segunda-feira, 27 de janeiro de 2020


A GOLONDRINA

(UM TRIBUTO À EMPATIA.
ou
UM QUESTIONAMENTO
SOBRE O QUE É SER “HUMANO”.
ou
UM SOCO CERTEIRO 
NA BOCA DO ESTÔMAGO.)







          Não é a primeira vez nem será a última, com certeza, que ocorre de me sentar diante de um computador, para escrever uma crítica sobre uma peça de TEATRO, que eu tenha considerado uma OBRA-PRIMA, e não saber por onde começar. Agora, o espetáculo em questão é “A GOLONDRINA”, emocionante e arrebatador, em cartaz no Teatro SESC GINÁSTICO (Ver SERVIÇO.). Sei, porém, por experiências passadas, que, de repente, "baixa uma entidade" e a coisa flui.

Numa época em que a aparência, a constituição física de uma pessoa não revela o seu “quilate” de humanismo, num momento em que, com muita tristeza, constatamos que ser (verbo) humano é muito mais do que um ser (substantivo) humano, quando, em pelo século XXI, muitas pessoas, sob o manto protetor, até, de tiranos e loucos “mandatários”, o que é completamente inadmissível, ainda julgam o outro, sem o menor respeito, sem a menor noção do que seja empatia, com ódio e, em muitos casos, com extrapolações para a agressão física, por diferenças de pensamentos, posicionamento político, ideologias religiões, orientações sexuais e tantos outros “motivos”, esta peça chega com vários objetivos e funções: esclarecer, alertar, alentar, gritar, clamar, DENUNCIAR...





 

SINOPSE:


A peça mostra o emocionante encontro de RAMÓN (LUCIANO ANDREY), jovem  sobrevivente de um ataque praticado por homofóbicos, num bar “gay”, com AMÉLIA (TANIA BONDEZAN), uma professora de canto, que também tem sua história ligada a esse trágico evento.

Quando os dois personagens se encontram, eles têm dois caminhos a seguir: podem optar pelo ódio ou caminhar juntos. Ou os dois, quando se percebe que o primeiro destrói, enquanto o segundo edifica e salva.

O que falará mais alto: a emoção ou a razão?

Ambos têm motivos para causar mais danos, um ao outro, do que o que já sofreram, ou reconhecer a dor um do outro, para não permitir que vença o instinto animal, para destruir as bestam "humanas".







Lendo a sinopse supra, quem não assistiu, ainda, à peça não pode avaliar quão fantástico é esse texto e o manancial de emoções que ele explora e provoca, propondo muitas reflexões. Como não havia conseguido assistir à montagem em São Paulo, quando de minha última passagem por lá - a peça estava em cartaz, com estrondoso sucesso, de público e crítica -, fui ao Teatro SESC Ginástico com uma ótima expectativa, convidado pela assessoria de imprensa do espetáculo, NEY MOTTA (CONTEMPORÂNEA COMUNICAÇÃO), que me enviou o convite e o “release” para a/da peça, e confesso que aquela expectação foi atingida, muito acima do que eu achava que ia ver.

          Pensei que tivesse ido preparado, emocionalmente, para assistir ao espetáculo, já conhecendo o tema explorado. Pura ilusão!!! Desabei completamente. Consegui conter as lágrimas (Não devia. Acho que teria sofrido menos.), mas fiquei, durante, aproximadamente, os dois terços finais da peça numa tensão, paradoxalmente, agradável, mas que me fazia retesar os músculos e forçar a respiração. Isso em meio a um silêncio sepulcral de uma plateia que parecia estar sentindo o mesmo que eu.





A peça tem a duração de 90 minutos e, - pelo menos, para mim – do início ao final do primeiro terço, mais ou menos, tudo me soava previsível, e “leve”, mas isso só aconteceu até a página 30. A partir de um determinado momento, as coisas tomam um rumo, num crescendo, com informações e revelações, as quais, paulatinamente, vão provocando um certo “frisson” na plateia. É como se estivéssemos caminhando por uma estrada tranquila, calma, bucólica, até, e, de repente, surge à nossa frente uma bifurcação, que nos obriga a uma escolha, que fazemos sem querer – o autor, na verdade, a faz por nós, pega-nos-pelas mãos e nos carrega com ele –, e vão surgindo “pedradas” que nos atingem, cada vez com mais força e velocidade, com “petardos” que vão assumindo proporções descomunais, até que, ao fechar do pano, catamos nossos cacos e tentamos nos livrar daquele amontoado gigante de escombros, que se acumulou sobre nós, para olharmos à frente e procurar enxergar um fio de esperança para a salvação da humanidade, ninguém largando a mão de ninguém, se é que queiramos vê-la salva.

Serviu de “inspiração”, ou motivação, melhor dizendo, para o dramaturgo catalão GUILLEN CLUA, na escrita deste magnífico texto, um atentado terrorista homofóbico, acontecido no Bar/Boate Pulse, em Orlando (EUA), na madrugada do dia 12 de junho de 2016, poucos dias antes de uma programada Parada do Orgulho LGBT, naquela cidade, deixando um lamentável saldo de 50 mortos e 53 feridos. Cerca de 300 pessoas se divertiam, descontraidamente, quando, por volta das duas horas da manhã, hora local, um homem (Ou um monstro? Um ser “humano”?), o muçulmano Omar Sadddiqui Mateen (Nada contra muçulmanos! Que isso fique bem claro!), que acabou morto pela polícia, depois do estrago que fez, invadiu o conhecidíssimo, e muito frequentado pela comunidade LGBT+, Bar/Boate, armado com um rifle AR calibre .223 e uma pistola semiautomática 9mm, atirando a esmo e fazendo vários reféns. O inferno durou cerca de três horas, até a invasão da polícia e o fim do pesadelo. O número de mortos fez daquele ato o  ataque, a tiros, de maior proporção, da história dos Estados Unidos, até então, superado, infelizmente, no ano seguinte, pelo episódio do “tiroteio de Las Vegas Strip”, ocorrido em Paradise, durante um “show” em que se apresentava o cantor “country” Jason Aldean, desastre que contabilizou 59 mortos, incluindo o atirador, e deixando mais de 500 pessoas feridas. Esse parece ter sido o pior massacre terrorista, em solo americano, depois do “11 de setembro”. O monstro, um cidadão americano, de origem afegã (os pais), tinha 29 anos e era separado da mulher (O casamento durou apenas quatro meses.), a quem aplicava constantes surras. Não foi um ataque por motivos religiosos, mas sim por homofobia, uma vez que o próprio pai do assassino disse que o filho ficara transtornado, cerca de dois meses antes dos crimes, ao ver dois homens se beijando, durante uma viagem a Miami. Como outros casos de perseguições e ataques à comunidade “gay”, esse trágico fato despertou, no mundo inteiro, o interesse por uma discussão mais acentuada, concernente à questão da inconcebível homofobia, assim como a necessidade de uma política, universal, de esclarecimento das pessoas para a obrigação, mais que necessidade, de proteção e respeito pelos “sexualmente diferentes”.





Por que tanto ódio por quem é “diferente”, por “não ser como eu sou”? Por que tanta falta de respeito para com um semelhante que só está em busca de amor e felicidade, por vias e meios não “ortodoxos”? Por que não aceitar o outro como ele é? Por que não aceitar que o mundo é plural e nele não cabem posições individualistas e “soberanas”? Por que a sexualidade alheia incomoda tanto? Por que não aprender o que seja empatia e praticá-la?

A peça, do princípio ao fim, questiona algo que parece ser muito fácil de se entender, porém não o é, para, talvez, surpreendentemente, a maioria das pessoas, ou não as faz pensar, para agir, na vida, de forma civilizada e cidadã. De forma HUMANA. A pergunta é muito simples: O que nos torna humanos? O que nos distingue dos seres ditos “irracionais”? Para AMÉLIA (TANIA BONDEZAN), que perdeu seu único filho e, também, o único elemento que formava, com ela, uma família, “a resposta encontra-se na capacidade de sentir a dor dos outros como se fosse nossa”, o que só se consegue sendo empático. “E esse é o sentimento que corre ao longo da espinha dorsal de A GOLONDRINA...”.





Louve-se, com muitos aplausos e gritos de “BRAVO!!!”, o fascinante texto de GUILLEM CLUA, nascido em Barcelona, em 1973, que, além de dramaturgo, também atua como roteirista, diretor de TEATRO e jornalista. É considerado uma das personalidades do coletivo LGBT+ de maior influência, na Espanha. A peça ora analisada, “A ANDORINHA”, se vertida para o português, foi escrita em 2017 e “é uma obra que fala sobre liberdade, diversidade e, sobretudo, sobre aceitação e necessidade do entendimento e perdão, temas tão caros nos dias que vivemos em todos os lugares do mundo”.

“CLUA baseia seu trabalho em suas experiências pessoais, para abordar temas atemporais, como a questão da identidade, e contemporâneos, como a Guerra do Iraque (Esta não está presente em “A GOLONDRINA”.). Suas obras têm trajetória internacional, tendo sido traduzidas para o inglês, italiano, alemão e francês. Entre os vários prêmios que o autor recebeu, estão o ‘Butaca 2011’, o ‘Time Out 2013’ e o ‘Max 2017’. Os críticos descrevem seu trabalho como ‘multidisciplinar e eclético’, e como tendo uma preocupação especial pela estrutura narrativa e o argumento.”. (Wikipédia.) Eu sintetizo tudo com um só adjetivo: genial.





Ainda que baseado num fato real, já citado, o texto também, direta ou indiretamente, “dialoga” com outros lamentáveis e inadmissíveis episódios terroristas, a toda hora, noticiados, principalmente na Europa e no Oriente Médio, respingando em outras partes do mundo, quase sempre de fundo religioso e/ou político. Mas não faltam aqueles cometidos por causas não detectadas e os que acontecem por puro preconceito e intolerância, relacionados à homofobia. Há, sim, uma distinção entre estes e aqueles. Há, sim, diferenças entre as leituras de AMÉLIA e RAMÓN, com relação ao atentado que deixou a personagem “órfã de filho único”. Por trás de todos, porém, está o nefasto e incompreensível sentimento de ódio, de não aceitação. “Se não são como eu, não merecem viver.”. O assassino era um alucinado, um desequilibrado emocional, um fanático, um doente mental, certamente, mas por um único motivo: homofobia.

Tudo, absolutamente TUDO, nesta peça, me encantou e me impactou, numa proporção incomensurável, a começar pelo magnífico texto. GUILLEM CLUA, em sua dramaturgia, nos apresenta a um texto denso, extremamente realista, visceral, que toca e incomoda o espectador, tirando-o de sua zona de conforto e jogando-o num caldeirão de água fervente. E como isso é bom!!! No início, como já disse, não há com que se incomodar. Há um diálogo entre um rapaz, que, em princípio, vai á casa de uma professora de canto, a fim de se preparar para uma apresentação, como cantor, numa determinada cerimônia. Aos poucos, porém, a gente percebe que vão surgindo conflitos entre AMÉLIA e RAMÓN, os quais vão se agigantando e mexendo com o público, provocando, neste, um interesse, cada vez maior, pelos desdobramentos daquela conversa, que, de amistosa, passa a quase belicosa, do que é muito difícil que saiamos ilesos. Ninguém consegue deixar de prestar atenção a tudo o que é dito, de aguçar, progressivamente, o interesse pelo desfecho da trama, a cada nova revelação, a cada nova reação dos personagens, ambos se propondo a expor suas feridas mais profundas, doídas e indeléveis, em comum, com relação ao ataque que matou DANI, o filho único de AMÉLIA (Mais eu não digo, com relação a DANI e RAMÓN, porque julgo, até, não ser necessário.), personagem apenas citado, evidentemente.





AMÉLIA e RAMÓN, este, até então, revelado como um amigo de colégio da vítima do atentado, durante a adolescência, debatem, acirradamente, em função de seus distintos pontos de vista para a “explicação” do atentado. É muito instigante, para o público, o ato de tomar partido por um dos dois. Quem estaria certo? Que teoria deveria prevalecer? Aqui, entra em campo a provocação; aqui, a nossa empatia é severamente testada; aqui, cada espectador se sente mais tocado por um ou outro motivo; ou pelos dois. Isso é fascinante!!! Seria possível conseguir mensurar, de verdade, a dor, o sentimento que está dentro do coração do outro, mesmo que já se tenha passado por uma situação análoga àquela, de perda; de uma perda irreparável e profundamente traumática?

Por incrível que possa parecer, só não posso dizer que o espetáculo seja aclamado como uma OBRA-PRIMA (Para mim, ele o é.), por unanimidade, pois ouvi, de um conhecido, que confessou não ter gostado da peça, por conter um texto “extremamente melodramático”, assim como a atuação do elenco, como se isso fosse um defeito, já que há espaço, no TEATRO, para tudo. Ainda bem, graças aos DEUSES DO TEATRO! E não houve com dissuadi-lo de sua opinião, a qual, no frigir dos ovos, deve ser respeitada, embora demonstre não conhecer muito bem o que seja TEATRO. Existe, de verdade, até certo ponto, um tom de folhetim (Nas palavras daquela pessoa, “um dramalhão mexicano”.), no texto, porém, é óbvio, totalmente proposital. Não poderia ter sido escrito de outra forma, visto que a intenção do autor é emocionar as pessoas e trazê-las à realidade, a uma triste realidade. E, mais ainda, tentar transformar as que insistem em não aceitar o próximo como ele é. Eu prefiro trocar o “tom de folhetim” por “um drama clássico”, muito pouco encenado nos últimos tempos, até porque requer muito talento do encenador e dos atores, sobre os quais falarei adiante.





Creio que grande parte da aceitação do espetáculo se deve muito ao caráter universal e atualíssimo do tema. Segundo ODILON WAGNER, um dos produtores desta montagem, Ele (o autor) me impressionou muito, porque tem uma escrita muito eficiente, objetiva e surpreendente; consegue prender a atenção o tempo todo, com maestria”, com o que concordo plenamente. Não o conhecia e já me tornei fã de seu talento, pela sua capacidade de conceber um texto com tantas reviravoltas, tantos sobe-e-desce, tantos falsos clímax, com diálogos construídos com uma técnica perfeita, para alcançar seus objetivos. E mais: CLUA não poupa energia, quando resolve pressionar o dedo sobre as feridas ainda abertas, as quais, talvez, ou com total certeza, jamais virão a cicatrizar totalmente. 

     Prossegue ODILON: “Nesses meus 50 anos de carreira, esse foi um dos textos mais emocionantes que li. A gente se emocionava nas leituras, a gente chorava nos ensaios. E o público sai com essa emoção, porque a gente fala de aceitação, de solidariedade, de entendimento. Raras vezes, eu vi, em uma peça de TEATRO, o texto invadir a plateia de uma maneira tão potente como essa”. Continuo assinando embaixo do que disse ODILON (Eu também já passei, raspando, do meio século de TEATRO.).





Algumas vezes, por infelicidade, vemos um excelente texto sendo desperdiçado, nas mãos de um mau diretor e/ou de atores limitados, o que, absolutamente, aqui, não é o caso. Muito pelo contrário, a grandeza, a qualidade do texto se amplificam, graças a GABRIEL FONTES PAIVA (diretor) e TANIA BONDEZAN e LUCIANO ANDREY (atores). Comecemos pela direção.

Salvo engano, traído pela memória, talvez, acredito que seja a primeira vez que assisto a um trabalho de direção de GABRIEL, já o suficiente para qualificá-lo com um bom diretor de TEATRO. “A GOLONDRINA” serviu de parâmetro para isso. É um desafio, para qualquer diretor, uma vez que a essência do texto poderia levar, facilmente, outro encenador a enveredar por um caminho torto, que desse origem a um espetáculo arrastado e exageradamente melodramático, a ponto de tanto açúcar poder levar o espectador a não saborear, como deveria, o espetáculo, na forma da iguaria como ele nos é servido. 





              O diretor decodificou as intenções do dramaturgo na medida certa, decifrou suas propostas e como ele gostaria que elas chegassem ao espectador comum, não somente à população LGBT+ e aos que são pais, parentes e amigos de “gays”. Sendo assim, PAIVA, que considera CLUA um dos melhores dramaturgos da atualidade, ainda que este só tenha 40 anos de idade, conseguiu dimensionar, com sabedoria, a função de cada personagem, na peça, e orientou o casal de atores de forma correta, não permitindo excessos, mas, também, liberando-os para que expressassem, no tom adequado, o que vai no coração de cada um dos atingidos pela dor, causada pela prematura e traumática morte de DANI. Não é fácil tratar de um tema tão áspero, doído, com um toque de delicadeza e poesia, presentes, também, no texto e valorizados pela interpretação do casal de atores.

         Que química perfeita percebi entre TANIA BONDEZAN e LUCIANO ANDREY, o que nunca imaginei ver em cena, por conta de características pessoais, como atores, tão distintas, na minha visão, pelo menos! TANIA, que vive AMÉLIA, uma professora de música/canto, que perdeu o filho numa das formas mais cruéis de se ver afastada, para sempre, de um ente querido, tem um jeito especial e pessoal de representar, mais denso, clássico, acadêmico, no bom sentido da palavra, próprio de uma escola de TEATRO mais tradicional, sendo que nada disso signifique demérito; nada a ver com qualidade na interpretação. Sempre a enxerguei dessa forma, nos papéis em que a vi representar. TANIA empresta seu enorme talento para construir uma AMÉLIA que, aparentemente, tenta varrer, para debaixo do tapete, as marcas do sangue ainda presentes na sua alma, livrar-se dos respingos Não sabemos como era antes do trágico fato, mas ela se apresenta, no início da peça, como uma mulher forte, aparentemente, bem resolvida, feliz e em paz, com a sua solidão, autoritária, severa, rabugenta e bastante irônica, não poupando comentários inconvenientes e desabonadores à “falta de talento”, para o canto, por parte de RAMÓN, o que, absolutamente, sabemos não ser verdade. Chega a ser antipática, apesar de seus excessos provocarem risos, na plateia, de tão “sem-noção”, totalmente desprovidos de empatia. Por sua brilhante atuação, TANIA chegou a receber uma indicação para um consagrado Prêmio de Teatro, em São Paulo, o que tem tudo para se repetir, na temporada carioca.





            Por outro lado, LUCIANO, pertencente a outra geração de atores, é mais “descolado”, está acostumado a atuar em musicais, porém, aqui, para minha grande surpresa, confesso, feliz, me surpreendeu, por sua maturidade artística, num papel dramático, totalmente diferente daqueles a que está acostumado a representar, um desafio enorme, certamente, para o ator, “extremamente sensível e dedicado”, nas palavras do diretor, uma revelação que leva o meu aval. LUCIANO conduz, muito bem, a trajetória de seu personagem, um “gay” assumido, compreendido e aceito por sua família, demonstrando bastante firmeza para a obtenção de seu objetivo (aparentemente), que o levou à casa de AMÉLIA, passando de um comportamento humilde, passivo e comedido, de início, para dar as cartas e trazer a professora à realidade, provocando-a, à exaustão, num embate de ideias, até que suas diferenças desapareçam, no momento em que ambos chegam à conclusão que o amor é um denominador comum entre os dois; de formas diferentes, mais um sentimento muito presente e forte, nas duas vertentes.

           RAMÓN entra na vida de AMÉLIA, para fazer dela uma pessoa melhor. Disso não tenho a menor dúvida. A cada nova revelação que o personagem, linda e competentemente vivido por LUCIANO, põe aos pés da mãe de DANI, ela mais se humaniza e vai se libertando do ressentimento; não, evidentemente, da dor, mas, agora, tem com quem a dividir; nas mesmas proporções, digamos.

      Um traço comum entre o trabalho dos dois, nesta peça, é o modo visceral como ambos representam.








            Um serve de “escada”, ou de “muleta”, para o outro; não há um protagonismo explícito. E o que demonstra isso são os detalhes sobre DANI, que vão sendo desfilados, aos poucos, deixando claro que há um entrelaçamento muito forte entre AMÉLIA e RAMÓN, como num quebra-cabeças de mil peças, que dá a impressão de que nunca será totalmente montado, que, quanto mais se puxa o fio, mais aumenta o novelo.

            Um jovem procura uma professora de canto, para preparar uma canção, a ser interpretada por ele, num determinado evento, que não era, propriamente o que ele lhe dissera ser. A letra da canção vai aqui transcrita e contém, mais que metáforas, uma imensa alegoria relacionada ao texto. Acrescento que foi composta, especialmente, para a peça, nada tendo a ver com uma tradicional canção mexicana, homônima, até gravada por Caetano Veloso, em seu álbum “Fina Estampa”, supostamente composta por Narciso Serradell, em 1862.








A GOLONDRINA

(Música = LUÍSA MAITA; Letra = GUILLEM CLUA; Adaptação = RODRIGO CAMPOS e MARCELO MAITA)

O céu está chorando.
Alguém roubou o sol.
As nuvens o ocultaram.
Alguém roubou o sol.
Nada parece alegrar seu coração,
Mas, no horizonte, sempre há uma canção.

A andorinha que volta à sua casa,
A andorinha que voa e traça, no céu,
Desenhos de plumas,
A andorinha que se foi um dia,
Mas volta pro lar.

O céu ficou repleto
De luzes de verão.
Não há nada mais belo
Que luzes de verão.
Há esperança no ar e outra emoção.
E. no horizonte. sempre há uma canção.

A andorinha que volta à sua casa,
A andorinha que voa e traça, no céu,
Desenhos de plumas,
A andorinha que se foi um dia
E vem te ver beijar.







Devo alguns comentários sobre os elementos de criação e técnicos que ajudam na sustentação da montagem, a começar pelo nome de FÁBIO NAMATAME, que aparece duas vezes, na ficha técnica, assinando o cenário e os figurinos da peça. Aquele é bastante realista, concentrado numa sala de estar de um apartamento simples, classe média, modestamente decorado, no qual se destacam, além de um piano de cauda, para as aulas ministradas por AMÉLIA, alguns móveis, como duas estantes nas quais estão vários livros, álbuns de fotografia (Lembranças de um passado feliz?) e objetos de decoração. Ao fundo uma parede opaca, que se revela meio tanslúcida, ao final do espetáculo, deixando vazar luzes, uma imagem emblemática e cheia de significados, na trama. Os figurinos não apresentam nada que mereça grande destaque, e nem seria necessário. Ambos os personagens se vestem com sobriedade e adequação às suas idades e comportamentos individuais.

A iluminação, de ANDRÉ PRADO e GABRIEL FONTES PAIVA, não apresenta nenhum detalhe de destaque, um desenho de luz sem muitas variações, porém voltado para a exigência das cenas. 

         É muito bonita e bem adequada ao texto a trilha sonora, a cargo de LUÍSA MAITA. Duas canções fazem parte dela: “Flor de Ir Embora”, de Fátima Guedes, e “A Golondrina”, composta, especialmente, para a peça, por GUILLEM CLUA e LUÍSA MAITA, com adaptação de RODRIGO CAMPOS e MARCELO MAITA.








FICHA TÉCNICA:

Autor: Guillem Clua
Tradução: Tania Bondezan
Direção: Gabriel Fontes Paiva
Assistente de Direção: Ana Paula Lopez

Elenco: Tania Bondezan e Luciano Andrey

Cenógrafo e Figurinista: Fábio Namatame
Desenho de Luz: André Prado e Gabriel Fontes Paiva
Trilha Sonora: Luísa Maita
Preparação Vocal: Jonatan Harold
Montagem / Direção de Cena / Contrarregra: Tadeu Tosta
Fotos de Cena: João Caldas Fº e Odilon Wagner
Produção: Ronaldo Diaféria, Odilon Wagner e Tania Bondezan
Produção Executiva: Marcos Rinaldi
Arte Gráfica: Rodolfo Juliani
Assessoria de Imprensa: Ney Motta













SERVIÇO:

Temporada: De 16 de janeiro a 16 de fevereiro de 2020.
Local: Teatro SESC Ginástico.
Endereço: Rua Graça Aranha, 187, Centro – Rio de Janeiro - RJ
Telefone: (21) 2279-4027.
Dias e Horários: De 5ª feira a sábado, às 19h; domingo, às 17h.
Valor dos Ingressos: R$30,00 (inteira), R$15,00 (meia entrada) e R$7,50 (habilitado SESC).
OBSERVAÇÃO: A doação de 1kg de alimento não-perecível garante 50% de desconto, em todas as categorias.
Capacidade: 500 lugares.
Duração: 90 minutos.
Classificação: 14 anos.
Gênero: Drama.







            Não pensem que o tema central da peça é a homossexualidade. Não se trata de uma peça “gay”. O elemento “amor e relação entre pessoas do mesmo sexo” é apenas o estopim, que leva a uma explosão. O texto trata - é bom que se repita - de liberdade, aceitação, solidariedade, entendimento, perdão, empatia, com relação a qualquer coisa ou situação, a qualquer tipo de pessoa, não só com relação aos que pertencem ao universo LGBT+. O próprio autor já revelou que escreveu a peça pensando no mundo, como um todo.

            Creio que a grande chave para abrir as portas da compreensão do espetáculo está no momento em que, num diálogo – não sei se o transcrevo exatamente como é dito em cena -, AMÉLIA pergunta a RAMÓN: “O que nos torna humanos?”. Este lhe responde com uma outra pergunta, demonstrando não ter certeza: “O amor?”. AMÉLIA, imediatamente, o corrige: “Não! Eles, os que nos agridem, também amam. Isso não é suficiente. O que nos torna humanos é a dor, é a capacidade de sentir a dor do outro, como se fosse nossa.”. Faz lembrar a famosa frase, supostamente proferida pelo imperador Júlio César: A mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta.”. Ou seja, não basta amar, da boca para fora; é preciso amar intensamente, como se não houvesse amanhã, demonstrar esse amor, levado às últimas consequências; um amor incondicional.






“O que nos torna humanos? De todas as coisas que somos e fazemos, o que é que, realmente, define a humanidade? Para AMÉLIA, uma mãe ferida no mais profundo de sua alma, a resposta está na dor. O que, realmente, nos torna humanos é a capacidade de sentir a dor do outro, como se fosse nossa. É isso que nos diferencia das bestas”, declara o autor GUILLEM CLUA. “De alguma forma, os personagens da peça (AMÉLIA e RAMON) são como todos nós, porque, ante um ataque indiscriminado, somos todos vítimas, estivéssemos lá ou não, e todos nós enfrentamos as mesmas encruzilhadas: ódio ou amor. Nosso mundo depende da direção que tomamos”, prossegue.

Quanto ao aspecto de universalidade do texto, faço minhas as palavras do ator LUCIANO ANDREY: “O texto (o episódio que deu origem ao texto) poderia se passar em qualquer grande cidade do mundo. Os temas que ele trata, sem maniqueísmos, são absolutamente pertinentes ao momento atual. Expõe o ponto de vista completamente distinto de dois personagens sobre determinado fato, mas sem julgamentos. Ambos têm razão em suas questões. Em vez de assumir a posição de um deles, o autor propõe uma reflexão sobre a nossa capacidade de se colocar no lugar do outro e sermos empáticos, que acredito ser a chave para as mazelas humanas.”. E eu acrescento, para ratificar tal afirmação, que, na peça, fala-se de um atentando a um grupo, que matou, de uma só vez, 50 pessoas e ganhou destaque na imprensa internacional, promovendo uma comoção incomensurável, entretanto, em todo o mundo, todos os dias, principalmente no Brasil, que sustenta a triste e vergonhosa posição de primeiro colocado, no "ranking" referente a quem assassina mais pessoas da comunidade LGBT+, ataques homofóbicos são praticados, individualmente ou a grupos, com requintes de perversidade, muitas vezes, chegam à imprensa e acabam caindo no esquecimento, sem a devida punição aos cruéis criminosos, que não merecem receber a classificação de “seres humanos”.





            Como é costume se ouvir, “a regra de ouro dos relacionamentos é aceitar o outro como ele é”, mas, infelizmente, o não cumprimento desse princípio de humanismo e civilidade nos impede de vivermos tranquilos, quando saímos à rua e vemos que um homem mais velho e um jovem são agredidos, por trocarem um simples beijo e alguma carícia, pai e filho, confundidos com um casal “gay”, como se o fato de isso corresponder à verdade justificasse qualquer ofensa ou agressão, de qualquer ordem. E tantos outros exemplos poderiam ser, aqui, citados. Certa vez, para ilustrar com uma experiência pessoal, que pode, até, não interessar, eu, que dava carona, diariamente, a um de meus cunhados – eu já na casa dos 40 e ele próximo aos 20 anos -, que eu considerava como um filho, já que o conhecera aos 3 anos de idade, nos despedimos, como fazemos até hoje, com um beijo no rosto. Isso foi o suficiente para fazê-lo correr de uma turma de quatro ou cinco imbecis, que não o alcançaram, porém o perseguiram, com uma chuva de xingamentos.





            Ainda que, nos últimos anos, estivéssemos vendo um pequeno avanço na política e na prática de tolerância e respeito à comunidade LGBT+, no Brasil, infelizmente, a partir de 1º de janeiro de 2019, passamos a perceber um imenso e lamentável retrocesso, incentivado por quem deveria ser o primeiro a pregar o direito de cada um ser como é e fazer o que bem entenda, respeitando os limites e os direitos do outro. Desnecessário é dizer a quem me refiro, cujo nome, se aqui fosse escrito, mancharia e contaminaria este trabalho. É por isso que afirmo, com LETRAS GARRAFAIS, que NÃO HAVIA MELHOR MOMENTO PARA QUE A PEÇA FOSSE REPRESENTADA NO BRASIL.

           Acho bastante pertinente transcrever um trecho do programa da peça, escrito por seu diretor: "O movimento LGBTQI tem realizado muitas conquistas, nos últimos anos, e se tornado, cada vez mais, forte. Mudanças importantes costumam gerar reações, muitas vezes conservadoras, mas qual o propósito de uma experiência humana, senão evoluir, por-se em movimento? Vão sempre tentar puxar, aqui e ali, o bonde para trás, mas ele já está a caminho do futuro. O lugar da aceitação e da tolerância é mais potente e a humanidade deseja viver com liberdade e alegria, não com vergonha e censura. Infelizmente, os dados ainda deixam claro o enorme desafio do trajeto até lá: o Brasil é o país que mais mata transexuais no mundo. Um título vergonhoso, que não difere muito quando as vítimas são lésbicas, "gays" e bissexuais. É vital e urgente a luta pela conscientização e pelos direitos civis"

 




Ando tão à flor da pele, que até propaganda de fralda descartável me faz chorar. Mas “A GOLONDRINA” faz chorar, porque toca fundo no coração das pessoas sensíveis, os verdadeiros seres humanos.

Corram ao Teatro SESC Ginástico, para conferir esta OBRA-PRIMA, que recomendo com todo o empenho.



(FOTOS: JOÃO CALDAS Fº 
e
ODILON WAGNER.)





E VAMOS AO TEATRO!!!


OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!


A ARTE EDUCA E CONSTRÓI!!!


RESISTAMOS!!!


COMPARTILHEM ESTE TEXTO,

PARA QUE, JUNTOS, POSSAMOS DIVULGAR

O QUE HÁ DE MELHOR NO

TEATRO BRASILEIRO!!!

















































































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