terça-feira, 27 de maio de 2025

“O MERCADOR DE VENEZA”

ou

(UMA PROFÍCUA

AULA DE TEATRO.)

ou

(O TOM CRÍTICO

DA BOA COMÉDIA.) 

 

 

         Das 64 peças a que assisti, até agora, neste ano de 2025, “O MERCADOR DE VENEZA” ocupa uma destacada posição entre os melhores espetáculos que tive a oportunidade de conferir, pelo conjunto da obra. A montagem, que veio de São Paulo, está em cartaz no Teatro Nelson Rodrigues (VER SERVIÇO) e vem lotando todas as sessões, certamente pela força da divulgação boca a boca, uma vez que o fabuloso elenco, um dos pontos altos da encenação, é formado por atores desconhecidos dos cariocas, mesmo dos mais frequentes espectadores dos teatros, à exceção do magistral DAN STULBACH, popularizado pelas novelas de TV, ao lado do qual brilham, em ordem alfabética, AUGUSTO POMPEO, AMAURIH OLIVEIRA, CESAR BACCAN, GABRIELA WESTPHAL, JÚNIOR CABRAL, MARCELO DIAZ, MARCELO ULLMANN, MARISOL MARCONDES, REBECA OLIVEIRA, RENATO CALDAS e THIAGO SAK.



         Das muitas tragédias e COMÉDIAS escritas por WILLIAM SHAKESPEARE, é dificílimo, pelo menos para mim, apontar a(s) melhor(es), mas, sem dúvida, “O MERCADOR DE VENEZA” é um dos mais emblemáticos, festejados e encenados textos do bardo inglês. A atemporalidade e a universalidade encontradas nas obras do grande dramaturgo são admiráveis. Com esta peça, não é diferente, a ponto de sua diretora, DANIELA STIRBULOV, de forma muito inteligente e própria, ter-se decidido pela proposta de montar o texto, cuja escrita remonta, segundo estimativa, a um tempo entre 1596 e 1598, numa inteligentíssima versão contemporânea, muito moderna, ainda que as falas tenham sido bastante preservadas dentro da linguagem da época em que o texto foi concebido.

 


 

SINOPSE 1 (BEM COMPACTA):

A trama acompanha Antônio (CESAR BACCAN), um mercador, que contrai uma dívida com o agiota judeu Shylock (DAN STULBACH), para ajudar seu amigo Bassânio (MARCELO ULLMANN).

Como garantia, Antônio oferece uma libra (equivalente a 453,592 gramas) de sua própria carne, caso a dívida não fosse saldada no tempo aprazado.

Com o não pagamento da dívida, o contrato desencadeia um julgamento dramático, colocando em pauta temas como justiça e preconceito.


 

 

 

SINOPSE 2 (MAIS DESENVOLVIDA):

No século XVI, a cidade de Veneza, na Itália, era uma das mais ricas do mundo.

Entre os mais abastados de seus comerciantes, estava Antônio (CESAR BACCAN) uma pessoa boa e generosa.

Bassânio (MARCELO ULLMANN), um jovem veneziano, de origem nobre, mas que gastou todo o seu patrimônio, deseja viajar para Belmonte, onde pretendia cortejar Pórcia (GABRIELA WESTPHAL), uma bela e rica herdeira.

Bassânio contacta seu amigo, Antônio, que havia sido seu fiador, por diversas vezes, para pedir-lhe um empréstimo de três mil coroas, necessárias para pagar os custos da viagem, durante três meses.

Antônio concorda, porém está com pouco dinheiro, uma vez que seus navios e suas mercadorias estão no mar, e ele promete ser o fiador, se Bassânio conseguisse um empréstimo, e este procura o financista judeu Shylock (DAN STULBACH), que odeia Antônio, por seu antissemitismo, demonstrado, certa vez, em que ele o insultou e cuspiu no judeu.

Além disso, Antônio faz empréstimos sem suros, o que atrapalha os negócios de Shylock.

Este propõe, então, uma condição para o empréstimo: se Antônio não conseguisse pagar-lhe na data especificada, ele receberia uma libra da carne do fiador.

Bassânio não quer que Antônio aceite uma condição tão arriscada, porém este se surpreende com o que ele vê como uma “generosidade”, por parte do agiota, já que este não lhe pede juros, e assina o contrato.

Com o dinheiro em mãos, Bassânio parte para Belmonte com seu amigo, Graciano (JÚNIOR CABRAL), que lhe pediu para acompanhá-lo.

Graciano é um jovem gentil, porém impertinente, extremamente falante e com grande falta de tato.

Bassânio pede a seu amigo que tente se controlar, e os dois partem para Belmonte, ao encontro de Pórcia.

Enquanto isso, em Belmonte, Pórcia está sendo visitada por diversos pretendentes.

Seu pai lhe deixou um testamento, estipulando que cada um dos seus pretendentes devia escolher, corretamente, um de três cofres - um de ouro, outro de prata e o terceiro de cobre -, cada um com uma inscrição.

Quem escolhesse o correto conquistaria a moça; caso contrário, deveria ir embora e nunca mais incomodá-la, ou a qualquer outra mulher, com uma proposta de casamento.

O primeiro pretendente, o Príncipe do Marrocos (AMAURIH OLIVEIRA), obcecado por luxo e dinheiro, escolhe o cofre de ouro: ao ver o de cobre, cujo texto diz “Aquele que me escolher deve dar e apostar tudo o que tem.”, o príncipe afirma não desejar arriscar tudo por este metal; o de prata diz que “Aquele que me escolher ganhará aquilo que merece.”, o que lhe soou como um convite à tortura; por sua vez, o de ouro diz “Aquele que me escolher ganhará o que muitos homens desejam.”, e soa, a ele,  como a indicação de que quem o escolhesse conquistaria Pórcia.

O cofre do vencedor deveria conter uma foto de Pórcia.

Dentro do cofre escolhido pelo Príncipe do Marrocos, no entanto, estão outros objetos, que não a foto.

O segundo pretendente é o arrogante Príncipe de Aragão (THIAGO SAK), que decide não escolher o cofre de cobre, por ser muito ordinário, nem o de ouro, porque, então, ele irá conquistar aquilo que é desejado por muitos homens, e ele quer se distinguir das multidões bárbaras.

Decide, então, escolher a prata, pois o cofre prateado, que lhe prometia dar aquilo que ele merecesse, devia reservar-lhe algo grande, uma vez que ele se imagina, de maneira egoísta, como sendo uma grande pessoa.

Dentro do cofre, no entanto, também não está a referida foto.

O último pretendente é Bassânio, que escolhe o cofre de cobre, em cujo interior se encontra a tal fotografia, e ele ganha a mão de Pórcia.

Em Veneza, chega a notícia de que os navios de Antônio se perderam em alto-mar, o que lhe impossibilitaria pagar a fiança.

Shylock fica, então, ainda mais determinado a conquistar sua vingança sobre um cristão, depois que sua filha, Jéssica (MARISOL MARCONDES) abandona o seu lar, e se converte ao cristianismo, para se casar com Lourenzo (AMAURIH OLIVEIRA), com quem fugiu, levando consigo uma grande quantidade do dinheiro de Shylock e um anel, presente que o pai havia ganhado de sua falecida esposa.

Shylock consegue que Antônio seja preso e levado ao tribunal.

Em Belmonte, Pórcia e Bassânio acabaram de se casar, juntamente com Graciano e a criada de Pórcia, Nerissa (REBECA OLIVEIRA).

Bassânio recebe, então, uma carta que lhe conta sobre o ocorrido com Antônio e, em choque, ambos partem para Veneza, imediatamente, com dinheiro emprestado por Pórcia, para pagar a Shylock e salvar a vida de Antônio.

Sem que Bassânio e Graciano saibam, Pórcia faz com que um seu criado peça a ajuda do seu primo, um advogado de Pádua.

O auge da peça ocorre no tribunal do Duque de Veneza (ANTÔNIO POMPEU).

Shylock recusa a oferta de 6.000 coroas, feita por Bassânio, o dobro do que havia sido emprestado originalmente, e exige sua libra de carne de Antônio.

O Duque, querendo salvar Antônio, porém evitando abrir o perigoso precedente legal de invalidar um contrato, entrega o caso a um visitante que se apresenta como Baltazar (disfarce de Pórcia), um jovem “doutor em direito”, que traz uma carta de recomendação para o Duque, do célebre advogado Belário.

O “doutor”, na verdade, é Pórcia, disfarçada, e o seu “ajudante” é Nerissa, também disfarçada.

Pórcia, no papel de Baltazar, pede a Shylock que tenha misericórdia de Antônio, implorando-lhe pelo perdão da dívida, porém Shylock se recusa.

O tribunal, então, se vê obrigado a permitir a Shylock que retire, do corpo do devedor, sua libra de carne.

Shylock manda Antônio “se preparar”, entretanto, no mesmo instante, Pórcia aponta uma "falha" no contrato: os seus termos permitem que Shylock remova apenas a carne”, e não o "sangue" de Antônio, de modo que, se Shylock derramasse uma gota sequer do sangue de Antônio, suas “terras e bens” seriam confiscados, de acordo com as leis de Veneza.

Derrotado, Shylock admite aceitar a oferta de dinheiro feita por Bassânio, porém Pórcia argumenta que ele não teria mais direito a ela, por tê-la recusado antes.

Cita, então, uma lei, segundo a qual Shylock, na qualidade de judeu e, portanto, “estrangeiro”, tinha aberto mão de sua propriedade, ao tentar tirar a vida de um cidadão da cidade, e deve legar metade do que tem ao governo e metade a Antônio, com sua vida à mercê do Duque.

O Duque, imediatamente, poupa sua vida, e Antônio pede por sua parte “em uso”, isto é, mantendo uma parte em poupança, enquanto utiliza apenas os rendimentos, até a morte de Shylock, quando a quantia deve ser dada a Lourenzo e Jéssica.

A pedido de Antônio, o Duque abre mão da metade destinada ao Estado, porém, em troca, Shylock é obrigado a se converter ao cristianismo e fazer um testamento, legando toda sua propriedade à sua filha e seu marido.

Bassânio não reconhece sua esposa disfarçada, porém oferece um presente ao suposto advogado.

Pórcia, ainda sob disfarce, primeiro recusa o presente, porém, após alguma insistência, pede o seu anel e as luvas de Antônio.

Este dá as luvas sem qualquer hesitação, porém Bassânio só se desfaz de seu anel após muita insistência de Antônio, já que ele havia prometido à sua esposa jamais perdê-lo, vendê-lo ou dá-lo.

Nerissa, ainda como ajudante do advogado, também consegue obter o anel que havia dado a Graciano em circunstâncias semelhantes, sem que este perceba o que está acontecendo.

Em Belmonte, Pórcia e Nerissa provocam e fingem revolta com seus maridos, antes de revelarem a eles quem eram, na realidade: o advogado e seu ajudante.

Depois de todos os personagens fazerem as pazes, Antônio ouve, de Pórcia, a notícia de que três de seus navios não se perderam, e acabaram chegando com segurança ao porto.


 




 

         “O MERCADOR DE VENEZA”, “The Merchant of Venice”, no original, é uma COMÉDIA dramática, das primeiras peças escritas por SHAKESPEARE, sempre lembrada por uma fala, uma pergunta acusatória, um outro tipo de cobrança, do judeu sovina e vingativo: “Hath not a Jew eyes?” (“Não tem um judeu olhos?”). Um detalhe curioso deste texto é que o personagem que dá título a ele não é o protagonista da história; este é Shylock, o judeu avarento, que alimentava uma ideia cruel de se vingar de quem dele guardava um ódio, que se tornou recíproco.



O elenco pode ser considerado não “A, mas UMA DAS duas cereja(s) deste bolo”. Certamente, a outra corresponde à direção, despojada de “pompas e circunstâncias” e voltada, no aspecto plástico, ao momento atual, o que pode ser comprovado pela cenografia e pelos figurinos. A estupenda diretora DANIELA STIRBULOV se encarregou de deslocar a trama da Itália do século XVI para os dias atuais, de uma forma inteligente, criativa e totalmente personalíssima, focada em questões atuais, como o antissemitismo, que tantas vidas vem dizimando, o preconceito racial, idem, e as guerras motivadas pelo lucro e pelo capital, que acabam por ganhar mais potência frente à narrativa. A história poderia ter sido contada sob outro ponto de vista, que não fosse o do verdadeiro protagonista, o judeu Shylock, contudo não teria a menor graça nem provocaria, na plateia, as reflexões que cria. Mergulhando em temas como preconceito e intolerância a todos aqueles que são estrangeiros, a montagem é uma reflexão acerca das transformações nas relações humanas e tensões sociais que transcendem séculos.” (Trecho retirado do “release” que me foi enviado pela assessoria de imprensa (STELLA STEPHANY).




São palavras da diretora: “A obra, atravessada por tensões religiosas e preconceitos, nos confronta com questões sobre intolerância, identidade e justiça - tão atuais quanto no tempo em que foi escrita.”. Não tenho eu a menor dúvida de que nisso está o sucesso que a peça vem fazendo em mais de três séculos de apresentações e que faz lotar os teatros em que a montagem em tela vem sendo apresentada.



Volto ao elenco, para dizer que, em poucas vezes, tenho visto, num palco, um grupo numeroso, de 12 grandes artistas, tão bem amalgamado, coeso, num nivelamento superlativo, que vai do protagonista ao personagem que tem uma menor importância na trama. Obviamente, meus aplausos mais calorosos vão para DAN STULBACH, por sua magistral construção de Shylock, porém, com quase igual potência, aplaudo os seus demais 11 colegas de cena. Todos, sem a menor exceção, cumprem, com total perfeição, a parte que lhes cabe nesta versão, sem dúvida, a melhor leitura que já vi deste texto. Fiquei, realmente, impressionado com a qualidade da peça.   




     Mais uma vez, valho-me das palavras da diretora, para justificar meu imenso apreço pela obra encenada: “Estar à frente da direção me possibilitou criar um universo contemporâneo. A história, escrita no contexto do capitalismo emergente do século XVI, foi transportada para os anos 1990 — década marcada pela aceleração da globalização e pelo surgimento de uma nova ordem mundial. Estabelecemos a Bolsa de Valores como espaço central, implantando a atmosfera das negociações financeiras do tempo presente e o dinheiro como motor principal das relações.”. Não é essa visão genial, que merece ser muito reverenciada?



       A cenografia da peça (CARMEM GUERRA) é de uma criatividade quase indescritível, com destaque para um painel circular de “led”, de grande resolução, ao centro do palco, no alto, o qual mostra desenhos de palavras e frases ligadas à ação, assim como imagens, em tempo real, captadas por um operador de câmera. Ainda que nem todas as pessoas possam, talvez, entender o que seja aquele painel, logo o identifiquei com um daqueles que se veem no interior das bolsa de valores. Que sacada genial!!!




         Outro grande acerto da direção foi colocar, no palco, fora do espaço cênico, mas à vista do público (As coxias, inclusive, ficam à mostra.) uma baterista, que, com sua música, executada ao vivo, enriquece a ótima trilha sonora gravada.



         Os figurinos (ALLAN FERC) são discretos e elegantes, ganhando um e outro adereços interessantes.



      Cem por cento correto é o desenho de luz, criado, a quatro mãos, por WAGNER PINTO e GABRIEL GREGHI.


 

 

FICHA TÉCNICA:

Texto: William Shakespeare

Direção: Daniela Stirbulov

Tradução, Adaptação e Assistência de Direção: Bruno Cavalcanti

 

Elenco / Personagem: Dan Stulbach (Shylock), Augusto Pompeo (Duque de Veneza), Amaurih Oliveira (Lorenzo e Príncipe de Marrocos), Cesar Baccan (Antônio), Gabriela Westphal (Pórcia), Júnior Cabral (Graciano), Marcelo Diaz (Lancelotte Gobbo), Marcelo Ullmann (Bassânio), Marisol Marcondes (Jéssica), Rebeca Oliveira (Nerissa), Renato Caldas (Solânio e Tubal) e Thiago Sak (Salarino e Príncipe de Aragão)

Baterista em Cena: Caroline Calê

 

Cenografia: Carmem Guerra

Cenotécnico: Douglas Caldas

Figurino: Allan Ferc

Desenho de Luz: Wagner Pinto e Gabriel Greghi

Visagismo: Allan Ferc

Assistente de Figurino: Denise Evangelista

Peruqueiros: Dhiego Durso e Raquel Reis

Direção de Movimento: Marisol Marcondes

Aderecista: Rebeca Oliveira

Consultoria Sobre Shakespeare: Ricardo Cardoso

Vídeo e Imagem: André Voulgaris

Fotos: Ronaldo Gutierrez

“Design” Gráfico: Rafael Oliveira Branco

Operação de Luz: Jorge Leal

Operação de Som: Rodrigo Rios

Motorista: Cosme Araújo

Assistente de Produção: Amanda Nolleto

Produção Executiva: Raquel Murano

Direção de Produção: Cesar Baccan e Marcelo Ullmann

Produção: Kavaná Produções e Baccan Produções

Realização: Caixa Cultural

Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação – João Pontes e Stella Sephany


 


 



 

SERVIÇO:

Temporada: De 22 de maio a 15 de junho de 2025.

Local: Teatro Nelson Rodrigues (Caixa Cultural).

Endereço: Avenida República do Paraguai, nº 230 – Centro – Rio de Janeiro.

Telefone: (21) 3509-9621.

Dias e Horários: 5ª e 6ª feira, às 19h; sábado e domingo, às 18h.

Valor dos Ingressos: Plateia = R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia-entrada); Balcão = R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia-entrada).

Ingressos à venda na bilheteria do Teatro, de 4ª feira a dom, das 13h às 19h ou em https://www.bilheteriacultural.com.br/

ACESSIBILIDADE: 4 lugares para cadeirantes, na plateia, e mais 4, no balcão.

Capacidade: 417 lugares.

Duração: 100 minutos (sem intervalo).

Indicação Etária: 12 anos.

Gênero: COMÉDIA Dramática.


 

 


         Por tudo quanto escrevi, na mais perfeita tradução do que senti, assistindo à peça, é que a RECOMENDO e, até mesmo, gostaria de revê-la, para ampliar o meu deleite com tão importante montagem.

 

 

 

 

FOTOS: RONALDO GUTIERREZ

 

 

 

É preciso ir ao TEATRO, ocupar todas as salas de espetáculo, visto que a arte educa e constrói, sempre; e salva. Faz-se necessário resistir sempre mais. Compartilhem esta crítica, para que, juntos, possamos divulgar o que há de melhor no TEATRO BRASILEIRO!