segunda-feira, 3 de setembro de 2018


FRIDA KHALO
– A DEUSA TEHUANA

(QUANDO A PRIMEIRA IMPRESSÃO
NÃO É A QUE FICA
E PODE SER RETIFICADA.
ou
A DESCONSTRUÇÃO DE UM MITO
E A REVELAÇÃO DE SEU 
LADO HUMANO.
ou
A TRANSFORMAÇÃO 
DA DOR EM ARTE.
ou
DE UM KHALOMANÍACO,
COM MUITO AMOR.)


 

 



            Acontece. Sim, acontece. Aconteceu e eu não conseguia entender por quê. Passaram-se quatro anos e acho que, agora, entendo: eu não devia estar num bom dia. Graças, porém, aos DEUSES DO TEATRO, uma primeira impressão foi desfeita e deu lugar a outra, totalmente oposta, que me deixou muito feliz.

            Acontece com todo mundo. Podem nos apresentar a maior obra-prima, no campo das artes, que, se não estivermos bem, abertos a apreciá-la, no sentido de que nenhum fator externo esteja nos preocupando ou incomodando, física ou emocionalmente, não conseguiremos enxergar a beleza da obra e, consequentemente, ela não nos tocará. Algo devia estar me incomodando muito naquela noite de outubro, salvo engano, de 2014. Talvez o problema fosse eu mesmo.

De que estou falando? De um espetáculo teatral ao qual assisti, em 2014, não me lembro se no dia da estreia, mas, provavelmente, sim, no Teatro Glaucio Gill, no qual eu depositava muita expectativa, não correspondida, e que me fez sair do Teatro bastante frustrado, porque não senti que a peça me preencheu plenamente. Não era o que eu esperava.

E o que eu esperava? Não sei exatamente, mas, fã incondicional do talento e da personalidade de FRIDA KHALO, conhecedor de sua biografia, uma artista e mulher à frente do seu tempo, que me comove tanto, que tem uma história de vida tão rica quanto sofrida, eu queria, ou esperava, ver outra coisa em cena, bem diferente do que me foi oferecido. Não gostei do espetáculo e, seguindo a minha postura, da qual jamais abro mão, preferi não escrever sobre ele, embora tenha feito grande sucesso de público e de crítica, a ponto de ter a primeira temporada prorrogada (Foram quatro meses. Uma façanha! Coisa muito rara, nos últimos tempos!) e cumprir outras – a atual é a sétima – em diferentes casas de espetáculo do Rio de Janeiro. Não tive a oportunidade (Ou o desejo, quem sabe?) de revê-la, nas outras temporadas, para saber se retificava ou ratificava a minha opinião, e convivi, até o último dia 30 de agosto, com uma dúvida cruel: por que um espetáculo tão festejado não conseguiu me tocar? Felizmente, atendendo a um simpático convite da produção da peça, tive a oportunidade de assistir, novamente, a ela, notando algumas mudanças, para melhor, na montagem, e saí do Teatro Eva Herz muito feliz com o que vi.

O ESPETÁCULO É ÓTIMO!!! Merece, pois, uma crítica.








SINOPSE:

Monólogo livremente inspirado no diário e na obra da artista mexicana FRIDA KAHLO, com fragmentos da vida e do pensamento de uma mulher à frente do seu tempo.







O extremo da economia de palavras, na “sinopse”, que consta no "release" da peça, é diametralmente oposto ao seu conteúdo, em termos extensivos. O que se economizou em palavras exagera-se em ações e mensagens, em fatos e acontecimentos, em relações e emoções.

Como diz o referido “release”, enviado por RACHEL ALMEIDA (ASSESSORIA DE IMPRENSA – RACCA COMUNICAÇÃO), “...o monólogo desconstrói o mito da pintora mexicana, para mostrar uma FRIDA mais humana, sem estereótipos”. É, exatamente, isso o que faz a diferença no espetáculo, e, talvez, não fosse o que eu esperava ver, quando da primeira vez em que tive contato com o belíssimo solo de ROSE GERMANO. Mais do que um espetáculo biográfico, o texto procura meandros, na vida e na personalidade de FRIDA, antes não remexidos, o que fez crescer, em mim, ainda mais, se é que isso é possível, a minha paixão por ela.

Sim, lá está, no palco do Teatro Eva Herz, espaço que proporcionou grande relevância à montagem, a mulher Magdalena Carmen FRIDA KAHLO y Calderón, seu verdadeiro nome, nascida numa casa conhecida como La Casa Azul, em Convoacán, em 6 de julho de 1907, e falecida, na mesma cidade, hoje um distrito mexicano, em 13 de julho de 1954, aos 47 anos de idade. A mesma FRIDA que, aos seis anos de idade, contraiu poliomielite, que lhe deixou uma lesão no pé direito, a qual lhe rendeu o apelido de “Frida Pata de Palo” (“Frida Perna de Pau”), a primeira de uma série de doenças, acidentes, lesões e operações que sofreu ao longo de uma vida muito sofrida. Para esconder a “anomalia”, passou a usar calças compridas e, depois, longas e exóticas saias, que se tornaram uma de suas marcas pessoais. Particularmente, adoro-as, assim como já aproveito para fazer um elogio aos figurinos utilizados na peça, assinados por EDUARDO ALBINI. São quase todas peças autênticas, adquiridas, pelo diretor, na cidade de Oaxaca, conseguidas em antiquários e nas mãos de artesãos indígenas.

No palco, também está a mulher que, aos 18 anos de idade, sofreu um grave acidente, quando um veículo coletivo (bonde ou ônibus; há as duas versões) em que viajava chocou-se, violentamente, contra um trem e o para-choque de um dos veículos perfurou-lhe as costas, causando-lhe uma fratura pélvica e hemorragia, o que a fez ficar, muitos meses, entre a vida e a morte, num hospital, tendo que operar diversas partes e reconstruir, por inteiro, seu corpo, todo perfurado. Tal acidente obrigou-a a usar coletes ortopédicos de diversos materiais, e ela chegou a pintar alguns deles, como o colete de gesso da tela intitulada A Coluna Partida”. Foi durante sua longa convalescença que começou a pintar, usando a caixa de tintas de seu pai e um cavalete adaptado à cama. Ao contrário de muitos artistas, FRIDA não começou a pintar cedo. Embora o seu pai tivesse a pintura como um passatempo, ela não estava, particularmente, interessada na arte como uma carreira.
Em cena, também está a mulher que, em 1928, entrou para o Partido Comunista Mexicano e conheceu o consagrado muralista Diego Rivera, com quem se casou, no ano seguinte, por quem era loucamente apaixonada, de quem recebeu grande influência, como artista, e com quem viveu uma relação de amor bastante conturbada, visto que ambos tinham temperamentos fortes, egos exacerbados e casos extraconjugais, sendo que FRIDA, além de ser bissexual, teve um caso com Leon Trotski, depois de separar-se de Diego. FRIDA foi sua terceira esposa. Curiosamente ou de forma doentia, Rivera aceitava, abertamente, os relacionamentos homossexuais de KHALO com outras mulheres, mesmo elas sendo casadas, mas não admitia os casos da esposa com homens. Por outro lado, dava-lhe “o troco”, mantendo uma relação de amante com Cristina, a irmã mais nova de FRIDA. Separaram-se e casaram-se, pela segunda vez, em 1940. O segundo casamento foi tão tempestuoso quanto o primeiro, marcado por brigas violentas. Ao voltar para o marido, FRIDA construiu uma casa igual à dele, ao lado daquela em que eles tinham morado. Essa casa era ligada à outra por uma ponte, e os dois viviam como marido e mulher, mas sem morar juntos. Encontravam-se, na casa dela ou na dele, nas madrugadas.




FRIDA tentou, por diversas vezes, o suicídio. Tendo contraído uma forte pneumonia, foi encontrada morta. Seu atestado de óbito registra embolia pulmonar, como a causa da morte, contudo não se descarta a hipótese de que tenha morrido de overdose (acidental ou não), devido ao grande número de remédios que tomava. A última anotação em seu diário, que diz "Espero que minha partida seja feliz e espero nunca mais regressar - FRIDA.", abre para a hipótese de um suicídio.

Muitas das informações nos parágrafos anteriores foram garimpadas na WikipédiaTodos esses fatos são, por demais, conhecidos, na biografia da “deusa tehuana”; são mais que óbvios. Na verdade, os autores do bom texto, LUIZ ANTONIO ROCHA e ROSE GERMANO nos mostram tudo isso, ainda que de forma, intencionalmente, meio superficial, mas privilegiam o lado mais humano e menos midiático da grande pintora mexicana, o que ajuda a compreender algumas de suas atitudes, via de regra, não aceitas pela maioria das pessoas, atitudes consideradas “fora da curva”. Os autores nos mostram, com profundidade, “quem foi FRIDA KAHLO longe dos holofotes, na vida particular, sem estereótipos...”, o que conseguiram, por meio de muita pesquisa e um contato direto, no México, em visita à Casa Azul e a museus e instituições que cultuam a arte de FRIDA. A intenção era mostrar o outro lado daquela mulher, a FRIDA que não conseguiu ser mãe, um de seus grandes desejos; que apresentava uma fragilidade, não só física, mas também emocional, embora, “na casca”, parecesse o oposto. Estamos diante de uma FRIDA mais humana e nada “pop”.

        Bastante interessante, no texto, é a presença de uma personagem que pouquíssimas pessoas conhecem e que teve grande importância e influência na vida de FRIDA e de Diego Rivera. Trata-se de Dolores Olmedo Patiño – Maria de los Dolores (Lola) Olmedo Patiño Suarez -, uma riquíssima colecionadora de obras de arte, que foi amante de Rivera, o que bastava para merecer o ódio de FRIDA, já que, também, era sua rival, na divisão do amor e das atenções de Diego. Grande parte das obras que coletou, do casal, está no museu que leva seu nome, Museo Dolores Olmedo Patiño, conhecido como "Hacienda la Noria". Ainda em vida, Rivera lhe fez a doação de seus excepcionais trabalhos (137 obras, ao todo.), além do que ela já havia adquirido, e Dolores ainda ficou com cerca de 80%, se não me equivoco, do acervo de FRIDA (a mais extensa coleção), falecida antes de Diego.



O espetáculo inicia-se com a entrada, em cena, de Dolores, a mesma ROSE GERMANO, falando, com extremado desdém e ironia, até mesmo com uma ponta de ódio, sobre FRIDA, fazendo questão de relembrar seus momentos íntimos com Rivera, gabando-se disso, e, enquanto vai falando, mantém-se, em cena, com movimentos sinuosos, que lembram os de uma serpente, detalhe pouco percebido pelo público, para o que necessitaria de fazer uma analogia com a relação conflituosa entre a personagem, protagonista e o texto. Aos poucos, Dolores vai dando lugar a FRIDA, com a transformação física, postural e vocal, bem lentamente e às vistas do público.

Extraído do já referenciado “release”, “A peça é, livremente, inspirada no diário e na obra da pintora mexicana, artista que ultrapassou a popularidade, adquirida com seu trabalho, e tornou-se sua melhor arte. FRIDA KAHLO pintou sua própria face, um sem-número de vezes, no corpo de uma obra intensamente autorreferenciada. Teatralizou a sua própria existência, foi a expressão maior de luta e superação, mesmo trazendo, consigo, as maiores dores – físicas e existenciais. No lugar do luto, vestiu-se de cores”.

            Sobre a montagem do espetáculo, diz o diretor que “todo o processo do monólogo partiu do corpo da Frida”. E continua: “A gente ficou um mês, tentando descobrir como seria o corpo de alguém que fez mais de 30 cirurgias, que tinha dores e tomava morfina para sentir alívio; e que também teve pólio. Era uma mulher que, certamente, tinha dificuldade em caminhar, mas, nas nossas pesquisas, vimos que as atrizes não costumam levar em conta esse aspecto, na hora de caracterizá-la, nos espetáculos. A gente foi por outro lado. Fugimos do corpo cotidiano e trabalhamos suas limitações, e, a partir daí, fomos descobrindo a história que aquele corpo tinha para contar”.

       Merece destaque o trabalho de direção, de LUIZ ANTONIO ROCHA, ao imprimir, à montagem, uma de suas marcas pessoais, que é a exploração do silêncio e das grandes pausas, como forma de expressão dos mais variados desejos e intenções, assim como um intencional ritmo lento nas cenas, o que acaba por favorecer o espectador, na observação mais acurada de muitos detalhes, os quais poderiam passar despercebidos. É incrível a capacidade de o silêncio falar tão alto neste espetáculo. Vale uma observação, também bastante oportuna, da capacidade do diretor de “brincar” com os objetos de cena, utilizando-se de criatividade e bom gosto, como, por exemplo, na cena em que duas cadeiras se transformam num par de pernas de pau, para a locomoção da atriz.






Com relação à proposta da direção, é mais do que necessário, uma obrigação, mesmo, do crítico, enaltecer o brilhante trabalho da atriz ROSE GERMANO, na caracterização da personagem. Ela se entrega, totalmente, à sua construção e atinge um excelente nível de interpretação, que só não a credencia a ser indicada a Prêmios de Teatro pelo fato de a peça não ser inédita e de já ter tido essa oportunidade, quando de sua primeira temporada. Eu não hesitaria em fazê-lo agora, se me fosse permitido. Seu trabalho de corpo é impecável e a linguagem do olhar é de uma expressividade a toda prova.

Falando de seu trabalho e da personagem, assim se manifesta a atriz, em trecho também extraído do “release”: “...há uma similaridade entre as culturas mexicana e brasileira, especificamente a nordestina, em que estão as minhas raízes. Sou de Riacho do Meio, uma cidadezinha do interior da Paraíba. Foi aí que me inspirei, nesse povo guerreiro, nas histórias de mulheres cheias de vida e coragem. O grande destaque está na autenticidade da mulher à frente do nosso tempo. Ela é a desmedida das coisas, está fora dos padrões estabelecidos. Viver FRIDA é encarar a vida e a morte com a mesma grandeza.”.









Além de ser responsável pelos belos figurinos, EDUARDO ALBINI também responde pelo cenário e pela direção de arte e executa um belíssimo trabalho. Sobre os figurinos, já dissertei, acrescentando-lhes os adereços. Quanto ao cenário, que pode ser considerado, de certa forma, um pouco minimalista, este é composto por uma mesa comprida, quatro cadeiras coloridas, ao que tudo indica, como as do mobiliário da própria FRIDA, e, ao fundo, sobrepostas, em pé, coladas à parede ou umas às outras, muitas molduras, de vários tamanhos, vazadas, como se a plateia estivesse diante de um ateliê de pintura e pudesse imaginar os quadros e murais emoldurados.


Para dar o tom exato de todas as sensações, auxiliar na criação do clima do monólogo e valorizar cada cena, enfatizando os detalhes que merecem ser destacados, foi convidado AURÉLIO DE SIMONI, que faz uma adequada iluminação.

Muito contribui para a beleza do espetáculo o trabalho de EDUARDO TORRES, que executa, ao vivo, ao violão e num instrumento de fole, cujo nome desconheço ou não consegui identificar bem, a boa trilha sonora, que leva a autoria de MÁRCIO TINOCO.

Uma curiosidade pode existir, com relação à segunda parte do título da peça. Por que “A DEUSA TEHUANA”? O substantivo “DEUSA” poderia ser explicado metaforicamente, sem que sejam necessárias explicações. Já o adjetivo “TEHUANA” refere-se aos trajes preferidos pela pintora. São roupas supercoloridas, com flores ou desenhos geométricos, de cortes mais quadrados, usadas, normalmente, em festas civis e/ou religiosas, por mulheres indígenas, da etnia zapoteca, que habitam o Istmo de Tehuantepec, em Oaxaca. A roupa theuana é considerada um “traje vivo”. Seria uma metáfora concreta do desejo de viver de FRIDA?

Jamais poderia omitir a prestimosa e preciosa colaboração de NORBERTO PRESTA, responsável pela ótima direção de movimento.



 






FICHA TÉCNICA:

Texto: Luiz Antonio Rocha e Rose Germano
Direção: Luiz Antonio Rocha

Elenco: Rose Germano

Músico: Eduardo Torres
Iluminação: Aurélio de Simoni
Operador de Luz e Som: Alexandre Holcim
Cenário, Figurinos e Direção de Arte: Eduardo Albini
Trilha Sonora: Márcio Tinoco
Assessoria de Imprensa: Racca Comunicação (Raquel Almeida)
Direção de Movimento: Norberto Presta
Fotos: Renato Mangolin e Carlos Cabéra
Realização: Espaço Cênico Produções Artísticas
Direção de Produção: Naine Produções e Diga Sim! Produções





 






SERVIÇO:

Temporada: De 02 de agosto a 29 de setembro de 2018.
Local: Teatro Eva Herz.
Endereço: Rua Senador Dantas, 45 – Centro – Cinelândia – Rio de Janeiro.
Telefone: (021) 3916-2600.
Dias e Horários: De 5ª feira a sábado, às 19h.
Valor dos Ingressos: R$50,00 (inteira) e R$25,00 (meia entrada).
Lotação: 178 pessoas.
Duração: 60 minutos.
Classificação Indicativa: 16 anos.
Funcionamento da Bilheteria: De 3ª feira a sábado, das 17h às 19h.
Vendas online: Ingresso Rápido
Gênero: Monólogo Dramático








            Fico muito feliz por ter tido a oportunidade, não de uma reparação, após ter revisto a peça, mas de ter podido escrever uma crítica, feita com muito prazer, convicção e carinho, de que os envolvidos no projeto são merecedores, por nos apresentar um belo trabalho de TEATRO.

Recomendo, com muito empenho, o espetáculo!!!



 



E VAMOS AO TEATRO!!!

OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!

COMPARTILHEM ESTA CRÍTICA, PARA QUE, JUNTOS,
POSSAMOS DIVULGAR O QUE HÁ DE MELHOR NO
TEATRO BRASILEIRO!!!



(FOTOS: RENATO MANGOLIN
e
CARLOS CABÉRA.)




GALERIA PARTRICULAR:
(FOTOS: GILBERTO BARTHOLO
e
LUAN SILVA.)































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