sexta-feira, 4 de outubro de 2019


A COR
PÚRPURA
- O MUSICAL
(A BROADWAY É AQUI,
E AGORA.
ou
VIVA A LIBERDADE!
ou

OBRA-PRIMA: APENAS ISSO.









            Todas as formas de arte me atingem e me emocionam, quando consigo senti-las, comungar com as intenções do artista e sua postura, em relação à vida, ao mundo; quando consigo enxergar o belo, em suas mais diversificadas formas: o belo estético, o belo do conteúdo, o belo do belo. Duas, porém, me tocam especialmente: o TEATRO, em primeiro lugar, e a música. Quando essas duas formas de expressão artística se fundem, num espetáculo, um musical, e, ainda por cima, recebem o reforço de outra, que também tanto me encanta, a dança, fechou o círculo e eu me inscrevo nele e me entrego, de corpo e alma, ao espetáculo que me oferecem, que me é dado ver. Tudo isso foi para dizer que sou apaixonado por TEATRO MUSICAL e muitas montagens, ao longo de mais de cinquenta anos e dedicação à arte que mais amo, me marcaram para o resto da minha vida. Há alguns espetáculos, cujos títulos não citarei, uma vez que a lista é um pouco extensa, os quais ocupam um lugar especial no meu coração. O mais recente de todos está em cartaz na Grande Sala das Cidade das Artes (VER SERVIÇO.) e se chama “A COR PÚRPURA”, uma verdadeira OBRA-PRIMA, de fazer o espectador sensível se arrepiar, do início ao fim, chegar às lágrimas e desejar revê-lo logo no dia seguinte. Trata-se de um espetáculo irretocável, totalmente correto, sem deixar margem a nenhuma crítica negativa. É a minha opinião. Acho que poderia lançar um desafio a quem conseguir apontar uma falha nesta magnífica montagem, que conta com uma ficha técnica de primeiríssima qualidade, em todos os aspectos e diversidade de funções.




            Num dos subtítulos desta crítica, escrevi que “A BROADWAY É AQUI, E AGORA”. Não me importa, se me acham “exagerado”, “ufanista” ou, sei lá, o adjetivo que quiserem me atribuir, porém, como só tenho compromisso comigo mesmo, com a minha consciência, com a minha verdade (Eu disse “a minha”.), vou escrever tudo, todas as impressões e emoções que o musical me passou e proporcionou e só espero que os que me leem possam conferir o que acontece naquele palco e tirar suas próprias conclusões.




            “A COR PÚRPURA” seguiu, ou melhor, vem seguindo uma bela trajetória. Foi do livro para a tela e, desta, para o palco. Nasceu na forma de um romance epistolar, escrito, em 1982, por ALICE WALKER, e foi vencedor do Prêmio Pulitzer, em 1983. ALICE Foi a primeira escritora negra a merecer tão importante honraria. Em 1985, o consagrado cineasta Steven Spielberg adaptou o livro para o cinema, num belo e inesquecível filme, um drama, o qual, apesar de 11 indicações ao Oscar, não levou nenhuma estatueta, o que foi motivo de muitas críticas à época. MARSHA NORMAN escreveu a dramaturgia, numa versão para o TEATRO MUSICAL, que estreou, na Broadway, em dezembro de 2005, com música de BRENDA RUSSELL, ALLEE WILLIS e STEPHEN BRAY, ficando em cartaz por três anos, com muito sucesso. Posteriormente, houve uma segunda montagem. A versão brasileira é de ARTUR XEXÉO.




           Devemos a alegria e o privilégio de assistir ao espetáculo teatral, no Brasil, graças a TADEU AGUIAR, que comprou os direitos de montagem, para o nosso país, e reuniu uma equipe de competentíssimos criadores, a fim de dar forma a um dos mais lindos e emocionantes espetáculos musicais a que já assisti em toda a minha vida.




Um grande diferencial, neste musical, é que cerca de 80% - arrisco-me a dizer -, ou mais, talvez, da história correspondem a canções. Elas, predominantemente, contam a história. Daí a sua grande importância na trama. Há todo tipo de música negra americana, desde os “spirituals”, passando pelos “blues”, “work songs”, chegando a outros.







SINOPSE:

A trama gira em torno da triste história de vida de CELIE (LETÍCIA SOARES), uma jovem, cujo suposto pai, (JORGE MAYA) – depois, descobre-se que não o é -, que assassinara a esposa, estuprava, ainda na adolescência, o que levou ao nascimento dois filhos, um casal, que ele – sabe-se depois – entregou a um reverendo, para adoção.

Mais tarde, deu a mão da filha em casamento, à revelia desta, para MISTER / ALBERT (SÉRGIO MENEZES), um cruel e esnobe senhor de terras, que começou a tratá-la como uma escrava, fazendo-a cuidar de seus filhos arruaceiros, entre eles HARPO (ALAN ROCHA), tomar conta de sua casa, como empregada doméstica, e, à noite, fazia dela seu objeto sexual.

NETTIE (ESTER FREITAS), irmã mais nova de CELIE, é que era o grande desejo maior de posse de MISTER. Era com ela que ele queria se casar, pois achava a protagonista “muito feia”.

NETTIE também era abusada pelo pai, até que fugiu de casa e foi morar com CELIE e seu marido. Sem saber, "a galinha se aproximava da raposa".

As irmãs lutam para se manterem unidas, até que MISTER tenta estuprar NETTIE, a qual o machuca nas partes íntimas, provocando-lhe muita raiva, o que o fez expulsá-la de casa, separando, assim, abruptamente, as irmãs.

NETTIE vai, então, morar, exatamente, na casa do reverendo e descobre, lá, seus dois sobrinhos. A família viaja para a África, como missionários, levando-a consigo e ela, praticamente, é quem cuida das duas crianças, até se tornarem adultas.

Com o passar dos anos, CELIE vive uma vida de servidão e abusos, em sua rotina diária, apenas observando a vida e o tempo dos outros, à sua volta, passar, sem que nenhuma esperança ou fé lhe sejam possíveis crer.

Isso até a chegada da amante de MISTER, SHUG AVERY (FLÁVIA SANTANA), cuja personalidade forte e sentimentos sinceros e profundos, de amor por CELIE, conseguem mudar a vida desta, provocando uma grande mudança no andamento as coisas.

Enquanto CELIE resigna-se ao sofrimento, SOFIA (LILIAN VALESKA), mulher de HARPO, e SHUG entram em cena, mostrando que há possibilidade de mudanças e novas perspectivas, esperança e, até, prazer.

Muitas surpresas estão reservadas no final da história.






            Depois do vitorioso “Bibi – Uma Vida em Musical”, que foi o maior sucesso em 2017, no Rio de Janeiro e em São Paulo, e, até hoje, ainda está em turnê, pelo Brasil, TADEU AGUIAR, diretor do musical, partiu, junto com EDUARDO BAKR, um dos produtores, para uma empreitada mais do que corajosa, com “A COR PÚRPURA – O MUSICAL”, que põe, em cena, 17 atores, 8 músicos, 90 figurinos, um palco giratório de 6 metros de diâmetro e uma escada curva, com sistema de “travelling” em volta do cenário. Isso, nos dias de hoje, já é digno de muitos aplausos. Sobre o espetáculo, diz TADEU: “A história é universal: fala do ser humano, em especial das mulheres. É imediata a identificação com o momento do país, onde há tantas histórias de opressão às mulheres. ‘A COR PÚRPURA’ é um grande grito de liberdade”. Esse é um dos maiores motivos do grande sucesso dessa história, em qualquer mídia em que seja apresentada.




            O texto, escrito há mais de 35 anos e ainda que tratando de uma história passada na primeira metade do século XX (1904, se não me equivoco.), na zona rural da Geórgia, sul dos Estados Unidos, continua, infelizmente, muito contemporâneo, pois aborda temas que ainda são motivo de incompreensão e revolta para as pessoas, realmente, humanas: dores de amor, poder, ódio, em um mundo pontuado por estruturais diferenças econômicas, sociais, étnicas e de gênero. O enredo pressiona, com força, o dedo sobre feridas nevrálgicas, que fazem doer aos brancos e, mais ainda, aos negros. A ação se concentra numa cidade do sul norte-americano, mas, tirando o aspecto rural do ambiente, tudo o que se vê em cena está muito mais próximo de nós, brasileiros, por exemplo, do que se pode imaginar. Ou de outros lugares do universo.     


     

            No palco, vemos a trajetória e a luta de CELIE contra as adversidades impostas pela vida a uma mulher negra, na Geórgia, no decorrer da primeira metade do século XX, como já foi dito. Essa saga, permeada por questões sociais de extrema relevância, está presente, porém, nos dias atuais, quando nos deparamos com a desigualdade sociocultural, o intolerável abuso de poder, o tenebroso racismo, o exacerbado machismo, o indefectível sexismo e a violência contra a mulher. Ou estarei errado?




            Li o livro, vi o filme e assisti ao musical, duas vezes. E verei outras mais. Gosto dos três, cada um no seu gênero, na sua tipificação. Como o que está em voga, aqui, é o drama musical, só vou me ater à dramaturgia, que considero excelente, com destaque para a esplêndida versão de ARTUR XEXÉO, o qual, a despeito de já ter feito tantos trabalhos do gênero, indiscutivelmente, está assinando sua melhor obra. E por quê? Porque soube, com uma precisão cirúrgica, escolher os termos adequados a cada fala, a cada verso de uma canção, mantendo a ideia do original, de reproduzir a linguagem dos personagens, de acordo com sua situação social e cultural, na qual não falta espaço para um modo de se expressar bem simples, cheio de incorreções gramaticais, principalmente no campo das concordâncias, nominal e verbal. Todos falam o texto com muita naturalidade e isso é um dos pontos fortes para convencer o público. É mérito do elenco, sim, mas partindo do mérito, primeiro, do texto. São palavras de XEXÉO: “Mantive até alguns nomes que, na tradução do romance, ganharam versões em português. MISTER, por exemplo, continuou sendo MISTER (seu verdadeiro nome é ALBERT), embora, no romance, tenha se transformado em Sinhô. Mas, apesar de ser um musical de época, fala muito de questões atuais, como a participação da mulher na sociedade, o papel da mulher numa relação amorosa, o machismo, o racismo... Não foi preciso adaptação alguma para o musical interessar à plateia brasileira. Ele, naturalmente, fala a qualquer plateia do mundo de hoje”. XEXÉO usa a linguagem de hoje, para atingir o público de hoje, contando uma história de ontem, que dialoga com a realidade atual, ainda, infelizmente. O brilhantismo da versão, no geral, ganha mais peso, quando passamos a analisar as letras das canções. Essa é uma tarefa dificílima, que é para poucos, no Brasil. Considerando a complexidade da partitura, verter as letras, de modo a combinar as frases verbais com as melódicas, ajustando as sílabas métricas aos compassos, estamos diante de uma verdadeira obra de arte. É impressionante a sua capacidade de respeitar a métrica. E é ele quem diz: “Às vezes, um verso original termina com uma vogal aberta e, para aproximar a versão de uma tradução literal, você termina com uma vogal fechada. Então, o melhor é se afastar da tradução literal e se aproximar do efeito sonoro”. Obra de um gênio, se me permitem.




       Assim como XEXÉO, TADEU AGUIAR, a meu juízo, também tem, em “A COR PÚRPURA”, a sua melhor assinatura, como diretor. Sim, um grande diretor de atores, principalmente. Como pede a obra - e não poderia ser de outra forma -, TADEU prioriza o texto e, mais ainda, a interpretação de cada ator, “como força motriz da cena”. Muito atento a cada personagem, às características de cada um e à ligação que há entre eles, às condições de dominador e dominado, de “mocinho” e “bandido”, o diretor explorou, ao máximo, o potencial interpretativo de cada um de seu formidável elenco, até que todos rendessem o máximo, na construção de seus personagens. São palavras do diretor: “Reforcei o caráter epistolar do romance, valorizei o ponto de vista da protagonista, tendo a figura do ator como principal instrumento condutor da história. A palavra é a grande força do espetáculo.”.




Todo o elenco é formado por atores negros, por exigência da trama, mas não é a primeira vez que TADEU trabalha só com atores dessa raça, até porque, na sua visão, com a qual concordo plenamente, “não há ator negro, branco, japonês, índio; ator é ator”. Não posso deixar de registrar quão genial foi a sua ideia, em 2016, quando montou, também no formato de TEATRO MUSICAL, um dos maiores sucessos de bilheteria de todos os tempos, no cinema, no mundo todo: “Love Story - o Musical”, com onze atores negros. E o musical foi um grande sucesso; mais um, na carreira do diretor e ator. Transcrevo uma importante declaração de TADEU AGUIAR, a qual justifica totalmente a necessidade, mesmo, de se montar o espetáculo aqui analisado: “Nos dias de hoje, acho importante falar sobre uma mulher que vence; sobre amor; representatividade negra e feminina. A peça tem muito humor e é emotiva. É um texto de EMOÇÃO.”. Um dos momentos que levantam a plateia, dentre tantos, provocando aplausos em cena aberta, é a hora em que, por total cumplicidade entre o versionista e o diretor, a personagem SOFIA (LILIAN VALESKA), ao final de uma de suas falas, emenda com um “NÃO É NÃO!”. Não é “caco”. Está, propositalmente, no texto, o de XEXÉO.




            No elenco de “A COR PÚRPURA”, não há desperdício de atores, simplesmente pelo fato de que todos são de um nível fantástico. 3 deles (Permito-me não revelar quem.) foram diretamente convidados pelo diretor. Ou outros 14 nomes, dentre os quais muitos famosos, com uma grande bagagem de sucesso nas costas e muita humildade e senso de profissionalismo, foram selecionados via audição, e eu testemunhei, no dia da última, o dilema, o sofrimento do diretor. Não para escolher, mas para ser obrigado a dispensar gente muito tarimbada. Não gostaria de estar na pele dele. Creio, pelo que lá vi, numa tarde/noite, que daria para compor mais de dois elencos, sem exagero. Dando muito trabalho à competentíssima produtora de elenco, MARCELA ALTBERG, o número de inscritos aos papéis disponíveis chegou a cerca de 450 candidatos, de muitos estados brasileiros, a maioria com muito talento, o que prova a força do TEATRO MUSICAL, no Brasil. Talento negro ou, simplesmente, talento. E eu não me canso de me expor a comentários maledicentes, pouco me importando para o que vão dizer, quando afirmo que muitos, mas muitos mesmo, dos nossos atores de musicais não ficam a dever para alguns astros da Broadway e de West End. Dos que fizeram as audições, num primeiro crivo, o número foi reduzido a 140; com a continuidade do processo, ficaram 40, dos quais se chegou ao elenco final, com a confirmação de 14 titulares. E eu ouvia aquelas vozes divinas, isoladamente ou em duos ou trios, e ficava imaginando como seria aquilo, que prazer seria ouvir todos, juntos, em cena. Isso, felizmente, já conferi, por duas vezes, repito, e me arrepiei, e me emocionei, e me tornei admirador dos que ainda não conhecia. São vozes divinas, um coro de anjos celestiais.




            A primeira vez em que conheci aqueles que estariam na grande final, para a formação do elenco, durante o último dia de audições, veio-me à cabeça a lembrança de um momento marcante, na minha vida. Foi em 1990, quando, numa viagem a Nova Iorque, tive a gratíssima oportunidade de poder assistir a um culto gospel, no Harlem, o que estava “na moda”, para os turistas, descoberta feita por Nélson Motta, que residia naquela cidade, à época. Os hotéis organizavam excursões às igrejas evangélicas daquele bairro negro, e lá fomos nós. Posso dizer que foi uma das mais lindas, emocionantes e inesquecíveis lembranças de toda a minha vida. Ver aquela gente, exageradamente vestida, para dias de festa – era domingo – com modelos extravagantes e muito coloridos, todos lotando a igreja, e, de repente, começa o culto, que durava quase duas horas, durante o qual, cantores e cantoras nos levavam às lágrimas, com suas vozes potentes e afinadíssimas, louvando o Senhor. Todos sabemos que dezenas dos maiores cantores norte-americanos e de outros países iniciaram suas vitoriosas carreiras profissionais, depois de descobertos nesses cultos. Pois foi assim que me senti naquele dia de audição e, mais ainda, nas duas sessões a que assisti ao musical. Não só a Broadway é aqui, e agora; senti que o Harlem também.




            A protagonista da peça, CELIE, representada por LETÍCIA SOARES, desafia os nossos corações, é responsável pelas minhas taquicardias, quando a vejo e a ouço, em cena. Que diretor não teria tanto orgulho em ter uma LETÍCIA no seu elenco? Não é por acaso que ela vive a protagonista. Dona de uma das vozes mais robustas que já ouvi, nos palcos, e de um timbre delicioso, além da afinação perfeita, trata-se de uma grande cantriz, já tendo brilhado em musicais famosos, como “O Rei Leão”, “Mudança de Hábito”, “We Will Rock You”, “Les Misérables”, “A Pequena Sereia”, “Rent”, “Natasha, Pierre e o Grande Cometa de 1812” e “Sunset Boulevard”, dentre outros. Gostaram do currículo da moça? Ela não está ali de passagem ou de brincadeira. Ou porque é “amiga do diretor”, até porque TADEU AGUIAR é um profissional de grande estirpe: seriedade e profissionalismo não lhe faltam. É por puro e total talento. Então, é só conferir do que LETÍCIA é capaz, no palco da Grande Sala da Cidade das Artes. Forte candidata a todos os prêmios de TEATRO, sem dúvida, em 2019. Sua CELIE é irrepreensível. Ela domina a emoção e sabe distribuí-la, em cada cena, nunca fugindo do tom, nem para mais nem para menos. Merece toda a ovação com que é recebida, pelo público, na hora dos agradecimentos. Quando ela canta, eu “me apequeno”, afundo na cadeira, de tanta emoção.




            Dos nomes mais conhecidos, velhos “habitués” dos musicais, desponta o de FLÁVIA SANTANA, que já trabalhou, outras vezes, com TADEU, com uma magnífica SHUG AVERY, aquela que entra na trama para ajudar CELIE a resgatar, ou melhor, a encontrar a sua dignidade, para fazê-la se ver com uma mulher plena, confiante, de elevada autoestima. FLÁVIA compôs sua personagem na dose certa, como uma mulher forte, destemida, desafiadora, ameaçadora para os machistas de plantão, uma exceção, em relação às outras personagens femininas. Grande atriz, também sabe aproveitar seus momentos de solo, ela, cuja personagem é uma cantora, com números musicais inesquecíveis, também cantando em duetos ou em grupo.




            SÉRGIO MENEZES (MISTER, apelido, ou ALBERT, seu verdadeiro nome.), outro que já esteve presente em vários trabalhos dirigidos por TADEU, está impecável, na pele do vilão, que, depois, se redime (Não queria, mas acabei escorregando e dando um pequenino “spoiler”. O “pequenino” é para aliviar o “mea culpa”. Mas quem ainda não conhece a história, não é mesmo?). Seu personagem, que ele criou com muito cuidado e acerto, representa o protótipo do que nunca deveria ser um homem: perverso, cruel, machista, misógino, desumano; um vilão de primeira linha. Para um ator, um personagem que exige muito, contudo lhe dá a oportunidade de explorar e demonstrar um potencial interpretativo, que, se bem conduzido, como no caso de SÉRGIO, concede, ao artista que o representa, um grande destaque, em qualquer peça. É o que acontece, com o ator, em “A COR PÚRPURA”. Se o vilão provoca muito ódio, na plateia, é porque o ator é dos melhores. Um grande intérprete de TEATRO e um excelente cantor, com uma voz, cuja potência, ao falar e/ou ao cantar, concede mais força e verdade ao seu personagem.




            LÍLIAN VALESKA, uma das maiores cantrizes do TEATRO MUSICAL BRASILEIRO, que dispensa qualquer adjetivo, mais uma vez, brilha, na pele de SOFIA, a mulher de HARPO (ALAN ROCHA). Em qualquer grande musical, haverá, sempre, um bom papel par LÍLIAN, e ela nunca economiza, na interpretação e no canto. Que artista fantástica! Voz divina!




ALAN ROCHA é, sem dúvida, uma grande atração na peça. Ele é responsável por bons momentos de descontração, para quebrar, um pouco, a seriedade do texto e a tensão emocional que existe em quase sua total duração, com uma divertida exploração corporal, incluindo as máscaras faciais, as quais atribuem peso às suas falas. Seu personagem, – fica bem claro, na peça -, representa a continuidade do machismo, da época, que vai passando de geração a geração, embora HARPO acabe quebrando a corrente, ainda que tenha sido criado para dar continuidade àquela situação. Refiro-me ao fato de bater na mulher e maltratá-la ao extremo, porque aprendeu com seu pai, o qual aprendeu com o seu e assim por diante... Grande destaque do espetáculo!




        ESTER FREITAS nos encanta, como NETTIE, a irmã mais nova de CELIE. Sua personagem é como a outra metade da laranja, para a protagonista; ou melhor, para as duas. A separação compulsória delas dilacera os nossos corações e, de certa forma, é o estopim para uma saga, em função de um reencontro, para viverem, no final de suas vidas, felizes e em paz. Sua personagem tem grande importância, na peça, pois, quando as duas são obrigadas a se separar, ambas se fragilizam mais ainda do que já estavam, mas é, exatamente isso, com a ajuda de terceiros, que as torna vitoriosas. Que bom que a personagem reencontra, por acaso, os dois sobrinhos e, de certa forma, torna-se “mãe” dos dois até... Desta vez, vou me segurar: sem “spoiler”. Com relação à voz, quando canta, seu trabalho é admirável, nos solos ou nos duetos, estes uma atração à parte, com qualquer outro personagem com quem ela cante. O primeiro, com CELIE, arranca gritos de “BRAVO!”. Eu abro o coro dos que assim se manifestam. Aliás, a primeira cena da peça leva o público ao delírio, deixando bem claro o que virá depois.




            ANALU PIMENTA (SQUEAK). O nome da personagem, cuja tradução, em português, poderia ser algo como “grunhido”, “chiado”, “rangido”, não foi dado por acaso e não deveria ser traduzido mesmo. Que grande atriz e cantora! Para este trabalho, teve de encontrar uma voz, da personagem, que a tira, certamente, de sua zona de conforto, totalmente, por ser aquela que, pejorativamente, é chamada, vez por outra, por algum outro personagem, de “taquara rachada” ou “gralha”. Essa voz tem de ser sustentada ao longo de toda a peça, e isso é difícil de ser feito e deve provocar um grande desgaste para a bela voz natural da atriz. Sem falar nas características outras da personagem, a qual ANALU, consciente e talentosamente, construiu. E como canta também!




            JORGE MAYA. O que se pode dizer sobre o grande ator, que também canta muito bem? O mais velho do elenco, com trabalhos brilhantes anteriores, dos quais destaco sua inesquecível interpretação de Sancho Pança, para uma recente montagem de “O Homem de la Mancha”, um dos meus musicais “top 10”, MAYA, faz, num momento, o pai de MISTER, seu “professor de maldades”, e o falso pai da irmãs CELIE e NETTIE. Em ambos os personagens, o ator só faz ratificar, com muito equilíbrio e sobriedade, aquilo que sempre apresenta num palco: competência.




             Completam o elenco, todos com atuações corretíssimas, CAIO GIOVANI (GRADY / CHEFE DA TRIBO OLINKA / ENSEMBLE), CLÁUDIA NOEMI (DARLENE), ERIKA AFFONSO (DORIS), GABRIEL VICENTE (BOBBY / ESSEMBLE), LEANDRO VIEIRA (BUSTER / ADAM / ESSEMBLE), NADJANE PIERRE (SOLISTA DA IGREJA / OLIVIA / ESSEMBLE), RENATO CAETANO (SOLDADO / ESSEMBLE), SUZANA SANTANA (JARENE) e THÓR JÚNIOR (PASTOR / ESSEMBLE). Quero, sim, e sinto necessidade de fazer um comentário especial a um trio: CLÁUDIA NOEMI, ERIKA AFFONSO e SUZANA SANTANA. As três aparecem, juntas, em várias intervenções, comentando cenas, utilizando uma canção com a  mesma melodia, que fica nos nossos ouvidos, mudando apenas as letras, e podem ser consideradas como – assim, eu as vi – três vizinhas fofoqueiras e, com um pouco mais de “forçação de barra” (Será que estou embarcando numa viagem?) lembram um coro do Teatro Grego. Poupem-me das “pedradas”, por favor, se me equivoco ou exagero, porque não tenho vocação para Maria Madalena! O fato é que, desde a audição a que assisti, percebi a química que havia entre elas. Está lá, em cena, para nos deleitar e divertir.







            Falemos, agora, de algo que jamais sairá da cabeça do espectador, entre tantos elementos da peça: a cenografia, uma obra-prima, de NATÁLIA LANA, outra que não sai do time de TADEU, porque a equipe sempre vence o jogo. NATÁLIA foi de uma felicidade total e, também, a despeito de tantos outros excelentes cenários que já criou, mesmo sendo tão jovem, este, com certeza, representa, até agora, seu mais primoroso trabalho. Ao mesmo tempo que é simples, por um aspecto, é profundamente sofisticado, se considerada a sua funcionalidade. Como, na trama, há a necessidade de mais de um ambiente (Igreja, casas do pai de CELIE, de MISTER e de SHUG, além do bar de HARPO.), a cenógrafa concentrou tudo numa construção de dois andares, aparentemente, de madeira, mas que, salvo engano, é feita de alumínio, o qual recebeu um tratamento de pintura, para imitar aquele material (Ouvi isso em algum lugar. Seria para tornar a grande peça mais leve, facilitando o trabalho dos atores, quando o giram, para mostrar outro ambiente.). NATÁLIA nos apresenta uma grande estrutura giratória, uma casa, que são várias, como elemento central, no meio do palco, “representando as diferentes facetas da trajetória da vida da personagem (protagonista). Contornando a casa, uma espécie de escadaria, construída, ao longo do tempo e de forma não ortogonal (perpendicular), representando a diversidade de ambientes externos e de aprisionamento em certos pontos da história. A estrutura da casa foi baseada nas construções do sul dos Estados Unidos e teve como inspiração as ‘shack’ (barracos), representando o tradicional “porch”, varanda onde se reúnem famílias americanas.”. Achei importante o conteúdo em destaque, anterior, para caracterizar bem a cenografia e as intenções da cenógrafa, a qual mergulhou num profundo trabalho de pesquisa, para a realização de sua obra. Além da estrutura acima descrita, NATÁLIA utiliza alguns elementos cênicos, colocados quase no proscênio, nas cenas que se passam no Bar do HARPO. Nas duas laterais do palco, há alguns feixes de feno, contribuindo para a ambientação da peça.




            Como dizem que “em time que está ganhando, não se mexe”, TADEU AGUIAR convidou, mais uma vez, NEY MADEIRA e DANI VIDAL, para a criação dos 90 figurinos da peça, todos de época, sem contar os acessórios. Paralelamente aos ensaios da peça, na Cidade das Artes, foi instalado um ateliê de costura, ao lado da sala de ensaios, o que aproximou muito o trabalho de dois dos diferentes criadores: direção e figurinistas. Os 90 figurinos foram confeccionados com 350 metros de tecidos, passando por processos de tingimento artesanal e impressão em serigrafia, retratando “o tempo da costura feita em casa”. Vale a pena transcrever palavras de NEY MADEIRA: “Na América, as colchas de retalhos, produzidas desde a colonização, são influenciadas pela estética da África, onde o trabalho de costura de retalhos é prática centenária. Dessa forma, o conjunto de figurinos do espetáculo forma um (...), em tons envelhecidos, retratando a Geórgia da primeira metade do século passado. É no trabalho de costura manual que CELIE encontra refúgio na dura realidade de seu dia a dia. Nesse contexto, a cantora de jazz SHUG AVERY é o manifesto de amor e liberdade de CELIE e pontua sua trajetória com trajes de tons de cor púrpura saturados.”. São todos figurinos de época, como já disse, que, além de vestir com adequação os personagens, apresentam um acabamento em que o capricho salta aos olhos.




            ROGÉRIO WILTGEN, outro que faz parte do T.A.F.C. (TADEU AGUIAR Futebol Clube), assina uma iluminação deslumbrante, que realça cada cena, quer pela intensidade de luz, quer pela paleta de cores utilizada, construindo imagens indescritíveis, em combinação com o cenário e os figurinos. Tudo parece ter sido feito em comum acordo, entre os profissionais das três áreas, para que o resultado fosse, como é, o melhor possível. 




            Como todo e qualquer musical, o espetáculo não pode prescindir de uma coreografia. Se ela for de boa qualidade, melhor ainda. Quanto mais criativa e estiver em consonância com as cenas, não surgir “gratuitamente”, mais será percebida e admirada pelos espectadores. Isso é, exatamente, o que ocorre, em “A COR PÚRPURA”, graças ao talento de SUELI GUERRA, outra profissional presente nas montagens de TADEU AGUIAR.

        A coreografia recebe a chancela de SUELI GUERRA e está perfeitamente incorporada à proposta da encenação e do teor da peça. Não entendo do assunto, tecnicamente falando, mas acho que SUELI acertou, ao traçar um projeto coreográfico comedido, uma coreografia mais "fechada", intimista, não exuberante, a não ser em poucas cenas, que permitiam um pouco mais de ousadia. É o típico exemplo de "menos é mais". O resultado é excelente.

            ULYSSES RABELO executou um ótimo trabalho de visagismo, transformando o visual dos atores nos personagens da peça, com destaque para os penteados e as perucas.

            Não deixei, propositalmente, para o final, fechando a minha análise de todos os escaninhos da peça, a direção musical, sob a responsabilidade de um jovem e premiado diretor musical, grande músico e arranjador, que é TONY LUCCHESI, um profissional aplicadíssimo e estudioso, que merece muitos aplausos, por seu trabalho, se considerarmos a complexidade, como já disse, da partitura deste musical, mas creio que encerrarei muito bem a proposta da minha análise do espetáculo, falando desse setor importantíssimo, na montagem. As canções são lindas e exigem muito dos músicos e de quem as canta, e TONY é o grande “facilitador”, responsável por viabilizar essa difícil tarefa. São 32 números musicais, contando com as vinhetas. O resultado de tudo o que implica música, neste espetáculo é fabuloso, pelas mãos de TONY, de quem “roubei” este depoimento: “Tem uma parte do espetáculo que é ambientada na África. Para esse momento, abri as vozes, trabalhei com polifonia, com outros sons, uma música por trás da cena.”. Do “release”: “No espetáculo, os atores precisam ter grande extensão vocal, dando conta de vários ritmos como ‘jazz’, ‘blues’, música africana e gospel. Logo na abertura da peça, há um número que lança mão de diversas sonoridades, representando o coro de uma igreja, entrecruzado ao sermão do pastor.”. Uma excelente orquestra acompanha, ao vivo, todos os números musicais. São 8 exímios músicos, a saber: TALYSSON RODRIGUES (regência e piano), KESIA DECOTE (teclado), ANDRÉ FRÓES (bateria), JÚLIO FLORINDO (contrabaixo), THIAGO VIEIRA (trompete), JOÃO CALLADO (violão e guitarra). VÍTOR DE MEDEIROS (sax alto, clarinete e flauta) e DANIEL KAISER / MARCO MOREIRA (sax barítono, sax tenor, clarone e clarinete).








FICHA TÉCNICA:

Um espetáculo de Tadeu Aguiar
Roteiro: Marsha Norman
Músicas: Brenda Russell, Allee Willis e Stephen Bray
Versão Brasileira (Texto e Letras): Artur Xexéo.
Direção Geral: Tadeu Aguiar
Assistência de Direção: Flávia Rinaldi
Direção Musical: Tony Lucchesi
Assistência de Direção Musical: Thalyson Rodrigues

Baseado no livro de ALICE WALKER e no filme da Warner Bros. /Ambim Entertainment, dirigido por Steven Spielberg

Elenco: Letícia Soares, Flávia Santana, Sérgio Menezes, Lílian Valeska, Alan Rocha, Ester Freitas, Analu Pimenta, Jorge Maia (participação especial), Caio Giovani, Cláudia Noemi, Erika Affonso, Gabriel Vicente, Leandro Vileira, Nadjane Pierre, Renato Caetano, Suzana Santana e Thór Júnior

Músicos: Thalyson Rodrigues, Kesia Decote, André Fróes, Júlio Florindo, Thiago Vieira, João Callado, Vítor de Medeiros, Daniel Kaiser e Marco Moreira

Produção de Elenco: Marcela Altberg
Assistência de Produção de Elenco: Felipe Ventura
Cenário: Natália Lana
Assistência de Cenografia: Gisele Batalha
Figurino: Ney Madeira e Dani Vidal
Desenho de Luz: Rogério Wiltgen
Desenho de Som: Gabriel D’Angelo
Coreografia: Sueli Guerra
Assistência de Coreografia: Olívia Vivone
Visagismo: Ulysses Rabelo
Assessoria de Imprensa: Barata Comunicação
Fotos: Carlos Costa
Registro Videográfico: Paulo Severo
Comunicação em Redes Sociais: Rafael Nogueira
Produção de Marketing Cultural: Gheu Tibério
Projeto Gráfico: Alexandre Furtado
Coordenação de Produção: Norma Thiré
Produção Geral: Eduardo Bakr
Produção: Estamos Aqui










SERVIÇO:

Temporada: De 06 de setembro a 03 de novembro de 2019.
Local: Cidade das Artes (Grande Sala).
Endereço: Avenida das Américas, 5300 - Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. (Estacionamento no local e fácil acesso pelo Terminal Alvorada.)
Dias e Horários: 6ª feira, às 20h30min; sábado, às 17h e às 20h30min; domingo, às 17h.
Valores dos Ingressos: Plateia 1: Inteira = R$200,00, Meia Entrada = R$100,00; Plateia 2: Inteira = R$150,00, Meia Entrada = R$75,00; Frisa: Inteira = R$150,00, Meia Entrada = R$75,00; Galerias (baixa e alta): Inteira = R$50,00, Meia Entrada = R$25,00; Camarote: Inteira = R$50,00, Meia Entrada = R$ 25,00.
Classificação: 12 anos.
Duração: 180 minutos (com intervalo).
Gênero: Musical Dramático.








“A COR PÚRPURA” é um espetáculo sobre e para a família, no sentido mais amplo de sua proposta. É muito construtivo assistir a uma peça que mostra a saga de uma mulher, a qual, “através do amor, encontra a força para triunfar sobre a adversidade e descobrir sua voz no mundo”, do que tanto carecemos no momento, quando nos deparamos, todos os dias, na mídia, com desrespeito e abusos contra as mulheres, negras ou não, porém mais sobre aquelas, principalmente as mais pobres e dependentes, financeira e/ou emocionalmente, de seus companheiros. E não se pode omitir que o texto faz críticas bem profundas às relações de falsa superioridade e de poder do sexo masculino sobre o feminino, numa “sociedade que ainda luta por igualdade entre gêneros, etnias e classes sociais”.






O texto fala muito em esperança e em fé em Deus, entretanto não tem nada de doutrinador, no que concerne à religiosidade.






Como é bom e estimulante assistir a um espetáculo que não apresenta uma única falha e que, resumindo, representa “um grito pela liberdade, igualdade das raças e respeito, muito respeito às mulheres”, dentre outros temas, nem que, para isso, seja necessário tocar em feridas, falando de feminicídio “dor, luta, mas também de redenção de uma mulher negra, oprimida e maravilhosa”!





            Sei que me estendi muito, nesta análise, mas foi uma das críticas que mais me causaram prazer em escrever e tenho certeza de que não precisaria dizer mais nada, para recomendar o espetáculo, com total empenho, consciente de que ninguém sairá decepcionado da Cidade das Artes.







               E, para terminar, um recado à protagonista: CELIE, você é LINDA, sim, e ESTÁ AÍ!!!



E VAMOS AO TEATRO!!!

OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!

A ARTE EDUCA E CONSTRÓI!!!

RESISTAMOS!!!

COMPARTILHEM ESTE TEXTO, 
PARA QUE, JUNTOS, POSSAMOS DIVULGAR
O QUE HÁ DE MELHOR NO
TEATRO BRASILEIRO!!!




CENSURA NUNCA MAIS!!!



(FOTOS: CARLOS COSTA.)



(GALERIA PARTICULAR:
FOTOS: MARISA SÁ.)
































Com Leandro Vieira.


Com Letícia Soares e Suzana Santana.


Com Lílian Valeska.


Com Jorge Maya.


Com Tadeu Aguiar e Eduardo Bakr.


Com Alan Rocha.

Com Sérgio Menezes, Flávia Santana,
Tessy Callado e Heleninha Callado.





















































































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