente, de sua decisão de abandonar a família, para viver o amor verdadeiro e a felicidade merecida ao lado de outro homem. Não posso, entretanto, me desviar do pensamento de que, ao mesmo tempo, aquela tentativa de aproximação de Ellie tinha, sim, o motivo de, em parte, ficar em paz consigo mesmo, com relação à função paterna.



          Charlie vivia em constante drama de consciência, por não saber o que a igreja evangélica frequentada pelo amor de sua vida fez com este, levando-o a um estado pleno de depressão, que culminou com o seu suicídio. Aquela incógnita o fazia se sentir culpado, embora não soubesse bem por quê.



       Um dos principais, se não o principal, aspecto abordado, com bastante firmeza, no texto, é a repressão, por parte da religião, a Igreja da Luz Universal, em relação aos homossexuais e de que forma a não aceitação por parte da comunidade e da família pode levar a conflitos internos tão intensos, que tornam viver uma tarefa difícil de suportar, um peso quase impossível de ser carregado, como aconteceu ao namorado do protagonista. Charlie foi muito corajoso, ao se decidir por deixar uma família tradicional constituída, ainda que disfuncional, para assumir sua homossexualidade, em nome de um estado de prazer, felicidade e harmonia plena, o que, infelizmente, não saiu como era previsto.



         O cuidado verificado nesta produção faz com que todos os elementos da peça convirjam para um estado de total perfeição. A cenografia, de BIA JUNQUEIRA, é um verdadeiro achado. O aspecto geral do apartamento é de falta de cuidado, aproximando o seu morador, Charlie, da categoria de um “acumulador”, a julgar pela enorme quantidades de objetos inúteis espalhados pelo ambiente, com destaque para uma quantidade absurda de embalagens de pizzas. A cenografia reflete o interior do personagem. Também me chamou a atenção, no cenário, o detalhe de um painel, que sobe e desce, onde são projetadas indicações dos momentos em que se dão as cenas, estas como se fossem quadros, e as imagens dos alunos, numa reunião pelo “zoom”, durante as aulas do professor Charlie. Merece destaque, ainda, sobre o cenário, um elemento cênico que entre na cena final da peça, sobre o qual não farei comentários, para não tirar o prazer da surpresa, e que compõe a magnífica solução encontrada pela direção para tal cena, que também não será comentada, para não dar “spoiler”.



         CARLOS ALBERTO NUNES assina os excelentes figurinos, todos muito adequados aos personagens, com destaque para o do protagonista. Para que Charlie aparentasse os quase 300 quilos de peso, foi-lhe feito um traje único, especialmente confeccionado com enchimentos de espuma, utilizando-se tecidos naturais e sintéticos especiais. Um detalhe curioso é que, para que tal material não fizesse alterar a temperatura corporal do ator, por dentro do traje, à altura do ventre, existem duas bolsas de gelo, cada uma comportando 2 quilos, como elemento de climatização.



         A ótima iluminação é de MANECO QUINDERÉ, que funciona muito bem em cada cena e na passagem de uma a outra.



          Sendo o TEATRO a arte do coletivo, não posso me furtar a citar os nomes de quem pôs seu tijolinho para a construção desta obra, começando por FEDERICO PUPPI, que, mais uma vez, no TEATRO, colabora com uma trilha sonora original que se encaixa nas diversas situação da peça. MONA MAGALHÃES deixou sua contribuição na parte de visagismo. JACYAN CASTILHO colaborou com a direção de movimento. E JANE CELESTE fez a preparação vocal do elenco. Quanto a este aspecto, normalmente, não há o que ser dito, uma vez que todo ator tem a obrigação de saber projetar sua voz e com uma perfeita dicção. No caso do uso de microfones, menos ainda tem a ser comentado. Nesta peça, todos os atores são microfonados, entretanto um voto de louvor a JANE se deve, em particular à emissão vocal de JOSÉ DE ABREU, que, por sua constituição física, precisa falar de um modo especial, arfante, mas que tem de ser captado pelo público, como ocorre durante toda a peça.



          A seleção do elenco é um dos maiores acertos desta produção, a começar pelo protagonista. JOSÉ DE ABREU, muito dedicado a outras mídias, estava afastado dos palcos desde 2013, quando se apresentou na comédia “Bonifácio Bilhões”. Já fazia muita falta e fez sua “reentrée” no TEATRO em grande estilo, na pele de Charlie, um personagem muito difícil de ser construído e representado e que deve custar ao ator muito sacrifício físico. É impossível e injusto negar-lhe os mais calorosos aplausos e gritos de “BRAVO!”, por seu irretocável trabalho. O seu Charlie não parece ser; ele "o é".



         LUISA THIRÉ, mais uma vez, honra a “dinastia Carrero/Thiré”, com uma emocionante interpretação de Liz, que é, talvez, a detentora de um dos maiores segredos do texto, o qual, quiçá, seja o responsável por tanto amor e dedicação ao amigo Charlie. LUISA sabe dosar muito bem as suas emoções e controlar suas reações, diante de todos os outros personagens com os quais contracena.



          Não esperava nada diferente da parte de EDUARDO SPERONI, que faz um brilhante trabalho em cena. Acompanho sua trajetória sobre as tábuas desde 2016, salvo engano, na peça que marcou o panorama teatral da época, “Caranguejo Overdrive”, e, de lá para cá, não tenho perdido nenhum dos espetáculos de que fez parte, como ator, todos com um ótimo rendimento. Só quem já foi procurado por um missionário mórmon, como eu, pode ter ideia do comportamento desse tipo de gente. EDUARDO “incorporou” um perfeito (Irmão) Elder Thomas. O personagem também guarda um segredo, que vem à tona no momento exato para isso.



          A minha mais grata surpresa, com referência ao elenco, recai sobre a jovem GABRIELA FREIRE, em seu primeiro grande trabalho profissional, interpretando Ellie, a filha de Charlie. Nunca a tinha visto em cena e fiquei muito feliz com o que GABRIELA me ofereceu, em termos de interpretação. A personagem, ainda que aparente ter passado por uma transformação, ao final da peça, é extremamente cruel com todos, principalmente com o pai. Ellie é uma criatura “brigada com o mundo”, “rebelde e de temperamento forte”, no dizer de Charlie, como que para desculpar as atitudes esdrúxulas da filha. O trabalho de GABRIELA é merecedor de prêmios de TEATRO, bem como o de outros do elenco, mormente JOSÉ DE ABREU.



          O/a ator/atriz, quando “tem garrafas vazias para vender”, não precisa ser protagonista nem estar em cena o tempo todo. Na montagem do musical “Pippin”, há alguns anos, com direção de Charles Möeller e Claudio Botelho, a inesquecível DONA Nicette Bruno tinha uma única aparição, como a avó do protagonista, que durava cerca de 15 minutos, se muito, e, simplesmente ganhava toda a plateia, que ia ao delírio com sua participação. Da mesma forma, ALICE BORGES, em “A BALEIA”, só aparece no final da peça, como Mary, a ex-mulher alcoólatra de Charlie, e fica em cena também por uns 15 minutos, uma aparição meteórica, porém marcante, na trama, e merece aplausos fartos.  



         Faltou falar do trabalho cirúrgico de direção. LUIS ARTUR NUNES, um grande diretor de atores, deixa, aqui, a sua marca de um competente profissional, sabendo como alinhavar e costurar todas as cenas de uma peça que é uma espécie de “narrativa em mosaico” e que aborda temas diversos e complexos, como isolamento, reconexão, intolerância religiosa, homofobia, gordofobia, culpa e empatia, “sempre a partir de personagens humanos, complexos e cheios de contradições”. “É um material encharcado de emoção”, como se coloca o diretor, que também assina a tradução do texto.




 

FICHA TÉCNICA:

Texto: Samuel D. Hunter

Tradução: Luis Artur Nunes

Direção: Luis Artur Nunes

 

Elenco: José de Abreu, Luisa Thiré, Gabriela Freire e Eduardo Speroni

Participação Especial: Alice Borges

 

Coordenação Artística: Felipe Heráclito Lima

Cenário: Bia Junqueira

Figurino: Carlos Alberto Nunes

Iluminação: Maneco Quinderé

Trilha Sonora: Federico Puppi

Visagismo:  Mona Magalhães

Preparação Corporal: Jacyan Castilho

Preparação Vocal: Jane Celeste

Assistente de Direção: Claudio Benevenga

Assistente de Cenografia: Victor Aragão

Assistente de Figurino: Arlete Hammond Rua

Desenho Gráfico: Cadão

Fotografia: Renato Mangolim

Mídia Social: Lab Cultural

Assessoria de Comunicação: Vanessa Cardoso | Factoria Comunicação

Assessoria de Imprensa: Daniella Cavalcanti

Direção de Produção: Alessandra Reis

Coordenação de Produção: Wesley Cardozo

Produção Executiva: Cristina Leite

Lei de Incentivo: Natália Simonete

Produtores Associados: Alessandra Reis e Felipe Heráclito Lima


 

 


 

 

SERVIÇO:

Temporada: de 06 de junho a 20 de julho de 2025.

Local: Teatro Adolpho Bloch.

Endereço: Rua do Russel, nº 804 – Glória – Rio de Janeiro.

Informações: (21) 3553-3557.

Dias e Horários: De quinta-feira a sábado, às 20h; domingo, às 18h.

Valor dos Ingressos:  De R$ 25 (meia-entrada) a R$ 160 (inteira), dependendo da localização do assento.

Desconto Caixa Residencial: clientes CAIXA Residencial têm 50% de desconto na compra de até dois ingressos.

Horário de Funcionamento da Bilheteria: De terça-feira a sábado, das 12h às 20h; domingos e feriados: das 12h às 19h.

Vendas online: https://www.ingresso.com/espetaculos/locais/teatro-adolpho-bloch

O teatro conta com um totem, para vendas de ingressos, localizado ao lado da bilheteria.

Indicação Etária: 14 anos.

Duração: 100min (sem intervalo).

Capacidade: 359 lugares.

Gênero: Drama.


 



            Por fim, além de dizer que RECOMENDO, COM A MAIOR CONVICÇÃO, A PEÇA, faz-se necessário dizer que ela não é para puro lazer e divertimento. É muitíssimo mais: é sobre conflitos emocionais, superação e saúde física e mental, refletindo questões além da superfície. Fala mais de conflitos emocionais e dificuldades de superação do que sobre obesidade.


 

 

 

FOTOS: RENATO MANGOLIM

 

 

 

 

É preciso ir ao TEATRO, ocupar todas as salas de espetáculo, visto que a arte educa e constrói, sempre; e salva. Faz-se necessário resistir sempre mais. Compartilhem esta crítica, para que, juntos, possamos divulgar o que há de melhor no TEATRO brasileiro!








































 








































































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